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sábado, 20 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25089: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (128): O José Monteiro é o autor dos aerogramas que foram parar ao OLX (Mário Fitas, ex-fur mil, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67)


Fonte: OLX > Anúncio >  2 de janeiro de 2024 > Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas | 470 € | Negociável

Descrição: "Cerca de 400 aerogramas e cartas na totalidade, do período da Guerra Colonial. Algumas poucas cartas são trocadas na metrópole. Em bom estado e escritas com uma caligrafia facilmente legível."

O vendedor é um tal Jorge, do Porto, Campanhã. ID: 641692604 | Cliques: 291. O anúncio ainda estava "on line" hoje, ao fim da tarde...

https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car


1. É chocante, caros leitores, ver um maço de aerogramas anunciado para venda "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)" (*)

O nosso camarada Mário Fitas,  ex-fur mil da CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), escreveu ontem, em comentário, no poste P25081 (*):

"É verdade o José era radiotelegrafista e descreve a operação Razia mais ou menos. Vou tentar entrar em contacto com ele, caso ainda seja vivo e tenha o mesmo telefone. 
Abraços do tamanho do Cumbijã

Mário Fitas | 18 de janeiro de 2024 às 18:01 "


Ontem, de manhã, telefonou-nos, confirmando que o tal José...

(i) é o José Monteiro, seu camarada, dos "Lassas";
(ii) foi de facto 1º cabo radiotelegrafista;
(iii) participaram ambos, de facto, na Op Razia, Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965;
(iv) escrevia muitos aerogramas, tendo tido diversas madrinhas de guerra;
(iv) vive ou vivia no Porto;
(v) já foi a dois ou três convívios anuais da companhia.

O Mário ainda não falou com ele. Sabe,  todavia, que há cerca de 30 anos a sua casa foi assaltada, tendo-lhe sido roubados muitos livros e documentos. É possível que os aerogramas em questão tenham desaparecido nessa altura. Mas é preciso averiguar melhor e confirmar se esse também fazia parte do seu espólio.

2. Coincidência ou não, o anúncio no OLX vinha em nome de um tal Jorge (Silva), do Porto, Campanhã, registado no OLX desde 2017. 

Tem mais de 30 anúncios até agora: o  de maior valor (800 euros) é pedido por um "documento emitido durante o período das Invasões Francesas sendo que o nome de Napoleão ocupa o lugar onde usualmente aparece o nome do Rei de Portugal".

É caso para dizer, mais uma vez, que o "Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande" (**).
Obrigado, Mário Fitas, pelas tuas diligências..

(**) Último poste da série > 16 de agosto de  2023 > Guiné 61/74 - P24556: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (127): A "Rainha de Catió" foi a minha adorada mãe e tinha lugar na primeira fila nas cerimónias oficiais, tanto no tempo do gen Schulz como do gen Spínola (Souleimane Silá, Luxemburgo)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25085: Operação Razia: sector S3, Catió: conquista da base de Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965, com a participação das CCAÇ 617, 763, 764 e CCAV 703


Foto nº 1 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 15 de maio de 1965: embarque em NRP


Foto nº 2 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: tiro de morteiro 60


Foto nº 3 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: objetivo conquistado

Fonte: CECA (2014), pp. 315/316

1. Sobre a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue(*). Traduziu-se numa dura batalha em que  o PAIGC sofreu um grande revés. Transcreve-se um certo do livro da  CECA (2014) sobre a atividade operacional no CTIG (até ao fim do ano de 1966):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação Razia, com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o lN opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a base de Cufar Nalu, no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o lN estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. 

O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens; a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito difícil a sua localização." (...)

Texto e fotos: Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 314/316.



Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu”  (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, Barcelos, 2012). Uma batalha de meses, que começou em 20/21 de dezembro de 1964 (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç).  Ver aqui a  nota de leitura feita pelo Beja Santos.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de  Cufar, Cufar Nalu, Rio Cumbijã, Boche Mende e Bedanda

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


2. Comentário do editor LG:

A sinopse feita pela CECA (2014) estaria incompleta. No poste P16512, o nosso camarada Mário Fitas escreve:

(...) "15 de maio [de 1965]. Há que efectuar a denominada "[op] Razia”. Reforçada com a milícia do João Bacar Jaló em cooperação com as CCAÇ 728 e CCAÇ 764, a CCAÇ 763,  lança-se na operação que tem como objectivo a conquista e destruição do mítico acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. "(...). 

O Mário Fitas acrescenta participação da milícia do João Bacar Jaló e da CCAÇ 728, e por outro lado omite a CCAÇ 617.

(...) "Ocupando posições, a CCAÇ 764 do lado norte na estrada para Bedanda a nascente barrando o caminho de Boche Mende fica a CCAÇ 728, na orla a sul da mata a CCAÇ. 763, inicia a batida tendo como eixo o caminho que conduz à ex-tabanca de Cufar Nalu, com o 3.º Grupo de Combate em primeiro escalão, seguido do 2.º Grupo intercalando com o grupo de Comando e o João Bacar Jaló com o seu pessoal e o 1.º Grupo cobrindo a retaguarda, a CCAÇ [763] começa a progressão lenta e atentamente.

"Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa". (...)

Por outro lado, há que ter em conta que estas conquistas de terreno, num guerra de guerrilha e contra-guerrilha, eram sempre "voláteis" e "efémeras"... Já antes em 16Ago64, se tinha realizada a Op Bornal com forças das CCaç 557, 617 e 4.ª CCaç:

(...) " O ln ofereceu resistência à penetração das NT na mata de Cufar Nalu, causando 1 morto e 2 feridos; emboscou 2 GComb da CCaç 557 na estrada Catió-Batambali, próximo do cruzamento de Cufar, quando se procedia à limpeza do itinerário (30 abatizes levantados), tendo sido posto em fuga pela reacção das NT; o ln sofreu 11 mortos, além de outras baixas não estimadas." (CECA, 2014, pág. 266).  

