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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26045: O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca...é Grande (131): António Galinha Dias, o ex-fur mil pil, que helievacuou o cap cubano Peralta, o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", em 18/11/1969... Fui ontem encontrá-lo na famosa caldeirada de Ribamar da Lourinhã, e convidei-o a sentar-se à sombra do nosso poilão (Luís Graça)

 


Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feir da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O António Diass Galinha




Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada da segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O Alcides Dias Galinha, de Torres Novas, o irmão António, e o Alfredo, que veio do Algarve (!), com a esposa (foi piloto de helicóptero, AL III, em Angola, ao tempo do Jaime Silva, um dos organizadores deste fantástico convívio, que tem já cerca de 3 dezenas de anos.)



Ribamar > Festa de N. Sra. de Monserrate > A famosa caldeirada á  pescador, confeccionada na segunda feira da segunda semana de outubro > 14 de outubro de 2024 >   O grupo era de cerca de 8 dezenas de comensais.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Na realidade, o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande (*)... São pouco mais do que 70 km a distância que nos separa, entre Torres Novas e Lourinhã... Pois foi justamente em Ribamar da Lourinhã que eu fui encontrar, ontem, o nosso camarada António Dias Galinha, ex-fur mil pil, BA 12, Bissalanca,  1968/70.  

Quem é o António Dias Galinha Dias (Galinha, apelido materno) ? 

Terá ficado na história da guerra da Guiné por ter helitransportado o mais célebre dos "internacionalistas cubanos", o cap Pedro Rodriguez Peralta, do local onde foi gravemente ferido e capturado por forças do BCP 12 (Op Jove, 18nov69) até o HM 241, Bissau (**)...

 A enfermeira paraquedista de serviço nesse voo foi a saudosa  Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) (***). 

O hoje ainda vivo coronel Pedro Rodriguez Peralta, membro do comité central do Partido Comunista Cubano (pelo menos até há uns anos atrás) deve-lhes a vida. A eles, e ao ex-cap pqdt João Bessa (recentemente falecido em 13set2024) e ao 1º cabo Regales.

Já tinhamos notícia do Galinha Dias, aqui no blogue: sabíamos, por exemplo, que em 2018 era  sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda,  com sede em Évora. Vive hoje em Torres Novas. Reformado. Veio à famosa caldeirada de Ribamar com o irmão, mais velho, Alcides Galinha Dias.

Na caldeirada de Ribamar, evento que tem quase 3 dezenas de anos, juntam-se familiares, amigos, vizinhos, condiscípulos, colegas e camaradas do Eduardo Jorge Ferreira (1952 - 2019) (****)

 Sobre o Galinh osa Dias, escreveu o seu conterrâneo Cèsar Dias (***):

(...) "Estivemos juntos em Mansabá em finais de 70, o Galinha Dias estava com o Helicanhão nesse periodo em proteção aos trabalhos na estrada Mansabá - Farim. Recordo-me por porque no bar de sargentos termos reunido três torrejanos, um piloto, um sapador e um comando da 27a. (...)."

 Fiquei com o email do António Dias Galinha e desafiei-o a juntar-se à nossa Tabanca Grande. Para  já passa a ser "amigo" da nossa página no Facebook. Temos vinte amigos em comum (incluindo o Carlos Pinheiro e o Jorge Narciso). 

Convidei-o a sentar-se à sombra do poilão da Tabanca Grande. O convite é "irrecusável":  do seu tempo já  cá estão o Jorge Narciso, o Jorge Félix, entre outros camaradas da FAP... E para o ano, espero, António e Alcides,  ver-vos sentados de novo à nossa grande mesa de Ribamar: este ano fomos cerca de 80!... Haja saúde!

PS - Soube, pelo camarada Galinha, da morte de mais uma antiga enfermeira paraquedista, a Rosa Exposto, naturald e Bragança. A sua primeira comissão foi na Guiné. Ainda náo conseguimos confirmar por outras fontes (a Rosa Serra, a Giselda Pessoa, a Maria Arminda, que são nossas tabanqueiras; a Rosa Serra não sabia da triste notícia).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25835: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (130): Algarve, 2 de agosto de 2024: juntando à mesa amigos e camaradas, da CCAÇ 2585, CCAÇ 14, 27ª CCmds... (Manuel Resende / Eduardo Estrela)


Vd, também poste de 17 de março de 2021 > Guiné 61/74: P22014: Memórias cruzadas: 18 de novembro de 1969: uma dia (a)normal no HM 241, Bissau, um dia na vida do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, ferido em combate e helievacuado [Jorge Narciso, ex-1º cabo esp, MMA, BA, 12 (Bissalanca, 1969/71) / Jorge Teixeira 'Portojo' (1945-2017), ex-fur mil, Pel Can s/r 2054 (Catió, 1968/70 ) / Manuela Gonçalves (Nela), esposa do ex-alf mil Nelson Gonçalves, cmdt Pel Caç Nat 60 (São Domingos, 1969)]

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Guine 61/74 - P25835: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (130): Algarve, 2 de agosto de 2024: juntando à mesa amigos e camaradas, da CCAÇ 2585, CCAÇ 14, 27ª CCmds... (Manuel Resende / Eduardo Estrela)



Algarve > Albufeira >  2 de agosto de 2024 > Do lado esquerdo,  eu, Marreiros Alves, Eduardo Estrela e António Rosa: do lado direito,  Malaquias Ferreira, Cristo e Pargana 


Algarve > Albufeira >  2 de agosto de 2024 > Da esquerda para a direita, Malaquias Ferreira, António Rosa, Cristo, Marreiros Alves, Eduardo Estrela, Pargana  e Manuel Resende... O fotógrafo deve ter sido o Hugo Furão.
 


 
Algarve > Albufeira >  2 de agosto de 2024 > Da dierita para a esquerda: Cristo, Pargana e Hugo Furão



Algarve > Albufeira >  2 de agosto de 2024 > Da esquerda para a direita,  Manuel Resende, Marreiros Alves, Eduardo Estrela e António Rosa

Fotos ( e legendas): © Manuel Resende (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




1. Mensagem de Manuel Resende (ex-alf mil, CCaç 2585/BCaç 2884  Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto,  1969/71); régulo da Magnífica Tabanca da Linha:
 



Data - sexta, 2/08, 23:31

Assunto - Algarve, 2024, Amigos da Guiné

 
Caro Luis, não podia passar sem te dar esta notícia, não seria hoje, pois ainda estou no Algarve, mas como o Eduardo se adiantou, aqui vai:

No ano passado por esta altura fui passar uns dias ao Algarve, perto de Albufeira, e como tenho alguns amigos lá que foram Furriéis da minha Companhia, a CCAÇ 2585, resolvi falar com o Marreiros Alves, que nos arranjou um bom e barato restaurante na zona para nos reunirmos. 

Estivemos presentes 5 pessoas embora só 3 fossem camaradas. Um que aparece nas fotos que te envio foi meu colega no Seminário e vive em Portimão e também está indirectamente ligado à tropa, mais no transporte, pois trabalhou nos Paquetes Vera Cruz, Timor e outros, que levavam as tropas ao seu destino. Seu nome é Malaquias Ferreira e está na mesa à minha frente. O outro é meu Genro e que me acompanha.

Não houve fotos, era o 1º Convívio... Este ano voltei, combinei com o Alves, falámos a outros e juntámo-nos no mesmo restaurante. 

Já fomos 8, tirei algumas fotos, conheci o Eduardo Estrela pessoalmente,  e o António Rosa, comando da 27ª de CCmds. 

Veio também o furriel Cristo,  da minha Companhia (recém operado ao coração), mas fez questão em vir.

Muito bom e assim vamos mantendo as amizades.

Na foto onde estamos todos (8) à mesa, são: à esquerda - eu, Marreiros Alves, Eduardo Estrela e António Rosa; direita - Malaquias Ferreira, Cristo, Pargana e Hugo Furão.


Um abraço
Manuel Resende
https://photos.app.goo.gl/g2YKy8wufQ7Rfsni6
 

 2. Comentário do editor LG:

Eduardo Estrela


Obrigado Manuel, obrigado, Eduardo... Obrigado, restantes camaradas. 

Era uma ocasião a não perder. O Eduardo deu-me a notícia em primeira mão, por telemóvel,  estava feliz por ter encontrado o Manuel Resende, o famoso régulo da Magnífica Tabanca Grande.  Foi ele que usou a expressão: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... e Grande!".

