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domingo, 28 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24349: In Memoriam (477): José Carlos Suleimane Baldé (c. 1951 - 2022), ex-1º cabo at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1969/74): era natural de Amedalai, Xime, entrou para a Tabanca Grande em 15 de maio de 2012, depois de ter visitado Portugal em 2011


Guné > Zona Leste > Região de Bafatã > Setor L1 (Bambadinca) > Finete >  CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) > 2ª metade de 1969 > Três militares da 4º Grupo de Combate, 2ª secção... 

Da esquerda para a direita: (i) Furriel miliciano apontador de armas pesadas de infantaria, Luis M. Graça Henriques (a quem, não havendo armas pesadas na companhia, sediada em Bambadinca, foi "promovido" a "pião de nicas", tapando todos os buracos no comando de secções dos 4 Gr Comb); (ii), de joelhos, 1º cabo at inf, nº mecanográfico 82115569, José Carlos Suleimane Baldé (c. 1951-2022), de etnia fula, natural de Amedalai, regulado do Xime,  membro da nossa Tabanca Grande, nº 557; morreu em 2022, teria 71 anos; (iii) soldado at inf, nº mec 82115869, Umarú Baldé (c. 1953-2004), apontador de morteiro 60), de etnia fula, natural de Dembataco, que morreu em Portugal, de doença, na miséria, apenas ajudado por camaradas (metropolitanos) da CCAÇ 12.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > Amedalai > 26 de Julho de 2006 > O José Carlos com a família. A Odete Cardoso, esposa do ex-alf mil Jaime Pereira, é madrinha da filha mais nova do Zé Carlos, agora com 18 anos e a viver em Lisboa (onde estuda numa "escola inclusiva" e  está a frequentar o 9º ano de escolaridade).

Foto (e legenda): 
© Odete Cardoso (2023). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Coimbra > Convívio da CCAÇ 12 (2ª geração, 1971/73) > 21 de Maio de 2011 > Casa do casal Sobral (José e Ermelinda, ambos médicos, ele, estomatologista, ela obstetra, figuras conhecidas e estimadas no meio coimbrão)... > Na foto, a anfitriã, a dra. Ermelinda com o Zé Carlos Suleimane Baldé, fotografado junto à mesa das sobremesas, uma amostra da nossa grande, riquíssima, diversidade gastronómica... Destaque, nas frutas, para as cerejas de Resende (cada conviva trouxe a sua sobremesa).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Ontem apanhei uma boleia do António Duarte (ex-fur mil, CART 3493 / BART 3873, Mansambo, 1971/72, e CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74) (foto à direita). e fui até Coimbra, para participar no 50º almoço de confraternização do pessoal da CCAÇ 12 e demais subunidades que passaram  por Bambadinca entre 1971 e 1974 (*).  

Darei oportunamente notícia desse convívio que se realizou nos claustros no antigo Colégio da Graça, Rua Sofia, 136, hoje sede do núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes. 

Mas, para já, quero partilhar uma triste notícia, que lá soube, através da dra. Odete Cardoso, esposa do nosso camarada Jaime Pereira, um dos orgnizadores do encontro: o nosso 1º cabo José Carlos Suleimane Baldé morreu o ano passado. Tem cá uma filha, por sinal muito bonita (a avaliar pela foto que me mostraram)... Tem 18 anos, está a estudar numa "escola inclusiva", frequentadno o 9º ano... 

Fiquei triste, estimava-o muito... 

Estive com ele em 2011, justamente em Coimbra e depois em Lisboa... Em 2011 foi a "vedeta" principal  do convívído dos meus camaradas da 2ª e 3ª gerações da CCAÇ 12. A sua vinda a Portugal fora possível graças ao apoio do casal Jaime Pereira e Odete Pereira, mas também dos camaradas que comparticiparam com dinheiro para custear a passagem aérea. Outros camaradas, de Lisboa, também o receberam e levaram-no a passear: destaco os nomes do 
António Marques Fernandes (e a esposa Gina) e ainda o José Luís Vacas de Carvalho (cmdt do Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1969/71), sem esquecer outros camaradas, como o Victor Alves, o Murta, o Patronilho, etc.

O Zé Carlos, em 2011.
Foto: LG
Escreveu o Valdemar Queiroz, ex-fur mil da CART 2479 / CART 11 (1969/70): "o José Carlos Suleimane Baldé foi do meu Pelotão de Instrução, em Contuboel, deveria ter 70 anos, os meus sentimentos às filhas".

Depois de ter feito a recruta e jurado bandeira (em Bissau, na presença no gen Spínola), o Zé Carlos foi integrado na  CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12). Em Contuboel fez connosco, em junho e julho de 1969, a instrução de especialidade e a IAO. Fazia parte do 4º Gr Comb.

Sabemos que,  antes do final da guerra, fora dispensado da actividade operacional para dar aulas como monitor escolar em Dembataco. Foi, no meu tempo (CCAÇ 12, 1969/71), o primeiro soldado arvorado, do recrutamento local, a ser promovido (em 15 de setembro de 1969) ao posto de 1º cabo at inf, por ter completado com sucesso o exame da 4ª classe. 

Tive ocasião de ouvir da boca dele, neste convívio de 2011 em Coimbra (e depois na visita que me fez à Escola Nacional de Saúde Pública, em Lisboa,  com o casal António F. Marques), o relato de alguns momentos extremamente dramáticos por que passou, no início de 1975, quando os "balantas e mandingas",  as "hienas" e os "irãs maus" 
do PAIGC da zona leste, transformaram Bambadinca num permanente tribunal popular e num "matadouro humano"...  (Bambadinca foi, depois da independência, um dos lugares trágicos dos "ajustes de contas" dos guineenses, vencedores,  contra os guineenses, vencidos...) (**):


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel >
Centro de Intrução Militar (CIM) > 
CART 2479 / CART 11 >  
c. março/maio de 1969 >
O instrutor (Valdemar Queiroz)
e o recruta Umaru Baldé,
"menino de sua mãe"...


Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014).
Todos os direitos reservados 
Edição e legendagem complementar:
 Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(i) esteve sentado no banco dos réus, e chegou a estar encostado ao "poilão dos fuzilamentos 
de Bambadinca, valendo-lhe a influência do seu  pai e o peso dos demais "homens grandes" do chão fula, bem como a opinião generalizada de que ele,  Zé Carlos, era um homem bom, e um antigo militar de conduta correcta, apesar de ter sido um "cachorro dos tugas";

(ii) foi obrigado a assistir à execução pública de um cipaio (polícia administrativa) em Bambadinca, bem como à execução de "sete irmãos", em Bissorã, etc.;

(iii) descreveu as torturas horrorosas a que foi submetido o nosso "bom gigante", o Abibo Jau (do 1º Gr Comb da CCAÇ 12, e que depois transitou  para a CCAÇ 21, do Jamanca e do Amadu Djaló) antes de ser executado; 

(iv) andou também fugido pelo Senegal, como tantos outros camaradas nossos guineenses, e tentou ir de avião para Angola, acabando por ser apanhado e recambiado para a sua terra;

(v) o seu sonho é que dois dos seus filhos 
conseguissem ir viver e trabalhar em Portugal;

(vi) em 2011 era agricultor em Amedalai, perto do Xime, trabalhando no duro com as suas 
mulheres e filhos para sobreviver;

(vii) uma bandeira portuguesa forrava uma das paredes da sua humilde morança.

Em 15 de maio de 2012, passou a integrar a Tabanca Grande (***).

Integrar o  Zé Carlos e depois o Umaru Baldé na nossa Tabanca Grande foi, no meu entendimento,  um gesto de homenagem, de reparação moral, de solidariedade e de camaradagem. Ambos foram um  exemplo paradigmático da desgraça que aconteceu a todos aqueles guineenses, fulas e não só, que acreditaram no sonho de uma Pátria Portuguesa onde todos podiam caber, e que combateram nas nossas fileiras... Spínola foi o arauto desse sonho mas também o seu coveiro... A História nos julgará a todos! 

O Zé Carlos era ligeiramente mais velho que o "puto" Umaru Baldé (c. 1953-2004). Em 1969, eu dar-lhe-ia 17/18 anos. Terá pois nascido em 1951/52. Que descanse em paz, sob o poilão sagrado da sua tabanca de Amedalai (****).

PS -  Tanto o Zé Carlos como o  Umarú, na época de 1969/71, pertenciam à 2ª secção, 4º Gr Comb, comandada pelo Fur Mil At Inf António Marques:

CCAÇ 12 > 4º Gr Comb > 2ª secção (em meados de 1969)

Fur Mil 11941567
António Fernando R. Marques
1º Cabo 17714968 António Pinto
1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (Fula)
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (Fula)
Soldadado 82110469 Mamadú Baldé (Fula)
Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60) (Fula)
Sold 82118769 Alá Candé (Mun Mort 60) (Fula)
Sold 82118569 Mamadú Colubali (Futa-Fula)
Sold 82119069 Mamadú Baldé (Fula)

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de maio de 2023 Guiné 61/74 - P24315: Convívios (960): 50.º almoço de confraternização da CCAÇ 12, Pelotões Daimler e Pel Caç Nat, Bambadinca e Xime, 1971/74: Coimbra, Claustros do antigo Colégio da Graça, 27 de maio de 2023 (José Sobral e Jaime Pereira)

(**) Vd. postes de:

22 de maio de  2011 > Guiné 63/74 - P8311: Os nossos camaradas guineenses (32): José Carlos Suleimane Baldé... Pensando na CCAÇ 12, em Coimbra, em Amedalai, em Bambadinca... Andando pelo Planaltod as Cesaredas, à procura de amonites e orquídeas-abelhas... Celebrando a biodiversidade, a etnodiversidade, a camarigagem, os nossos encontros e desencontros... (Luís Graça)

20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8302: Os nossos camaradas guineenses (31): O José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º Cabo At Inf, CCAÇ 12 (1969/74), está em Portugal até 3 de Junho, e quer estar connosco! (Odete Cardoso / Luís Graça)

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24216: In Memoriam (475): Coronel de Infantaria Reformado, Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro (1926-2023), ex-Major Inf, 2.º Comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

IN MEMORIAM

Coronel Inf Ref Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro (26/07/1926 - 22/03/2023)
ex- Major Inf, 2.º Comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

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1. Mensagem de João Pedro Cunha Ribeiro, filho do Coronel Ângelo Cunha Ribeiro, enviada a Mário Beja Santos em 23 de Março de 2023:

Estimado Dr Beja Santos
Não queria deixar de lhe comunicar a triste notícia do falecimento do meu pai, ocorrida ontem, em casa e rodeado pela família. Foi uma morte muito serena, com todo conforto possível e julgamos que sem qualquer sofrimento.

Cordial abraço
João Pedro Cunha Ribeiro


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2. Mensagem de resposta de Mário Beja Santos:

Meu estimado João Pedro,
Recebi a sua dolorosa notícia na ilha de Santo Antão, eram férias desejadas há décadas. Pode imaginar o choque que senti, telefonávamos regularmente, o seu Pai e eu, ele ria-se muito de eu o tratar sempre por comandante, era o mais sincero dos meus tratamentos, dada a dignidade de quem o recebia e a gratíssima memória de uma convivência com um segundo comandante do BCAÇ 2852, chegou em momento de grande tensão a Bambadinca, aqui se sinistrou gravemente, no estrito cumprimento do dever.

Poderia contar-lhe dezenas de peripécias que passei ao lado do seu Pai, a mais sentida, como creio que já lhe contei, foi o desvelo com que num dos momentos mais dramáticos da minha vida, depois da explosão de uma mina anticarro, num lugar denomiando Canturé, no regulado do Cuor, ele pôs em marcha o auxílio a um contingente altamente afetado, entrei na messe de oficiais a meio de uma refeição, foi ele que se pôs de pé e deu instruções a médico e a operacionais, mandou recolher todas as sobras e meter dentro de pães para levar aos sinistrados.

Isto define um caráter, um sentido de estender a mão ao Outro, seu camarada de armas.

Ficámos sempre em boa relação, jamais poderei esquecer tão nobre figura, e o previlégio que senti em estar presente no dia dos seus 90 anos, na companhia da família e dos amigos mais estreitos.

Eu peço-lhe a gentileza de dirigir aos seus irmãos os meus sinceros pêsamos, faço questão que lhes diga que perdi um referente, alguém que muito me ensinou a fazer-me homem naquele meio e naquele tempo em que convivíamos com todos os riscos, todas as faltas e uma profunda solidão.


Curvo-me respeitosamente pela sua memória, que me acompanhará até ao fim dos meus dias.

Receba um abraço e a elevada consideração a um filho tão admirável, como o João Pedro foi,
Mário Beja Santos

Esposende > Fão > Convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71) > 1994 > Mário Beja Santos (ex-comandante do Pel Caç Nat 52) com o Coronel Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro, que foi segundo comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) a partir de Setembro de 1969, altura em que substitui o major Viriato Amílcar Pires da Silva, transferido por motivos disciplinares. Era afectuosamente conhecido, entre as NT, como "o major eléctrico"... Foi ele que deu o nome de guerra, Tigre de Missirá, ao Beja Santos.
I Encontro de BCAÇ 2852 realizado em Fão, onde estamos nós, o Ismael, o Vacas, o Carlão (suponho que era o dono do restaurante) entre outros e, em primeiro plano, os Majores Cunha Ribeiro e o Capitão Brito.

