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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22806: Fotos à procura de... uma legenda (156): Os quatro membros da comitiva guineense (a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Baldé, amigos do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres,) às Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, agosto de 1960 (Lucinda Aranha, escritora) - Parte I


Foto nº 1  > Sane Sané, régulo de Canquelifá, tenente de 2ª linha, descendente do último rei do império do Gabu (morto na batalha de Cansalá, em 1867), em traje cerimonioso. (Vd. foto dele com o nosso camarada Jorge Ferreira, em 1961, junto ao marco fronteiriço em Buruntuma).

Segundo o nosso calaborador permanente, Cherno Baldé, em mensagem de 27/11/2019, "o actual régulo de Paquessi ou Pakessi que abrange as aréas de Canquelifa, Camajaba e Buruntuma, é o Bacar Sané, um dos filhos do velho régulo dos anos 60."

Por sua vez, o Patrício Ribeiro informou-nos, na mesma data, que o José Bacar Sané, telemóvel nº 00254...119, morador em Canquelifa, é o actual régulo de Canquelifa e Buruntuma, já com alguma idade. (Foi antigo militar português do grupo de Marcelino do Mata)."

 
Foto nº 2 > Lisboa > Agosto de 1960 > Os quatro membros da comitiva guineense, a saber Sene Sané (, aqui trajado à europeia), Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alage Baldé ( este último,  padre muçulmano), à varanda da casa do Manuel Joaquim dos Prazeres (que foi o fotógrafo). O religioso  é o segundo a contar da esquerda, portador de um amuleto. O último, com cinto de 
fivela, seria um alferes de 2ª linha,  um dos Embaló. Segundo imformação do Patrício Ribeiro com data de 27/11/2019, atualmente "o Regulado de Piche é desempenhado pelo marido de Djana Embaló, residente em Dara. Em Piche, não há nenhum régulo."

A grafia correta do reliogos deve ser Alage (El-Hadj) Baldé ou Embaló. (Recorde-se que Alage ou El Hadj é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felicidade de fazer, com sucesso, pelo menos uma peregrinação anual, Hajj, a Meca).

 
Foto nº 3 > Agosto de 1960 > Os nosos convidados à porta da casa... O dignitário religioso, é o primeiro da esquerda; o Sene Sané é o terceiro.


Foto nº 4 >Agosto de 1960 > Almoço dos quatro guineenses em casa do Manuel Joaquim dos Prazeres. Eram seus convidados, mas o pai da Lucinda Aranha não os acompanhou nas cerimónias. 



Foto nº 5 > Os quatro membros da comitiva guineense, com dois brancos que não sabemos identificar (podiam ser acompanhantes) junto às instalações da antiga Exposição do Mundo Português de 1940, que entretanto foram demolidas. As Comemorações do V Centenário da Morte do Infante Dom Henrique realizaram-se em Lagos e em Sagres, em 6, 7 e 8 de agosto de 1960, com desfile naval e a  presença dos chefes de Estado de Portugal e do Brasil. Mas realizaram-se outras cerimónias noutros pontos do país.  A Lucianda Aranha que já era aluna do liceu, em 1960, não se lembra se os convidados do seu pai deslocaram-se a Sagres e a Lagos.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Gabu > Piche > 1969 > Os outros três membros da comitiva guineense em "trajes tradicionais", Sampulo Embaló, Alage Baldé e Duarte Embaló e  (, não sei se por esta ordem). 

Eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Canquelifá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes  (Foto nº 5) e um deles uma "medalha" que o identica como religioso.



Foto nº 7 > Guiné > Região de Gabu > Piche > 1969 > Legenda no verso da foto nº 6: "Meu caro amigo Manoel Joaquim Prazeres, mando-te esta foto, a fim de lhe cervir (sic) como recordação. Sou eu, Sampulo Embaló e o Alage Baldé e Duarte Embaló. Piche, 11-12-969"


Fotos (e legendas): © Lucinda Aranha (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Lucinda Aranha, 7 de setembro de 2021:

Lucinda Aranha, foto à esquerda: (i) escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, (ii) autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance": "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; (iii) autora também dos livros "Melhor que Cão é ser Cavaleiro" (Colibri, 2009) e "No Reino das Orelhas de Burro" ( Colilibri, 2012), este último recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972; (iv) tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 15/4/2014;  (vi)  tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita.

Bom dia, Luís e Carlos.

Espero que tudo esteja bem convosco e família. Aproveito ter de escrever para cumprimentar também o Carlos de quem há muito não tenho notícias.

Luís, infelizmente gravei mal o número de telemóvel da Lena
 [Carvalho], minha amiga de infância que vive nas Caldas, e perdi ainda o cartão dela. 

Acontece que com a morte da minha irmã Ju encontrei uma série de fotografias que estavam perdidas. A Lena está em várias delas e gostava de falar com ela a propósito. 

Encontrei também fotografias de África que me parecem muito interessantes, penso que algumas dizem respeito a sessões cinematográficas e outras de uns certos Sené Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Embaló, algumas com uma "carta" no verso.

Enfim, acho um material interessante, vou pesquisar junto de amigos e conto com vocês os dois para me ajudarem porque penso que não ficariam mal no nosso Blogue.