E o Manuel também, feliz, por conhecer mais uns tantos camaradas da Guiné, o Eduardo, da CCAÇ 14, e o Rosa, da 27ª CCmds, além de rever os seus camaradas da CCAÇ  2585, o Marreiros Alves, o Cristo e o Pargana... sem esquecer o Hugo Furão (que foi o fotógrafo de ocasião, e que deve ser o genro 
do Manel), e ainda o amigo Malaquias Ferreira, antigo colega de seminário, e tripulante de míticos navios da nossa gloriosa marinha mercante como o "Vera Cruz", o "Timor", etc., e outros onde fizemos "o cruzeiro das nossas vidas"...

E eu fico também feliz por, não  indo ao Algarve há muitos anos (e muito menos a banhos nas águas gélidas do meu "Mar do Cerro"),   vos ver a todos com bom ar.  Continuem a curtir o nosso "querido mês de Agosto" e prometam-me que, para o ano,  lá voltam ao "local o crime", que é,  afinal,  o da amizade, o da camaradagem... , um "crime" que não tem castigo...

Fica aqui o convite para os restantes se juntarem ao Manel Resende e ao Eduardo Estrela que nos honram com a sua presença na Tabanca Grande, sentados (e bem) à sombra do nosso fraterno e já velhinho poilão. As melhoras para o Cristo. 

___________

Nota do editor: 

Último poste da série > 16 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25647: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (129): Manuel Serôdio, eu fui o ferido mais grave da segunda armadilha, em 16 de julho de 1968, no decurso da Op Escudo Negro (CCAÇ 1787, CART 1660, CCAV 1749 e 5ª CCmds): estive um ano no hospital (Carlos Parente)

domingo, 16 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25647: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (129): Manuel Serôdio, eu fui o ferido mais grave da segunda armadilha, em 16 de julho de 1968, no decurso da Op Escudo Negro (CCAÇ 1787, CART 1660, CCAV 1749 e 5ª CCmds): estive um ano no hospital (Carlos Parente)





Guiné > CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (1967/69) > o ex-fur mil at inf, com a especialidade de minas e armadilhas, Manuel Seródio... Fotos do seu álbum. Sem legendas.

A CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 foi mobilizada pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 18/10/1967 e regressou a 21/8/1969. Passou sucessivamente por Bula, Bissau, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel. Comandante: Cap Inf Marcelo Heitor Moreira. O BCAÇ 1932 esteve sediado em Bissau, Farim e Bigene (Comandante: ten cor inf Narsélio Fernandes Matias).

Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Dispositivo das NT em 1 de janeiro de 1968. Fonte:
CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pág. 153. Sectores: L (Leste); O (Oeste); B (Bissau); S (Sul).



1. Comentário de Carlos Parente ao poste P10570 (*)

Caro camarada Manuel Serôdio,  o mundo é realmente muito pequeno (**):  através das novas tecnologias acabei por descobrir alguém que viveu de muito perto a situação terrível que marcou a minha vida, o ferido mais grave da dita armadilha era eu.

Lembra-se por certo que não foi possível a evacuaçâo pelo facto de ser noite,  digo-lhe que foi a noite mais terrível de minha vida. Pela manhã do dia 17,  vieram dois helis que tiveram realmente muita dificuldade em aterrar. Graças aos meus irmãos de armas conceguiram a minha evacuação, posso dizer que passei mais de um ano internado,  grande parte desse tempo entre a vida e a morte: mais de um mês em Bissau,  depois fui evacuado para Lisboa, passando mais de um ano aí.

Perdi parte do intestino,  do estômago, da bexiga,  o rim esquerdo,  os tendões da perna esquerda e sofri várias fraturas do pulso,  cotovelo e ombro esquerdo,  bacia e perna esquerda. Foi muito mal mesmo, mas com muito esforço e vontade de viver concegui dar a volta e ainda estou por cá.

Como eu gostava de o abraçar! Se por ventura chegar a ler este bocado de minha história,  deixo aqui meu email: carlos.a.parente@sapo.pt 

Sempre grato a todos os que me apoiaram.  Um abraço muito querido,  Carlos Parente.


2. Excertos da CECA (Comissão para o Estudo das Campnhas de África(:

Operação Escudo Negro - 15 a 18Jan68

Acção conjunta com a Força Aérea, nas regiões de Sarauol (golpe de mão), Ambum e a Leste de Mandingará (batida), 03(A).

Intervieram forças da CCaç 1787, CArt 1660, CCav 1749, 5ª CCmds com apoio de Artilharia.

(...) Foi accionada uma armadilha A/P, a sul de Mantém, sofrendo as NT 1 morto, 2 feridos graves e 5 ligeiros. Na mesma zona foram detectadas mais 2 armadilhas. Executado o bombardeamento de Sarauol pela FA, foi seguido de helitransporte da 5ª CCmds.

Batida a área do objectivo, constatou-se que o bombardeamento atingiu o acampamento, destruiu a enfermaria, causou a morte a 1 enfermeira e ferimentos num elemento da população, além de outras baixas que se estimam em número elevado em face dos
destroços humanos e dos rastos de sangue observados na área do objectivo e nas zonas próximas. 

Foi apreendida 1 pistola-metralhadora, 3 granadas de mão ofensivas, 8 carregadores, 343 cartuchos, peças de reserva e palamenta de armamento ligeiro, instrumentos cirúrgicos e material diverso.

Na manhã de dia 17, o lN flagelou as NT com armas ligeiras, fazendo, de seguida, um ataque com tentativa de envolvimento.

As NT reagiram e perseguiram o lN causando 1 morto e outras baixas prováveis. (...)
 

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 152 e 154.


3. Excerto do poste P 10570, de Manuel Serôdio  (*)

Operação Escudo Negro:

 (...) Missão: 1) Destruir a base do Sará; 2) Patrulhar a região entre os rios Olom e Mansoa.; 3) Capturar ou aniquilar os elementos rebeles, destruindo instalações e meios de vida; 4) Pesquisar informações.

Em 15 de Janeiro (de 1968), pelas 10 horas, iniciou-se a operação, progredindo com grande rapidez por um trilho situado em mata fechada. 

Cerca das 15,30 horas, foi deflagrada uma armadilha por um elemento da coluna. Ferido aparentemente sem gravidade, veio o soldado nativo Ansumane, a falecer pouco depois, sem se ter conseguido ligação rádio a fim de o poder evacuar.

 [ 
Nota pessoal: o irmão do soldado falecido, que também fazia parte da coluna, recuperou as botas do irmão que eram novas, ( tinham-lhe sido oferecidas dias antes da operação) e calçou-as, já que as suas estavam em mau estado. Imagens simples e terríveis ao mesmo tempo. ]

A Companhia saíu do trilho, o que se revelou avisado, pois ao voltar ao mesmo para orientação, foram detetadas outras duas armadilhas. Quase ao anoitecer foi atingida uma clareira onde se resolveu passar a noite.

Depois de se ter reabastecido de água e quando, já de noite, o segundo grupo de combate procurava local para se instalar, foi deflagrada nova armadilha que causou dois feridos graves e quatro ligeiros. 

Entretanto foi conseguida ligação com Porto Gole a quem foi pedida evacuação dos feridos. Escolheu-se local para a mesma, montando-se a segurança. No local escolhido, os helicópteros não conseguiram poisar, pelo que foi tentado novo local, onde foi necessário abater algumas árvores.

Ao cansaço moral juntou-se o esgotante cansaço físico. Finalmente os helicópteros conseguiram aterrar, evacuando-se o morto e os feridos. (...)

4. Sobre o Manuel Serôdio:

(i) Manuel de Almeida Andrade Serôdio, natural de Oliveira de Azeméis, ex-fur mil  classe de 1966, n° 95998/65;

(ii) recenseado com o n°53 em 1964, e incorporado em 16/05/1966, tendo passado à disponibilidade em 29/09/1969;

(iii) em 16/05/1966 deu entrada no RI 5 em Caldas da Rainha para iniciar a recruta;

(iv) a 21/08/1966 entrou no CISMI em Tavira para começar o 2º ciclo do curso de Sargentos Milicianos (CMS) na especialidade de atirador de infantaria;

(v) pomovido a primeiro cabo miliciano em 28/11/1967 e colocado de seguida no RI 6;

(vi) nomeado para servir na Província da Guiné, foi destacado para Tancos afim de tirar a especialidade de minas e armadilhas;

(vii) para de seguida ser colocado no RI 15 em Tomar, fazendo parte do BCAÇ 1932, CCAÇ 1787;

(viii) enviado a seguir para Santa Margarida no final do gozo da licença, foi para Lisboa no dia 28/10/1967, de onde embarcou no mesmo dia no Uíge com destino à Guiné;

(ix) e aonde chegou a 2/11/1967;

(x) regressou à Metrópole a 23/08/1969,  no final da comissão;

(xi) vive (ou vivia em 2012) em França, desde 1970, em Rennes, capital da Bretanha. 