E em 20 e 21Dez64, haverá outra operação, a Op  Ferro, "com forças das CCaç 617 e 728, CCav 703 e 43 CCaç na mata de Cufar Nalú, apoiadas pela FA. O ln flagelou as NT fazendo 3 feridos e sofrendo 2 mortos e 1 prisioneiro; emboscou forças da CCaç 728  na parte sul da mata, causando 5 feridos às NT" (ECA, 214, pp. 267/268).
____________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente

(...) Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. (...)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente



Fonte: OLX  > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guiné-bissau-car (o anúncio ainda lá estava esta manhã) (reprodução com a devida vénia...)


1. Segunda e última parte de um texto relativo a um maço de cerca de 4 centenas de aerogramas que apareceram recentemente no OLX para venda. O vendedor fez uma  oferta de 470 € ("negociável). É do Porto, Campanhã.

Escrevemos (*): 

"É chocante ver este maço de aerogramas vendido em leilão "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)" 

Afinal, o lote ainda estava "on line" esta manhã (para o caso de haver algum comprador interessado...), não tendo por isso mudado de dono. (Quando mudar, que fique ao menos em boas mãos.)

Em todo o caso, convém referir que todos os aerogramas que escrevemos, durante os anos de 1961 a 1975, a terceiros (esposa, noiva, namorada, madrinha de guerra, pais, irmãos, amigos, vizinhos, colegas,  camaraadas, etc.) não nos pertencem. Nem, na maior dos casos, sabemos agora por onde param.

Há, por isso,  sempre o risco de ver a nossa vida íntima daquele tempo, na "praça pública", no OLX, na Feira da Ladra (Lisboa), na  Feira da Vandoma (Porto), nos antiquários, nos alfarrabistas, nas redes sociais, etc.

Os nossos aerogramas podem ter (e têm) interesse documental, do ponto de vista das ciências sociais e humanas (da linguística à história, da etnologia à sociologia, etc, ). Por isso, fica aqui mais um apelo para tentarmos recuperar, salvar e fazer a sua doação ao Arquivo Histórico-Militar. (Mas os nossos leitores podem também mandar cópia digital de alguns, de maior interesse, para publicação no nosso blogue, que é de todos. )

Segue-se, a título meramente ilustrativo, didático ou pedagógico, a reprodução de três excertos de um ou ou mais dos aerogramas acima referidos, a partir da amostra que o vendedor facultou no OLX (que, como é sabido, é uma empresa global de comércio eletrónico, sediada em Amsterdam, Países Baixos, fundada em 2006, está presente em cerca de meia centena de países; publica anúncios classificados na Internet, em geral oferta de coisas em segunda mão, desde livros a mobiliário).

2.  Desconhecemos quem é a destinatária destes aerogramas, tal como não sabemos a identidade do remetente... Pelo teor dos mesmos (ou dos escassos fragmentos de que dispomos),  a destinatária é uma jovem rapariga, menor, de 18/19 anos, namorada ou madrinha de guerra do nosso "Lassa", ex-1º cabo radiotelegrafista, que fez a guerra em Cufar, região de Tombali, entre 1965 e 1967. Era alguém das relaçóes próximas do remetente, vivendo com os padrinhos deste...

Com a 4ª classe de escolaridade (naquele tempo), o nosso "Lassa" evidencia uma boa  caligrafia, escreve com desenvoltura, com um estilo onde se reconhece facilmente a  oralidade dos meios rurais (talvez nortenhos). Tivemos que recorrer aos parênteses retos para recuperar uma ou outra palavra cortada nas imagens. Um ou outro erro ortográfico ou de gramática também foi corrigido por nós. Mas, no essencial, fizemos questão de manter a pontuação e a ortografia originais. O autor fala da sua vida como operacional (os radiotelagrafistas saíam para o mato mas ele também era "eletricista" no qurtel de Cufar, ainda sem luz!) e das suas relações  com a sua correspondente (e confidente). No primeiro fragmento (aerograma datado de Cufar, 17 de maio de 1965)  há uma breve mas dramática  descrição da Op Razia (Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965) sem, todavia, mencionar o seu nome (mas  só pode ser esta).

***
Cufar, 17 maio 1965.

Meu Amor:

Ao principiar este, faço votos para que os padrinhos se encontrem de óptima saúde, que eu, com a graça de Deus, cá vou andando.

Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. Mas também, mais dia menos dia, veremos (…)

***

(...) Sinceramente, não gosto disso, mas tu é que sabes o que queres e, além disso, já vais fazer 19 anos. Espero também agradecer-te os aerogramas que dizes me vais mandar. Para a próxima vez já não volto a pedi-los a meu pai para ele não te dizer nada. Julgo que, embora o meu pai não [pudessel] ainda havia mais pessoas em casa para os mandar. Mas o meu pai é destas graças.

Também já me esquecia de te agradecer a tua foto que me tinhas prometido. Embora ainda não tivesse chegado, agradeço-te na mesma. O meu oferecimento continua de pé. Quando receber uma fotografia [tua], envio duas minhas. Sem receber nenhuma, também não te mando.

Quanto ao aerograma que me mandaste, o que até tinha umas linhas a “VERMELHO”, ainda não o li nem sei quando terei paciência para o ler. No entanto, está aqui de lado para quando eu tiver disposição.

Junto te envio uma pequeno cartão de aniversário, já que não pode ser melhor. Faço votos para que esse dia para ti seja feliz, e te decorra da melhor maneira na companhia de familiares e amigos. Desculpa não te mandar uma minha de prenda, mas como tu também não te importas de fazer, acho que não vale a pena eu fazê-lo. Por agora (…)

***

(...) É certo que tenho algumas vezes que sou eu que, com esta vida, não tenho [paciência] nem cabeça para escrever. Ainda esta semana o tempo que tive […], foi a mesma coisa, pois eu presentemente tanto sou radiotelegrafista como sou também electrecista. Como aqui não há luz, eu é que tenho andado a montar [a rede], mas esta semana já chega uma equipa de engenharia para me auxiliar nestes trabalhos. Entretanto, eu cá vou me desenrascando […], e é também uma maneira de passar melhor o tempo.