Desculpem estar sempre a aborrecê-los. Beijos e saudades. Lucinda

2. Nova mensagem de Lucinda  Aranha

Data - Quarta, 8/12/2021, 19:22 
Assunto - Comemorações do quinto centenário da morte do infante D. Henrique

Boa tarde, Luís. Espero que estejas melhor dos teus achaques ósseos.

Como já te disse, encontrei umas fotos que penso podem interessar ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. 

Envio-te só uma parte; há outras que penso serem de uma sessão de cinema mas ainda tenho muitas dúvidas. Se vires que não interessam tudo bem.


Comemorações henriquinas de 1960

Em Agosto de 1960, o Estado Novo comemorou os cinco séculos passados sobre a morte do Infante D. Henrique que a política nacionalista da ditadura guindou a figura primeira dos Descobrimentos portugueses. 

Esta tese é muito contestada por diversos historiadores, nomeadamente por Vitorino Magalhães Godinho que viu o infante como o émulo da expansão pela força das armas ao serviço dos interesses da nobreza.

1960 marca o início da ascendência dos países africanos recém-descolonizados na ONU. Um ano mais tarde, o Conselho de Segurança vota favoravelmente uma resolução condenando a política colonial portuguesa. Portugal enfrentava também ameaças na Índia e em Angola, que rapidamente se estendem a Moçambique e à Guiné-Bissau, onde crescem os movimentos autonomistas.

De nada valeu a Salazar o expediente de 1951, quando extinguiu o conceito de Império dando às Colónias o estatuto de Províncias Ultramarinas, integrando-as no território nacional. Nada fez parar o desejo de emancipação dos povos das Províncias Ultramarinas; a guerra pela independência a que a ditadura chamava guerra terrorista era imparável.

Também de nada lhe valeram outras comemorações que visavam criar a unidade, aproveitando-se datas com heróis insensados pelo regime.

Este pequeno texto procura contextualizar de forma sucinta as fotografias que se seguem pertencentes ao arquivo do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres, de cuja existência tinha conhecimento, mas cujo paradeiro era desconhecido.

Por um acaso, fiquei de posse destas fontes históricas que retratam acontecimentos do quotidiano relacionadas com as comemorações em causa.

Durante estas comemorações, recebemos, em visita social, em nossa casa, por diversas ocasiões, quatro membros da comitiva guineense, a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alage Baldé (Fotos nºs 1,2,3,,4,5,6 e 7)

Dos quatro, o de maior hierarquia era Sene Sané (Foto nº 1), régulo de Canquelifá, mandinga, descendente de Mana Djanque Vali, rei do Império do Gabú, que englobava uma parte do Senegal e a Gâmbia até ao nordeste da Guiné-Bissau. Morreu na batalha de Cansalá, 1867, vencido pelos Fulas de Gabu e do Futa Djalon vindos da Guiné Conacri. Assim acabou o reinado dos Mandingas que foram islamizados.

Quanto aos outros três membros da comitiva guineense cujos nomes já referi (Fotos nºs 2, 3 e 6), sei apenas que eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Canquelifá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes e um deles uma "medalha" que o identica como religioso (Foto nº 2) 

A importância do Sene Sané  fica clara no título de Régulo, Tenente de 2ª linha, tendo inclusive sido eleito, em 1963, pelas autoridades das regedorias como um dos três vogais representantes das várias etnias ao Conselho Legislativo a funcionar na Província Ultramarina da Guiné, criado pela Portaria n.º 19921, D.G. n.º 150/1963, série I.
 [Os outros dois foram o régulo de Badora, Mamadu Bonco Sanhã, e o régulo de Cachungo, Joaquim Baticã Ferreira, fuzilados pelo PAIGC a seguir à independência. LG ]

O dito Conselho reuniu pela primeira vez, em 1964, já sob a presidência de Arnaldo Schulz. Uma outra medida destinada a manter a integridade de todo o império, o que fica muito claro num artigo de O Arauto ( Ano XXII, nº 5338, 14 de junho de 1964, pp 62/63) intitulado "A política da não-discriminação...." Seguem-se alguns excertos do artigo:






Fonte:  Guiné, Bissau, "O Arauto", Ano XXII, nº 5338, 14 de junho de 1964,  pp 62/63 (Excertos)



Sobre o Sene Sané,  é de referir que morreu em 1969, um ano após o final do seu mandato no Conselho Legislativo.

Quero salientar, de entre os restantos vogais,   António Augusto Esteves e James Pinto Bull por terem sido amigos de família e com as respectivas famílias habitués de nossa casa. O primeiro foi padrinho de casamento de três das minhas irmãs; a mulher e os filhos do segundo viveram, por diversas vezes, quando vinham à metrópole na nossa casa ,em Lisboa, tendo também as nossas famílias convivido numa vivenda da Parede, em férias de verão.







Fotos (com legendas): Extraídas de O Arauto, 14 de junho de 1964

(Continua) 
__________

Nota do editor:

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20388: Recortes de imprensa (106): Anúncios ("O Arauto", 27/7/1967) de casas de Bissau especializadas em ostras: Casa Afonso (chão de papel) e Hotel e Restaurante Miramar, frehte à Casa Pintosinho (Bissau Velho) (Benito Neves, ex-fur mil at cav, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)



Guiné > Bissau > O Arauto, 27 de Julho de 1967 > Anúncios de duas casas especializadas em ostras, em Bissau : Casa Afonso, no Chão de Papel; e o Miramar, que vendia uma travessa gigante de ostras (da rocha!) por 20 pesos... Dois anos depois ainda eram ao mesmo preço.