Foto e legenda: © Fernando Calado
Amena cavaqueira depois de uns bifinhos com pimenta e um bom Douro
O coronel Cunha Ribeiro e os seus três filhos, não esconde a emoção pelo dia grande

OBS: - Vd. poste de 13 DE SETEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16483: Efemérides (235): Nos 90 anos do "Major Elétrico", 2.º Comandante do BCAÇ 2852, festejados no passado dia 30 de Julho de 2016 (Mário Beja Santos)

Dois instantâneos do, então, Major Cunha Ribeiro, em Bambadinca
© Fotos do nosso camarada Jaime Machado

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Comentário do editor:

Porque só hoje soubemos do falecimento do senhor Coronel Ângelo Cunha Ribeiro, só agora podemos manifestar à família, do senhor Coronel, o nosso pesar pela perda do seu ente querido.
Ao camarada Mário Beja Santos, o nosso abraço solidário porque sabemos que mantinha contacto regular com o seu antigo 2.º Comandante, a quem, carinhosamente, continuava a tratar por Major.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24174: In Memoriam (474): Domingos Miranda (1947 - 2023), ex-fur mil op esp, CCAÇ 2549, comandada pelo cap inf Vasco Lourenço (Cuntima e Farim, 1969/71)... Funeral, hoje, dia 29/3/2023, pelas 16h00, em Torres Vedras (Eduardo Estrela)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21884: In Memoriam (392): João Manuel Vacas de Carvalho (Montemor-O-Novo, 1944 - Évora, 2021), referência da tauromaquia alentejana, antigo fur mil 'comando' em Moçambique, e irmão do nosso camarada José Luís Vacas de Carvalho (ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1969/71)

1. Vítima da Covid-19, morreu aos 77 anos no hospital de Évora, no passado dia 7, o João Manuel Vacas de Carvalho, irmão do nosso querido amigo e camarada José Luís Vacas de Carvalho.

[O Zé Luís foi  alf mil cav, cmdt dao Pel Rec Daimler 2206, nosso contemporâneo em  Bambadinca, 1969/71; tem 45 referências no nosso blogue; é um dos membros da Tabanca Grande da primeira hora, tendo participado no nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-O-Novo, em 14 de outubro de 2006; fadista amador, é técnico informático reformado. Foto abaixo, à direita.]

O João Manuel Vacas de Carvalho [, foto ao lado,] nasceu em 1944. Era três anos mais velho que o Zé Luis. Foi forcado durante 9 épocas no Grupo de Forcados Amadores de Montemor (GFAM), tendo-se estreado em 1962,  em Santarém. Fez uma comissão de serviço militar como furriel miliciano  'comando' em Moçambique, integrado na 9ª CCmds (1967/69).

A família Vacas de Carvalho está intimamente ligada ao GFAM,  com destaque para o irmão Paulo Vacas de Carvalho, antigo cabo,  e o sobrinho António Vacas de Carvalho (atual cabo do GFAM). Era grande amigo de Simão Comenda, outro antigo forcado do GFAM, igualmente vítima mortal da Covid-19. Eram duas referências da tauromaquia portuguesa. 

Em nome da Tabanca Grande, o nosso editor já teve ocasião de telefonar pessoalmente ao Zé Luís expressando-lhe, a ele e à família,  a nossa solidariedade na dor. Os irmãos Vacas de Carvalho eram 14, tendo já morrido 3.

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Nota do editor:

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20566: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - XIV (e última) Parte: "Periquito vai no mato, olé, lé, lé, / que a velhice vai no Bissau, olaré, lé, lé" ...


Foto nº 1A


Foto nº 1 >  Lisboa >  Cais da Rocha Conde de Óbidos >  fevereiro de 1966 > O João Sacôto com a filha ao colo, a esposa  do seu lado esquerdo, e a sua mãe, do lado direito. Em primeiro plano, em baixo, à direita, um caixote de "scotch whisky", daquele que vinha diretamente "From Scotland for the Portuguese Armed Forces"... (Vinha estampado no rótulo, que era para se vender na candonga...)


Foto nº 2 >  T/T Uíge > Fevereiro de 1966 > Refeição a bordo, no regresso a Lisboa. Da esquerda. para a direita, oficiais da CCAÇ 617: (i) alf mil Farinha (era arquiteto, já faleceu): (ii) alf mil  Santarém (foi professor liceal na Guarda); (iii) alf mil Gonçalves (é industrial de plásticos); (iv) alf mil Sacôto (foi comandante da TAP); v) alf  mil Monteiro, de outra unidade).... Recorde-se que a CCAÇ 617 / BCAÇ 619, partiu para o CTIG em 8/1/1964 e regressou a 9/2/1966-, tendo sido comandada pelo cap inf António Marques Alexandre. Esteve em Bissau, Catió e Cachil.


Foto nº 3 > Catió (c. 1964/66) > "Periquito vai no mato, olé-lé-lé, / que a velhice vai no Bissau, olaré lé lé"... Quem não se lembra da cantiga mais saborosa da Guiné ?!... [Trata-se de um  periquito-da-guiné, também conhecido, na Guiné-Bissau, por massarongo (Poicephalus senegalus). Fonte: Wikipedia]

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Montemor-o-Novo-Ameira > 14 de outubro de 2006 > I Encontro Nacional da Tabanca Grande > O  J. L. Vacas de Carvalho interpreta algumas das cantilenas  do nosso tempo da Guiné, a começar pelo famoso "Periquito vai no mato"... Reconhece-se, atrás do nosso querido artista de Bambadinca (1969/71), o Martins Julião, o nosso saudoso Fernando Franco (1951-2020), a Alice Carneiro,  a Lígia, esposa do David Guimarães,  o António Baía, o Paulo Santiago, o David Guimarães, o Jorge Cabral, entre outros. Em voz "off", o Luís Graça... Vídeo: 1' 20 ''.

Vídeo (e legenda): © Luís Graça  (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Último poste com as fotos do álbum da Guiné, do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes:

(i) ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66);

(ii) trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC (Direção Geral de Aeronáutica Civil);

(iii) foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.

(iv) estudou no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF, hoje, ISEG):

(v) andou no Liceu Camões em 1948 e antes no Liceu Gil Vicente; (vi) é natural de Lisboa; (vii) casado;

(viii) tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo seguido por mais de 8 dezenas de pessoas);

(ix) é membro da nossa Tabanca Grande, desde 20/12/2011;

(x) já viajou por mais de 50 países.