Aém disso, que não é tudo [?], ainda tenho as saídas para o mato que, apesar de eu já ter feito sete, com a [graça] de Deus tudo tem corrido da melhor maneira e na minha companhia ainda não temos nenhum ferido, pois também ainda não tivemos nenhum ataque.

Mudando agora de assunto e dizendo-te antes que me fizeram aqui um concurso para atribuir um nome à nossa cantina. […] Quando,  ao fim de um mês, se foram ver os nomes, fui eu que ganhei, com o nome de “GUERRA E PAZ”. Ainda não recebi o prémio, segundo dizem parece ser uma cerveja, o que é sempre melhor que [nada].

Quero desde já perguntar de como vai  ultimamente a saúde da madrinha, já está melhor, já pode comigo ao colo? Isso é que é preciso, para quando eu aí chegar ela me levantar ao ar. 

E tu, amor […]

(Seleção, revisão / fixação de texto, parênteses retos: LG.)

(PS - Perdi uma manhã inteira a fazer este poste, no mínimo foram 6 horas de trabalho intenso; a escrita dos aerogramas teve de ser lida, com lupa (!), ditada para o gravador do meu PC, que processou depois o texto, e que eu tive naturalmente de rever; os robôs ainda não fazem blogues, mas é só uma questão de tempo e nessa altura reformo-me mais o Carlos Vinhal.)


2. Comentário do editor:

A operação aqui referida é a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue a esta dura batalha em que o PAIGC sofreu um grande revés (**):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação "Razia", com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o ln opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a "base de
Cufar Nalu", no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados
vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o ln estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens;
a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito
difícil a sua localização." (...)

Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 14/315
____________


(**) Vd. postes de;

22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16512: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIII Parte: Cap VII: Guerra I: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!...

31 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10599: (In)citações (43): Recordando coisas da Guiné (Manuel Lomba)

19 de dezemb5ro de 2010 > Guiné 63/74 - P7474: Resenha histórica da CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuia, Cumbijã, 1965/66): Pela garra se conhece o leão (Parte I) (António Clemente)

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25074: As mulheres que afinal foram à guerra (20): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas" (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso grão-tabanqueiro Mário Fitas







Fonte: OLX  > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car (a página já não existe) (reprodução com a devida vénia...)


1. O nosso querido amigo e camarada Mário Beja Santos, nosso correspondente permanente (que é um verdadeiro "rato de biblioteca", no bom sentido do termo) mandou-nos esta "preciosidade"  

Data - segunda, 15/01/2024, 13:58

Assunto - Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas Campanhã • OLX Portugal

https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guin-bissau-car

Abrimos o link, no portal do OLX (passe publicidade..., é um sítio "on line", uma verdaderia "feira da ladra digital"  onde tudo se compra e vende: velharias, livros, móveis, documentos, etc.), e fomos saber algo mais :

Anúncio publicado em 2 de janeiro de 2024

Aerogramas Guerra Colonial África Ultramar Cufar Guiné Bissau cartas 

470 € | Negociável

Descrição:

"Cerca de 400 aerogramas e cartas na totalidade, do período da Guerra Colonial. Algumas poucas cartas são trocadas na metrópole. E m bom estado e escritas com uma caligrafia facilmente legível."

O vendedor é um tal Jorge, do Porto, Campanhã. ID: 641692604 | Cliques: 291.

O anúncio estava "on line" esta manhã... Depois do almoço já não consegui abri-lo. O maço de aerogramas já tem outro dono... Esperemos que os saiba estimar e faça bom uso deles...


2. Comentário do editor LG.:

É chocante ver este maço de aerogramas vendido em leilão "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)

O remetente pode já ter morrido. Os aerogramas foram remetidos a uma senhora que ele tratava (pelo que conseguimos reconhecer nalgumas imagens de que fizemos um "print screen", com pouca resolução) como "menina", "meu amor", "minha mulherzinha"... Tanto podia ser uma namorada, como uma esposa ou até uma madrinha de guerra...  

Muito provavelmente,  um dos dois terá morrido e os herdeiros "mandaram para o lixo" ou puseram à venda na "feira da Vandoma" o maço de aerogramas...agora na posse de um tal Jorge, de Campanhã, Porto, que os quer vender por 470 euros (valor "negociável").. Aliás, a esta hora, já os vendeu..

Fica aqui mais uma veemente  apelo: camaradas e amigos, não mandam para o lixo as vossas cartas e aerogramas, dirigidas em muitos casos "às nossas mulheres que, afinal, também foram à guerra"... Façam-nas chegar aos vossos netos, bisnetos e trisnetos... 

Recorde-se que a nossa amiga  Alice Carneiro disponibilizou a sua coleção de cartas e areogramas da guerra colonial (cerca de três centenas e meia, que lhe foram envidadas por irmãos, familiares, vizinhos, "afilhados", etc., dos três teatros de operações da guerra colonial) para um projeto de investigação, chamado FLY. Todos os documentos foram devidamente digitalizados, sendo depois devolvidos à proprietária (e, no caso das cartas do mano, José Ferreira Carneiro, fiel depositária). 

Citámos aqui, há uns anos, a investigadora e doutoranda Leonor Tavares, da Equipa FLY, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (*):

(...) "O projecto FLY - Cartas Esquecidas (1900-1974) é um projecto que procura recolher, digitalizar e editar cartas do século XX dos contextos de prisão, exílio, guerra (colonial e mundial) e emigração. Este projecto continua o projecto CARDS - Cartas Desconhecidas (1500-1900) que já conta com 2000 cartas transcritas. Os dois projectos estão neste momento parcialmente disponíveis no site http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/.

"O objectivo do projecto FLY é recolher e editar 2000 cartas dos contextos referidos, sendo que se estipulou um total de 700 cartas para o contexto da guerra colonial. Este arquivo digital (composto pelas 2000 cartas do projecto CARDS e as 2000 do projecto FLY) estará disponível para investigadores de várias áreas (principalmente as áreas da Linguística, da História e da Sociologia), para que os documentos (as cartas) sejam imortalizados como objectos históricos de grande relevância linguística. Os estudos que podem ser feitos a respeito deste tipo de documentos compreendem, entre muitas outras hipóteses, aspectos relacionados com a sintaxe, a fonologia, a pragmática, a história cultural e/ou social e aspectos da sociologia das migrações, das desigualdades e classes sociais.