Guiné > Bissau > Cabeçalho de O Arauto, Diário da Guiné Portuguesa. Ano XXV - Nº 6242. Preço: 1$00. Director e editor: José Maria da Cruz. Quinta-feira, 27 de Julho de 1967. Era o único jornal diário da província. Cópia de exemplar gentilmente enviado pelo ex-furriel mil atir cav,   CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67). Mora em Abrantes.  (*)

(...) "Comprei momentos antes de entrar para o Uíge, no dia 27/07/67, dia em que embarquei de regresso à Metrópole. Já no barco, ao folhear o jornal, fui surpreeendido com a notícia publicada na página 4, sobre o fim da comissão de serviço da CCAV 1484, a que eu próprio pertenci. E bem ao lado desta notícia, cá estão elas, as ostras, publicitadas". (**)

Fotos (e legendas): © Benito Neves (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Croqui  da parte oriental da Bissau Velha, entre a Avenida da República (hoje, Av Amílcar Cabral) e a fortaleza da Amura. No 15 ficava o Hotel Miramar / Cais Bar... A antiga Rua Olivera Salazar é hoje a Rua Mendes Guerra.  O Miramar ficava em frente à Casa Pintosinho (2, no croqui). Era que, em 1969/71, comíamos ostras, a 20 pesos cada travessa, quando vínhamos a Bissau... (LG)

Fonte: Adapt de António Estácio, em "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il.).

terça-feira, 26 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19622: Notas de leitura (1163): O que "ultra" Dutra Faria (citado pela doutoranda e nossa grã-tabanqueira Sílvia Torres) pensava de Amílcar Cabral: um menino de coro (que "ia à missa, todos os domingos, em Bissau"), transviado em Lisboa pelo marxismo e por uma mulher, 'branquíssima'...






Guiné > Bissau > Jornal diário "O Arauto", quarta-feira,  27 de jlho de 1967, Ano XXV, nº  6242 > Cabeçalho do jornal "O Arauto", "diário da Guiné Portuguesa", diretor e editor: José Maria da Cruz.

Notícia: "A Companhia de Cavalaria de Catió termina a sua missão de soberania nesta Província"... A notícia  não refere o número da unidade (o que estava conforme as normas de segurança militar, mas sabemos que era a CAV 1484, a que pertencia o nosso querido amigo, camarada e grã-tabanqueiro Benito Neves). Diz apenas que era comandada pelo sr. Capitão Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim, que esteve mais de um ano em Catió e que cumpriu "com exemplar dignidade, heroísmo e espírito de sacrifício a sua sagrada missão, arrecadando resultados francamente positivos no campo militar"...
 
À despedida, houve jantar (melhorado ?), no refeitório do Batalhão local, que serviu para confraternização entre todos os militares do Quartel de Catió, e as autoridades civis e militares. "Aos brindes, falaram o comandante do Batalhão de Catió, o Administrador do Concelho, [o ou um ?] agente da Pide e ainda um representante da Milícia, que puseram em destaque as qualidades reveladas pela Companhia e a simpatia que goza em todos os sectores de actividade do concelho" 

Anúncio das famosas ostras do "Miramar": (i) eram da rocha; (ii) abertas à pressão; e (iii) uma travessa gigante custava 20 pesos e dava para almoçar a meia dúzia de "desenfiados do mato",,, Nãoi se diz, mas eram regados com "lima" e acompanhavam com cerveja ou vinho branco... A "champanha" era muito cara!... (Dois anos depois, continuavama  a custar os mesmos 20 escudos da Guiné ("pesos"), o que equivaleria hoje a 6,3 € - preço de 1967 - ou 5,5 € - preço de 1969 -, considerando que 100 "pesos" equivaliam a 90 escudos da metrópole. Com 20 pesos comia-se um bife com batatas fritas e ovo a cavlo e um cerveja... em Bafatá, no Restaurante "Transmontana", no 2º trimestre de 1969...


Fotos (e legendas): © Benito Neves (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




TORRES, Sílvia - A Guerra Colonial na imprensa portuguesa da Guiné. A cobertura jornalística do conflito feita pelos jornais O Arauto, Notícias da Guiné e Voz da Guiné, entre 1961  e 1974  / The Colonial War in the Portuguese press of Guinea. The media coverage of the conflict made by the newspapers O Arauto, Notícias da Guiné and Voz da Guiné, between 1961 and 1974.

PRISMA.COM (33) 2017, p. 33-46 DOI 10.21747/16463153/33a2 33


A nossa amiga Sílvia Torres (que tem sete referências no nosso blogue e é membro nº 736 da  Tabanca Grande) (*)  escreveu este artigo, no âmbito do Doutoramento, em curso,  em Ciências da Comunicação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. 