5. Comentário do editor LG:

Meu caro  Carlos Parente, camarada da Guiné!...

 Realmente o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ...é Grande! (**)... Cabemos cá todos, e está cá quem se procura. Terás cá lugar, na tua qualidade de antigo combatente no CTIG, se me mandares duas fotos, uma antiga e outra mais ou menos atual, com mais duas ou três linhas de apresentação, a completar a tua mensagem acima. 

Diz-nos onde vives (será no estrangeiro, na diáspora lufófona ?), qual era o teu posto na tropa e na Guiné, a que subunidade pertenceste (seria a mesma do Serôdio, a CCAÇ 1787 ?)... 

Vamos receber-te de braços abertos, e para mais sabendo que, apesar da desgraça desse fatídico dia 16 de janeiro de 1968, estás vivo e acabas de encontrar um camarada teu, que estava por perto, um "teu irmão de armas". 

Vou-te dar o endereço de email do Manuel Serôdio, que vive em França, para o poderes contactar, com calma. Ele entrou para o nosso blogue em 2012 (***), não sei se continua a acompanhar-nos regularmente. Vou-lhe retransmitir o teu texto. Tem 14 referências no nosso blogue: podes ler aqui mais textos dele sobre a atividade operacional da CCAÇ 1787.

Aqui tratamo-nos todos, em geral,   por tu como antigos camaradas de armas que fomos (e que continuamos a ser). Manda um mensagem, com os elementos que te pedi,  para o meu endereço de email: luis.graca.prof@gmail.com.   

Saúde e longa vida. Luís Graça.

________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10570: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte III): De Porto Gole a Cutia: Op Escudo Negro: conseguimos entrar no 'santuário' de Sará / Sarauol


(**) Último poste da série > 20 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25089: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (128): O José Monteiro é o autor dos aerogramas que foram parar ao OLX (Mário Fitas, ex-fur mil, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67)


(***) Vd. poste de 14 de setembro de  2012 > Guiné 63/74 - P10381: Tabanca Grande (360): Manuel Serôdio, mais um camarada da diáspora, ex-fur mil at inf, CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (Bula, Bissau, Empada, Buba, Quinhamel, 1967/68)


sábado, 20 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25089: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (128): O José Monteiro é o autor dos aerogramas que foram parar ao OLX (Mário Fitas, ex-fur mil, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67)


Fonte: OLX > Anúncio >  2 de janeiro de 2024 > Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas | 470 € | Negociável

Descrição: "Cerca de 400 aerogramas e cartas na totalidade, do período da Guerra Colonial. Algumas poucas cartas são trocadas na metrópole. Em bom estado e escritas com uma caligrafia facilmente legível."

O vendedor é um tal Jorge, do Porto, Campanhã. ID: 641692604 | Cliques: 291. O anúncio ainda estava "on line" hoje, ao fim da tarde...

https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car


1. É chocante, caros leitores, ver um maço de aerogramas anunciado para venda "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)" (*)

O nosso camarada Mário Fitas,  ex-fur mil da CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), escreveu ontem, em comentário, no poste P25081 (*):

"É verdade o José era radiotelegrafista e descreve a operação Razia mais ou menos. Vou tentar entrar em contacto com ele, caso ainda seja vivo e tenha o mesmo telefone. 
Abraços do tamanho do Cumbijã

Mário Fitas | 18 de janeiro de 2024 às 18:01 "


Ontem, de manhã, telefonou-nos, confirmando que o tal José...

(i) é o José Monteiro, seu camarada, dos "Lassas";
(ii) foi de facto 1º cabo radiotelegrafista;
(iii) participaram ambos, de facto, na Op Razia, Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965;
(iv) escrevia muitos aerogramas, tendo tido diversas madrinhas de guerra;
(iv) vive ou vivia no Porto;
(v) já foi a dois ou três convívios anuais da companhia.

O Mário ainda não falou com ele. Sabe,  todavia, que há cerca de 30 anos a sua casa foi assaltada, tendo-lhe sido roubados muitos livros e documentos. É possível que os aerogramas em questão tenham desaparecido nessa altura. Mas é preciso averiguar melhor e confirmar se esse também fazia parte do seu espólio.

2. Coincidência ou não, o anúncio no OLX vinha em nome de um tal Jorge (Silva), do Porto, Campanhã, registado no OLX desde 2017. 

Tem mais de 30 anúncios até agora: o  de maior valor (800 euros) é pedido por um "documento emitido durante o período das Invasões Francesas sendo que o nome de Napoleão ocupa o lugar onde usualmente aparece o nome do Rei de Portugal".

É caso para dizer, mais uma vez, que o "Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande" (**).
Obrigado, Mário Fitas, pelas tuas diligências..

(**) Último poste da série > 16 de agosto de  2023 > Guiné 61/74 - P24556: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (127): A "Rainha de Catió" foi a minha adorada mãe e tinha lugar na primeira fila nas cerimónias oficiais, tanto no tempo do gen Schulz como do gen Spínola (Souleimane Silá, Luxemburgo)

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24556: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (127): A "Rainha de Catió" foi a minha adorada mãe e tinha lugar na primeira fila nas cerimónias oficiais, tanto no tempo do gen Schulz como do gen Spínola (Souleimane Silá, Luxemburgo)


Rainha de Catió" (c. 1964/66) . 

Foto do álbum do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) e depois piloto da aviação civil onde chegou a comandante da TAP, reformado desde 1998. Conviveu com a população, fula e balanta, de Catió e arredores, incluindo Príame (a tabanca do cap 'comando' graduado João Bacar Jaló, 1929-1971). (*)

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


"Rainha de Catió" (c. 1972)

Guiné > Região de Tombali > Catió > BCAÇ 2930 (Catió, 1970-72) >  O então maj inf Mário Arada Pinheiro, 2.º cmdt do BCAÇ 2930, com a "rainha de Catió", sua lavadeira,  e algumas das suas filhas (presume-se)... Em chão nalu, ela era fula.  (*)

Foto (e legenda): © Mário Arada Pinheiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso leitor Souleimane Silá, natural de Catió, com página no Facebo0k, comentário ao poste P24546 (**):


Data - domingo, 13/08/2023, 23:41
Assunto - Sobre vossa publicação de 9 de agosto de 023 - Álbum de major Pinheiro

Saudações, camaradas do Blogue dos Amigos e camaradas de Guiné. 

Sobre essa foto da madame identificada como rainha de Catió não é equívoco. Pelo contrário. Ela, residente no bairro de Catió-fula (para quem vai para a granja, Cumebú e Ganjola), devido ao seu desempenho de lavadeira de oficiais e de demais tropas do quartel, passou a ser convidada nas cerimónias oficiais da então Vila de Catió aonde sediavam os restantes postos administrativos da região.

Coincidentemente, marido dessa madame, de verdadeiro nome Abibatu Djopo, não foi nada mais nada menos que o motorista da administração do concelho (de Catió), Aliu Silá (Aliu Chauffeur), família da mulher do Administrador Amadeu Nogueira (...).

Cerimónias se repetiam com visitas e substituições oficiais, administrativos e militares ao alto nível da então Província da Guiné Portuguesa, a designada Rainha de Catió sempre esteve presente.

Nunca me esquecerei das delegações como as do Governador Arnaldo Schulz, General Spínola, Secretário Pinto Bull e tantas altas figuras que ela, a Rainha de Catió, foi convidada para tomar parte na primeira fila, com muitas vezes uso de palavra em nome da comunidade.

Digno-me de deixar esse registo porque sou vivo testemunho dessa soberba mulher que é minha adorada Mãe.

Para finalizar, dou um grande abraço ao Comandante Pinheiro que tive privilégio de conhecer de perto em Catió, voltamos a ver-nos no QG Bissau e finalmente em Carcavelos em 2004.

Abraços extensivos ao meu mano mais velho, Sr Benito Neves, que cumpriu vida militar naquela Vila de Catió e que conheceu meus queridos pais (pena que um outro colega dele e amigo já tenha falecido, o Vitor Condeço de quem guardo um riquissimo álbum da época)

Mantenhas a todos.
Agradecimentos de
Souleimane SILA




Guiné > Região de Tombali > Carta de Catió (1956) (Escala 1/50 mil) > > Pormenor: Vila de Catió e arredores. (Príame fica já na carta de Bedanda, na estrada para Cufar.)

