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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24688: Notas de leitura (1618): "A Guerra de Moçambique 1964-1974", por Francisco Proença Garcia; Coleção Guerras e Campanhas Militares da História de Portugal, edição da Quidnovi, 2010 (Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
A Coleção Guerra e Campanhas Militares da História de Portugal, da Quidnovi, constituiu um meritório esforço coletivo que abarcou, como é óbvio, os três teatros africanos no limite do império. Coube ao general Francisco Proença Garcia a redação da sinopse da guerra de Moçambique, e o autor dá-nos satisfatoriamente a relação dos pontos capitais, desde a génese do independentismo na região, passando pelo confronto pelo independentismo e as autoridades portuguesas, esquematizando uma manobra político-diplomática, militar, psicológica, socioeconómica e de informações. Nas conclusões, o autor escreve: "A manobra militar visava ganhar tempo para a solução política e permitia ao mesmo tempo a criação de um ambiente mais seguro para que a manobra socioeconómica de conquista dos corações e das mentes se concretizasse. Esta estratégia só foi possível com o apoio de uma manobra de informações que não visava apoiar apenas a manobra militar, trabalhando também em prol das outras manobras, destacando-se o estudo das populações. Porém, o sistema internacional mudará e não acolheu o modelo pretendido por Portugal. Dominaram os fatores exógenos, que não deixaram de agir até hoje. Esgotada que estava a capacidade de resposta portuguesa, a decisão do fim do império acabou por ser do aparelho militar".

Um abraço do
Mário



A Guerra de Moçambique 1964-1974, por Francisco Proença Garcia

Mário Beja Santos

Sinopse da obra, de acordo com o autor:
“De acordo com os seus próprios estatutos, a FRELIMO tinha por objetivo a liquidação total da dominação colonial portuguesa e de todos os vestígios do colonialismo e do imperialismo, a conquista da independência imediata e completa de Moçambique e a defesa e realização das reivindicações de todos os moçambicanos explorados e oprimidos pelo regime colonial português. A argumentação da FRELIMO para a guerra baseava-se na rejeição do colonialismo como uma já longa tradição, referindo-se como "resistência" o conjunto de reações dispersas e de cunho tribal contra a conquista colonial. Aquela argumentação assentava ainda, segundo Samora Machel, na justificação da natureza do colonialismo português e das alianças que o apoiavam. Para a FRELIMO, estes fatores, que criavam oposição à considerada dominação estrangeira, impunham a luta armada como único instrumento para a resolução da situação.”

O livro de divulgação sobre a Guerra de Moçambique faz parte da coleção Guerras e Campanhas Militares da História de Portugal, foi editado pela Quidnovi, 2010. Alerta-nos o autor, relativamente à estrutura do trabalho de divulgação: “Organizamos o livro de forma a que, numa primeira parte, seja possível identificar a génese do independentismo moçambicano, nomeadamente dos principais movimentos, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o Comité Revolucionário de Moçambique (COREMO), quanto à sua composição, articulação, ideologia e práticas. Numa segunda parte, analisamos e descrevemos a resposta do Poder português, assente na integração de cinco manobras interdependentes e a atuar de forma dinâmica entre si: político-diplomática, militar, psicológica, socioeconómica e de informações”.

Refere igualmente as suas fontes documentais, os fundos arquivísticos consultados. E adianta: “A documentação de âmbito memorialístico reúne correspondências, memórias, depoimentos e outro tipo de informação dos principais intervenientes políticos e militares, portugueses e moçambicanos com quem tivemos a singular oportunidade de privar. Estes contributos revelaram-se complementares da documentação oficial, sendo importantes na medida em que nos possibilitaram o acesso aos bastidores político-militar da época, permitindo contextualizar muitas das decisões e medidas adotadas”.