"O projecto FLY compromete-se a omitir todos os dados pessoais dos intervenientes nas cartas, nas transcrições e nas imagens disponibilizadas on-line. (...)".

Recolha de cartas portugueses do Século XX (1900 a 1974) > Apelo

“Se guarda em sua casa cartas particulares e deseja que ela sejam dignificadas enquanto objeto de conhecimento, por favor contacte os investigadores do projeto FLY 1900-1974 (Cartas Esquecidas).”

Rita Marquilhas
Centro de Linguística da Universidade de Lisboa
Avenida Professor Gama Pinto, 2, 1649-003 Lisboa
Telefone : 21 790 49 57 | Fax : 21 796 56 22

Email : fly@clul.ul.pt
Endereço do site : http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/

(Parece-me que o projeto já acabou em meados de 2013. 

Descrição:

O projeto FLY 1900-1974 corresponde a uma campanha de recolha, edição eletrónica e estudo interdisciplinar de um conjunto de documentos do século XX produzidos na esfera privada e escritos por autores de todos os estratos sociais. Trata-se de uma amostra de 2.000 cartas portuguesas compostas em contexto de guerra, emigração, prisão ou exílio entre 1900 e 1974, amostra essa que tem o duplo formato de corpus linguístico e de edição crítica disponibilizada na internet e comentada nas perspetivas histórica, linguística e sociológica. O FLY oferecerá ao público neste endereço, e até finais de 2013, a edição electrónica de 2.000 cartas particulares do século XX acompanhadas de indexação linguística, histórica e sociológica.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23664: Casos: a verdade sobre... (29): os fotogramas do vídeo com a visita da delegação do Movimento Nacional Feminino a Cufar, no início de fevereiro de 1966 (Mário Fitas / Sílvia Espírito-Santo / António Murta / João Crisóstomo / Joaquim Mexia Alves / Miguel Rocha)

 




Guiné > Região de Tombali > Cufar > Fevereiro de 1966 > Delegação do MNF - Movimento Nacional Feminino,  que visitou Cufar...A Cecília Supico Pinto e a Renata Cunha e Costa  terão sido acompanhas por um ou mais senhoras da delegação de Bissau (aqui na foto.  A senhora do lado esquerdo, nos fotogramas de baixo, era a mulher do cap Costa Campos, Maria da Glória (França). O casal aparece, ao que jukgamos, no 1º fotograma do aldo esquerdo, aui em cima.

Fotogramas de vídeo, gentilmente cedidas pelo Mário Fitas, em 23/9/2022 


Fotos: © Mário Fitas (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp. 

1. M
ensagem enviada pelo nosso editor LG, com data de 23 de setembro último, à Sílvia Espirito-Santo, biógrafa  da Cecília Supico Pinto, fundadora e líder do MNF - Movimento Nacional Feminino:

Silvia: olá...Diga-me se reconhece a nossa Cilinha nestas fotos, tiradas no sul da Guiné, em fevereiro de 1966, em Cufar... Tinha então 45 anos... Nesse mesmo dia ela mais a Renata Cunha e Costa terão ido a Bedanda, onde o cap inf Aurélio Manuel Trindade (hoje tenente general reformado) era o comandante da 4ª CCAÇ (companhia de caçadores nativos, enquadrada por militares da Metrópole)...  

Estive ontem, em Algés, na Tabanca da Linha,  com o Mário Fitas, ex-fur mil de operações especiais, e voltamos a falar destas fotos, já aqui publicadas (ou outras oarecidas, fotogramas tirados de um filme de 8 mm, posteriormente digitalizado) (*)...

Pelas feições, não me parece de todo a presidente do MNF a senhora, de vestido cor de rosa,  que o Mário Fitas aponta como sendo a  Cecília Supico Pinto.

Na visita a Cufar as duas representantes do MNF estão acompanhadas da esposa  do capitão Costa Campos, comandante da CCAÇ 763, Maria da Glória (França). Será esta senhora e não a Cecília Supico Pinto que aparece nas fotos com vestido  cor de rosa ?... Preciso da reconfirmação do Mário Fitas, que conheceu bem a esposa do seu capitão.

Vou perguntar também ao Miguel Rocha, ao António Murta, ao João Crisóstomo  e ao Joaquim Mexia Alves que conheceram pessoalmente a nossa Cilinha (os três primeiros no TO da Guiné).

Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça



2. Resposta da Sílvia Espírito-Santo, nesse mesmo dia, 23/09/2022, 22:10:

Olá,  Luís,
 
Tem razão, embora o estilo de roupa e penteado sejam os da época, nenhuma delas é a  Cecília Supico Pinto-.. Serão, com toda a certeza, senhoras da Delegação Provincial do MNF na Guiné.

Normalmente as mulheres dos altos quadros militares integravam o Movimento,  o que era bom e mau porque,  se por um lado conheciam de perto a realidade dos militares,  por outro o seu apoio era temporário uma vez que tinha a duração das comissões dos cônjuges. (Negritos nossos).
 
Sem esquecer as que usavam os galões dos maridos para se evidenciarem num meio predominantemente masculino, contribuindo apenas para os estereótipos que circulavam (e circulam ainda) sobre o MNF.

Abr amigo
Sílvia



Guiné > Região de Tombali > Nhala > 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) >  Domingo, 10 de março de 1974 > A visita da Cilinha, aqui a despedir-se de um dos oficiais, um alferes miliciano. 

Foto (e legenda): © António Murta  (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Resposta de António Murta,  23/09/2022, 23:19 


Olá, Luís Graça.

Espero que estejas já recuperado, ortopedicamente falando...