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


2. Mensagem de Hélder Sousa, nosso colaborador permanente, com data de ontem, às 15h41, comentando a mensagem do Souleimane Silá:

Olá Luís, "mantenhas e saudinha da boa".

Como vês aproveitei logo para juntar duas expressões muito usadas nas trocas de mensagens do Blogue e que acho ficam muito bem.

Olha, antes de ir propriamente referir-me ao miolo deste comentário recebido, quero dizer duas ou três coisas:

A primeira, é que espero muito sinceramente que estejas a recuperar bem e com confiança suficiente.

Depois, para justificar a quase ausência de comentários meus pois, finalmente, ao fim de 6 anos, acabei de ter duas semanas de férias (viva o luxo!) e em boa parte desse tempo estive sem internet.

Então, em relação a este comentário do Souleimane, só posso dizer que fico, cada vez mais, com a sensação que o Blogue é efectivamente seguido por muita e boa gente.

Alguns, às vezes, acabam por se manifestar e esses quando o fazem são, na generalidade, positivos. Outros há (e alguns são nossos conhecidos ou até mesmo "velhos conhecidos") que intervêm para criticar depreciativamente ou provocatoriamente mas como o saldo continua a ser positivo, pode-se e deve-se concluir que, quer se queira, não se queira, ou mesmo não se tenha consciência profunda disso, que este fenómeno chamado "Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné" é realmente, considerando a larga maioria de artigos, fotos, reportagens, etc., um caso sério de seriedade, de depositário de memórias, de afetos, de (re)encontros, incontornável e que servirá (como tem servido) para muitos estudos e observações (cada vez mais distanciadas) de situações e de episódios passados durante a "guerra na Guiné".

Abraços, Hélder Sousa


3. Comentário do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com data de ontem, às 16h22:

Muito obrigado aos meus amigos, prof. Graça e Souleimane Silá que já não vejo desde 2004, e que tinha, como já antes referi, uns pais muito queridos de quem me recordo com frequência e de cuja Mãe escrevi recentemente como uma excelente pessoa. Espero vê-lo em breve, Souleimane, um abraço.


4. Mensagem do Benito Neves, ex-fur mil cav, CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), às 18h25 de ontem:

Meu caro Luís

O Souleimane Silá é meu amigo no Facebook desde há bastante tempo, em consequência de troca de mensagens sobre Catió. A forma como desde sempre se referiu a mim, como “o meu mano mais velho”, revela um tratamento carinhoso que lhe é peculiar.

Ao tempo – e já lá vão mais de 50 anos – o Souleimane era um daqueles miúdos que deambulava pelas ruas de Catió e convivia connosco. Entretanto veio para Lisboa, constituiu família e emigrou para o Luxemburgo onde os seus descendentes já têm o seu futuro garantido.

Mas… a história do Souleimane deverá ser ele a contá-la.

Desconhecia completamente (ele nunca tal me referiu) que era filho da rainha de Catió.

É com enorme satisfação que o poderei ver integrar o blogue para, à sombra do poilão, nos contar as suas histórias.

Forte abraço
Benito Neves


5. Comentário do editor LG:

Caros camaradas e amigos: apareceu agora um filho da "rainha de Catió". É caso para dizer que o Mundo é Pequeno e o nosso Blogue... é Grande! (**).

É uma feliz coincidência. O Souleimane Silá, de acordo com a sua página no Facebook, vive no Luxemburgo, em Marnach, desde 2020. Nasceu em Catió em 8 de março de 1958, portanto há 65 anos. Estudou na ENA-Bissau (Escola Nacional de Administração, ex Cenfa).

É amigo do Facebook dos nossos camaradas Benito Neves e João Sacoto e privou também com o nosso saudoso Victor Condeço (1943-2010). Conheceu, aos 14 anos, o então major inf. Mário Arada Pinheiro, 2.º comandante do BCAÇ 2930 (de rendição individual, esteve em Catió, de set71 a ago72, ou seja, no 2.º ano da comissão do batalhão).

Ele vem confirmar o que o cor inf ref Arada Pinheiro nos informara há dias, em conversa pessoal na Praia da Areia Branca, Lourinhá, onde tem casa:

(i) conheceu a senhora como sendo a "rainha de Catió", título que não era honorífico nem gentílico, mas sim atribuído popularmente, pela nobreza do seu porte (usava sempre o vestido comprido, branco, que mostram as duas fotos, tanto a de 1964/66, como a de 1972);

(ii) era sua lavadeira, e "boa lavadeira";

(iii) tinha vários filhos, o marido era o motorista do administrador de Catió;

(iv) ao filho mais novo, em 1972, fez questão de chamar-lhe "Major João Pinheiro" (sic) (homenagem ao major Mário Arada e ao seu filho João);

(v) depois de ele ser colocado no QG, na Amura, em Bissau, a "rainha de Catió" apareceu-lhe um dia lá em casa (ele vivia com a família numa vivenda em Santa Luzia), queria visitar uma filha que estava hospitalizada no HM 241, com uma perna esfacelada por um estilhaço de foguetão 122 mm (num dos ataques a Catió).

O João Sacôto, com quem falei ao telemóvel, não se lembra dela como "lavadeira", mas sim como "mulher grande", de "altivo porte", respeitada na comnunidade, não tendo nenhum parentesco ou relação com o João Bacar Jaló; não tem a certeza de ela ser fula, de resto não vivia em Príame (na estrada Catió-Cufar), mas numa tabanca a norte.

O Cherno Baldé também acrescentou, em comentário, que entre os fulas não havia rainhas.

Aproveito, por fim, para convidar o Souleimane Silá (a quem agradeço estas carinhosas confidências sobre a senhora sua mãe) para se juntar a este blogue que é dos camaradas e dos amigos da Guiné... 

Mantenhas. 
Luís Graça
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24546: Fotos à procura de... uma legenda (176): A "rainha de Catió", fotografada em 1964/66 (pelo João Sacôto) e em 1972 (pelo Mário Arada Pinheiro)

(**) Vd. poste de 9 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24540: Fotos do álbum do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, antigo 2º cmd do BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72) e cmdt do Comando Geral de Milícias (Bissau, 1972/73)

Vd. também poste de 28 de março de 2019 : Guiné 61/74 - P19628: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VII: Catió e arredores: contactos com a população civil

(***) Último poste da série > 2 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23580: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (126): Leitor brasileiro, Edson de Lima Lucas, identifica o navio inglês Narkunda, da P&O Lines, em foto de 29/9/1942 (presumivelmente "Foto Melo") , tirada ao largo do Porto Grande, Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde... Dois meses depois seria atacado e afundado pela aviação alemã, na campanha dos Aliados no Norte de África.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24433: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (2): Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!

A granada de mão defensiva
m/63, que equipava o dilagrama 
(**)


Contos com mural ao fundo (2) > Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!


por Luís Graça  (*)



A guerra. Essa coisa tão primordial que é a guerra. Que estaria inscrita no nosso ADN, a acreditar nos sociobiólogos para quem o comportamento humano
seria geneticamente determinado.

A guerra é a continuação da evolução por outros meios, dirão os entomólogos, especialistas em insetos sociais. Para eles, a morte de uma ou de um milhão de formigas (ou de seres humanos...) é-lhes totalmente indiferente. Desde que triunfe o ADN, um projecto de ADN musculado, duma "raça" nova e superior... (Onde é que o leitor já leu isto?)

A guerra, a aprendizagem da morte. Aos vinte e dois anos. A inocência que se perde para sempre, ao ver-se morrer pela primeira vez um homem ao nosso lado. De morte matada. Como o Alfa Baldé.

Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!... Mas não te protegeu, Alfa Baldé, a ti, que acabaste por ser morto pelo "fogo amigo"... Suprema ironia!... (E levavas o corpo "fechado", isto é, coberto de amuletos, os teus "mesinhos", tal como eu levava um fio de ouro com um crucifixo ao peito, mesmo não sendo crente.)

Descansa em paz, soldado de "tropa-macaca"... Sim, a  tua companhia, os teus camaradas, o teu  bando de primatas sociais, territoriais, predadores, filhos das mais desvairadas gentes, brancos e negros... eram "tropa-macaca"... Sem desprimor, sem qualquer conotação racista...