Dá-nos, pois, a génese do independentismo, caso de conferências como a Bandung, as primeiras independências africanas, os principais movimentos moçambicanos que se estruturaram entre as populações emigradas nos países circunvizinhos independentes, nos primeiros anos da década de 1960. A União Nacional Africana de Moçambique (MANU) constitui-se a partir de pequenos grupos, foi fundada no Tanganica (atual Tanzânia) em 1959, tinha como finalidade reunir os macondes moçambicanos aí residentes, e orientá-los subversivamente, de acordo com os interesses da Tanzânia. A União Democrática de Moçambique (UDENAMO) foi criada em 1960 por Adelino Gwambe, na antiga Rodésia do Sul, integrando, principalmente, trabalhadores emigrados de Manica e Sofala, Gaza e Lourenço Marques. Marcelino dos Santos representava este partido na primeira reunião da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em Casablanca em 1961. Nesse mesmo ano surge a União Africana Independente de Moçambique (UNAMI), descendente da Associação Nacional Africana de Moatize. A FRELIMO foi constituída em junho de 1962, em Acra, durante uma reunião da CONCP e UNAMI. O reconhecimento desta frente pelos países independentes da Organização de Unidade Africana foi imediato.

Nesse mesmo ano, Adelino Gwambe foi expulso e criou um novo partido, a UDENAMO. É escusado enfatizar a matéria estatutária da FRELIMO: liquidação total da colonização portuguesa. O seu primeiro dirigente foi Eduardo Mondlane. A admissão do marxismo-leninismo é aceite em 1969, ano do assassinato de Mondlane, o partido entrou em turbulência que foi ultrapassada em maio de 1970 quando Samora Machel assumiu a presidência e Uria Simango foi afastado. A FRELIMO implantada no território de Moçambique tinha dois vertentes: a político-administrativa e a militar. A estrutura militar assentava nas Forças Populares de Libertação de Moçambique que eram controladas pelo Estado-Maior. A Organização Militar da FRELIMO abrangia dois níveis importantes: as bases (provinciais, subprovinciais, gerais, de segurança, operacionais, de logística e de instrução) e os acampamentos. O partido conseguiu organizar a chamadas áreas libertadas a partir de 1966, no Niassa. Aí ensaiou a administração, organizando a vida das populações e progrediu para o sul, em direção ao Zambeze. Em Cabo Delgado, atingiu a estrada Montepuez-Porto Amélia. Até 1968, a FRELIMO considerava ter libertado um quinto do território.

O autor descreve a manobra político-diplomática desenvolvida pelo governo português, o estabelecimento de laços políticos com a Rodésia e a África do Sul, a importância da aprovação em parceria do complexo hidroelétrico de Cahora Bassa, o significado da revisão da Constituição de 1971; segue-se a cronologia da manobra militar e o autor dá destaque ao período do comandante-chefe Kaúlza de Arriaga. Atenda-se ao que o seu antecessor caraterizava na situação militar em março de 1970: “(…) o terrorismo tinha recuado bastante e praticamente não passava do rio Lúrio. Daí para cima havi terrorismo, ainda havia aldeamentos, mas com dificuldade. Dai para baixo conseguimos que não houvess
e nada”.

Observa o autor que a subversão armada estava consignada ao Norte do rio Lúrio, mas a organização e propaganda alastrava a sul. O general Augusto Santos compreendera que a guerra não podia ser solucionada apenas por via militar. Kaúlza rompe com a forma dos generais Costa Gomes e Augusto Santos fazerem a guerra. A sua solução geoestratégica passava por promoção das populações, tentativa do controlo geral do território, pesquisa e destruição do inimigo e eliminação prioritária de bases e áreas libertadas. Lançou um conjunto de operações de que a principal foi a Operação Nó Górdio. Nos meses posteriores a esta, agravou-se a situação em Tete e cresceu a ameaça à barragem de Cahora Bassa, o que obrigou a transferir o esforço militar para aquele distrito.