Sobre as fotos, e porque conheci a Cilinha muitos anos depois [em Nhala, 10 de março de 1974], estive a consultar o livro da Sílvia Espírito-Santo, onde vi fotografias da Cilinha com a Renata Cunha e Costa em Angola em 1964. Cheguei a uma conclusão que pode não ser a correcta:

(i) a senhora da primeira foto não me parece que seja a senhora das restantes, e não é a Cilinha quase de certeza porque se percebe no seu perfil um nariz e queixo arredondados, ao contrário da Cilinha: 

(ii) nas três fotos seguintes inclino-me para que seja mesmo a Cilinha, pelo nariz e queixo alongados e, até, pela sua postura.

Sem certezas, mas com um grande abraço,
António Murta.



Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Destacamento de Carenque > 1973 > A Cilinha, aqui de perfil,  a "cantar o fado"... perante um grupo de soldados... (Carenque ficava a norte da ilha de Pecixe, na margem direita do Rio Mansoa.)

Espantosa foto, de antologia, de António Tavares dos Santos [, presumivelmente, fur mil, 2.ª C/BCAÇ 4615 e CCaç 19. Guidaje, 1973/74]... Cortesia da página Arquivo Digital, alojada em Agrupamento de Escolas José Estêvão, Projeto Porf 2000, Aveiro e Cultura.



Guiné > s/l > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto, falando para um grupo de militares; em segundo plano, um dos seus "braços direitos", também elemengo da comissão central do MNF, [Amélia] Renata [Henriques de Freitas] da Cunha e Costa .

Fotogramas do vídeo (6' 43'') da RTP Arquivos > 1966-02-01 > Cecília Supico Pinto visita Guiné (Com a devida vénia...)




Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Cecília Supico Pinto, presidente do Movimento Nacional Feminino, na sua 1ª visita à Guiné, então já com 44 anos (ia fazer 45 em 30 de maio de 1966).

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


4. Resposta de João Crisostomo, 24/09/2022, 00:42

Caros camaradas,

Fiquei confuso: na minha memória ela não era tão jovem como nestas fotos ele aparece… mas, pelo sim e pelo não, fui procurar nos nossos posts e encontrei nos posts Guine 61/74- P19831 e 22258 uma foto dela em Porto Gole em 1996 ( a sua primeira visita, creio). pela cara... estilo do cabelo…mas vejam e tirem as vossas conclusões.
 
Abraço, João Crisóstomo

5. Resposta de Joaquim Mexia Alves, 24/09/2022, 10:05

Bom dia a todos

Nenhuma das Senhoras, quanto a mim,  é Cecília Supico Pinto que conheci bem.

Parece-me sem dúvida Renata Cunha e Costa que também conheci bem.

Ainda falta muito a dizer sobre o MNF que fez obra meritória e foi bastante mal tratado pelos detractores habituais.

Abraços
Joaquim Mexia Alves


Guiné > Região de Cacheu > Olossato > CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) >  2 de maio de 1969  > O nosso camarada Miguel Rocha, ex-alf mil inf, na altura a fazer as funções de comandante da companhia,  na recepção à presidente do Movimento Nacional Feminino, Cecília Supico Pinto  (1921-2011) (a menos de um mês do seu 48º aniversário natalício)... 

Foto (e legenda): © Miguel Rocha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


6. Resposta de Miguel José Ribeiro Rocha, 24/9/2022, 11:37

Bons dias a todos|

Decididamente nenhuma das três senhiras que aparecem nas fotos é a Cecília Supico Pinto.
A Dona Cecília tinha um rosto com traços mais angulosos e era de outra faixa etária. Quanto à senhora de vetsido rosa, é nitidamete mais nova e a sua face é muito mais arredondada.

Cumprimentos, Miguel



Fotograma nº 1


Fotograma nº 2


Fotograma nº 3


Fotograma nº 4


Fotograma nº 5

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Visita de uma delegação do MNF. Quem seria a senhora dos fotigramas nºs 3, 4 e 5 ? Não era seguramente a Cilinha...Tem um "look" demasiado jovem para poder  ser a Cilinha, então com 44 anos...

Fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

7. Comentário do editor LG:

Depois destes depoimentos, não é dífíil chegarmos à conclusão de que, de facto,  nenhumas das semhoras, dos fotogramas enviados pelo Mário Fitas, é a Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto. Houve aqui um lapso nas legendas, tanto por parte do Mário Fitas, como dos editores do blogue.

No início de fevereiro de 1966, a então presidente do Movimento Nacional Feminino (MNF) visitou a Guiné, pela primeira vez, acompanhada de Renata da Cunha e Costa. A RTP deu-lhe honras de telejornal.
 
Não sabemos, com detalhe, o percurso da visita... Mas sabemos que esteve na região de Tombali, em Cufar, em Catió e em Bedanda... Mas também, na região do Cacheu, em Binta, ou na região do Oio, em Porto Gole, por exemplo... 

Por ocasião da notícia da morte da ex-presidente do MNF (ocorrida em 25 de maio de 2011),  o Mário Fitas mandou-nos um conjunto de fotos (ou melhor fotogramas, extraídos de um filme de 8 mm), com a seguinte mensagem:

(...) Sem qualquer preconceito político, revelo aqui a minha admiração por uma mulher que soube conviver com os jovens soldados nos tempos da guerra (hoje velhos Combatentes).

Julgando ser de interesse para o Blogue e para a história do conflito na Guiné, anexo algumas fotos da D. Cecília Supico Pinto (com a esposa do Cap Costa Campos, comandante da CCAÇ 763) em Cufar, terra dos Lassas.

Em duas das fotos podemos vê-la acompanhada de D. Maria da Glória (França). (...)  (*).

Mais recentemente, em 23/9/2022,  o Mário enviou-nos mais imagens, do mesmo lote, as quatro que reproduzimos no início do poste em formato de pequena dimensão. 

Erradamente, publicámos, em 2011,  essas iamgens como sendo a da visita a Cufar da delegação oficial do MNF, pu seja, da Cecília Supico Pinto e da Renata Cunha e Costa, quando na realidade se trata de duas senhoras vindas de Bissau, e que estão acompanhadas da esposa do comandante de "Os Lassas", o cap Costa Campos, Maria da Glória (França) (é a primeira do lado esquerdo, nos fotogramas nºs 1 e 2).