Descansa em paz, grande herói. (Não, não  usemos em vão a palavra "herói", e muito menos "grande"; está tão banalizada na guerra: os "heróis do 10 de junho", de um lado, os "heróis da liberdade da pátria", do outro... quem foram, afinal? E por onde param as suas cinzas, os seus restos mortais, as suas cruzes de guerra, as suas torres, as suas espadas?!...)

Fazias parte da nova força africana, de Herr Spínola, o "prussiano", como alguém dos "tugas" gostava de chamar-lhe, ao Comandante-Chefe. Lembras-te ainda do "Caco Baldé", o "homem grande" de Bissau?!... Tinha  uma voz de ventríloquo, quando discursava às tropas em parada, em Brá!... 

Na sua alcunha, tinha o teu apelido, "Baldé". Alegadamente, por ser amigo dos "guinéus", e em particular do teu povo, os fulas. Mas também dos manjacos e dos demais povos da tua terra, balantas, mandigas, biafadas, etc. Usava um monóculo, o "Caco", de vidro, completamente ridículo...  Dava-lhe um ar de figura de cera, uma peça de museu... Nem todos os "tugas" gostavam dele, do Com-Chefe... Talvez os soldados o admirassem, por causa  daquele autoritarismo paternalista  donde afinal muitos eram oriundos, e onde foram nados e criados... Pai e patrão... "Sua benção, meu pai e meu amo"... Muitos, afinal, eram filhos de pequenos camponeses, pais e patrões, que davam o pão, a sopa, o sopapo e a educação...

Não, não tens que te lembrar do Com-Chefe, não ligues a esta  provocação, são outros contos, outras estórias, outras lendas e narrativas, outros ajustes de contas com as velhas doridas memórias  dos "tugas", que estavam ali para defender o teu "cháo", diziam eles.

O Alfa Baldé era do regulado de Badora... É indecente um gajo esquecer o nome da tabanca de um camarada que foi o primeiro a morrer em combate. De morte matada. Morto pelo "fogo amigo".

Mas quem se lembra já da cara dos seus camaradas guineenses?!... Que tinham filhos e  mulheres  que também andavam na guerra, com a tralha às costas, os poucos haveres, os colchões, os cães, as cabras, os balaios, os alguidares, os tachos, as panelas... Ninguém se lembra... Não havia sequer um fotógrafo, um fotocine, nesse triste evento. Ficaram lá, os órfãos e as viúvas, sozinhos neste mundo. Ou talvez não: terão ficado a cargo de algum irmão mais velho, seguindo os usos e costumes do seu povo, o levirato, que já vem dos tempos bíblicos...

Descansa em paz, Alfa Baldé!... Dorme agora o teu sono eterno, debaixo do poilão secular, na tua tabanca. No chão fula, belíssimo poilão de uma triste tabanca fula, cercada de arame farpado, cavalos de frisa, trincheiras, espaldões e valas de abrigo por todos os lados. 

Tudo, afinal, por causa do Mamadu Indjai, o "Terrível". Jurou pôr o teu "chão" a ferro e fogo. E esteve quase  a consegui-lo, se não tivesse levado prematuramente uma rajada de G3 quando retirava para a península do Galo Corubal.  Não contava com os "velhinhos" de Mansambo, emboscados... Sobreviveu aos ferimentos   e foi ainda evacuado para um hospital  no estrangeiro... De um daqueles países que apoiavam o Amílcar Cabral... 

Lembras-te?  Nunca o viste, mas era o chefe do Mamadu Indjai, esse Cabral... Dizem que nasceu em Bafatá, no teu "chão", era teu vizinho.  Filho de pai cabo-verdiano e mãe guineense. Faz sentido hoje este discurso racializado, o de saber se era mais cabo-verdiano de pai ou mais guineense de mãe?

Desculpa, passa em frente, os "tugas" têm o dom de complicar as coisas simples... Mas também é verdade, para os teus camaradas fulas da companhia, o Amílcar Cabral nunca teria sido guineense...

Os teus campos, Alfa Baldé, esses,  ficaram tristes e inférteis. Já não davam o milho painço nem o fundo, nem a mancarra, nem a noz de cola, nem o arroz de sequeiro. Os homens partiram para guerra. E os mais velhos eram milícias, na tua tabanca organizada em autodefesa. 

A guerra era agora a principal ocupação de todos. E a morte um modo de vida. Compravam o arroz na Casa Gouveia ou no Rendeiro com o "patacão" da guerra.  Nem os "djubis" guardavam já os campos de mancarra, das investidas dos macacos-cães. De Mauser em punho, que a milícia agora usava a G3. Aprendiam cedo a usar uma arma, os "djubis"...

Alguns dos  guerreiros do teu povo, como tu, voltavam agora numa caixão de pinho. Restavam os macabros "jagudis" poisados no alto da morança dos mortos, cheirando a morte, pressagiando a desgraça, esperando as vísceras das vacas que iriam ser abatidas, esfoladas e comidas nas cerimónias do "choro".

Setembro de 1969. Operação Pato Marreco. Ou era a Ganso Pimpão? Ou a Pavão Real? Ou a Cisne Depenado? 

Que importa, agora, o nome de código da operação!... O Alfa Baldé morreu em linha, num golpe de mão a um acampamento. No assalto a um aquartelamento temporário do IN ("barraca", diziam eles), próximo do Poindom / Ponta do Inglês, o "matadouro" do Xime, o "fojo do lobo"...

Não, não havia lobos na Guiné, as populações locais chamavam lobo à hiena... Mas é uma metáfora, "foj0 do lobo", aquelas penínsulas, na margem direita do rio Corubal, nos regulados do Xime e do Corubal: Poindom / Ponta do Inglês, Baio / Buruntoni, Galo Corubal / Satecutá... Tal como Madina / Belel, já no limite do regulado do Cuor, a norte do Enxalé...

"Fojos do lobo", triângulos assassinos, ratoeiras, matadouros... 

IN? Que estranho termo... IN, abreviatura de inimigo, usado nos relatórios de operações.  O "tuga" usava-o por força do hábito, por comodidade, por lassidão, por economia de análise. Para ti, era o "turra". Para muitos dos "tugas", era também o "turra", corruptela de "terrorista"... Em qualquer guerra, o inimigo tem que ter um nome, uma alcunha, um rosto, uma bandeira... De preferência, um nome depreciativo, que provoque asco, ódio, desprezo... Um gajo não mata por nada, tem que ter uma boa razão para matar e morrer. Tem  que aprender a odiar. Depois do ódio é mais fácil matar e morrer....

Curioso, nunca soube a tua idade, mas eras dos mais velhos, dos que não tinham idade bem definida. Os que chamávamos "homens grandes" da companhia... Não tinhas bilhete de identidade de cidadão português. Eras um fula preto, um fula forro, arrebanhado para aquela guerra. Não, não eras futa-fula, nem da antiga nobreza do Futa Djalon... 

Levaram-te a enterrar na tua aldeia, os camaradas do teu pelotão, foram  dizer-te o último adeus. Com honras militares, tiros de salva, e a bandeira verde-rubra dos "tugas" por cima do teu caixão. De pinho. Do verde pinho de Portugal. Talvez do pinhal de Leiria, que ardeu de vez num dos verões  passados. Ardeu como estão a ardeu agora as tuas florestas... para depois fazerem grandes plantações de palmeiras de dendém  ou de frutos tropicais...

Nem isto te deixaram fazer,  as coisas à maneira dos teus. Afinal, eras um soldado, regular, do exército português. "Colonialista", denunciava  a "Maria Turra", na rádio lá de Conacri... Não, não era a mulher do Cabral, como tu pensavas... Mas também não importa, já nada importa, a um crente, bom cristão ou bom muçulmano, depois de "lerpar"... (Lerpar, morrer, é a mesma coisa, para os "tugas".)

Cumprias o teu serviço militar obrigatório, como qualquer cidadão português. Tinhas, contudo, mais deveres do que direitos. Tinhas sido milícia. Tratavam-te como soldado de 2.ª classe, por não saberes ler nem escrever português... Eras do recrutamento local.  E a "Maria Turra" chamava-te 'cachorro", cão dos colonialistas... Cabral também te chamava 'cachorro', colaboracionista, à semelhança dos "darkis" na Argélia... 

Se não tivesses morrido, quatro meses depois de jurares bandeira perante o "homem grande" de Bissau, e se tivesses chegado ao fim da guerra, que estava ainda para durar, irias ter "manga de  chatice".  Nunca falámos disso... Aliás, muitas coisas ficaram por falar entre nós... Os novos senhores da guerra não gostavam de ti, que eras um "cachorro dos colonialistas", proclamava a  "Maria Turra", em portuguès e em crioulo, confirmava o Amílcar Cabral, vociferava o Mamadu Indjai no cerco a Candamã. E nos papéis que deixou espalhados pelos trilhos...