 Este artigo centrou-se na análise da na imprensa portuguesa da Guiné publicada durante a Guerra Colonial.   A autora quis perceber que tipo de cobertura jornalística fazia esta imprensa colonial sobre o conflito:

"A presente investigação (,,,) visa também recuperar a história do jornalismo então português praticado em tempo de censura (e autocensura), durante a Guerra Colonial e numa das províncias ultramarinas envolvidas no conflito", tendo a autoria concluído que "a imprensa portuguesa da Guiné também serviu as Forças Armadas e que o Governo, da metrópole e da Guiné Portuguesa, se serviu desta imprensa."

No período em análise, entre 1961 e 1974, existiram apenas três jornais na Guiné Portuguesa, em períodos distintos: (i) "Arauto" (até 1968), (ii) "Notícias da Guiné" (1968-1970); e (iii) "Voz da Guiné"  (1972-1974). São estes três periódicos que foram objeto do estudo.

Já aqui falámos do "Arauto" (**), cujos primórdios remontam a 1942, ano em que surgiu sob a forma de boletim, policopiado, da responsabilidade das missões católicas.  Em 1943,  passa a mensário, e é impresso na tipografia da Imprensa Nacional, em Bolama. O diretor é o padre Afonso Simões, e a redação e a administração são na Residência Missionária de Bolama.

Em 1945, passa a ser impresso na Tipografia das Missões e, no início da década de 50, torna-se um jornal  diário (só não saindo à  segunda-feira), com novo diretor:  o padre, também franciscano,  José Maria da Cruz Amaral. Em 1958, o "Arauto"  passa a designar-se "O Arauto". Em 1961, era vendido, em Bissau,  por 1$00.

"Por esta altura, já continha também notícias internacionais, provenientes de agências noticiosas nacionais e estrangeiras" e, "apesar de a publicação não incluir ficha técnica", sabe-se que a equipa era reduzida: só tinha redatores para a "página desportiva"... O resto é feito só por um homem, o padre Cruz Amaral.

 "O retrato é feito por Dutra Faria, então diretor executivo e enviado especial da ANI (Agência
Noticiosa de Informação), a 7 de fevereiro de 1964, n’O Arauto, num texto sobre a Guerra
 Colonial. Dutra Faria revelava que Portugal estava em guerra, “uma guerra revolucionária – e
que abrange, por isso todas as frentes”, sendo uma delas a informação." (Torres, pp. 35/36).

 A falta de recursos humanos, já referenciada por Dutra Faria, bem como os problemas financeiros e técnicos que se agravam, levam ao  encerramento, em 1968, o único jornal diário da província. 

Sobre Dutra Faria [Angra do Heroísmo, 1910 - Lisboa, 1978], Sílvia Torres faz-nos revelações interessantes;

(...) "Dutra Faria, então diretor da agência ANI, foi à Guiné como enviado especial. Desta viagem, fez vários artigos com o mesmo antetítulo – “Na Guiné Portuguesa, junto da Cortina de Ferro”. O segundo texto, intitulado “Entre dois fogos”, foi proibido de ser publicado na edição de 30 de janeiro de 1964. Neste artigo, Dutra Faria diz que o inimigo das Forças Armadas Portuguesas, na Guiné, não se pode “desprezar” porque foi “bem” treinado para a luta de guerrilhas em escolas de Praga e de Moscovo. Faz ainda referência à qualidade e à abundância do armamento que o inimigo possui e à sua inteligência." (p. 40)

Mais interessante, é o que Dutra Faria  escreve sobre o líder do PAIGC, Vamos citar  mais um  excerto do artigo de Sílvia Torres (p. 431):

(...) Amílcar Cabral, “um rapazinho que ia à Missa todos os domingos”, em Bissau, tal como Mário de Andrade o fazia, em Luanda. Os dois, em Lisboa, foram estudantes universitários que “se deixaram empolgar pelo marxismo”: “(…) há responsabilidades a que não podemos fugir e esta é uma delas – não soubemos defender de influências nefastas estes dois rapazes e muitos outros estudantes ultramarinos”.

"Segundo Dutra Faria, também Maria Helena de Ataíde – “uma linda rapariga de olhos claros e cabelos talvez aloirados. Branquíssima” – então esposa de Amílcar Cabral, estudou em Lisboa. Foi na capital da metrópole que se conheceram e que ela exerceu sobre ele “decisiva influência”. O casal chegou a trabalhar em Bissau, “onde (…) um Chefe de Serviços, pelas suas ‘gafes’   monumentais e por um estúpido racismo de última hora, completou no jovem agrónomo de
coroa obra iniciada em Lisboa, no Instituto [Superior de Agronomia], pelos seus colegas comunistas e continuada, depois, pela esposa – revolucionária exaltada: Amílcar Cabral passou-se assim, definitivamente, para o campo dos inimigos de Portugal”.

Por é que este texto, escrito por um dos homens da "ala dura" do regime, foi censurado ?

Sílvia Torres explica (pp. 41/42):

(...) "A 12 de fevereiro de 1964, o Governador da Guiné Portuguesa, capitão-de-fragata Vasco António Martins Rodrigues, envia uma carta para o ministro do Ultramar, onde comunica que aprovou a proibição do texto de Dutra Faria por destacar os “sucessivos êxitos que o inimigo vem conseguindo”; por comparar o inimigo da Guiné, de “superior qualidade”, com o inimigo de Angola; por atribuir responsabilidades a Portugal pelo caminho seguido por Amílcar Cabral; e por desprestigiar o serviço público, ao criticar um seu funcionário." (...)

