Fotos: © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O azul, o preto e o vermelho, aliás, carmesim
por Luís Graça
Não gostavas de escrever a azul.
Também não gostavas de escrever a vermelho.
Sempre gostaste de escrever a preto.
Em papel liso.
Sempre detestaste as linhas
mas nem sempre havia papel liso
nem esferográficas pretas.
Vermelho, não, carmesim (*),
como se dizia antigamente,
no tempo em que o vermelho era proibido
nas repartições públicas do Estado de Direito.
E muito menos
nos registos paroquiais
de batizados, casamentos e óbitos.
Carmesim e não vermelho,
era a cor das vestes dos cardeais.
Carmesim flamejante.
Também se usava o carmesim
nas provas tipográficas dos livros
no tempo em que os tipógrafos eram anarcossindicalistas
e tinham três ódios de estimação:
Deus, o Rei e o Capital.
Branca e azul era a bandeira.
Depois passou a ser verde e vermelha,
Por pudor dizia-se verde-rubra.
Rubra da cor das faces das moçoilas do povo
que era pouco republicano
e muito temente a Deus.
Carmesim e não vermelho,
era a cor das vestes dos cardeais.
Carmesim flamejante.
Também se usava o carmesim
nas provas tipográficas dos livros
no tempo em que os tipógrafos eram anarcossindicalistas
e tinham três ódios de estimação:
Deus, o Rei e o Capital.
Branca e azul era a bandeira.
Depois passou a ser verde e vermelha,
Por pudor dizia-se verde-rubra.
Rubra da cor das faces das moçoilas do povo
que era pouco republicano
e muito temente a Deus.
Rubra como o tomate saloio.
Deus que, nesse tempo,
Deus que, nesse tempo,
escrevia direito por linhas tortas.
Mas sempre a azul, celestial.
Deus, Pátria e Família
também só podiam ser escritos a azul.
Mas sempre a azul, celestial.
Deus, Pátria e Família
também só podiam ser escritos a azul.
Era a única tinta que se usava
na tua Escola Conde Ferreira.
Gostavas de escrever à mão.
Mas às vezes não tinhas esferográficas pretas, à mão.
E, depois, nem todas as esferográfica pretas prestavam.
Nem todas eram válidas e fiáveis.
Cmo as escalas,
biométricas, psicométricas e até sociométricas,
deviam ser.
Ficavas pior que estragado
quando o bico (ou a ponta ?)
arranhava o papel liso do teu bloco de notas gráfico.
Dizia-se bico (e náo ponta) no tempo da Bic.
Gostavas da Bic, passe a publicidade.
Mas depois a Bic passou a ser feita em países
que eram pouco fiáveis mas que tinham futuro.
O teu país era fiável,
arranhava o papel liso do teu bloco de notas gráfico.
Dizia-se bico (e náo ponta) no tempo da Bic.
Gostavas da Bic, passe a publicidade.
Mas depois a Bic passou a ser feita em países
que eram pouco fiáveis mas que tinham futuro.
O teu país era fiável,
no tempo em que o ouro se mordia com os dentes.
Mas depois, dizia-se, deixou de ter futuro.
Há 500 anos que perdia a bússola
e passava a navegar à bolina,
em linguagem náutica.
Ou à deriva,
e passava a navegar à bolina,
em linguagem náutica.
Ou à deriva,
em termos mais comesinhos.
Do azul só gostavas das flores dos jacarandás.
Não gostavas do azul
no tempo em que se embrulhava um homem
em papel selado.
Que era azul, e tinha linhas,
25 linhas.
E não havia tira-linhas, só tira-nódoas.
Não gostavas do papel selado.
Azul, de 25 linhas.
Não gostavas do azul
nem do vermelho, aliás, carmesim.
Do tempo em que os coronéis da censura
usavam lápis azuis e vermelhos, aliás, carmesins.
Quando foste para a tropa,
gostavas do preto.
Usavas boina preta,
camisola preta,
calças pretas,
luvas pretas...
E esferográfica preta.
Mas depois, disseram-te,
que era politicamente incorreto, o preto.
Por causa não-sei-quê-de-conotações-racistas.
Dizia-se negro, e não preto.
Mas houve uma altura em que o preto dava jeito.
E, depois, dizia o capelão,
no princípio era o mundo.
E o mundo era a preto e negro.
Ainda te lembravas das fitas
a preto e vermelho, aliás, carmesim,
com que batias à máquina
poemas sem pés nem cabeça,
só com tronco e braços decepados.
No tempo em que era proibido escrever a vermelho,´
por isso dizia-se carmesim.
E até os sinais de proibição do código da estrada
eram a carmesim.
Não se podia dizer nem escrever
vermelho.
E os próprios jornais, sobretudo os do reviralho,
só podiam publicar títulos de caixa alta
a carmesim.
Em dias de festa.
Ficava cara a impressão.
O preto não era cor, logo era mais barato.
Mas o azul também não vendia jornais.
O preto era a ausência de cor.
Não havia o preto na paleta das cores do arco-íris,
explicava-te o teu professor de química.
Os espanhóis, esses, eram daltónicos
e foram mais pragmáticos:
só havia os rojos e os blancos.
E mataram-se uns aos outros.
E mataram-se uns aos outros.
Lisboa, Feira do Livro, 8 de junho de 2025
Nota do autor:
(*) carmesim
carmesim
(car·me·sim)
carmesim
(car·me·sim)

Gradação muito carregada da cor vermelha.
nome masculino
1. Gradação muito carregada da cor vermelha.
adjectivo de dois géneros
2. Que tem essa cor.
Origem etimológica: árabe qirmezi, tingido de vermelho, de qirmiz, vermelhão, encarnado.
"carmesim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/carmesim.
_______________
Último poste da série > 20 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26599: Manuscrito(s) (Luís Graça) (268): A velha Amura dos tugas, agora panteão nacional...
2. Que tem essa cor.
Origem etimológica: árabe qirmezi, tingido de vermelho, de qirmiz, vermelhão, encarnado.
"carmesim", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/carmesim.
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 20 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26599: Manuscrito(s) (Luís Graça) (268): A velha Amura dos tugas, agora panteão nacional...