Por outro lado, estranhávamos que a retratada nos fotogramas nºs 3, 4 e 5 fosse z Cecília Supico Pinto, "aos 44 anos, com um 'look' surpreendentemente jovem'... Na realidade não sabemos quem era esta jovem senhora, seguramente esposa de algum oficial em Bissau, da delegação provincial do MNF, e que terá acompanhado a Cecília Supico Pinto e a Renata Cunha e Costa.

Por ocasião do 9º Encontro da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/67), realizado em 2007, em Almeirim, comemorando os 40 anos do regresso de "Os Lassas", o Mário Fitas homenageou  também a  "senhora professora, enfermeira e companheira de guerra Maria da Glória (França)", agradecendo-lhe a "doação total à CCAÇ 763", razão porque, no seu entendimento, ela devia "ser considerada como parte integrante desta Companhia". Esta senhora vivia, pois, em Cufar, na altura da visita do MNF.

Recorde-se que o  Mário Fitas foi fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. E tinha por nome de guerra "Mamadu"...É  autor de: (i)  "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (inédito, 2ª versão, 201o, 99 pp.); (ii)  "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Esta passagem do primeiro livro, lida agora com mais atenção, pode ajudar a esclarecer algumas das nossas dúvidas:  

(...) Como reconhecimento do seu trabalho, os Lassas recebem dias depois a visita da Sra. Presidente do Movimento Nacional Feminino, Dª. Cecília Supico Pinto, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento. 

Deixaram uma máquina de projectar filmes de 8 mm, uma viola e mais uns pacotes de cigarros. (...)

No Hospital Militar [, onde entretanto é internado para uma cirururgia à hérnia], ao princípio da tarde Mamadu  
["alter ego" do autor] acordou  (...)

Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pe­diu se lhe arranjavam “A Besta Humana”, do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado. (...)

Neste tempo todo, desleixou um pouco a correspondên­cia. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate-e
stradas (aerograma) à Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao SPM. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria.  (...) (**) (Negritos nossos).

O Mário Fitas ainda não sepronunciou este equívoco, mas já me prometeu arrajar cópia do vídeo donde foram extraídos estes fotogramas.... 

De qualquer modo, aqui fica, por mor da verdade, estes esclarecimentos quer do editor, quer da biógrafa da Cilinha, quer dos camaradas que a conheceram pessoalmente, a começar pelo Joaquim Mexia Alves, cuja mãe era dirigente do MNF de Leiria (***).  Agradeço a todos a colaboração, respondendo prontamente ao meu mail. Mas os nossos leitores também têm uma palavra a dizer.
___________

Notas do editor:


 
(***) Último poste da série > 25 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22570: Casos: a verdade sobre... (28): a CCAÇ 1546 e o Mareclino da Mata: uma mentira colossal (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23577: Notas de leitura (1486): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VI: "Cercados de guerrilheiros por todos os lados", diz o alf mil Ribeiro, no "briefing" da praxe...

 

Croquis, basedo na carta de Bedanda (escala 1/50 mil), abrangendo os subsectores de Bedanda e Cufar... O rio principal era o Cumbijã, de que o rio Ungarinol era afluente (aqui se situava  o porto interior de Bedanda). Em 1965/67, as "barracas" do PAIGC e outros pontos logísticos (com população) vão assinaldos a vermelho... A 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, com sede em Bedanda, ao tempo do cap inf Aurélio Manuel Trindade, "partiu mantenhas" com a gente do mato que vivia por aqui... Em Cufar, estava  a CCAÇ 763 (1965/66), do nosso amigo e camarada Mário Fitas, ex-fur mil oo esp. E mais abaixo, a sede de batalhão, em Catió, sector S3: primeiro o BCAÇ 619 (jan 1964 / jan 1966),e  depois o BCAÇ 1858 (jan 1966 / mai 1967).

Infografia: Aurélio Manuel Trindade / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)










Anúncios de casas comerciais que, em meados dos anos 50, operavam no sul da Guiné, na região de Tombali, na altura o celeiro da província... Fonte:Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (Recolha do nosso camarada Mário Vasconcelos, 1945-2017)



1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67, exemplar gentilmente facultado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com dedicatória autografada do Aurélio Trindade, datada de 13/12/2020] (*).


Mas a patir de agora, tomamos como referência a edição de autor, de 2010 , de 399 pp., il.,, disponível em formato pdf,  na Biblioteca Digital do Exército (Panteras_a_Solta (PDF, 6 MBlink para descarregar o ficheiro em pdf, cortesia do autor e da Biblioteca Digital do Exército).

O cap Cristo ("alter ego do cmdt da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, no período que vai de meados de 1965 a meados de 1967)  não nos explica  por que razão Bedanda  estava em decadência, e isolada do resto do território, com a população dependente do exterior para se alimentar, quando uma dezena de anos antes fazia parte, com Catió e Cacine, do grande celeiro da província (**)...

A Guiné que exportava arroz, teve que começar a importá-lo. A explicação era, naturalmente, a guerra, com a consequente destruição do tecido económico e social do território. Na aregião de Tombali, no sul, a população balanta caiu sob o controlo do PAIGC e os fulas refugiaram-se em Bedanda, A admitraçao civil era totamente inoperante. Como dizia o seu responsável, Fernandes, cabo-verdiano, ao capitão Cristo, no dia em este o foi cumprimentar: (...) "Sou o administrador mas quem manda é a tropa, porque eu estou limitado a ir do posto para casa e de casa para o posto. É uma dura rotina." (... )pág. 19),

Leia-se o, entretanto,  o que o autor escreveu no início do capítulo intitulado "Reforma Agrária" (pp. 76-82):

(...) Em tempos, um outro capitão tentou levar os nativos da povoação a cultivar as ricas bolanhas de Bedanda. Era uma pena ver estas terras que antes da guerra roduziam muito arroz quando trabalhadas por balantas, agora cheias de mato. A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre, ao longo dos anos, chão balanta. O fula é fundamentalmente negociante e não gosta muito de lavrar a terra. No entanto, todos nós militares víamos que a actual situação não se podia manter. A população não produzia nem para comer. Vivia, por um lado, do trabalho de guia e da milícia, isto os homens, e por outro, de relações com os militares, as mulheres.(...) 