Todos os exércitos têm normas, regulamentos, protocolos... O enterro do Alfa Baldé fez-se segundo uma NEP qualquer... A burocracia militar previa tudo ou quase tudo... Não chegaram a chumbar o caixão, não houve tempo de esperar pelo "cangalheiro" de Bissau... Nem o caixão era de chumbo... A caminho da aldeia natal do falecido, em dois ou três Unimog, a tropa ia no "gosse gosse", com medo que o cadáver começasse a cheirar mal. E já cheirava... Com quarenta e tal graus ao sol e 100% de humidade, nesse setembro de 1969, o pobre do Afa Baldé já cheirava mal, já fedia...

E o "pavão" do teu "alfero" ia à frente, de peito feito ao vento, pela estrada fora... Como é que vocês lhe chamavam?... O "alfero Manga de Ronco"... (Todos os "tugas" tinham alcunhas, eu também devia ter, seguramente, mas nunca mo disseste, à minha frente... A do "alfero", se bem me lembro, era por ele gostar de fazer umas festinhas âs bajudas de "mama firma", repetindo e comprovando com o dedo, que depois  levava aos lábios: "Manga de ronco, manga de ronco!"...)

 Lá ia ele, impante, sem pudor ou qualquer remorso por te ter morto, a ti e ao prisioneiro que nos servia de guia, e ferido uma porrada de malta.

Lá ia ele, de pé no Unimog, desafiando minas, armadilhas, emboscadas, aparentemente ignorando ou escamoteando os sentimentos dos seus subordinados, a tristeza das gentes da tabanca... Desafiando os ventos da História que já sopravam fortes naquele mês de setembro e ano de 1969... 

Havia quem não gostasse dele, até os seus soldados lhe chamavam-lhe o "alfero que tem Manga de Mania"... Competia pelos favores do capitão e quiçá batia-se a uma cruz de guerra, com o "Cabra-Matchu", o outro "alfero" que era de operações especiais...

E ele até nem desgostava da alcunha, o "Manga de Ronco"... Pequeno, entroncado, primeiro classificado no CSM, o que lhe valeu uma "promoção", a entrada no COM, o curso de oficiais milicianos, na "Máfrica", a fábrica de oficiais milicianos com destino à "guerra do ultramar", diziam uns, ou "guerra colonial", diziam outros. 

Foi bom na prova de tiro, e no trampolim e na marcha. Aldrabou os psicoténicos e os instrutores. Tinha lábia. Era chico-esperto. Valente, sem dúvida. Voluntarioso, com certeza. Mas "mau oficial e  pior cavalheiro", diziam entre dentes os seus criticos.... Terá sido um erro de "casting":  não tinha qualidades de comando e liderança, para além dos punhos e da genica. Muito menos tinha ética.   Fez um discurso "patrioteiro", que ninguém terá entendido, crianças, bajudas, mulheres e velhos da tua aldeia. Nem sequer os seus próprios soldados, acabrunhados com o seu primeiro morto, de morte matada, morto por "fogo amigo", morto ironicamente pelo seu comandante.

"Honra e Glória ao bravo soldado Alfa Baldé, que deu a vida pela Pátria!"... Ele falava em português, e não havia sequer um intérprete. Nem muito menos tempo para grandes discursos. 

Honra e Glória !... Pátria?!... Não é fácil explicar o que querem dizer estes conceitos, sobretudo a ti que nunca chegaste a frequentar o posto escolar militar... Tinhas lá tu tempo de frequentar a escolinha dos "djubis"!..

Portugal, a pátria longínqua?!... "Heróis do mar, nobre povo, nação valente e imortal..". Sabias tu, ao menos,  o hino nacional?...  Nem isso, não tivestes tempo de o decorar e cantar, de cor e salteado......

Ainda te lembras de ouvir falar de Portugal, de lá longe, muito longe? 
Os senhores que vieram do Norte e do lado mar... Não, não vieram pelo deserto, pelas caravanas de dromedários (sim, que no Saara, não havia camelos). Esses, foram outros, árabes, bérberes, tuaregues, mandingas do reino do Mali, abrindo as rotas subsarianas do ouro, do marfim e da escravatura. Depois é que vieram os "tugas" e os outros europeus ocupar e retalhar, tardiamente, a tua África negra, profunda, berço de todos nós... 

Os teus antepassados da Senegâmbia  foram escravizados, muitos foram parar ao Novo Mundo, aos engenhos de açúcar e às plantações de algodão. Outros, quiçá, trabalharam nos arrozais do rio Sado. Ou eram escravos domésticos em Lisboa. Como já antes tinham sido escrvizados pelos árabes, os mouros, os mandingas do império do Mali...

Não, não tens que saber de geografia. Nem de história. Nem de geopolítica. Nem de antropologia. Muito menos  de teologia. No sítio onde tu moras agora, debaixo do teu poilão, já não te servem para nada os conhecimentos de geografia, história, geopolítica ou antropologia. E a teologia dos marabus, dos imãs e dos chernos só te vai baralhar a procura do caminho que te há de levar à eternidade...

Insha'Allah, algum senhor da guerra, do teu país, não venha um dia destes autorizar o abate do teu poilão, a troco de um punhado de yuans (ou iuanes), o patacão chinês, a nova moeda com que se tenta subornar os novos líderes do teu povo... 

Sabes, dizem que estão a dar cabo das florestas da tua terra, da tua África. O deserto do Saara já espreita às portas do "chão" felupe, mais a Norte. Os "madeireiros" não têm pátria nem ideologia. E já não usam machados. Abatem uma árvore centenária enquanto o crocodilo do Cacheu engole um macaco-cão. Como outrora os velhos carvalhos da Europa ou as sequoias da América.

Bolas! Um gajo não se recordar do nome da aldeia do Alfa Baldé, no "chão" fula!... Nem sequer os seus mangueiros e os seus poilões... A secção que eu comandava, esteve lá uma semana ou duas, um mês antes do Alfa Baldé morrer. Essa tabanca, pelas notas, amarelecidas, do meu diário, ficava no limite do regulado de Badora, a sul, já a confinar com o regulado do Corubal.

O Alfa Baldé esteve lá comigo. Vinha-me a ajudar a acender o lume ao fim da tarde, para aquecermos as rações de combate, eu e o transmissões... Ou grelhar um frango ou um naco naco de carne de caça..... Partilhava com ele a ceia, antes que o sol incendiasse o céu e a savana. (À noite apagavam-se todas as fogueiras, por causa dos "snippers" do Mamadu Indjai. Estava em vigor o "black out" total. Até o cigarro era proibido.)

Esqueci o nome da tua tabanca mas o teu nome, esse não esqueci, Alfa Baldé, apontador de dilagrama, o melhor da companhia. Esqueci foi o lugar onde nasceste e te fomos enterrar, talvez Sinchã ou Saré qualquer-coisa, é imperdoável... (Nem sequer uma chapa de metal, com o teu nome e número mecanográfico, lá deixaram cravada no teu poilão!)

Passámos lá uns belos dias, eu, tu e a nossa secção. Felizmente que o Mamadu Indjai não nos importunou dessa vez , mas andou a pôr o vizinho regulado do Corubal a ferro e fogo, como ele jurou... Jurou, cumpriu e fez cumprir. 

Mamadu Indjai, um senhor da guerra do PAIGC, que acabará também miseravelmente fuzilado nas matas do Boé, em 1973, depois de atentar contra a vida do seu chefe, o "pai da Pátria"... (Pátria... como explicar-te?!... Não é fácil.) 

Mas era também um"cabra-matchu",  valente, "herói da luta de libertação", esse Mamadu Indjai... É assim, querido Alfa, todas as revoluções devoram os seus filhos: Cabral, Indjai, Mané, 'Nino'... Ontem, como hoje. Na tua terra ou na minha.

Falavas pouco e mal o português, mas eras um exímio caçador, e um terrível "snipper" (a 50 metros eras capaz de arrancar a cabeça de um inimigo, se tu fosses apontador do lança-granadas-foguete 37 mm; mas o "pimpão" do teu comandante, estupidamente, obrigou-te a ser apontador de dilagrama, o que tu nunca gostaste)... 

