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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24107: "Una rivoluzione...fotogenica" (8): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte VII: A vida em Ziguinchor, Senegal

Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >  Organizando um coluna logística que vai kevar armas até à base de Hermacono, na fronteira / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 23 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973


Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >  Kalashnikovs AK-47 para Hermacono / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 24 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973



Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >   Vacinação contra o cólera. O dr. Roel Coutinh segurador um injetor de jato  / Foto: 
ASC Leiden - Coutinho Collection - G 02 - Ziguinchor, Senegal - Vaccinations - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > Primavera de 1973 >  Uma enfermeira / Foto:  ASC Leiden - Coutinho Collection - 2 25 - Ziguinchor hospital - Senegal - Nurse - 1973



Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > Enfermeira > ASC Leiden - Coutinho Collection - 8 05 - Nurse in Ziguinchor hospital - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > A enfermeira francesa Nicole Dicop,   administradora do hospital do PAIGC  em Ziguinchor, desde 1971 até a primavera 1973; aqui com  o enfermeiro da Guiné-Conacri, Sekou Touré  / Foto: ASC  Leiden - Coutinho Collection - G 19 - Life in Ziguinchor, Senegal - French nurse Nicole with PAIGC male nurse Sekou Touré (in Ziguinchor) - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > Anneke Coutinho-Wiggelendam no Hospital do PAIGC de Ziguinchor / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 11 04 - Ziguinchor hospital, Senegal - 1973




Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)

1. Da coleção fotográfica de Roel Coutinho, relativa à sua estadia junto do  PAIGC na Guiné e no Senegal, entre março de 1973 e abril de 1974, apresentamos hoje mais uma seleção de imagens, editadas por nós, relativas  à base logística de Ziguinchor, Senegal. 

Aqui funcionava um hospital (onde durate muito tempo o único médico residente era o português, nascido em Angola, o dr. Mário Moutinho de Pádua) e daqui seguiam também, no final da guerra, colunas logísticas com armamento que era descarregado e levado para a base de Hermangono (ou Hermacono, segundo as autoridades militares portuguesas da época), na linha de fronteira.

Ainda não conseguimos localizar onde ficava Hermacono, talvez no corredor de Sambuiá (?). Segundo a instituição a quem foi doada a coleção de mais de um milhar de fotos e "slides", o African Studies Centre (ASC), Leiden, Hermangono (ou Hermacono)  seria "uma pequena aldeia na Guiné-Bissau, a um dia de distância da fronteira senegalesa", mas não se indica a sua exata localização...(Temos dúvidas se era dentro do território português, se era já no Senegal.)

Também não encontrámos este topónimo, nem na "Crónica da Libertação", do Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984) (que, cronologicamente, termina na data do assassinato de Amílcar Cabral, ou seja, em janeiro de 1972), nem no Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, nem muito menos nas nossas antigas cartas militares.

Como fotógrafo (amador), Coutinho não se deixou deslumbrar pelas armas nem pela guerra... Não são muitas as fotos dos combatentes e do seu armamento, privilegiou antes outros aspectos da vida no "mato" (para usar um termo caro às NT): a prestação de cuidados de saúde, a educação, a população, as crianças, o quotidiano,  etc.

Com a esposa, Anneke Coutinho, escreveu um artigo, Report from Guinea-Bissau, publicado nº 2 da revista Kroniek van Africa, 1974, pp. 210-219.

Resumo do artigo (originalmente em inglês): 

"Os autores em 1973/74 integraram as actividades do Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde na Guiné-Bissau (ex-Guiné Portuguesa). Nestas impressões de observadores participantes,  descrevem, a partir de um esboço da criação do PAIGC (em 1956 sob a direção de Amílcar Cabral) e da sua luta armada pela libertação do país do regime colonial português, vários aspectos da política do PAIGC nas áreas liberadas, por ex. assistência médica (postos médicos, hospitais, instalações, fornecimento de medicamentos), solução democrática de conflitos, organização da educação escolar, provisão de necessidades essenciais através de lojas populares, mobilização da consciência política e motivação da população, da elite política e seu futuro. A conclusão dos autores é que as perspectivas futuras da Guiné-Bissau são mais promissoras do que naqueles outros países do Terceiro Mundo que não conheceram nenhuma luta armada".