2. Estas são as derradeiras fotos do álbum da Guiné... E, como todas as histórias que acabam bem, temos o nosso herói de regresso a casa, onde é recebido pela mãe, a esposa e a filha... Além do "Roby", o cão-herói,  trouxe, como ele, como  "recuerdo", uma caixa de garrafas de uísque Johnnie Walker (foto nº 1), coisa que era ainda um luxo no Portugal provinciano desse tempo... 

E aqui começou uma nova vida, uma nova carreira profissional, brilhante, como piloto da aviação civil.

No regresso, lá no T/T Uíge, beberam-se os últimos copos, trocaram-se moaradas e telefones (quem os tinha, ainda era um luxo também, ainda não havia e-mails, telemóveis) e fizeram-se promessas de novos (re)encontros.

Estamos gratos ao João pela paciência eo carinho com que, ao longo de um longo, colaborou connosco  neste projeto, aceitando pôr as suas fotos da Guiné "on line",  na página do seu Facebook e no nosso blogue, aqui organizadas por categorias temáticas, que deram origem a 14 postes (*), e procurando sempre, prestável e  amável, responder às nossas dúvidas sobre a legendagem.

Dos muitos comentários que os nossos camaradas foram fazendo a estes postes, destaco o do António Murta, com data de 18/10/2019..Ele fala por todos nós:

"De tempos a tempos, lá surgem estas séries fotográficas do João Sacôto, desenterradas das profundezas do baú e dos tempos. São uma bênção para a alma e uma delícia para os olhos. Vem saciar uma certa nostalgia daquele tempo e daquelas paragens. Não que eu tenha saudades da guerra e dos efeitos nefastos que ela trouxe a todos nós, mas ao ver estas imagens, de tão boa qualidade, empolgo-me por voltar a ter vinte anos e estar lá de novo. Mesmo com água pelos joelhos... Obrigado, João Sacôto."
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 26 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20501: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte XIII: Um heli Alouette II, oficiais do batalhão e outras fotos

Vd. postes anteriores:

11 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20441: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte XII: Mais fotos da população de Catió, com destaque para as mulheres e bajudas

3 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20412: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte XI: Mais fotos, parte delas sem legendas...

18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20252: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte X: Cabedu, Cantanhez



20 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19604: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VI: Em Príame, a tabanca do João Bacar Jaló (1929 - 1971)

3 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19546: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte V: Catió, o quartel e a vida da tropa

28 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19539: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte IV: Catió: as primeiras impressões

17 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19502: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte III: O meu cão Toby, que fez comigo uma comissão no CTIG, e que será depois ferido em combate no Cantanhez

10 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19488: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte II: Chegada a 15/1/1964 e estadia em Bissau durante cerca de 2 meses

4 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19468: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte I: A partida no T/T Quanza, em 8/1/1964

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20546: Dando a mão a palmatória (33): Uma Daimler era uma Daimler e uma Fox era uma Fox... É preciso vir um artilheiro (António J. Pereira da Costa) corrigir os infantes...


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole > Pel Rec Daimler 2046 (1968/70 > Isto é uma Fox... que pertencia ao Pel Rec Daimler, comandado pelo Jaime Machado... Participou, enquanto foi viva,  em colunas de transporte de tropas e civis, incluindo a das Op Cabeça Rapada (março-maio de 1969).


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Estrada Bambadinca . Mansambo - Xitole > Pel Rec Daimler 2046 (1968/70 > Isto é uma Daimler (matrícula ME-90-90)... que pertencia ao Pel Rec Daimler, comandado pelo Jaime Machado (que vai empoleirado na parte de trás)... Participou, enquanto foi viva,  em muitas colunas logísticas , incluindo a Op Lança Afiada e a  Op Cabeça Rapada (março-maio de 1969).

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pel Manut > Isto... era uma Fox, que morreu de velha, ou capotou... Pertencia ao Pel Rec Daimler 2046, que era comandando pelo Jaime Machado, nosso grã-tabanqueiro.


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pel Manut > Isto... era uma Fox, a da fotografia de cima (, aqui vista de ângulo, com as entranhas à mostra)...  Na foto, o Otacílio.

Foto (e legenda): ©   Otacílio Luz Henriques,  (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Isto é uma Fox, explica o Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, um dos heróis de Gadamael que a Pátria nunca reconheceu... A viatura blindada pertencia ao Pel Rec Fox 3115, Os Pipas (1972/74).

Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho  (2007. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > Isto é uma Daimler, explica o Virgílio Teixeira.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


Guiné Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Pel Rec Daimler 3089 > (Teixeira Pinto, 1971/73) Fevereiro de 1973 > A chegada de Caió > Isto também é uma Daimler (matrícula ME-90-90)... vísível a cabeça e parte do tronco do 1º cabo apontador Manuel Lucas.

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O meu coronel art ref António J. Pereira da Costa não me perdoa o mais pequeno deslize ... E ainda bem que assim é, e que ele, neste caso, estava atento... Escreveu, em comentário (*):

 "Não vejo as Daimler, mas devem lá andar. A AM [Auto-Metralhadora] que está em grande é uma Humber ou uma Fox"... 

Referia-se à primeira foto, acima reproduzida, de novo...

E tem razão... A gente às vezes "troca(va) o material"... Mas, aos "infantes", perdoa-se a muita ignorância com que foram, mal preparados, para a guerra...

Enfim, aqui ficam as nossas desculpas, aos leitores, depois de darmos a mão à palmatória (**)... 

PS1 - O Jaime Machado pode confirmar se aquela Fox era mesmo dele, ou era dos "cavaleiros" de Bafatá... Eu, que ainda sou do tempo do Jaime, não me lembro de ele andar de Fox...muito menos de Humber... Lembro-me, sim, das suas velhinhas Daimlers, que depois foram herdadas pelo  Zé Luís Vacas de Carvalho, cmdt do  Pel Rec Daimler 2206 (Bambadinca, 1969/71).

PS2 - Em louvor das suas velhas Daimlers, saltitonas, que ele punha sempre num brinquinho, escreveu, em verso, o Francisco Gamelas, cmdt do Ple Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73):

(...) Rolando sobre a estrada
a abrir e a fechar
colunas civis ou militares,
éramos a força esperada,
metralhadora pronta a cantar
ao desafio os seus cantares.

Impunham algum respeito
estas massas de ferro circulante,
armadas e brutas,
nem que fosse pelo efeito
grotesco de velho ruminante,
sobrevivente de esquecidas lutas. (...)