A partir de 1972, acentuou-se o esforço em Tete da FRELIMO, que abandonou praticamente as operações no Niassa e em Cabo Delgado. Para a FRELIMO era forçoso alargar a guerra à região central, procurando afetar a Zambézia, Manica e Sofala. Em 1973 foi criado em Tete um comando específico, o Comando Operacional de Defesa de Cahora Bassa. Mas agravou-se a situação a norte do Comando Territorial do Centro, houve que criar o Comando Geral dos Grupos Especiais. Como a situação tendia a piorar, dá-se a substituição de Kaúlza de Arriaga pelo general Basto Machado, ocorreu o esforço da FRELIMO em direção à beira, estava semeado o pânico junto das populações brancas. Em 1974, o dispositivo do Exército português no território perfazia um total de 31 batalhões, 128 companhias tipo caçadores, um batalhão de Comandos, um grupo de artilharia, 3 esquadrões de cavalaria, 81 grupos especiais, 12 grupos especiais paraquedistas, 5 companhias da polícia militar e uma companhia de morteiros, para além de efetivos de engenharia.

Proença Garcia dá-nos a evolução do ano de 1974, descreve o recrutamento e a localização de efetivos, a natureza da manobra psicológica, o esforço socioeconómico em Moçambique, assistência sanitária e educativa, a estratégia do colonato e do aldeamento, a estrutura organizacional das organizações e o relacionamento das comunidades socio religiosas com as autoridades portuguesas.

Dir-se-á que esta curta monografia abarca aspetos essenciais da guerra de Moçambique, há a excetuar o facto que depois de 2010 a historiografia avançou no conhecimento do Exercício Alcora, que trouxe novas informações sobre o apoio militar oferecido pela Rodésia e África do Sul.


General Francisco Proença Garcia
Samora Machel e Eduardo Mondlane
Quartel de Mueda em 1969
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24669: Notas de leitura (1617): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (3) (Beja Santos)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19404: Notas de leitura (1141): Um grande arquivo do nacionalismo emergente na África Portuguesa por Ronald H. Chilcote (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
É obra, pôr no grande ecrã todos os figurantes envolvidos na chamada guerra de África ou guerra de libertação ou guerra colonial. As tomadas de posição, os programas, os documentos que passaram para a História, estão nesta obra os vencedores e os vencidos, os movimentos de libertação que se extinguiram e os que vingaram, uma recolha surpreendente, a moeda corrente do tempo eram os documentos a favor ou contra, de modo algum era usual expor todas as posições, todos os atores, sem interjeições nem quaisquer subtilezas de simpatia ou camaradagem. Talvez por isso mesmo este acervo documental gigantesco de Ronald H. Chilcote jaz hoje na penumbra, mesmo na historiografia portuguesa contemporânea.

Um abraço do
Mário


Um grande arquivo do nacionalismo emergente na África Portuguesa

Beja Santos

Ronald H. Chilcote é hoje um octogenário que levou uma carreira de prestígio na ciência política, ao nível da Universidade da Califórnia, no que toca aos estudos da África Portuguesa, do Brasil e da América do Sul. Para saber mais sobre o seu currículo profissional, as suas investigações e os livros publicados recomenda-se o site:

https://en.wikipedia.org/wiki/Ronald_H._Chilcote

O terceiro importante trabalho deste investigador foi edição documental referente ao nacionalismo emergente na África Portuguesa, edição da Hoover Institution Press, Stanford University, 1972. Projeto ambicioso e muitíssimo bem-sucedido, reconheça-se que estão aqui as peças documentais essenciais para analisar as posições do Estado Novo, da oposição interna ao regime, a evolução dos movimentos de libertação nas colónias portuguesas, uma análise da liderança dentro desses movimentos, tendo no seu termo uma impressionante lista de abreviaturas de todas estas organizações, mais um glossário de termos portugueses.