2. São fotos de um  jovem  médico,   Roel Coutinho,  hoje um prestigiado médico, epidemiologista e professor,jubilado, de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis: esteve no Senegal e na Guiné-Bissau, em missão sanitária que não exluia a simpatia política (não sabemos se durante um ou mais períodos, entre março de 1973 e abril de 1974).

Tinha acabado de se licenciar  em medicina (em 1972). Especializar-se-ia depois em microbiologia médica. Doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis. É um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas.

Recorde-se que Roel Coutinhyo nasceu  em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte.  

Tem ascendência luso-judaica, sefardita: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda no séc. XVII. Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao judaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada e influente, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre usaram os seus apelidos portugueses até à II Guerra Mundial. 

Prova da importância da comunidade luso-judaica de Amesterdão (onde nasceu o grande filósofo Espinosa, 1632-1677),   é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa,   inaugurada em 1675, e chegou a ter 3 a 4 mil fiéis.

Hoje  a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa",  minumento nacional, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19224: (D)o outro lado do combate (38): Carta de Lourenço Gomes, datada de Samine, 3 de março de 1965, dirigida a Luís Cabral, expondo a dramática situação da farmácia do PAIGC (Jorge Araújo)



Citação: (1960-1961), "Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira, Lourenço Gomes e Armando Ramos em Conakry", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43591 (2018-10-26), com a devida vénia. [Há um quinto elemento, na ponta direita, que está por identificar]


Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 05222.000.084. Título: Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira, Lourenço Gomes e Armando Ramos em Conakry. Assunto: Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira, Lourenço Gomes e Armando Ramos junto ao Secretariado Geral do PAIGC [A Direcção geral do PAIGC instalou-se em Conakry no mês de Maio de 1960]. Data: 1960-1961. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Fotografias.



Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, 
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

OS PROBLEMAS DO PAIGC NA LOGÍSTICA DE SAÚDE EM 1965 > ENTRE A LUCIDEZ E O DESESPERO DE LOURENÇO GOMES, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DA SAÚDE NA FRENTE NORTE


1. INTRODUÇÃO

Porque a curiosidade se mantém, definida como interesse pessoal no aprofundamento da temática em título, volto de novo ao fórum para partilhar convosco mais uma pequena investigação concluída a partir das últimas narrativas tendo por questão de partida a «Logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte». 

A primeira abordou o modo como se organizava o transporte dos guerrilheiros feridos no trajecto desde o interior do território [Região do Oio] até ao hospital de Ziguinchor, no Senegal – P18848, e a segunda descreveu o "protocolo" utilizado (o possível em função dos recursos) nas intervenções cirúrgicas na base do Sará – P19129.

Em ambos os casos, as narrativas foram reforçadas com imagens obtidas pela câmera do médico holandês Roel Coutinho, clínico que durante os anos de 1973/1974 cooperou com a estrutura militar do PAIGC em diferentes bases da região Norte, quer no apoio aos combatentes quer na ajuda humanitária às populações sob o seu controlo.

Recuando na fita do tempo até Março de 1965, dois anos após a guerrilha ter iniciado a luta armada em Tite (Janeiro de 1963), os dirigentes do PAIGC batiam-se com grandes dificuldades logísticas em todos as frentes, com destaque para a área da saúde. Para além da inexistência de estrutura clínica adequada, e qualificada, onde não era possível garantir qualquer consulta, prescrição ou tratamento em tempo útil a cada paciente, conceitos que fazem parte dos actos médicos, a falta de medicamentos necessários para cada uma das enfermidades era gerida com "pinças", por serem escassos e incertos. A forma mais comum de os obter era através do recurso ao endividamento, com compras a crédito (requisições), particularmente no circuito comercial (farmácias) existente nos locais mais próximos dos hospitais do PAIGC situados em Ziguinchor (Senegal), Koundara e Boké (Guiné-Conacri). [Vd. mapa a seguir.]