Veja-se também este diálogo entre o capitão e o régulo Samba Baldé (pág. 77/78)  

(...) "─ As pessoas não têm o que comer, passam muita fome e eu não quero que vivam pior que a gente do mato. Samba, tu és o homem grande e eu preciso de saber o que devemos fazer.
─ Nosso capitão, não há trabalho em Bedanda, apenas na milícia. Mulher é lavadeira da tropa e mais nada. O dinheiro é pouco, não dá para comprar arroz, peixe e óleo. Nosso capitão tem razão. A gente passa fome.
─ Samba, eu não compreendo a tua passividade. É preciso arranjar maneira de toda a população ter comida. Está na altura de preparar a bolanha para semear o arroz. emos muito boa bolanha em Bedanda. Toda a gente vai cultivar arroz. Tu divides a bolanha por todos e verás que ainda sobra bolanha.
─ Nosso capitão não pode ser, fula não cultiva arroz. Fula é comerciante e no seu chão faz arroz de sequeiro, não de bolanha. Fula da população não sabe cultivar arroz.
─ Samba, ouve bem o que eu te digo. Eu sou filho de pessoas que cultivam a terra lá no puto. Eu cultivei a terra. Já aprendi com o senhor Aniceto a cultivar arroz e já andei pela bolanha a ver as terras. Há terras livres para toda a gente. E vamos cultivar rroz porque eu não quero que as pessoas passem fome. Quero que cultivem arroz para comer e para vender. A bem ou a mal vamos cultivar arroz. (...)

O sucesso da sua  "reforma agrária" deve ter sido motivo de orgulho para o cap inf Aurélio Manuel Trindade. Naturalmente, não temos  acesso a outras fontes para comprovar a eficácia e a eficiência das medidas então tomadas pelo capitão. Confiamos no seu testemunho (Ou nas suas memórias passadas ao papel meio século depois).

Para o novo comandante da 4ª CCAÇ, Bedanda é uma ilha, fisica e metaforicamente falando

(...) "─ Ilha,  não digo, ─ diz o Dino [antigo tropa, agora pequeno conerciante]   ─ pois Bedanda é mais uma península cercada de água por todos os lados menos por um que é Guilleje.
─ Sabe Dino, ─ esclarece Cristo ─ eu falava de ilha em sentido figurado, eu não queria dizer cercada de água mas de guerrilheiros, que estão por todo o lado, e Bedanda é de facto uma ilha nesse sentido". (...)  (pág, 22).

E a verdade é que o croquis que publicamos acima, não enganava... Tirando Bedanda e Cufar, a guerrilha parecia estar por todo o lado... Era o "reino do ino" (pp. 354-365): Comumba, Bobedê/Melinde, Cabolol,Incala, Salancaur (já no corredor de Guile), Chugué, Cabedú, Nhai,Buchenon, etc., são topónimos de guerra... E sobre todos eles há histórias que ficaram para sempre gravadas na memória dos bravos de Bedanda e, naturalmente, do capitão Cristo que as viveu e escreveu, com paixão, coragem, inteligência e desassombro...

(...) "Em zonas mais afastadas como Salancaur, Nhai, Caboxanque e Cabolol, só duas companhias dão garantia de sucesso da operação. " (...) (pág. 101). Por sua vez, "Bobedê era considerada uma área onde só se ia com três pelotões" (pág. 107). E estamos a falar de uma companhia que era não de intervemnção mas de quadrícula, da guarnição normal, incialmente constitu+ida por "matrapilhas" (com a velha farda do caqui amarelo, esfarrapada, equipada com a velha Mauser, bebendo o café por latas de salsichas, sem roupa de cama, nem mosquiteiros)...Mas que, quando vai para o mato com o cap Critso,  não vai me "traje de passeio:

(...) "O Antunes prepara fogos de artilharia, a executar à ordem, sobre Samenhite. Levamos rações de combate para um dia, 200 cartuchos por homem, 2 granadas ofensivas por militar, 4 granadas de morteiro 60 por cada morteiro e 3 de lança-granadas por pelotão. Não se esqueçam de verificar se os homens levam água. A água que vamos encontrar é salgada" (...= (pp- 107/108)-

2. Quantos militares estavam aquarelados então em Bedanda, incluindo um pelotão de milícias (40 homens), e eçotão de artilharia, com duas bocas de 8.8  ? 

(...) A companhia tem cerca de duzentos e cinquenta homens na sua maioria negros. Quando na companhia houve uma tentativa de revolta, o Comando do Batalhão fez deslocar para Bedanda duas secções de brancos de outras duas companhias do batalhão. Essas secções ainda permanecem em Bedanda. Deve haver cerca de quarenta brancos, entre oficiais, sargentos e praças, para duzentos e dez negros. No sul da Guiné, em que a maior parte do território está controlado pelos guerrilheiros, existe uma companhia de nativos que soma êxitos sobre êxitos nas operações contra eles." (...)  (pág. 103). 


Embora extenso (pp. 26/27), vale a pena repoduzir a seguir o "briefing",  feito a sério e a brincar (também fazia parte da "praxe" aos "maçaricos", como então se dizia),  ao capitão Cristo, pelo  alf mil Ribeiro, o mais velho e o melhor operacional dos oficais milicianos da 4ª CCAÇ. (Vd. foto à esquerda, fonte: "Panetras à Solta", ed. autor, 2010, pág. 395; descobrimos que se trata de José Augusto Nogueira Ribeiro, natural de Fafe, 1940 - 2017, cor inf ref, condecorado com a "Torre e Espada" por feitos nos TO da Guiné Moçambique, vd. aqui no portal UTW . Ultramar Terra Web, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.)