In: Francisco Gamelas - Outro olhar: Guiné 1971-1973.
Aveiro, 2016, ed. de autor, pp. 29-31
(Reproduzido com a devida vénia).
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20541: Questões politicamente (in)correctas (48): Op Cabeça Rapada I, II, III e IV, no setor L1 (Bambadinca), março-maio de 1969: mobilizados milhares de civis, recrutados pela administração do concelho de Bafatá... Não sabemos se foram "voluntários" e "devidamente remunerados"... (Luís Graça / Torcato Mendonça / Albano Gomes / Carlos Marques Santos)

(**) Último poste da série > 2 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20196: Dando a mão à palmatória (32): O texto sobre os "Alentejanos de pele escura" é do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro, é de 2008 e tem sido sistematicamente "pirateado" na Internet... O interesse pelo tema surgiu quando o autor conheceu, em Mafra, na EPI, no COM, um soldado-cadete que era um "mulato de Alcácer" e que, na recruta, foi vítima de "bullying" racista...

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20173: In Memoriam (350): António Manuel Carlão (1947-2018): Testemunho de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Não é impunemente que se viveu meses a fio ombro a ombro com aquele, acabamos de saber, já partiu e nós não sabíamos do passamento. A consternação é sincera, a CCAÇ 12 e o meu pelotão éramos pau para toda a colher, e não havia refilanços, era aguentar e cara alegre. Transformo esta mágoa do seu desaparecimento na recordação de um episódio um tanto brejeiro que vivi com o Carlão e daqui me curvo respeitosamente diante da sua família.

 Um abraço do
Mário


In Memoriam de António Carlão: Eu e a CCAÇ 12

Beja Santos

Foi com profundo constrangimento que recebi a notícia da perda do António Carlão, meu camarada em Bambadinca, por larguíssimos meses. Tanto quanto me recordo, a CCAÇ 12, comandada pelo Capitão Brito, chegou a Bambadinca, vinda de Contuboel, na segunda metade de 1969, ficou adstrita ao BCAÇ 2852. Os seus pelotões andaram em aperfeiçoamento operacional pelas redondezas, recebi em Missirá dois desses pelotões, andarilhámos por Mato de Cão, fomos até ao rio Gambiel e a Salá, eram os confins possíveis para patrulhamentos com caráter instrutivo, correu tudo muito bem, o que me impressionava é que aqueles soldados eram quase crianças, felizmente barulhentas e sadias.

Em novembro, o Comando de Bambadinca manda-nos para a intervenção, outro Pelotão de Caçadores Nativos, o 54, seguiu para o regulado do Cuor. Intervenção no Setor L1 significava um pequeno universo de atividades: levar munições para as milícias e populações em autodefesa, tanto podia ser em Madina Xaquili, no Cossé, como em Moricanhe, uma população sacrificada que ficava no termo de uma picada que partia de Amedalai, passava por Demba Taco e Taibatá; trazer ou levar doentes; pernoitar na ponte do rio Unduduma; passear à volta da pista de aviação, entre o anoitecer e o madrugar, uma atividade escabrosa, por ali se andava debaixo dos focos da pista, melhor posição para o tiro ao alvo não havia na região; e levar ou trazer correio, incluindo o expediente para o Comando do Agrupamento; dar assistência e continuidade nos Nhabijões, a CCAÇ 12 e o meu pelotão alinhavam de acordo com a escala; pernoitar na missão do sono no Bambadincazinho; fazer colunas ao Xitole, era uma digressão impressionante de dezenas de viaturas de civis onde se intercalavam as nossas tropas, com a GMC à frente, tudo bem planificado, picava-se daqui para ali, até Mansambo, os de Mansambo picavam até à ponte cujo nome não me ocorre, daí quem picava era a malta do Xitole, era uma viagem desabrida, nuvens de laterite evolavam-se para os céus em toda a época seca, chegava-se ao Xitole era despejar e recarregar, paragem relâmpago e regressava-se à velocidade máxima que a picada consentia; e havia outros afazeres miudinhos atinentes à escala do quartel; e deixo para o fim do cardápio a participação em operações e, coube-me no final da comissão, todo o mês de julho de 1970, a segurança ao alcatroamento da estrada entre o Xime e Amedalai.

A vida da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 52 fazia-se em números de trapézio, revezávamos nesta vida de andarilhos, éramos uma CCS em permanente movimento, de armas na mão, um serviço de urgência 24 horas ao dia.

 Alf Mil Beja, CMDT do Pel Caç Nat 52

Cheguei em novembro, e continuo a olhar para esta fotografia sem perceber como um mês antes saíra vivo de uma mina anticarro, vivera meses esgotantes correspondentes a viagens praticamente diárias a Mato de Cão, estava-se na finalização das obras do porto do Xime, ninguém nos informara mas a região Leste recebia cada vez mais tropa com os inerentes reabastecimentos, eram comboios de embarcações civis com uma unidade da Armada a intimidar quem, eventualmente, do lado de Ponta Varela, quisesse bazucar. A fotografia dá-me outra dimensão: o corredor dos quartos dos oficiais, ao fundo, junto daquela barreira de bidões pintados de verde, era a nossa messe. Eu dormia num quarto com dois alferes da CCAÇ 12, camaradas de mão cheia: o Magalhães Moreira e o Abel Rodrigues, havia uma quarta cama para um qualquer oficial em trânsito. A porta que se vê no início do corredor dava frontal ao quarto do tenente da secretaria, seguia-se o quarto do médico e do capelão, que discutiam furiosamente a existência de Deus naquela guerra apoplética, depois os oficiais de transmissões e do parque automóvel, mais gente da CCAÇ 12, no fim os oficiais do Comando.

Com todos estes números de trapézio, de sair com duas secções, de patrulhar com dois pelotões, de fazer operações, era impensável não comunicar com o Carlão, exuberante, caminhando ereto para que não parecesse de estatura quase mediana. Tivemos um pequeno desaguisado, relatei-o no meu diário, e já aqui apareceu no blogue. Numa noite, já em pleno madrugar, vim da malfadada pista de aviação, e de manhã cedo estava escalado para patrulhar Samba Silate, outrora a mais populosa tabanca da Guiné, que se desfez nos finais de 1963, havia sempre fortes indícios da presença de populações que vinham seja do Buruntoni ou cambavam vindos de Madina, sonhava-se em apanhar esses civis com a boca na botija ou descobrir as canoas e rebentá-las, queria mesmo ir dormir e eis que ouvi da messe de oficiais uma voz maviosa que cantava “Bésame, bésame mucho, como si fuera esta noche la ultima vez”. Aturdido com o fenómeno, pensando que estava a sonhar, entrei na messe, e uma rapariga rechonchuda, com as maçãs do rosto avermelhadas, um cabelo loiro corrido, era a cantadeira e o José Luís Vacas de Carvalho dedilhava, com uma pose de Raul Nery. O Carlão, cheio de garbo, veio-me apresentar a mulher, vinha para estadear. Dias mais tarde, Jovelino Sá Moniz Pamplona de Corte-Real, o Comandante, à hora do almoço, avisa-me que temos reunião aí pelas três da tarde, ele nunca recusava a sesta. E deu-me ordens, amanhã comanda a catrafilada de viaturas até ao Xitole, não se preocupe, há muita gente a picar a estrada, vai na mecha e regressa na mecha, as viaturas estão a ser revistas, para evitar pneus rebentados ou avarias estúpidas. Organize o comboio como quiser. Como é óbvio, foi anulado o meu programa da tarde, andei a conversar com meio mundo, tudo pela calada, aquelas colunas deviam ser feitas com a máxima discrição.