Porque esta situação se agravava/degradava diariamente, por efeito do crescente aumento do número de baixas - feridos e mortos - resultantes das actividades operacionais contra as NT, foram lançados diversos apelos a "Comités de Solidariedade" internacionais, incluindo as organizações da Cruz Vermelha, solicitando apoios urgentes nesta área, como provam os exemplos identificados no ponto 4.

2. ANTECEDENTES


Já em Julho de 1964, em documento elaborado por Lourenço Gomes, a quem tinha sido atribuída a incumbência de supervisionar as actividades do PAIGC na Frente Norte, enviado a Amílcar Cabral, aquele dava conta da estatística relacionada com os feridos e doentes existentes naquela zona sob a sua responsabilidade (ver quadro abaixo). 









Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35644 (2018-10-26), com a devida vénia.
Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07071.123.063. Assunto: Medicamentos. Enfermaria. Entrevista com Senghor. Prisão de Seco Camará. Em anexo: número de feridos e doentes em Casamansa e comunicado de guerra, assinado por Lourenço Gomes, referente ao dia 2 de Julho de 1964. Remetente: Lourenço Gomes, Samine [Frente Norte]. Destinatário Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Data: Domingo, 12 de Julho [Agosto?] de 1964. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios IV 1963-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.




Anexo 1 - Relação de doentes



Anexo 2 - Comunicado de guerra de  2/7/9164[, em vez do esperado extrato conta-corrente do mês de junho de 1964]


3.  CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO EM MARÇO DE 1965


Em função das responsabilidades que lhe estavam atribuídas e perante as dificuldades em encontrar soluções para os diferentes problemas que lhe iam surgindo no âmbito das suas múltiplas actividades, tomou a iniciativa de caracterizar a situação em missiva enviada a Luís Cabral [Bissau; 1923 – Torres Vedras, 2011].

Eis o conteúdo da carta enviada de Samine (Senegal) por Lourenço Gomes, em 3 de Março de 1965 [conforme original reproduzido abaixo].

"Caro camarada Luís Cabral. Saudações combativas.

Esta carta é para lhe explicar as dificuldades que passo aqui na fronteira [Norte].

Se eu fosse uma pessoa que sofresse do coração, decerto já teria morrido; não só pelas dificuldades que se me apresentam, mas sim, e mais ainda, por presenciar todo o sofrimento que o nosso Povo passa nos Hospitais do Senegal, sem ter meios com que os possa valer, pois desde Dezembro do ano passado [1964] até à presente data, não tenho em mão a minha situação financeira, pois sempre o dinheiro para ocorrer às despesas, chega tarde e incompleto.

Bem sei que temos de lutar com dificuldades e admiro mesmo como a Direcção do nosso Partido, tem-nas conseguido superar até aqui. Reconheço isso tudo, mas o que me entristece é receber, em vez de palavras de encorajamento, recriminações desanimadoras.

O camarada Aristides [Pereira; Cabo Verde; 1923 – Coimbra; 2011], numa das últimas cartas que me escreveu, dizia-me que para um responsável não pode haver impossíveis. Devem levar em consideração que na fronteira Sul há um responsável em Koundara, um em Gaoual e ainda outro em Boké, ao passo que para esta fronteira toda sou eu o único responsável.

Os encargos são muitos, os trabalhos e canseiras sempre maiores cada dia que passa e os impossíveis têm de surgir, pois mesmo o carro não poderá trabalhar sem gasolina e esse só se consegue com dinheiro ou tendo as contas sempre em dia.