Snipper, black-out, casting...são palavras de outras língua, o inglês, esquece. Mas o que agora queria dizer-te, Alfa Baldé, cinquenta anos depois da tua morte, e é isso que importa, é que chorei por ti, confesso que chorei por ti, que morreste a meu lado, e que levavas um prisioneiro, teu irmão, pela mão. Não sei se um balanta, biafada ou mandinga é teu irmão, tu que és fula preto... Mas deixa lá...  

É uma vergonha um gajo, um "cabra-macho" de um "tuga", vir aqui dizer que chorou por outro homem, combatente, seu camarada de armas. Um homem não chora, dizia o meu pai, o meu velho, que escondia a lágrima fácil com os seus ditos de ocasião  e os seus trejeitos.....

Tu que nem sequer eras meu irmão, nem grande nem pequeno. Eras apenas meu camarada de armas. Nem tinhas a mesma cor de pele. Nem a mesma religião. Nem a mesma língua. Nem talvez a mesma pátria.(Não posos falar pir ti e pelos teus sentimentos.) Nem o mesmo continente. Não comias carne de porco. Nem bebias "água de Lisboa". Eras apenas um "guinéu", soldado de 2.ª classe, exímio caçador e o melhor apontador de dilagrama (e de LGFog 37 mm)  da companhia. E o primeiro a morrer em combate, "vítima de fogo amigo", que estranha ironia!...

Ganhava, o Alfa Baldé, 600 pesos de pré, o equivalente a um saco de arroz por mês para alimentar a família numerosa, mais 24$50 por dia, por ser desarranchado. "Manga de patacão", dizia o sacana do sorja da secretaria que, antes de partir para a Escola Central de Sargentos, ainda queria "embrulhar em papel selado"  uns. "sacanas de uns nharros" que não lhe bateram a pala... E que, depois, queria fazer pagar o caixão de pinho do Alfa Baldé com o dinheiro do ronco que a companhia ganhara na tal operação Pato Marreco. (Ou era a Ganso Pimpão? Ou a Pavão Real? Ou a Cisne Depenado?)... Trinta ou quarenta contos de material apreendido aos "turras, nessa operação, valiam hoje qualquer  coisa como 10 mil a 13,5 mil euros... O capitão que, apesar de tudo era um gajo dcecente, recusou-se a aceitar essa sórdida contabilidade do deve e haver da tropa... Um herói de Portugal tinha direito a um caixão, mesmo foleiro, de pinho...

Não, não eras um homem de grandes falas, e o teu léxico em português era bem escasso para a gente poder manter um diálogo aprofundado sobre a tua vida e a do teu povo, e a sua história. Eu fazia muitas perguntas, às quais nem sempre sabias responder. E,  se respondias, eras lacónico...

Para mim, eras apenas um homem, da subespécie "Homo Sapiens Sapiens". A única que chegara até aos nossos dias. E que, convém recordá-lo, nascera do seio úbere da Mãe África. Somos todos descendentes de africanos que acabaram por colonizar e povoar o planeta.

Tu foste o primeiro homem, género "Homo", espécie "Homo Sapiens",  subespécie "Homo Sapiens Sapiens", que eu vi morrer a meu lado. Nunca mais chorei por ninguém, por mais nenhum morto, acredita. Chorei por ti, Alfa Baldé. Chorei de raiva, de impotência e de dor.

Nascemos meninos, tu e eu, e o Conté, o nosso guia-prisioneiro, mas fizeram-nos soldados. Azar o meu e o teu, e o do Conté, por termos nascido no sítio errado, no tempo errado.

Imagino-te "djubi", à volta da fogueira, na morança do "cherno" da tua tabanca, decorando o Corão. Uma das cenas mais lindas que eu trouxe da tua tabanca, e que eu guardo na minha memória, os "djubis" à volta da fogueira, ao fim da tarde, soletrando as letras das tabuínhas em árabe. 

Lembras-te de ainda teres querido aprender as letras dos "tugas", o alfabeto latino, para poderes ser soldado arvorado e um dia chegares a 1.º cabo como o  Gomes, que era tua etnia, ou o Sampaio, que era papel de Bissau, ou o Lopes, que era cabo-verdiano da ilha da Brava. Mas a atividade operacional da companhia era intensa e muito pouco tempo sobrava para poderes frequentar a escola, o posto escolar militar, do furriel Veloso. Além disso, tinhas uma família, duas mulheres, dois filhos, um terceiro a caminho... Chegavas cansado e esfomeado à tua morança, fora do quartel onde estávamos sediados.

"Fight or flight". Luta ou foge, "tuga". Não precisei de fugir nem de lutar. Recusei o egoísmo genético. Recusei a lógica absurda, simplista, dicotómica, de matar ou morrer. Recusei o cinismo. Recusei a G3 em posição automática.
Recusei a fria e calculista resignação com que se juntavam e amortalhavam
os cadáveres seguintes. E se contavam nas paredes da caserna os dias que faltavam para a peluda.

Cinquenta anos depois, meio século, dois terços da esperança média de vida de um homem do hemisfério norte, venho dizer aqui em voz alta, 
as palavras que ninguém disse ao Alfa Baldé, no grotesco enterro que lhe fizeram em Sinchã ou Saré qualquer-coisa, a sua terra natal. 

E de repente, o capim. O capim alto. O sangue. 

Dilagrama
O capim pisado e empapado de sangue. Pobre Alfa, morto pelo teu próprio  dilagrama", erradamente empunhado pelo teu comandante.  Alguém branqueou a tua morte no relatório da operação. Alguém quis salvar a honra da companhia. Alguém safou o teu comandante de pelotão de uma eventual porrada do Spínola. Um dilagrama rebentou no ar, na tua cara e na minha cara e na cara dos nossos camaradas de secção. E na cara do Conté. O teu dilagrama, empunhado pelo "alfero Manga de Ronco".

O que é que lhe terá dado, ao teu "alfero", para à última hora ter decidido tirar-te o dilagrama e ter-te confiado o prisioneiro, Conté, que estava à guarda do Mamadu Camará?!

Disseram-te, na instrução da tropa, que não podias (nem nunca deverias) julgar um oficial, teu superior hierárquico, teu comandante de pelotão ou de companhia. É verdade ele, um dia 
destes, vai morrer na cama, se é que ainda está vivo!... Sem qualquer remorso na consciência "por te ter morto", a ti e ao Conté, e ter provocado vários feridos graves, quando a companhia estava em linha no assalto a uma "barraca" dos "turras"... 

"Homicídio involuntário"? Não, "acidente com arma de fogo", é mais indolor... 
Muito provavelmente o alferes vai morrer em paz e contar aos netos que foi um "herói de guerra do ultramar", com direito a nome de rua lá na aldeia do nordeste transmontano onde ele nascera...

"Acidente com arma de fogo" (segundo o relatório elaborado pelo capitão)
no auge da batalha, quando a companhia avançava em linha, no assalto ao acampamento do IN, levando o Alfa Baldé, pela corda, o guia, que era "turra", prisioneiro, e que lhe fora confiado à última hora. Porque o seu posto era o de soldado, apontador de dilagrama. E era o melhor da companhia.

O que se passou na cabeça do "alfero" que empunhou indevidamente o dilagrama
e largou-o no ar quando, inadvertidamente, saltou a cavilha de segurança?... "Falha técnica" ou "erro humano"? Na tropa há sempre uma explicação para os desastres...


Mais novo do que tu,  o teu "turra" era um jovem mandinga ou biafada (tanto faz, já não me recordo), que apanháramos a norte do Enxalé, tão crente como tu, tão observador dos preceitos corânicos como tu, meu querido "nharro". (Desculpa tratar-te assim,  o termo tem hoje uma conotação racista, mas era coloquial  naquele tempo, "tuga" e "nharro" eram usados sem sentido de ofensa...)

Rebentou, de imediato, a fuzilaria quando o dilagrama explodiu na cara do pessoal. A tua, a nossa, secção já não pôde avançar mais. Tu tiveste morte quase instantânea, ainda balbuciaste umas palavras em fula, que ninguém consegui ouvir e muito menos fixar. Deves ter chamado pela tua mãe, como todos os soldados do mundo na hora da morte... Quando chegou o 1.º cabo auxiliar de enfermagem, o Fafe, para te estancar o sangue e pôr o soro nas veias, já era tarde demais... Um estilhaço de ferro em brasa,  varara-te o coração. O "turra", esse, não morreu logo, mas ficou a agonizar no chão... Ninguém o levou, muito menos o helicóptero... O Fafe abreviu-lhe a mortye dolorosa, com uma dose de morfina... Ficou, ali, à porta da sua antiga "barraca", a agonizar... Ele que nos levara até lá, sem nos tentar enganar, embora temendo que, cumprida a sua tarefa de Judas, alguém lhe pudesse dar no final um tiro atrás da nuca...