Ao amanhecer, com o suporte de muita gente, começou a organizar-se o enfileiramento das viaturas, muitas delas metiam dó, iam ajoujadas, eram carcaças velhas, sobreviviam milagrosamente. E é neste afã que me aparece o Carlão com a Helena, esta de camuflado, e o Carlão anuncia-me que ela vai até ao Xitole e volta comigo. De atónito com tal proposta, a voz empastelou-se-me, era inacreditável, recompus-me e disse perentoriamente que não. Deu sarrafusca, felizmente que o bom senso imperou, a Helena ficou em casa, para sossego de todos.


Foi um prazer enorme revê-lo em Fão, em 1994, foi uma reunião destes trapezistas da guerra, conseguiu-se levar um antigo 2.º Comandante que gravemente se acidentou na rampa de Bambadinca, o então Major Ângelo da Cunha Ribeiro. Passara-se um quarto de século, o Carlão surpreendeu-me com o cabelo pintado, com a franqueza do costume explicou-me que não se pode estar ao balcão com um ar de velhadas, e reconstituí com a Helena, um pouco mais rechonchuda, aquelas peripécias da coluna ao Xitole.

Quando nos desaparece mais um camarada, daqueles com quem se vivera momentos improváveis, dores de outras perdas, dá-me para reconstituir alguns desses momentos de brejeirice que se nos atravessou pelo caminho, saber que ele está na paz do Senhor, assim o constrangimento da perda é minorado e o meu abraço à Helena e aos filhos é tão familiar como as agruras e desavenças que vivemos fraternamente, no périplo de Bambadinca, entre 1969 e 1970.
Repousa em paz, António Carlão.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20169: In Memoriam (349): António Manuel Carlão (1947-2018): testemunhos e comentários (Abel Rodrigues, Fernando Calado, Arsénio Puim, Jorge Cabral, Luís Graça)

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16251: In Memoriam (260): Joaquim [António Pinheiro] Vidal Saraiva (1936-2015), especialista em Cirurgia Geral, ex-alf mil med CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, nov 1969/jun 1970) e HM 241 (Bissau, 1970)... Está sepultado em Valadares, V. N. Gaia. Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 720, a título póstumo.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > 1970 > Destacamento de Nhabijões > Assistência médica à população do reordenamento de Nhabijões, maioritariamente de etnia balanta (e com "parentes no mato", tanto a norte do Cuor como ao longo da margem direita do Rio Corubal, nos subsetores do Xime e do Xitole). Como se vê, a consulta médica era muito pouco privada... Além disso, o médico tinha que utilizar os serviços de um intérprete (, que está de pé, ao lado do paciente, que veio diretamente do trabalho, na bolanha). Ao canto superior esquerdo, há um tabuleta em madeira onde se lê: "Por favor não deitar lixo para o chão".

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Na foto, vemos quatro oficiais, só um dos quais é do Quadro Permanente (o major op inf Herberto Alfredo do Amaral Sampaio); os restantes oficiais são milicianos:

(i) o alf mil cav J. L. Vacas de Carvalho (de calções, sentado), comandante do Pel Rec Daimler 2206 (que tinha chegado ao Sector L1  em jan/fev de 1970, e que é membro do nosso blogue);

(ii) o alf mil médico Joaquim Vidal Saraiva (, chefado à CCS, em novembro de 1969, vindo de Guileje);

e (iii) ainda um outro alf mil, de pé, de camuflado, que era um adjunto do major: foi ele próprio, em comentário, de 19 de junho de 2010, ao poste P6596, quem se apresentou aos nossos leitores:

"Sou eu, João António Leitão Simões Santos, natural do Cartaxo, nascido a 19/07/1948, residente no Cartaxo. Era alf mil na CCS do BCAÇ 2852 e tinha a especialidade de Reconhecimento e Informação. Fui eu que fiz o levantamento topográfico e acompanhei parte da construção dos Nhabijões. Quando da vinda do BCAÇ 2852, para a Metrópole [em 8 junho de 1970], fiquei no BENG 447, na Secção de Reordenamentos, fazendo serviço no BENG 447 e no QG, na Amura, coordenando o envio de materiais de construção para os reordenamentos".


2. O alf mil méd Joaquim Vidal Saraiva foi identificado, nesta foto do Arlindo T. Roda,  por dois camaradas nossos,  o ex-1º cabo cripto Gabriel Gonçalves, da CCAÇ 12 (1969/71) e o ex-alf mil cav, José Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206 (1970/71). O Zé Luis gostava de acompanhar os médicos da CCS porque "queria ir para medicina"... O Zé Luís também identificou o major Sampaio.

O Vidal Saraiva, lembro-me bem dele, eu e o Fernando Sousa, o nosso 1º cabo aux enf:  ficou retido um dia no mato, connosco, CCAÇ 12,  Pel Caç Nat 52 e outros, na Op Tigre Vadio, em março de 1970.

De seu nome completo, Joaquim [António Pinheiro] Vidal Saraiva, nascido em 26 de Junho de 1936, trabalhou. no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE. Terá também trabalhado antes do Hospital de São João, no Porto, segundo o Fernando Sousa, que vive na Trofa e que um dia o viu lá. Fez a licenciatura em medicina e cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, para a qual entrou no ano letivo de 1957/58.

Estava inscrito na Ordem dos Médicos, Secção Regional do Norte,  como especialista em Cirurgia Geral.  Residia em S. Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia... Deve-se ter reformado antes dos  70 anos.


Capa do Anuário da Universidade do Porto, ano escolar de 1957/58, donde consta o nome de Joaquim Manuel Pinheiro Vidal Saraiva, como aluno  do 1º ano da licenciatuira de medicina e cirurgia. (Imagem reproduzido com a devida vénia...).