Na carta que escrevi ao camarada Aristides, pedia-lhe que me arranjasse um outro responsável, para qual o impossível não exista, para me substituir, porque confesso com toda a franqueza, que já estou cansado. Informei-lhe sobre as dívidas que temos a liquidar, principalmente na Farmácia, mas nem sequer obtive resposta sobre o assunto.

Estou sujeito a ser preso dum momento para o outro, pois o proprietário da Farmácia, constantemente me manda cobrar.

A minha situação é semelhante a de um náufrago, que já cansado de nadar e com as forças esgotadas se deixa morrer. Assim também, não será de admirar e até será muito possível o ter de qualquer dia abandonar o meu lugar, sem esperar ordens superiores, não significando isso falta de respeito ou disciplina, mas sim, só saturação e canseira até ao esgotamento.

Recebi pelo camarada Bicho, todos os recados de que lhe incumbiu, mas peço veja bem que sem possibilidades, talvez não poderei satisfazer os seus desejos, muito embora contra a minha vontade. O dinheiro que por ele recebi tive de o despender no pagamento de dívidas muito urgentes, não sabendo agora, como poderei mandar dez pessoas para Dakar, se não tenho sequer em meu poder dinheiro suficiente para adquirir gasolina para mandar o carro. Até à presente data, não recebi a importância completa correspondente ao mês de Fevereiro passado.

Bem sei que a si não lhe cabem culpas do que se passa, mas julgo do meu dever dar-lhe conhecimento, como membro que é da Direcção do Partido.

Amanhã mesmo, tenho de seguir para a fronteira de Kolda, possivelmente até perto de Cuntima, porque fui chamado com urgência de Salquenhé, para cumprir uma missão indispensável, em virtude do camarada Yaia Koté estar a estragar o trabalho do Partido naquela fronteira.

Desde sábado que mandei um portador com carta para o Osvaldo [Vieira; Bissau; 1938 - Koundara; 1974], mas até à presente data não regressou. Não sei se me poderei deslocar a Dakar em virtude da missão que vou cumprir, mas o camarada Bicho fica aqui a aguardar o portador e seguirá logo que o mesmo regresse de Morés".

Um abraço do camarada muito amigo.
Lourenço Gomes.

De acordo com o acima exposto (e independentemente do subtítulo dado a esta narrativa), será que estamos perante mais um exemplo de como pode ser explicado o provérbio «casa [ou organização] onde não há pão [recursos], todos ralham [ou se queixam] e ninguém tem razão»? Ou seja, onde falta o dinheiro e, por esse facto a vida se degrada por ausência das condições básicas que permitam um mínimo de dignidade às pessoas, então ninguém se entende porque, provavelmente, são todos culpados dessa situação. Foi isso o que aconteceu naquele contexto…?

Eis o original da carta enviada por Lourenço Gomes, desconhecendo-se a origem [ou a autoria] dos sublinhados [, possivelmente do destinatáriio, que mantivemos, não deixam de ser interessantes...].







Recorda-se, a este propósito, que três meses depois do envio desta carta por parte de Lourenço Gomes, o navio cubano Uvero desembarcava em Conacri, em 11 de Maio de 1965, a primeira (grande) ajuda de Cuba ao PAIGC, constituída por cento e trinta e sete caixas de medicamentos, entre outros apoios.


4. OS PEDIDOS DE APOIO EM MEDICAMENTOS CONTINUARAM…


Durante os treze anos da guerra colonial ou de libertação, os dirigentes do PAIGC nunca deixaram de fazer apelo a apoios internacionais, nomeadamente em equipamento militar e medicamentos.
Eis um exemplo do pedido de apoio de medicamentos elaborado dois anos depois da chegada da primeira ajuda remetida por Cuba [tradução do francês da nossa responsabilidade].
TELEGRAMAS ENVIADOS EM 11 DE ABRIL PARA:





