quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24556: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (127): A "Rainha de Catió" foi a minha adorada mãe e tinha lugar na primeira fila nas cerimónias oficiais, tanto no tempo do gen Schulz como do gen Spínola (Souleimane Silá, Luxemburgo)


Rainha de Catió" (c. 1964/66) . 

Foto do álbum do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) e depois piloto da aviação civil onde chegou a comandante da TAP, reformado desde 1998. Conviveu com a população, fula e balanta, de Catió e arredores, incluindo Príame (a tabanca do cap 'comando' graduado João Bacar Jaló, 1929-1971). (*)

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


"Rainha de Catió" (c. 1972)

Guiné > Região de Tombali > Catió > BCAÇ 2930 (Catió, 1970-72) >  O então maj inf Mário Arada Pinheiro, 2.º cmdt do BCAÇ 2930, com a "rainha de Catió", sua lavadeira,  e algumas das suas filhas (presume-se)... Em chão nalu, ela era fula.  (*)

Foto (e legenda): © Mário Arada Pinheiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso leitor Souleimane Silá, natural de Catió, com página no Facebo0k, comentário ao poste P24546 (**):


Data - domingo, 13/08/2023, 23:41
Assunto - Sobre vossa publicação de 9 de agosto de 023 - Álbum de major Pinheiro

Saudações, camaradas do Blogue dos Amigos e camaradas de Guiné. 

Sobre essa foto da madame identificada como rainha de Catió não é equívoco. Pelo contrário. Ela, residente no bairro de Catió-fula (para quem vai para a granja, Cumebú e Ganjola), devido ao seu desempenho de lavadeira de oficiais e de demais tropas do quartel, passou a ser convidada nas cerimónias oficiais da então Vila de Catió aonde sediavam os restantes postos administrativos da região.

Coincidentemente, marido dessa madame, de verdadeiro nome Abibatu Djopo, não foi nada mais nada menos que o motorista da administração do concelho (de Catió), Aliu Silá (Aliu Chauffeur), família da mulher do Administrador Amadeu Nogueira (...).

Cerimónias se repetiam com visitas e substituições oficiais, administrativos e militares ao alto nível da então Província da Guiné Portuguesa, a designada Rainha de Catió sempre esteve presente.

Nunca me esquecerei das delegações como as do Governador Arnaldo Schulz, General Spínola, Secretário Pinto Bull e tantas altas figuras que ela, a Rainha de Catió, foi convidada para tomar parte na primeira fila, com muitas vezes uso de palavra em nome da comunidade.

Digno-me de deixar esse registo porque sou vivo testemunho dessa soberba mulher que é minha adorada Mãe.

Para finalizar, dou um grande abraço ao Comandante Pinheiro que tive privilégio de conhecer de perto em Catió, voltamos a ver-nos no QG Bissau e finalmente em Carcavelos em 2004.

Abraços extensivos ao meu mano mais velho, Sr Benito Neves, que cumpriu vida militar naquela Vila de Catió e que conheceu meus queridos pais (pena que um outro colega dele e amigo já tenha falecido, o Vitor Condeço de quem guardo um riquissimo álbum da época)

Mantenhas a todos.
Agradecimentos de
Souleimane SILA




Guiné > Região de Tombali > Carta de Catió (1956) (Escala 1/50 mil) > > Pormenor: Vila de Catió e arredores. (Príame fica já na carta de Bedanda, na estrada para Cufar.)

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


2. Mensagem de Hélder Sousa, nosso colaborador permanente, com data de ontem, às 15h41, comentando a mensagem do Souleimane Silá:

Olá Luís, "mantenhas e saudinha da boa".

Como vês aproveitei logo para juntar duas expressões muito usadas nas trocas de mensagens do Blogue e que acho ficam muito bem.

Olha, antes de ir propriamente referir-me ao miolo deste comentário recebido, quero dizer duas ou três coisas:

A primeira, é que espero muito sinceramente que estejas a recuperar bem e com confiança suficiente.

Depois, para justificar a quase ausência de comentários meus pois, finalmente, ao fim de 6 anos, acabei de ter duas semanas de férias (viva o luxo!) e em boa parte desse tempo estive sem internet.

Então, em relação a este comentário do Souleimane, só posso dizer que fico, cada vez mais, com a sensação que o Blogue é efectivamente seguido por muita e boa gente.

Alguns, às vezes, acabam por se manifestar e esses quando o fazem são, na generalidade, positivos. Outros há (e alguns são nossos conhecidos ou até mesmo "velhos conhecidos") que intervêm para criticar depreciativamente ou provocatoriamente mas como o saldo continua a ser positivo, pode-se e deve-se concluir que, quer se queira, não se queira, ou mesmo não se tenha consciência profunda disso, que este fenómeno chamado "Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné" é realmente, considerando a larga maioria de artigos, fotos, reportagens, etc., um caso sério de seriedade, de depositário de memórias, de afetos, de (re)encontros, incontornável e que servirá (como tem servido) para muitos estudos e observações (cada vez mais distanciadas) de situações e de episódios passados durante a "guerra na Guiné".