O Fernando Andrade Sousa, da Trofa, deu-me a triste, há umas semanas atrás: o dr. Vidal Saraiva, o nosso médico de Bambadinca,  havia já morrido, no ano passado, em 21/6/2015, fez agora um ano. Está sepultado em Valadares, Vila Nova de Gaia. O Fernando leu a notícia necrológica no JN - Jornal de Notícias,e  guardou o recorte, com a fotografia dele. A última vez que o viu, "já bastante acabado", foi num encontro do pessoal de  Bambadinca, em 2004, em Ferreira do Zêzere.

O nosso camarada não chegou, portanto,  a completar os 80 anos (que faria a 26 de junho de 2016). Com ele morreu também algo de nós que convivemos com ele, seis ous ete meses em Bambadinca...


3. O Zé Luís Vacas de Carvalho, que foi comandante, em Bambadinca, do Pelotão Daimler 2206,  lembra-se bem do Vidal Saraiva:

"Estivémos com ele em 2004, em Ferreira do Zêzere.  Era médico  em Gaia. Lembro-me uma vez que o Piça [, 2º sargento da CCAÇ 12,] entornou um jipe cheio de gaiatos e, como eu queria ir para medicina, estive a ajudá-lo a fazer curativos" (...).

Esta cena, com o Piça, pensava eu que se teria passado em janeiro ou fevereiro de 1971, já no final da nossa comissão, quando já esperávamos os "periquitos"... E andávamos completamente "apanhados pelo clima"... Mas. não, deve ter isdo antes... Felizmente, não morreu nenhum puto, E o Vidal Saraiva foi, mais uma vez, inexcedível, juntamente  com o nosso fur mil enf,  o João Carreiro Martins, da CCAÇ 12. Sim, deve ter sido um ano antes, quando o Vidal Saraiva ainda estava em Bambadinca.

 Não, não podia ter sido em janeiro ou fevereiro de 1971.  O Benjamin Durães não o cita como um dos quatro  médicos do seu tempo, ou seja,  do tempo da CCS/ BART 2917...Lembro-me bem do alf mil médico. Mário Gonçalves Ferreira, que esteve na sede do Batalhão em Bambadinca, de 27 de maio de 1970 a 25 de janeiro de 1971, data em que foi transferido para o HM 241, em Bissau.

Segundo informação do Beja Santos, o Vidal Saraiva terá vindo de Guileje, por volta de outubro ou novembro de 1969, vindo substituir o David Payne, na CCS/BCAÇ 2852. O David Payne Rodrigues Pereira, que já morreu, fez mais tarde a especialidade de  psiquiatra (ou já era especialista em 1968/70, não sei exatamente). Nessa altura quem estava em, Guileje era a CART 2410, " Os Dráculas" (junho 1969/março 1970). A CART 2410, além de Guileje, também esteve em Gadamael e Ganturé,

Pelo menos dois membros da nossa Tabanca Grande pertencerama  esta companhia e é possível que se lembrem do Vidal Saraiva: (i) o fur  mil Luís Guerreiro [da CART 2410, e do Pel Caç Nat 65 (Piche, Buruntuma e Bajocunda], e que vive em Monterreal, Canadá; e (ii) o alf mil  José Barros Rocha, de Penafiel.

Tenho ideia  de que os nossos médicos passavam uns escassos meses nas CCS dos batalhões, sendo solicitados para aqui e para acolá (e nomeadamente para o HM 241, em Bissau), sobretudo os cirurgiões, de que havia muita falta. Foi o caso do Vidal Saraiva que acabou o resto da comissão no HM 241, na  cirurgia, de acordo com o testemunho do seu colega (e  nosso camarada) José  Pardete Ferreira (que esteve no CAOP1, Teixeira Pinto, e no HM 241, Bissau, 1969/71). O J. Pardete Ferreiat esteve no HM 241 com o J. Vidal Saraiva. Não sabemos quando este terminou a sua comissão: talvez já em 1971...

Mas o Vidal Saraiva nem sequer vem na lista dos oficiais médicos que constam da História do BCAÇ 2852...  Deve ter ido para Bissau em meados de 1970,  talvez no início de junho, altura em que o BART 2917 (1970/72) tomou conta do Sector L1, rendendo o BCAÇ 2852 (1968/70). Foi nessa altura que chegou o Mário Gonçalves Ferreira.

Na Op Tigre Vadio (*), a uma das bases do PAIGC na região de Madina / Belel, a norte do Rio Geba, no limite do Sector L1, em março de 1970, o Saraiva veio no helicóptero de reabastecimento com o Beja Santos, depois do ataque às instalações do IN, para prestar assistência médica aos casos mais graves de intoxicação (devido ao ataque de abelhas), de desidratação e de ferimentos por fogo do IN...

Acabou por ficar em terra uma vez o que o helicóptero, danificado (por "fogo amigo", ao que parece, na versão do Beja Santos), já não voltou... Deixou o Beja Santos no Xime e zarpou para Bissau...

O dr. Vidal Saraiva acabou por aguentar, de pé firme, o resto do dia e toda a noite e toda a manhã, acompanhando-nos e socorrendo os mais combalidos, sempre auxiliado pelo valente Fernando Sousa (que estava em todas, um herói da CCAÇ 12!),  na nossa extremamente penosa,  dramática e inesquecível viagem de regresso, até ao aquartelamento do Enxalé.

Um pesadelo, camaradas!... É daquelas situações de guerra que nos fica gravadas, na memória, toda a vida, para sempre!

O nosso camarada Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo cripto da CCAÇ 12, tem também uma grata recordação deste oficial médico:

"O dr. Saraiva, safou-me quando estive muito doente. Por isso é que me lembro bem dele. É um excelente ser humano. Não sei se te lembras, de um filme rodado na enfermaria, de uma operação ao 'corte do freio', efectuada com todos os requisitos! O nosso furriel enfermeiro, o "Bolha-d'água", assistiu o dr. Saraiva nessa operação! Já não me lembro quem era o paciente, mas que foi um sucesso, lá isso foi".

O Jaime Machado e o Beja conheceram-no muito bem ... e os dois têm ainda bem presentes,  na memória,  o desastre que vitimou o Uam Sambu, no dia de ano novo de 1970. Apesar dos primeiros socorros prestados em Bambadinca pelo Vidal Saraivba e a sua equipa. o pobre do  Sambu não sobreviveu (**).



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 >  Porrmenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Uam Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva que se vê na foto,  de óculos escuros, assinalado a amarelo. O Beja Santos está de costas, com o camuflado encharcado de sangue, tendo transportado o Sambu
as costas até ao quartel. À esquerda do Beja Santos, sob a asa da DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, está o fur mil enf da CCAÇ 12, o meu amigo João Carreiro Martins, de quem não tenho notícias há uns anos. E do lado direito, em calções e sem camisa estou eu.  Ainda não conseguimos identificar a enfermeira paraquedista, em fernte do dr. Vidal Saraiva. Recorde-se que na manhã de 1/1/1970, à saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, o Uam Sambu, do Pelç Caç Nat 52,  foi vitíma de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida. Morreu, na DO 27. a caminho do HM 241.