COM O SEGUINTE CONTEÚDO… IGUAL PARA TODOS

Face situação muito grave motivo falta total medicamentos pondo em perigo vida diversos combatentes feridos e elementos população vítimas bombardeamentos lançamos apelo solicitando envio urgente todas quantidades possíveis medicamentos especialmente faixas - álcool - mercurocromo - curativos - algodão - antibióticos - antipalúdicos - antidiarreico - soro - leite (stop) Confiante vossa solidariedade aguardamos confirmação para endereço PAIGC BP 298 Conacri (stop) Fraternais agradecimentos.
Amílcar Cabral
Secretário-Geral PAIGC
Guiné dita portuguesa
Caixa Postal 298 Conacri, 11 Abril 1967





Citação: (1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34964 (2018-10-26), com a devida vénia.
Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07073.131.125. Assunto: Solicita o envio com urgência da maior quantidade de medicamentos. Situação grave por motivos de falta de medicamentos que põe em perigo de vida os combatentes feridos e elementos da população. Remetente: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Destinatário: Comité de Solidariedade Afro-asiático. Data: Terça, 11 de Abril de 1967. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Telegramas. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.



Citação: (1963-1973), "Enfermeira Nené Mendonça num hospital de campanha", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43675 (2018-10-26), com a devida vénia.
Fonte: CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 05222.000.157. Título: Enfermeira Nené Mendonça num hospital de campanha. Assunto: Nené Mendonça, enfermeira do PAIGC num hospital de campanha [Hospital Carlos Sequeira], interior da Guiné. Data: 1963-1973. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Fotografias.

Na imagem supra pode ver-se algumas caixas [de medicamentos?]. Na que aparece em primeiro plano está gravada a sua origem – Alemanha.

Oito anos depois da elaboração da carta de Lourenço Gomes agora divulgada, eis uma imagem da farmácia do hospital do PAIGC de Ziguinchor, seleccionada, com a devida vénia, da colecção do médico holandês Roel Coutinho.


ASC Leiden - Coutinho Collection - 22 20 - Ziguinchor Pharmacy head, Senegal - 1973. [Responsável da farmácia do hospital do PAIGC em Ziguinchor, enfermeiro Ramiro].

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
29OUT2018.

____________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de iutubro de 2018  Guiné 61/74 - P19129: (D)o outro lado do combate (37): A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: As intervenções cirúrgicas na base do Sará: fotos do médico holandês Roel Coutinho (Jorge Araújo)

domingo, 15 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18848: (D)o outro lado do combate (34): A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: um itinerário até ao hospital de Ziguinchor (Jorge Araújo)


Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC atravessando uma ponte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43132 (2018-7) [Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral]




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER,  CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A LOGÍSTICA NAS EVACUAÇÕES DOS FERIDOS DO PAIGC NA FRENTE NORTE: UM ITINERÁRIO ATÉ AO HOSPITAL DE ZIGUINCHOR (SENEGAL)



1. Introdução


Há exactamente dois anos, tomei a iniciativa de dar início neste fórum de ex-combatentes à publicação, em fragmentos, de algumas das memórias grafadas no livro escrito pelo jornalista e investigador cubano Hedelberto López Blanch, com o título «Historias Secretas de Médicos Cubanos», onde o autor dá a conhecer as histórias que lhe foram contadas, em castelhano (espanhol), por quinze médicos cubanos que estiveram na Argélia, na Guiné (Bissau), no Congo Leopoldville (belga), no Congo Brazzaville (francês) e em Angola, apoiando os movimentos de libertação daqueles territórios.

No caso concreto da Guiné foram três os entrevistados, por esta ordem: 

(i) o médico-cirurgião Domingo Diaz Delgado [P16224; P16234; P16285 e P16304];

(ii) o médico de clínica geral, com experiência em cirurgia, Amado Alfonso Delgado [P16357; P16380; P16396; P16420 e P16441];

(iii) e o médico militar, especialista em cirurgia geral, Virgílio Camacho Duverger [P16592; P16613; P16721 e P17151], 

os quais relatam algumas das suas muitas memórias [experiências], vividas na primeira pessoa, e das motivações que os levaram a optar por um dos lados do combate.