Em sequência, de modo a que os leitores interessados conheçam elementarmente os grandes tópicos, Ronald Chilcote começa por contextualizar a posição oficial do Estado Novo, dando uma sequência de discursos de Salazar e Castro Fernandes, procede à leitura de Gilberto Freire, mostra a Lei Orgânica do Ultramar, a posição de Cunha Leal e Manuel Homem de Mello, Henrique Galvão e Humberto Delgado; temos depois o itinerário dos movimentos revolucionários de Angola, com destaque para discursos e tomadas de posição da UPA/FNLA de Holden Roberto, do GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio), as resoluções da FLEC, os documentos ideológicos de Mário de Andrade e Viriato da Cruz, Agostinho Neto, a documentação básica referente ao MPLA, as resoluções das suas conferências, o acervo de documentos que o Movimento enviou a instituições internacionais; temos, logo a seguir, o nacionalismo da Guiné Portuguesa e no arquipélago de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, Ronald Chilcote agendou um texto sobre os massacres em São Tomé, em 1953, as intervenções de Amílcar Cabral, de Henri Labéry, François Mendy, Miguel Trovoada, são inseridos os estatutos do PAIGC, da União Geral dos Trabalhadores da Guiné, isto a par da documentação da FLING, o memorando do PAIGC para o Governo Português (1/12/1960), bem como o memorando que Cabral remeteu para a Assembleia das Nações Unidas, em 1961, excertos de diferentes intervenções, por vezes com exageros colossais propagandísticos, como dizer que as tropas portuguesas tinham tido elevadas centenas de mortos na batalha do Como; segue-se o nacionalismo em Moçambique, é um acervo igualmente rico, com dados históricos de Moçambique, o desenvolvimento do seu nacionalismo apresentado por Eduardo Mondlane, a momentosa situação dos refugiados exposta pela sua mulher, Janet Rae Mondlane, as diferentes forças envolvidas na criação da Frelimo e de outros movimentos posteriormente desaparecidos também têm aqui lugar, como certas regras de liderança, houve quem tentasse afastar Eduardo Mondlane acusando-o de que estava ao serviço dos americanos, os programas da Frelimo, da UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique, do Comité Secreto da Restauração da UDENAMO, da FUNIPAMO (Frente União Anti-Imperialista Popular Africana de Moçambique), do COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique), e não faltam artigos como o de Marcelino dos Santos no contexto da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em Casablanca, em abril de 1961, onde também tomaram a palavra Viriato da Cruz, Adelino Gwambe, Miguel Trovoada, são feitas referências à declaração geral produzida na II Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas que se realizou em Dar es Salaam, em outubro de 1965. No termo da obra, o cientista norte-americano apensa um conjunto de documentos que se prendem com tomadas de posição da ONU sobre o modo de resoluções, discussão até sobre a possibilidade de expulsar Portugal de várias agências. Em apêndice, o autor inclui notas da oposição, pré nacionalista e nacionalista com interesses na África Portuguesa, de diferente índole.

Um acervo documental único, mais de 600 páginas, estávamos em 1972, tanto quanto se sabe era a primeira vez que um estudioso congregava nas águas do mesmo rio a posição portuguesa, a oposição ao Estado Novo, de vários matizes, e a ascensão e consolidação dos movimentos de libertação da África Portuguesa. Documento incontornável para a história comparada de todos estes nacionalismos emergentes. Estranhamente, esta preciosa documentação é escassamente citada na bibliografia da especialidade.

Holden Roberto
Eduardo Mondlane
____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19395: Notas de leitura (1140): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (68) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17038: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte IV: TO de Angola, Guiné e Moçambique, a Primavera Marcelista e o fim do Estado Novo


Torre de Moncorvo: logo da câmara municipal (cortesia da página do município). 
O município erigiu, em 2013, um monumento aos combatentes da guerra do ultramar.



Eduardo Mondlane (1920-1969)

"Fundador e primeiro Presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), arquitecto de Unidade Nacional, nasceu em Manjacaze, Província de Gaza, a 20 de Junho de 1920 e faleceu a 3 de Fevereiro de 1969, vitima de um livro armadilhado com bomba que ao explodir pôs termo a sua vida.

"Filho de um chefe tradicional, Mondlane estudou na missão presbiteriana suíça, próxima de Manjacaze, terminou os seus estudos secundários numa escola da mesma igreja na África do Sul, depois de uma curta passagem pela Universidade de Lisboa, foi ainda financiado pelos suíços para fazer os estudos superiores nos Estados Unidos da América, onde se doutorou em sociologia".

(Foto e e legenda > Fonte: Frelimo, com a devida vénia)



1. Continuação do trabalho de pesquisa do nosso amigo Armando Gonçalves, professor de História, do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado, em Torre de Moncorvo, e que aceitou integrar a nossa Tabanca Grande, passando a ser o nº 733 (*)

Parte IV (pp. 16-19)