Abraços, Hélder Sousa


3. Comentário do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, com data de ontem, às 16h22:

Muito obrigado aos meus amigos, prof. Graça e Souleimane Silá que já não vejo desde 2004, e que tinha, como já antes referi, uns pais muito queridos de quem me recordo com frequência e de cuja Mãe escrevi recentemente como uma excelente pessoa. Espero vê-lo em breve, Souleimane, um abraço.


4. Mensagem do Benito Neves, ex-fur mil cav, CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), às 18h25 de ontem:

Meu caro Luís

O Souleimane Silá é meu amigo no Facebook desde há bastante tempo, em consequência de troca de mensagens sobre Catió. A forma como desde sempre se referiu a mim, como “o meu mano mais velho”, revela um tratamento carinhoso que lhe é peculiar.

Ao tempo – e já lá vão mais de 50 anos – o Souleimane era um daqueles miúdos que deambulava pelas ruas de Catió e convivia connosco. Entretanto veio para Lisboa, constituiu família e emigrou para o Luxemburgo onde os seus descendentes já têm o seu futuro garantido.

Mas… a história do Souleimane deverá ser ele a contá-la.

Desconhecia completamente (ele nunca tal me referiu) que era filho da rainha de Catió.

É com enorme satisfação que o poderei ver integrar o blogue para, à sombra do poilão, nos contar as suas histórias.

Forte abraço
Benito Neves


5. Comentário do editor LG:

Caros camaradas e amigos: apareceu agora um filho da "rainha de Catió". É caso para dizer que o Mundo é Pequeno e o nosso Blogue... é Grande! (**).

É uma feliz coincidência. O Souleimane Silá, de acordo com a sua página no Facebook, vive no Luxemburgo, em Marnach, desde 2020. Nasceu em Catió em 8 de março de 1958, portanto há 65 anos. Estudou na ENA-Bissau (Escola Nacional de Administração, ex Cenfa).

É amigo do Facebook dos nossos camaradas Benito Neves e João Sacoto e privou também com o nosso saudoso Victor Condeço (1943-2010). Conheceu, aos 14 anos, o então major inf. Mário Arada Pinheiro, 2.º comandante do BCAÇ 2930 (de rendição individual, esteve em Catió, de set71 a ago72, ou seja, no 2.º ano da comissão do batalhão).

Ele vem confirmar o que o cor inf ref Arada Pinheiro nos informara há dias, em conversa pessoal na Praia da Areia Branca, Lourinhá, onde tem casa:

(i) conheceu a senhora como sendo a "rainha de Catió", título que não era honorífico nem gentílico, mas sim atribuído popularmente, pela nobreza do seu porte (usava sempre o vestido comprido, branco, que mostram as duas fotos, tanto a de 1964/66, como a de 1972);

(ii) era sua lavadeira, e "boa lavadeira";

(iii) tinha vários filhos, o marido era o motorista do administrador de Catió;

(iv) ao filho mais novo, em 1972, fez questão de chamar-lhe "Major João Pinheiro" (sic) (homenagem ao major Mário Arada e ao seu filho João);

(v) depois de ele ser colocado no QG, na Amura, em Bissau, a "rainha de Catió" apareceu-lhe um dia lá em casa (ele vivia com a família numa vivenda em Santa Luzia), queria visitar uma filha que estava hospitalizada no HM 241, com uma perna esfacelada por um estilhaço de foguetão 122 mm (num dos ataques a Catió).

O João Sacôto, com quem falei ao telemóvel, não se lembra dela como "lavadeira", mas sim como "mulher grande", de "altivo porte", respeitada na comnunidade, não tendo nenhum parentesco ou relação com o João Bacar Jaló; não tem a certeza de ela ser fula, de resto não vivia em Príame (na estrada Catió-Cufar), mas numa tabanca a norte.

O Cherno Baldé também acrescentou, em comentário, que entre os fulas não havia rainhas.

Aproveito, por fim, para convidar o Souleimane Silá (a quem agradeço estas carinhosas confidências sobre a senhora sua mãe) para se juntar a este blogue que é dos camaradas e dos amigos da Guiné... 