Como antecedente histórico ao acima exposto, recorda-se que os apoios cubanos ao PAIGC tiveram a sua génese no encontro realizado em Conacri, em 12 de Fevereiro de 1965, entre Ernesto "Che" Guevara (1928-1967) e Amílcar Cabral (1924-1973), com o primeiro a comprometer-se a ajudar, na medida das possibilidades, o segundo, na qualidade de líder daquele movimento nacionalista.

Decorridos três meses, a 11 de Maio de 1965, a primeira (grande) ajuda de Cuba chega a Conacri, a bordo do navio Uvero, constituída por cento e trinta e sete caixas de medicamentos, sessenta e seis caixas com armas, munições, minas e uniformes militares, assim como alimentos, cigarros e fósforos.




Mas é em Janeiro de 1966, por causa/efeito da participação de Amílcar Cabral (1924-1973) na I Conferência Tricontinental efectuada em Havana, durante a qual é aprovada a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina (OSPAAAL), que o Secretário-Geral do PAIGC recebe a notícia de mais apoio (material e técnico) traduzido no envio de viaturas para a deslocação dos guerrilheiros, mecânicos, instrutores militares e médicos, como corolário da reunião tida com o presidente Fidel de Castro (1926-2016).

No âmbito da cooperação técnica na área da «Saúde», o primeiro grupo de nove médicos chega a Conacri no início de Junho de 1966. Passado um mês (Julho) estes são divididos em três equipas, com a seguinte distribuição operacional:

(i) Frente Norte >  Domingo Dias Delgado (cirurgião); Pedro Labarrere (medicina interna) e Teudi Ojeda Suárez (ortopedista);

(ii) Frente Sul >  Rómulo Soler Vaillant (cirurgião); Luís Peraza Cabrera (cirurgião) e Julio Garcia Olivera (Bebo) (cirurgião);

(iii) Boké (Hospital na Guiné-Conacri) >  Raúl Currás Regalado (medicina interna); Jesús Pérez (ortopedista) e Virgílio Camacho Duverger (cirurgião). Ali já se encontrava, há dois meses, o médico panamiano Hugo Spadafora (1940-1985).


2. Testemunhos do médico Domingo Diaz Delgado (1966)

Para enquadramento desta narrativa – a da logística clínica em contexto da guerrilha – recupero alguns testemunhos transmitidos pelo médico-cirurgião Domingo Diaz Delgado (n.1936), referentes à sua passagem pelas bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Sará, na Frente Norte, itinerários percorridos durante o segundo semestre de 1966.

Conta ele: 

[…] "Luís Cabral levou-me até Ziguinchor. Aí permaneci dois ou três dias, tendo-me encontrado com os chefes militares mais importantes que actuavam no Norte da Guiné, entre eles Osvaldo Vieira (1938-1974) porque, como era o primeiro cubano que ali chegava, estavam à minha espera. 

Despediram-se de mim [6 de Julho] e saí com um grupo de combatentes. Era noite quando cruzei a fronteira por essa zona escoltado por uns quantos. A caminhada, feita por um terreno acidentado, para mim foi terrível. Demorei quatro a cinco horas até chegar à primeira base guerrilheira que se chamava Sambuiá. Passei a noite nessa base, já com os pés bastante maltratados. 

Essa caminhada que fiz em quatro ou cinco horas, quando regressei fi-la em cinquenta minutos, porque tinha menos trinta quilos e levava já um ano caminhando naquele terreno.

Passada a noite nesse lugar, de madrugada retomámos a caminhada até à próxima base da guerrilha, penetrando profundamente no território da Guiné (Bissau). 


À volta de quarenta minutos caminhámos com uma vegetação que nos protegia da aviação, mas para alcançar o rio Farim, que teríamos de atravessar para chegar à base de Maqué, faltava ainda percorrer sete quilómetros muito planos, e sem qualquer protecção natural".