Foto: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


Convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71)> Ferreia do Zêzere > 31/5/2003 > O Fernando Sousa em primeiro plano e por detrás o dr. Vidal Saraiva, com 67 anos.

Foto: © Fernando Sousa (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Vidal Saraiba no reordenamento de Nhabijões (1970).
Foto de Arlindo Roda (2010)
4. Tenho ainda,  também, bem presente, uma história envolveu o nosso Vidal Saraiva: 

Estávamos numa "farra", que metia copos e bailação, na extensão de Bambadinca do Bataclã de Bafatá (, bairro da Rocha,) , e que acabou dramaticamente, às tantas da manhã, com a tentativa de reanimar, no posto médico, no quartel, uma criança, filha de uma das nossas amigas coloridas, acometida de um grave (e fatal) problema de insuficiência cardiorrespiratória...Possivelmente, seria um caso de morte súbita durante o sono...

Ainda não tive arranjar tempo (nem muito menos coragem) para reconstituir este trágico episódio... Precisava que os meus camaradas, presentes nessa noite, me ajudassem a refrescar a memória... Há pormenores a rever. O médico de serviço, esse, lembro-me bem dele, também estava presente, tentando divertir-se: era o alf mil med Joaquim Vidal Saraiva, da CCS/BART 2917, mais velho do que nós, furriéis e alferes milicianos, pelo menos uns 10 anos...

Soleimatu, Ana Maria, Helena...Havia também em Bambadinca, na tabanca de Bambadinca, logo a seguir ao quartel, quando se descia rampa, uma morança que era de uma delas (?) ou era de um azeiteiro qualquer, proxeneta (da tropa ou civil ?)... Já não me recordo. Sei que fazíamos lá farras... Era o Sempre em Festa, o Bataclã de Bambadinca...

Um dia, a filha, pequena, de um delas ( talvez da Soleimatu), adoeceu subitamente, a farra acabou na enfermaria de Bambadinca com o médico, o Saraiva, a tentar salvá-la, com os escassos meios que tínhamos... Foi uma noite de pesadelo, de encarniçamento terapêutico, fizemos tudo que sabíamos e podíamos para a salvar.... Também fui um dos que segurei a miúda que devia ter um ano e tal.... Morreu às cinco da manhã...

Fiquei muito impressionado. Fizemos uma coleta para ajudar a mãe, amiga da Helena, a famosa e dengosa Helena de Bafatá... Talvez fosse a Soleimatu (?).... (O sexo em tempo de guerra, a nossa miséria sexual, o drama destas jovens mulheres, algumas já com filhos!)...

Pois é, camaradas.. Apesar de todos os esforços (e sobretudo do nosso Pastilhas, o fur mil enf João Martins, da CCAÇ 12,  e do dr. Vidal Saraiva), a criança morreu nas nossas mãos, já no posto médico de Bambadinca... Ou já vinha morta, da morança onde a malta dançava...Sei que o baile acabou, com grande consternação de todos e todas...   

Quem é que se lembra deste trágico episódio, no "Bataclã" de Bambadinca, uma improvisada "boite" que ficava na tabanca de Bambadinca, fora portanto do perímetro do arame farpado ? Talvez o Tony Levezinho, o Humberto Reis, o Joaquim Fernandes, o Luciano, o Gabriel Gonçalves, o Zé Luís Vacas de Carvalho... Dançava-se (e bebia-se) ao som de música de gira-disco... Já não me lembro quem era o "empresário da noite", seria seguramente alguém que tinha jeito para o negócio...

Sei que isto se passa nos primeiros meses de 1970, ainda antes do Vidal Saraiva partir para o HM 241... Morreu, de morte súbita durante o sono, uma criança, bebé, talves ainda de meses, filha de uma das nossas "amigas de Bafatá"... Tentámos tudo para a reanimar...

Fazer um baile na tabanca de Bambadinca, sem segurança, perguntarão alguns se não seria temerário... A resposta é não. Todos os nossos 100 soldados africanos, fulas, fidelíssimos, dormiam na tabanca... Mais: eram todos desarranchados e tinham mulheres e filhos em Bambadinca, misturados com gente vária (, incluindo simpatisantes do PAIGC)... Havia 2 grandes tabancas em Bambadinca: Bambadincazinho, a oeste do aquartelamento e posto admnistrativo (com escola, correios, igreja...), e Bambadinca p. d. a leste...




JN -Jornal de Notícias, 21/6/2015. Recorte de imprensa gentilmente enviado pelo nosso amigo e camarada Fernando Sousa



O Vidal Saraiva foi um grande médico e um grande camarada. Em vida, tentei em vão contactá-lo pelo o seu nº de telefone, de casa e da clínica. Onde quer que ele esteja, provavelmente no Olimpo da Medicina, ao lado do seu mestre Hipócrates, mando-lhe um abraço tentacular de saudade, camaradagem e homenagem. O que me diria, se fosse vivo, hoje, aos 80 anos ? Repetir-me-ia o famoso aforismo de Hipócrates, traduzindo 25 séculos de sabedoria: "A vida é curta, a arte é longa, a oportunidade é fugaz, a experiência enganosa, o julgamento difícil.” .

Era muito raro um médico ir para o mato. O mesmo acontecendo com os furriéis enfermeiros... Depois da Op Tigre Vadio, o seu prestígio aumentou aos meus olhos, Por tudo isto, ele merece um lugar de destaque, aqui,  à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, por sugestão minha e com o apoio do Fernando Sousa, o ex-1º cabo aux enf da CCAÇ 12, membro recente da nossa Tabanca Grande, e que nos triouxe a funesta notícia, a da morte do dr. Vidal Saraiva... E com o apoaio, também, seguramente dos camaradas que, no TO da Guiné, tiveram o privilégio de o conhecer e de com ele conviver.

Vidal Saraiva, presente!.,..Serás, a título póstumo, o nosso grã-tabanqueiro nº 720. (***)  (LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

(***) Último poste da série > 31 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16150: In Memoriam (259): José Manuel P. Quadrado (1947-2016): mais um bravo do 1º pelotão da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) que nos deixa, 47 anos depois de desembarcarmos em Bissau; vivia na Moita, foi 1º cabo apontador de dilagrama, e comandante de secçcão: vai simbolicamente repousar sob o poilão da Tabanca Grande... Que a terra da tua Pátria te seja leve, camarada!