De qualquer modo, Dutra Faria terá sido injusto em relação a Amílcar Cabral e a Maria Helena de Ataíde Rodrigues, a transmontana de Chaves que foi a primeira mulher do líder do PAIGC e uma das primeiras mulheres a formar-se em engenharia agronómica, e que não era loura, e muito menos estúpida... A história de amor destes dois seres humanos é lindíssima, como todas as grandes histórias de amor... Dutra Faria nunca leu as cartas de amor que eles escreveram um ao outro... E as suas insinuações estão eivadas de racismo e machismo...

Maria Helena [de Ataíde] Vilhena Rodrigues, engenheira agrónoma, transmontana de Chaves, casou em 1951 com Amílcar Cabral, de quem teve duas filhas, Iva e Ana. Iva Maria nasceu em 1953, é hoje historiadora e vive na Praia, Cabo Verde. Conhecia-a pessoalmente em Bissau, em 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje. Quanto à  Ana Luísa,  nasceu em 1962 e, segundo li, licenciou-se em medicina e vive discretamente em Braga. 

Maria Helena e Amílcar separaram-se definitivamente em meados da década de 60. Cabral irá casar, em segundas núpcias, com Ana Maria Foss Sá, mais conhecida como Ana Maria Cabral, em maio de 1966. É assassinado em 20 de janeiro de 1973, na presença da segunda mulher. É muitas vezes confundida, por alguns camaradas nossos, como a "Maria Turra", a locutora da rádio "Libertação", do PAIGC.

Enfim, ainda em relação a "O Arauto", sabe.se que a publicação, em julho de 1965, de "notas biográficas"   de alguns destacados líderes africanos da época não foi bem vista pelo novo ministro do ultramar, Joaquim Moreira da Silva Cunha [1920-2014]. (, esteve no cargo entre 19 de março de 1965 e 7 de novembro de 1973),  por serem apontados "como "símbolo da auto-determinação e da revolta dos povos de cor contra os países colonizadores"... Na sequência desse desagrado, solicita-se ao governador que: (i) transmita à comissão de censura as necessárias instruções par "põr cobro à publicação das biografias"; e (ii) passe a  estar atento à “orientação seguida pelo jornal”, uma vez que que não estava a  corresponder “aos interesses nacionais” (cit por Torres, p. 42).

Recorde-se que o governador-geral (e comandante-chefe) era então o gen Arnaldo Schulz. Mas estes "mal-entendidos" não são matéria que possa ser tomada como suficiente para que o padre franciscano José Maria da Cruz [Amaral] (1910-1993) venha, mais tarde, alegar que foi vítima de perseguição política  por parte do antecessor de Spínola.

Dois anos depois deste "incidente",  no aniversário de "O Arauto", em 5 de julho de 1967,  José Maria da Cruz  viria a agradecia ao governador [, o gen Arnaldo Schulz,] a concessão de um subsídio de 50 mil escudos [, em dinheiro da metrópole era o equivalente hoje a c. 17.600 €, bastante dinheiro, dava para comprar uma viatura automóvel tipo FIAT 127 ou gama superior...]. Em 1966 o défice do jornal era já de 486 mil escudos [, mais de 178,6 mil euros, hoje, um a pipa de massa] e o diretor já  se questionava  sobre a sua viabilibilidade económica.

Luís Graça (***)

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17052: Tabanca Grande (426): Sílvia Torres, filha de ex-combatente, doutoranda em ciências da comunicação pela NOVA, autora do livro "O jornalismo português e a guerra colonial", nossa grã-tabanqueira nº 736

(**) Vd. poste de 13 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)

(***) Último poste da série >  25 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19621: Notas de leitura (1162): “A nossa guerra, dois anos de muita luta, Guiné 1964/66 – CCaç 675”, por Belmiro Tavares e José Eduardo Reis de Oliveira, edição de autores, 2017 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19581: Notas de leitura (1158): o caso do jornal diário "O Arauto", extinto em 1968, num artigo da doutora Isadora Ataíde Fonseca, sobre a imprensa na época colonial (Luís Graça)


Guiné > Bissau > Cabeçalho e parte da primeira página de "O Arauto", "Diário da Guiné Portuguesa. Ano XXV - Nº 6242. Preço: 1$00. Director e editor: [padre] José Maria da Cruz. Quinta-feira, 27 de Julho de 1967.(*)

Foto: © Benito Neves (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 1º trimestre de 1968 > No bar da messe de oficiais, o alf mil SAM Virgílio Teixeira, lendo o jornal diário da província, "O Arauto" (1950-1968) (**)

Foto: © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Voz da Guiné, 30 de junho de 1973. Seaparata nº 203. Cortesia do nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, autor do blogue Rangers & Coisas do MR.


Nota de leitura:

FONSECA, Isadora Ataíde - Dilatando a fé e o império: a imprensa na Guiné no colonialismo (1880-1973). Media & Jornalismo: uma revista do Centro de Investigação Media e Jornalismo. Vol. 16, nº 29 (2016): 119-138.

A autora, investigadora independente,  é doutorada em sociologia da cultura pela Universdade de Lisboa. [FONSECA, Isadora Ataíde (2014) - A Imprensa e o Império na África Portuguesa, 1842-1974. Tese de Doutoramento em Sociologia da Cultura. Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Tese disponível, em formato pdf, no Repositório da Universidade de Lisboa .]