A "Maria Turra", em Conacri, irá depois acusar-nos de o termos executado sumariamente... e transformar o pobre do Conté  em mais um "herói da liberdade da pátria"...   Todas as guerras precisam de heróis, de um lado e do outro... Se os seus camaradas o não recolheram, junto com os despojos da batalha, em oito dias as formigas carnívoras e os "jadugis" descarnaram-no e desossaram-no...

Nunca mais lá voltei, à Guiné, Há muitos anos atrás ainda tentei, em vão, arranjar uns restos de coragem e de dignidade. Achava que tinha  uma dívida para com o Alfa Baldé. Morto, por engano. Morto pelo "fogo amigo". E  enterrado na sua tabanca do sul de Badora...

E agora, Alfa Baldé, que foste poupado à humilhação da "derrota" e não viste o teu país sentar-se de pleno direito à mesa do mundo... Que farias tu com esta independência e com esta bandeira tricolor, a da Guiné-Bissau, contra a qual lutaste sem querer, sem saber, sem poder?

Onde estarão os teus filhos, e as tuas mulheres? E os teus netos? E os homens grandes da tua tabanca? E os líderes do teu povo que te obrigaram a combater ao lado dos "tugas"?

Herr Spínola, o homem grande de Bissau, esse já morreu há uns largos anos atrás, ainda no século passado. Há vinte e tal anos.

Não lês os jornais, não chegaste a aprender o alfabeto latino e a juntar as letrinhas para poderes ler o livro da 3.ª classe, com a torre de Belém ao fundo: "Esta é a minha pátria amada"…

Pois é, o homem grande de Bissau morreu, não de morte matada, como a tua, ou a do Conté, ou a do Amílcar Cabral, ou a seu carrasco, o Inocêncio Cani, ou a do 'Nino' Vieira, ou a do Mamadu Indjai... O "Caco Baldé" morreu de acordo com a lei natural das coisas, com 86 anos. Soubeste, com certeza,também  da morte do Cabral e do 'Nino'. Ou talvez não. Nem todas as notícias da terra chegam ao céu...

Quanto ao teu régulo,  foi miseravelmente fuzilado na parada de Bambadinca, o poderoso régulo de Badora, tenente de milícias, o "Cavalo Branco", como a gente o chamava.... 

Coitado, um dia trocou o cavalo branco, símbolo da gesta heróica do Futa Djalon, por uma prosaica motorizada japonesa de 50 centímetros cúbicos...  Dizia-se que fora oferta do Schulz ou do Spínola (que chegou à tua terra em meados de 1968). Pois do Mamadu Bonco Sanhá também se dizia que era dono de centenas de cabeças de gado e de um harém, mas era mentira, de cinquenta mulheres, uma em cada aldeia de Badora… Fantasias sexistas dos "tugas" que pouco ou nada afinal sabiam, coitados,  da história e da cultura do teu povo.

Também se dizia, mas era mentira, que o puto Demba era filho dele, o Demba e mais outros "djubis" da companhia, os nossos putos de 15 e 16 anos. O Demba já morreu, também ele, o puto Demba.  Era de Taibatá e andou fugido pelo Senegal e por todo o Norte de África até chegar a Portugal. Acabou por morrer cá, na terra dos "tugas", no hospital, o terminal da morte. De sida, de turberculose, de miséria, de solidão...

Hoje os heróis do passado sucumbem sob o peso das cruzes de guerra. Ou pedem esmola nas ruas de Bissau ou de Dacar, tal como os teus filhos e netos. Ou morrem de desespero e insolação às portas do templo da deusa Europa, em Ceuta, em Melilha, em Lampedusa, em Lesbos, ou afogando-se nas profundezas do Mediterrâneo...

Que voltas o mundo deu, Alfa Baldé,  desde esse dia já distante em que a tecnologia da guerra ou a lotaria do ADN ou a insensatez de um oficial subalterno "tuga" te ceifou a vida.

Porquê tu, logo  quatro meses depois de jurares bandeira, em Bissau, na presença do general Spínola, e te comprometeres, por tua honra, a defender uma pátria que, afinal,  não era a tua (ou não era bem a tua), "até à última gota do teu sangue"?
 
E agora deixa-me dizer-te, amigo e camarada, à laia de despedida: não sei se um dia ainda terei forças para voltar à tua terra, ao teu "chão". Já estou a ficar velho de mais para poder voltar a viajar para esses sítios de África. Mas se porventura o fizer, gostaria ainda de descobrir o nome da tua aldeia, e de procurar-te e de ter tempo para conversar contigo, só tu e eu, debaixo do teu poilão. Oxalá, Insha'Allah!


Nota do autor: 

Neste conto, os nomes são quase todos fictícios (exceto o do régulo de Badora, e os "históricos" do PAIGC)  mas os factos (e os topónimos) são verdadeiros, no essencial. Acontece que o Mundo é Pequeno, e a nossa Tabanca é... Grande!... Outra advertència: estews contos com mural ao fundo foram escritos em tom intimista, mas para serem lidos em voz alta, esperando-se que o eco da voz do leitor vai bater no tal "mural ao fundo"... Se o leitor quiser "grafitar" o mural, o autor também lhe fica grato. Afinal, quem conta um conto, não é para lhe acrescentar um ponto, mas para ser lido ou escutado. 
 
© Luís Graça (2019). 

Última versão, profundamente revista e melhorada: 10 de junho de 2023
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(**) Ver poste de 21 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5682: Armamento (1): Morteiros, Lança-Granadas, Granadas e Dilagrama (Luís Dias)

(...) O Dilagrama era um dispositivo que, conjuntamente com a granada de mão defensiva M/63, ao qual era fixado, aplicado na espingarda automática G3, permitia-nos obter alcances superiores aos conseguidos pelo arremesso manual da granada, reduzindo os riscos para as nossas tropas na sua utilização. O Dilagrama permitia bater ângulos mortos, sendo possível o seu emprego contra elementos IN abrigados.

O Dilagrama era constituído por:
  • um adaptador da granada;
  • um tubo em forma cilíndrica;
  • uma empenagem;
  • a granada defensiva M/63 e
  • um cartucho especial propulsor.
Retirada a cavilha da granada, a alavanca de segurança ficava presa pelo retentor. Quando se premia o gatilho da arma e o cartucho era percutido, a acção de gases que se seguia impulsionava o conjunto, lançando-o pelo ar e pela acção da inércia o grampo de armar recuava, partindo o retentor, soltando-se, então, a alavanca de segurança da granada, iniciando-se a combustão do misto retardador e consequentemente a explosão, com fragmentação de todo o conjunto.

Normalmente, a granada atirada por este dispositivo, rebentava acima do solo. Num disparo a 45º, verificávamos que, efectuando uma contagem rápida de 1 a 15, o rebentamento se dava, por norma, nesta altura.

O disparo deste dispositivo dava um forte coice, em especial no dedo que dava ao gatilho, por isso, os soldados eram instruídos para efectuarem o disparo como se dedilhassem uma guitarra (só usando a ponta do dedo) e dispararem a arma apoiada no chão, prendendo-se com um dos pés a bandoleira e colocando a arma no ângulo pretendido. No entanto, em acção, a maior parte dos atiradores que me acompanhavam e que utilizavam o dilagrama, efectuaram os disparos do mesmo ao ombro, sem quaisquer problemas. (...)


Características desta arma:

  • Tipo: Dispositivo de lançamento de granada defensiva através de uma espingarda;
  • Oriem: EUA;
  • Peso: 455 g;
  • Explosivo: Composição B;
  • Fragmentação: Espiral de aço em forma de barril no interior da granada, bem como o restante conjunto, fabricado em metal;
  • Capacidade: Acção efectiva nos 15 m em redor do local da explosão;
  • Alcance máximo: 160 m.
Durante o ano de 1973, surgiu outro tipo de dispositivo (ao que creio, o FRG-RFL 40BT, de origem belga), em que a granada não era acoplada, mas fazia parte integrante do conjunto (tipo bola), no calibre de 40 mm, rebentando por impacto e, dado ser um conjunto mais leve que o conjunto anterior (355 g), o seu alcance era sensivelmente o dobro (350 m), lançando cerca de 300 fragmentos, em 30 m envolta do local da explosão. (...)