Acrescenta: 

(...) "Pouco habituado a estas tarefas, caminhava lentamente face ao estado em que estavam os meus pés e todo o corpo. O meu estado de desespero também começou a dar sinais e que não me deixava ficar tranquilo, e não dava conta que olhavam para o céu, uma vez que naquele lugar os helicópteros armados e os jactos (aviões de guerra), metralhavam e matavam quem fosse detectado. Os guerrilheiros estavam desesperados porque tinham que zelar pela minha segurança, pois era o primeiro médico que ali chegava.

Finalmente chegámos ao rio Farim, onde o abundante caudal tornava difícil a sua travessia nas pequenas canoas que eles fabricavam com troncos de árvores. Atravessámos o rio e chegámos pela noite à base de Maqué, onde levava dois dias a andar e estava bastante mal. 

No trajecto tivemos de beber água em más condições. Ali a água potável era a dos rios, e eles habituaram-se a fazer uns buracos na terra, bem localizados e escondidos para encherem quando chovia. Ao longo do itinerário realizado sabiam onde tinham os buracos para tirar a água com terra e era a que, a partir desse momento, comecei a beber.

Como era o primeiro grupo cubano na Guiné (Bissau), não tínhamos antecedentes. Quando cheguei à base de Maqué já as diarreias começavam a fazer estragos, mas nem por isso deixámos de comer o que encontrávamos pelo caminho. No dia seguinte, antes de amanhecer, reiniciámos a caminhada, avançando pelo país até alcançar a base de Morés. Nesse lugar estivemos um dia, seguindo, depois, uma nova caminhada até chegar à base onde permaneci cerca de seis meses: Sará". […]



Base de Sará (1966) – Da esqª/dtª., o instrutor militar tenente Alfonso Pérez Morales (Pina); o ortopedista Tendy Ojeda Suárez; o cirurgião Domingo Diaz Delgado e o médico de clínica-geral Pedro Labarrere. (in. op. cit.).



Continua: 

"A base de Sará estava praticamente no centro do território. Aqui já estavam dois companheiros médicos do meu grupo, dos três que saíram de Cuba em avião, o ortopedista Teudi Ojeda e o médico Pedro Labarrere, e os três fomos os únicos que naquele tempo [1966] estivemos na Zona Norte. De Sará, estávamos a quatro dias de distância da fronteira [Senegal] e não era fácil transportar coisas para lá. 

Tínhamos um pequeno arsenal de medicamentos, instrumentos cirúrgicos, mas muito rudimentar, para resolver problemas que se apresentassem naquele tipo de conflito. A possibilidade de enviar feridos até à fronteira era muito escassa, pela distância e a maneira de os transportar, e a forma como se movimentava o inimigo. 

O acampamento mudava de lugar em certas ocasiões, pois apesar de que nesse tempo era uma base guerrilheira, não se podia permanecer fixo e havia que mudá-lo constantemente para maior segurança. Chegou o momento em que detectaram a base, e a aviação a atacou e a metralhou em várias ocasiões.

De qualquer maneira, nós permanecemos cerca de seis meses nessa base [até dez'66] e depois de vários bombardeamentos vimo-nos na obrigação de mudar o hospital [enfermaria no mato] para outro lugar que ficava a hora e meia dessa base". […]



Mapa da Frente Norte – região do Oio – assinalando-se as bases por onde passou o médico Domingo Diaz Delgado.


3. Testemunhos do médico holandês Roel Coutinho (1973/74)


Para melhor compreensão do descrito pelo médico cubano Domingo Diaz Delgado no ponto anterior, nada melhor do que associar às suas palavras algumas imagens do mesmo contexto, ainda que entre si exista uma diferença temporal superior a sete anos. Esta oportunidade, e coincidência, só foi possível graças ao espólio fotográfico disponibilizado pelo médico holandês Roel Coutinho [Roelland Arnold Coutinho], também ele cooperante com o PAIGC, particularmente na actividade clínica dos sujeitos dela carenciada: combatentes e população sob o seu controlo.