Mantenhas. 
Luís Graça
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24546: Fotos à procura de... uma legenda (176): A "rainha de Catió", fotografada em 1964/66 (pelo João Sacôto) e em 1972 (pelo Mário Arada Pinheiro)

(**) Vd. poste de 9 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24540: Fotos do álbum do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, antigo 2º cmd do BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72) e cmdt do Comando Geral de Milícias (Bissau, 1972/73)

Vd. também poste de 28 de março de 2019 : Guiné 61/74 - P19628: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VII: Catió e arredores: contactos com a população civil

(***) Último poste da série > 2 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23580: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (126): Leitor brasileiro, Edson de Lima Lucas, identifica o navio inglês Narkunda, da P&O Lines, em foto de 29/9/1942 (presumivelmente "Foto Melo") , tirada ao largo do Porto Grande, Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde... Dois meses depois seria atacado e afundado pela aviação alemã, na campanha dos Aliados no Norte de África.

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Catió fula, o bairro, ficava a norte da vila... Priame ficava a nordeste. Na estrada para Cufar. Já não vem na Carta de Catió.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Suleimane Sila faz-me lembrar o Cherno Baldé. Da mesma geração, um pouco mais velho (cerca de 2 anos), teve o mesmo percurso: criado em plena guerra e convivendo com a tropa, os "tugas"...

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Luís Graça,

Um pouco mais velho ou talvez colega. Como sempre disse, em 1963 quando a guerra se alastrou para o Nordeste e fomos obrigados a deixar a nossa "paradisíaca" aldeia de Sintchã Samagaia, aliás Luanda, já teria no mínimo 5 anos, senão não teria memória do acontecimento que, no entanto lembro ainda muito claramente.

Algumas notas soltas sobre a "rainha" e sobre a família Silá de Catió.

Pelo nome da senhora (Abibatu Djopo ou Diop) podemos aferir que ela ou a sua família era de origem Senegalesa e da etnia Wolof, uma das mais importantes do Senegal. E que estava fortemente imbuída da cultura senegalesa e muçulmana facto que denota a sua imponente e elegante indumentária que era muito evoluída em relação aos habitantes locais.

A família com o patronímico Silá pertence ao sub-grupo Jacanca, um extrato do grupo Saracolé do Sudão Ocidental espalhado um pouco por toda a região da Senegambia, incluindo a GBissau.

Em Catió a família de Aliu Silá, não obstante a sua forte e ancestral ligação a religião islámica não deixou de olhar para o futuro de forma pragmática e deixar os seus filhos frequentar a escola portuguesa concomitantemente ao ensino coránico em casa. Quem o diz é o hoje consagrado escritor guineense Abulai Silá, natural de Catió que, juntamente com um dos seus irmãos (Amido Silá), criaram a empresa Sitec, actualmente um grupo de negócios multipolar na GBissau com sede em Bissau.

Em tempos e falando da queda do império de Kaabu ou Gabu, tinha mencionado que, contráriamente ao que se afirma e que os portugueses fizeram questão de fomentar, a guerra contra os Soninqués animistas de Gabu não foi uma guerra de fulas contra mandingas, mas sim uma guerra em que uma confederação religiosa, multi-étnica se tinha levantado contra um poder secular de populações animistas no seio do império de Kaabu. E nesta confederação religiosa os Saracolés originários da região de Diaka (ler Jaca) que dá origem ao nome Jacanca em português, embora em número muito diminuto comparativamente aos fulas, teve um papel preponderante, em virtude do seu forte apego e profundos conhecimentos da religião islámica.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

PS:

Na vizinha república da Guiné, a comunidade Jacanca também está bem representada assim como, relativamente, bem sucedida em termos economicos, com ramificações e ligações a sua diáspora na Europa e América que não esquece as suas origens, investindo na melhoria de infraestruturas comunitárias como escolas e centros de saúde.

Cherno AB

Anónimo disse...

O Souleimane (O Luís Graça escreveu Suleimane a portuguesa), embora possa ter nascido em Catió, território português, na época, o registo do seu nome parece ter sido feito numa ex-colónia francesa, pois em português não seria com "Sou" mas "Sua".

Cherno AB

Anónimo disse...

Errata: "Su", a primeira sílaba do nome Suleimane em português.

Cherno

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Cherno, pelos teus eruditos esclarecimentos sobre esta família de Catió. Contigo estamos sempre a aprender. Mantenhas. LG

A. Murta disse...

Ao ler este "poste" confesso que até senti uma certa euforia.
Foi uma surpresa muito agradável esta reacção do Souleiman Silá à publicação da imagem e referência à sua adorada mãe, a "Rainha de Catió". Ontem, eu tinha apreciado o texto e, sobretudo, a imagem de nobreza e dignidade daquela senhora de Catió. Mas estava longe de imaginar que alguém, ainda mais o próprio filho, a iria reconhecer (ou reencontrar), via Internet num Blogue de ex-combatentes.
Calculo o que deve ter sentido ele próprio no momento da descoberta.
O Mundo é mesmo pequeno..., mas surpreende-nos com frequência, quanto mais não seja, através de Tabancas Grandes como esta.

Abraços para todos incluindo o Souleiman Silá.
António Murta.