No artigo supracitado, publicado em 2016 na revista de Coimbra,  "Media & Jornalismo",  a autora própõe-se "analisar a trajectória do jornalismo e as relações entre a imprensa o império na Guiné ao longo do colonialism", o  a partir de uma "perspectiva multidisciplinar de investigação e análise, na qual a imprensa é observada na sua interdependência às dimensões política, económica e social".

Aplica  "as teorias do jornalismo em regimes liberais e autoritários para se observar a imprensa" e as suas conclusões apontam para  um  "tardio surgimento da imprensa oficial [que] reflectiu a fragilidade da presença portuguesa durante a Monarquia Constitucional".

Com a República (1910-1926),  "a imprensa independente não se afirmou como espaço de debate público". Com a Ditadura Militar e o Estado Novo (1926-1973),  a imprensa vai "servir à propaganda do regime autoritário". No essencial, "ao longo do colonialismo a imprensa na Guiné desempenhou o papel de apoiar e defender o império".

São os seguintes os periódicos da Guiné Portuguesa que foram estudados pela autora:

A Voz da Guiné, 1922.
Arauto (e O Arauto), 1943-68.
Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 1946-1973.
Boletim Oficial da Guiné Portuguesa, 1884-1920.
Ecos da Guiné, 1920
Ecos da Guiné, 1950-54.
Pró-Guiné, 1924.

No artigo supracitado, tens extensas referências ao períódico "Arauto", mensário, e depois diário, mais tarde "O Arauto", periódico de que temos várias referências no nosso blogue.

"Arauto, Dilatando a fé e o império": era o título do mensário que apareceu em maio de 1943. Era então "dirigido pelo padre Afonso Simões e reproduzido na Imprensa Nacional" (Fonseca, 2016, p. 128). A Imprensa Nacional (instalada em Bolama, com a primeira tipografia montada em 1879) publicava o Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa.

A articulista cita logo o  nº 1 do "Arauto"  em que se declarava que “dilatando a fé, é nosso desejo, concomitantemente, dilatar o império também, interessando-nos por tudo o que diga respeito ao desenvolvimento e progresso desta colónia” (Fonseca, 2016, p. 128).

Na edição nº 14, de junho de 1944, ainda em plena II Guerra Mundial, garantia-se  que “Portugal prossegue [...] a sua obra de reconstrução nacional que tem sido a preocupação dominante daqueles que dirigem os altos destinos da nação”. 

Atento também às políticas da colónia, os nºs 41 (setembro) e 42 (outubro), de 1946, do "Arauto"  faziam referência à 1ª Conferência dos Administradores da Guiné, a qual se terão identificado  como principais problemas da colónia os seguintes:

(i)  a dificuldade de colaboração dos cipaios como elos entre autoridades e indígenas;
 (ii) a obrigação dos nativos trabalharem;
(iii) as irregularidades na cobrança do imposto da palhota; e,
(iv) os problemas infra-estruturais.

Em janeiro de 1947, a edição  nº 45 trazia o discurso do governador Sarmento Rodrigues [, no perído de 1946-1949], na abertura da exposição de Bissau:

 “Nesta terra portuguesa há união de almas e boas vontades, há trabalho, há sacrifício, há entranhado amor ao engrandecimento de Portugal”. 

Citando o nosso conhecido António E. Duarte Silva (2008) [“Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo”, Cultura, 25],  a autora escreve que "o governo de Sarmento Rodrigues coincide com o apogeu do colonialismo na Guiné", tendo dado prioridade a: (i) desenvolvimento da administração colonial; (ii) participação dos assimilados; (iii)  tratamento paternalista para com os indígenas; e (iv) construção de uma rede de infraestruturas".

Sete anos depois do seu aparecimento, o  "Arauto passa a  diário, em 1950, o tendo como director um outro padre, ou seja, um não jornalista, o franciscano José Maria da Cruz [Amaral] (1910-1993).

Numa nota biográfica escrita por um amigo ("anónimo"), lê-se o seguinte sobre ele;

[...] Voltou ao continente Africano [, tinha estado em Moçambique entre 1936 e 1946], à então província da Guiné, onde esteve até à revolução do 25 de Abril. Na Guiné, foi professor do Liceu Honório Barreto, vogal da Assembleia Legislativa, e até 1968 director do Arauto, o único jornal da Guiné que foi extinto pelo general Arnaldo Schultz, em represália contra a linha editorial do Arauto, que procurou denunciar a anarquia militar e civil do seu governo da província.[...]

Este último facto deve ser visto com reserva: não temos fonte(s) independente(s) para o poder comprovar...

Percorrendo os números que se foram publicando entre 1950 e 1968, Fonseca (2016, p. 129)  faz a seguinte síntese:

(...) "As notícias da metrópole continuaram com destaque no diário, que no seu nº 1415, de Janeiro de 1952, relatava que foram presos os organizadores duma 'conjura contra a segurança do Estado'. Na época as notícias internacionais não incluíam os territórios e países africanos e as informações locais eram escassas." (...)

A nomeação de Marcello Caetano como vice-presidente do Conselho Ultramarino é notícia em fevereiro de 1953 (edição  nº 1813).