(...) "─ Meu capitão, estamos na cantina, no ponto mais alto da Companhia. À nossa frente temos um rio navegável que separa, a norte, a área controlada pelos guerrilheiros, é o rio Ungauriuol. Este rio nasce a leste e corre para oeste, indo desaguar no rio Cumbijã que contorna a área da Companhia a oeste. A norte do Ungarinol, começando junto à sua foz, temos uma mata muito densa, mais ou menos paralela ao rio e que serve de esconderijo a vários acampamentos de guerrilheiros de efectivos variáveis mas com capacidade para se apoiarem uns aos outros quando atacados. 

Aoeste e a norte do rio Ungarinol, na mata referida, temos primeiro Incala, um dos pontos fortes dos guerrilheiros donde controlam a navegação não só do rio Cumbijã mas também do Ungarinol. A sudoeste de Incala o rio faz uma curva muito acentuada que é conhecida como a curva da morte. A última vez que a tropa tentou trazer um barco até ao porto interior de Bedanda, o barco foi fortemente atacado nesse local tendo morrido ou ficado feridos vários militares.  partir desse dia a Marinha recusou se a navegar no rio Ungarinol por falta de segurança. 

Desviando a nossa vista mais para leste encontramos primeiro Contumbum e depois Samenhite. Sabe-se que há um acampamento de guerrilha entre estas duas localidades que nunca conseguimos referenciar ou localizar em patrulhas pela zona. A seguir temos Bobedê, um dos pontos fortes dos guerrilheiros para evitar a passagem do rio Ungauriuol pelas nossas tropas. Já ali demos e levámos muita porrada.

 Mais para norte e na outra extremidade da mata fica Nhai e depois Salancaur, esta já no conhecido corredor de Guileje por onde passam os reabastecimentos dos guerrilheiros provenientes da Guiné-Conacri. Salancaur é mais um dos pontos fortes e mais ainda por ser um ponto de passagem, de concentração e descanso antes das colunas aí se dividirem em duas, uma seguindo para sul, para a mata do Cantanhez, onde está o Nino, o comandante guerrilheiro de todo o sul da Guiné, e a outra, atravessando o rio Cumbijã, vai com destino à base de Cansalá que fica para os lados do nosso Comando do Batalhão sediado em Catió

De novo para leste encontramos uma densa mata, já dentro dos limites do Cantanhez, que
é atravessada pela estrada que, vinda de Salancaur, segue depois até Cabedú, a sul dos
limites do Cantanhez, onde está estacionada uma companhia do nosso Batalhão. Não
há ligação entre a nossa Companhia e a de Cabedú. É uma zona completamente dominada pelos guerrilheiros. 

Partindo daqui para leste para alcançar Bedanda, encontramos outra estrada que se embrenha na mata. Esta estrada conduz até à fronteira da Guiné-Conacri, encontra-se cheia de abatizes5, de minas e de armadilhas,  e a primeira tropa que se encontra nessa direcção é um pelotão estacionado no Mejo, já pertencente à companhia de Guileje. Houve em tempos uma ligação terrestre entre Bedanda e Mejo, mas actualmente não conseguimos sequer chegar ao cruzamento para Salancaur. Sempre que tentámos chegar ao cruzamento fomos emboscados e retirámos com mortos e feridos. É uma zona dos diabos que os guerrilheiros querem controlar a todo o custo para garantirem o reabastecimento do Cantanhez. 

Voltando-nos agora para sul, vemos outra mata que, começando nas imediações de Bedanda, termina no rio Cafunebom, afluente do Cumbijã. O Cafunebom pode ser atravessado a vau. Antes de alcançarmos esse o rio, encontramos duas povoações, Cura e Braia. Estão na orla da mata, uma na margem do Cumbijã, a outra voltada para as tabancas de Flanque Injã e Caboxanque. São zonas onde se pode ir com um grupo de combate com muito cuidado pois é possível ter encontros com patrulhas dos guerrilheiros. Cura e Braia estão destruídas e desabitadas. 

Ainda mais a sul, já para lá do rio Bixanque, fica o coração do Cantanhez onde está o Nino, ocupando fortemente vários pontos da mata em que os mais conhecidos são Cadique e Cafal. A sul do Bixanque é já zona de acção da companhia de Cabedú. Para oeste, a nossa zona de acção termina no Cumbijã, via fluvial que é preciso manter a todo o custo pois é por ela que, uma vez por mês, nos chegam os reabastecimentos. É neste rio que fica o porto exterior de Bedanda. 

Este porto, onde já estivemos no outro dia quando da primeira saída do meu capitão, fica a
4 kms de Bedanda, em frente a Cobumba que já pertence à zona da acção da companhia de Cufar. Ponto muito forte dos guerrilheiros que dele precisam para garantirem a passagem e o reabastecimento dos seus acampamentos de Cabolol.

Cobumba é atravessada pela estrada que a cerca de 8 kms cruza com a que vem de Catió. Esta estrada segue depois para Cufar onde está mais uma companhia do nosso
batalhão. Seguindo para norte, até Empada, aí fica ainda mais outra companhia do batalhão. 

Na mata a sul de Cobumba ficam as tabancas de Cabolol e Cantumane, onde é muito difícil entrar. A norte de Cobumba fica Chugué, dominado pelos guerrilheiros, onde em tempos esteve destacado um pelotão da companhia. Uma noite, o pelotão foi atacado, arrasaram tudo e nunca mais lá conseguimos ir. Os sobreviventes do ataque retiraram para o quartel destroçados tanto física como moralmente. Aconteceu o mesmo em Salancaur onde no início existia uma secção destacada. Uma noite a secção foi atacada e só dois soldados conseguiram chegar à companhia. Dos outros elementos ainda nada se sabe, se terão sido mortos ou raptados. 

Resumindo, eu diria que estamos cercados de guerrilheiros por todos os lados e que sempre que saímos do quartel e nos afastamos mais de 4 kms, acabamos a tomar banho nas bolanhas ou nos rios e tiroteio também não nos deve faltar. Terminei a minha exposição. Espero ter sido explícito e desejo que tenha sido útil para o meu capitão poder ficar com uma ideia da área onde veio cair. Nenhuma das companhias mais próximas de Bedanda pode vir em nosso auxílio, em tempo útil se formos atacados. " (...)