A sua missão na guerrilha decorreu nos anos de 1973 e 1974, tendo percorrido várias localidades da Frente Norte do território da Guiné, com destaque para Campada, Farim, Hermangono, Sará, Canjambari e Ziguinchor (Hospital do PAIGC, no Senegal).

Ao doutor Roel Coutinho, reputado médico microbiologista, epidemiologista e professor universitário jubilado, agradecemos a possibilidade de utilizarmos as suas imagens neste trabalho relacionado com a nossa presença no CTIG.



Fotos da série PAIGC Military, Guinea-Bissau, Coutinho Collection 1973-1974.




Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > 14 08 > Roel Coutinho in Sara > Guinea-Bissau [o médico Roel Coutinho lendo e ouvindo a rádio portátil em Sará].



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > G07 > Ziguinchor, Senegal > Vaccination [o médico Roel Coutinho administrando uma vacina com injector de jacto, visando a imunização (protecção imunológica de uma doença infecciosa) de adultos].



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > B23 > Infirmary in Sara > Guinea-Bissau > Heartbeat check-up by doctor Antonio [O médico cubano Dr. António durante uma consulta com auscultação cardíaca].


Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > A17 > Surgery in Sara > Guinea-Bissau > Operation details [De costas, o médico cubano Dr. António durante um acto cirúrgico a um elemento do PAIGC, acompanhado de três enfermeiros e um militar].


Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > A19 > Surgery in Sara > Guinea-Bissau > Operation details [O médico cubano Dr. António durante um acto cirúrgico, acompanhado de dois enfermeiros, um cubano (Gustavo) e um guineense].


Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > F34 > Life in Sara > Guinea-Bissau > Transporting the wounded from Candjambary to the Senegalese border [Transporte de ferido desde Canjambari até à fronteira do Senegal].



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > F35 > Life in Sara > Guinea-Bissau > Carriers of wounded people [Carregadores de feridos].


Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > F36 > Life in Sara > Guinea-Bissau > Bearers of the wounded on one day walking distance to the Senegalese border [Um dia de caminho até à fronteira do Senegal (de Canjambari)].




Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > F37 > Life in Sara > Guinea-Bissau > Armed escort carrying the wounded to the Senegalese border [Transporte de ferido para a fronteira do Senegal com escolta armada].



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > C40 > Walk from Candjambary to Sara > Guinea-Bissau > Military escort with rifle during trip [Militar – criança-soldado? – do PAIGC, armado de Kalashnikov (AK-47), durante uma escolta].



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > G04 > Ziguinchor, Senegal > Infirmary ambulance [Ambulância da enfermaria (Hospital do PAIGC) de Ziguinchor, (aguardando a chegada de feridos do interior da Guiné?)].



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > 11 05 > Ziguinchor hospital, Senegal [Enfermeiras no hospital do PAIGC, em Ziguinchor, tratando de guerrilheiros feridos].



Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > 11 06 > Ziguinchor hospital, Senegal [Enfermeiras no hospital do PAIGC, em Ziguinchor, tratando de guerrilheiros feridos].




Wikimedia Commons > ASC Leiden > Coutinho Collection > 10 05 > Nurses in Ziguinchor hospital, Senegal [Enfermeiros no hospital do PAIGC, em Ziguinchor].



Itinerário da evacuação dos feridos entre Canjambari e Ziguinchor. A verde; marcha a pé até à fronteira com o Senegal. A amarelo; em ambulância até ao hospital do PAIGC de Ziguinchor.



Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

06JUL2018.
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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18749: (D)o outro lado do combate (33): As deserções no PAIGC no Sector de Tite ao tempo do BART 2924 (1971-1972) e suas consequências (2) (Jorge Araújo)