"Seguindo uma linha de despolitização" (sic), o mundial de futebol (que se realizou na Suíça, nesse ano, e em que a Alemanha bateu a Hungria na final, por 3-2), foi um dos títulos de caixa alta da edição nº 2297" (Julho de 1954),  de resto, uma "tendência que se manteve" (Fonseca, 2016, p.129).
"
 Em maio de 1955, o "Arauto" noticiava que a Guiné recebera “com delirante patriotismo e entusiástica vibração” o presidente da República, o general da Força Aérea Francisco Craveiro Lopes (1894-1964).

O jornal, que até então era reproduzido em duplicador, ou seja , policopiado, passava a circular em formato de imprensa, graças à Tipografia das Missões, em Bissau.    O "Arauto" é então definido, pelo seu editor, redactor chefe e diretor (, 3 papéis centrados na mesma pessoa...)   como “um jornal diário autêntico, com artigos de análise, com crítica e interesse público” (Fonseca, 2016, p. 129).

Naturalmente, o que o jornal não noticiou (nem o poderia fazer) foi   a criação, na clandestinidade,  do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), fundado por Amílcar Cabral, em setembro de 1956. Tal como "silenciou" os graves acontecimentos de 3 de agosto de 1959, conhecidos como o "massacre do Pidjiguiti". Entretanto, dois meses antes, em junho de 1959 (, na edição nº 3905), os colóquios sobre o II Plano de Fomento do Ultramar eram devidamente divulgados, e sublinhava.se que a política de investimento no território deveria atender a “dualidade de economias”.

A partir de 1958, o jornal passara a designar-se por "O Arauto". E o nº 3483 publicava a primeira intervenção do deputado da Guiné (entre 1956 e 1961), Avelino Teixeira Mota, na Assembleia Nacional, "a qual abordava o problema do ensino e da valorização económica da província". Teixeira da Mota (1920-1982), sobre o qual temos 22 referências no nosso blogue, era oficial da Marinha e foi chefe de gabinete do governador Sarmento Rodrigues.

O jornal fazia-se eco da política externa do governo de Salazar, alvo de crescente hostilidade nas instâncias internacionais:

(...) “No êxito de alguns movimentos [...] assentou um programa de ‘libertação’ que não serve nem respeita a paz dos que não querem ser ‘libertados’ [...] não existem nos territórios portugueses ultramarinos quaisquer indícios de ‘colonialismo’ " (...)  (O Arauto, junho de 1960, nº 4197).

A "orientação governamental e pró-colonial" do jornal não impediu que a edição de 10 de abril de 1960 fosse proibida de circular pela delegação local da PIDE, devido ao artigo “Carta Aberta ao Governador Geral de Angola”, assinado por Ernesto Lara Filho, poeta e jornalista angolano  (Benguela, 1932 - Huambo, 1977), considerado politicamente inoportuno ou inconveniente.

Com o início da guerra colonial em Angola,  "O Arauto" reforça a defesa do império e a denúncia do apoio do  comunismo internacional  ao "terrorismo":

(...)  “É já conhecido o recente acordo [...] que prevê, praticamente, a entrega das províncias ultramarinas, com total independência, às organizações daqueles elementos comunistas e a criação na metrópole de uma república popular” (...) (O Arauto, setembro de 1962, o nº 4856),

Como muito bem observa  Fonseca (2016, pp. 132/133),  não se pode falar verdadeiramente em jornalismo, profissional, independente, deontológico:

(i) os textos do jornal não eram assinados;

(ii)  não há fichas técnicas;

(iii) não há jornalistas profissionais na redação;

(iv) a maior parte do noticiário provinha da agência Lusitânia. agência noticiosa do regime, e de outras fontes, oficiais ou oficiosas;

(v) com o início da guerra, a informação de natureza militar tem estritamente como fonte o Boletim Informativo das Forças Armadas.

Em janeiro de 1964, na edição nº 5276, "a manchete de O Arauto foi 'De ladrões de gado a terroristas'. O texto notava que, se até 1962 o PAIGC tinha limitado suas acções à sabotagem de linhas férreas e telefónicas, passou a ter como alvos as forças armadas portuguesas em Fevereiro de 1963" (Fonseca, 2016, p. 130).

A investigadora deve ter lido mal (ou treslido...), já que na Guiné não havia (nem há...) linhas... férreas!...

Aliás, a autora comete outros erros factuais e faz referências, no mínimo controversas e acríticas, relativas nomeadamente ao processo que levou à independência da Guiné-Bissau: por exemplo, "áreas libertadas" do PAIGC, "perda do controlo aéreo do território" por parte das forças armadas portuguesas, declaração unilateral da independência em "Madina do Boé"...

(...) "Em Abril de 1972 uma missão do comité de descolonização da Organização das Nações Unidas visitou as zonas libertadas e recomendou que o PAIGC fosse reconhecido como o único representante do povo da Guiné. Amílcar Cabral foi assassinado em 20 de Janeiro de 1973 e em Março os portugueses perderam o controlo aéreo do território. Em Agosto, Spínola deixou África e em 24 de Setembro de 1973, em Madina do Boé, foi declarada a independência da República da Guiné-Bissau, presidida por Luís Cabral. Em poucas semanas, a nova nação foi reconhecida por mais de 80 países e, em 17 de Setembro de 1974, as Nações Unidas admitiram como membro a República da Guiné-Bissau." (Fonseca, 2016, p. 132)

No aniversário de "O Arauto", em 5 de julho de 1967, o jornal agradecia ao governador [, gen Arnaldo Schulz,] a concessão de um subsídio de 50 mil escudos [, em dinheiro da metrópole era o equivalente hoje a c. 17.600 €]. Em 1966 o défice do jornal era já de 486 mil escudos [, mais de 178,6 mil euros, hoje] e o diretor questionava-se sobre  a sua viabilibilidade económica.

Ficamos a saber, pelo nosso camarada Virgílio Teixeira, que uma parte dos assinantes seriam as unidades e subunidades  militares do CTIG, como o era o caso do BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69). O nosso camarada lia o jornal "O Arauto", no bar da messe de oficiais em Nova Lamego, mas já não se lembra de o ver em São Domingos. A razão é simples: a última edição do jornal (nº 6444) saiu em 10 de abril de 1968.

Ficamos, entretanto,  na dúvida sobre a decisão de extinguir o único jornal diário do território: seria do governador Arnaldo Schulz ou dos proprietários ? Alegamente, foi por  falta de recursos financeiros, técnicos (máquinas) e humanos. O "biógrafo" (anónimo)  do franciscano quis pô-lo num patamar mais alto, o de vítima e de herói: amesquinhado por Schulz, incensado por Spínola... Parece que o homem acabou por ficar mal com Deus (o Vaticano) por causa de César (Spínola)... A verdade, é que não se pode servir a dois senhores...

Entretanto, em janeiro de 1972 surge um novo jornal, "Voz da Guiné" (, não confundir com "A Voz da Guiné", que se publicou apenas em 1922). A convite de Spínola, o jornal (a princípio bissemanário) é dirigido pelo antigo  diretor e editor  do "O Arauto", o padre José Maria Cruz de Amaral, que "também passou a ser, na mesma ocasião, presidente da Comissão de Censura, órgão a que ele já pertencera e que velava pelos princípios políticos e ideológicos do regime." (Fonte: António Soares Lopes [Tony Tcheka] - Os media na Guiné-Bissau. Bissau: Edições Corubal, 2015, p. 37).

Na realidade, é uma situação insólita, Spínola convida o padre José Maria Cruz de Amaral para diretor da "Voz da Guiné" e, passado uma semana, em 22 de janeiro de 1972,  nomeia-o  presidente da Comissão Provincial de Censura...

Vamos então às conclusões que a autora, Isadora Ataíde Fonseca, tira do seu estudo sobre a imprensa guineense no período colonial (1880-1973):

 (...) "Portugal virou-se para o continente africano na expectativa de sobreviver enquanto império nos séculos XIX e XX e, para tal, estendeu o seu regime político e instituições. Neste contexto, a imprensa e o jornalismo em África emergiram como entidades implementadas pelo regime colonial com o intuito de contribuir na afirmação do império português. Como observou Barton (1979: 2), a imprensa colonial desenvolveu-se em paralelo à imprensa europeia e adoptou o seu modelo de jornalismo. No entanto, na Guiné a imprensa apareceu tardiamente e não se consolidou como espaço de debate público, servindo invariavelmente ao poder político e ao fortalecimento do império colonial português.

"Para se compreender a trajectória e o protagonismo da imprensa na Guiné no período colonial é preciso analisá-la na sua interdependência às dinâmicas sociais. O desempenho da imprensa na Guiné articulou-se ao conjunto das dinâmicas sociopolíticas coloniais, que lhe deram as seguintes características: 

1) A imprensa privada desenvolveu-se tardiamente como reflexo da fragilidade do Estado colonial, da fraqueza das elites locais (europeias e africanas), e do prolongamento dos conflitos militares. A imprensa manteve um perfil político caracterizado pela propaganda dos governos e não pela promoção do debate no espaço público;

 2) Nos três regimes políticos que perpassaram a Guiné, a imprensa sempre desempenhou um papel de colaboração. Durante o Estado Novo a imprensa desenvolveu papéis característicos dos regimes autoritários, sobretudo apoiando e propagando o regime; 

3) Não houve processos de profissionalização e profissionalismo dos jornalistas; 

4) Aplicado o conceito de paralelismo político, a imprensa esteve alinhada com o governo. No entanto, as distintas forças sociais não foram representadas pela imprensa; 

5) A intervenção do Estado foi forte, através da propriedade, dos subsídios e do controlo dos conteúdos. O legado do colonialismo português para a imprensa na Guiné é o jornalismo enquanto actividade de suporte e apoio dos regimes e governos, e não enquanto espaço privilegiado do debate e da intervenção pública." (...) (Fonseca, 2016. p. 134).

O artigo tem cerca de 6 dezenas de referências bibliográficas. Merece um leitura, até porque há ainda pouca investigação neste domínio. Está aqui disponível em formato pdf.

Um outro artigo recente é da nossa conhecida Sílvia Torres mas apenas centrado em 3 jornais: O Arauto, Notícias da Guiné e Voz da Guiné, e restringindo o campo e análise ao período da guerra colonial (1961-1974): vd.  aqui TORRES, Sílvia - A Guerra Colonial na imprensa portuguesa da Guiné. A cobertura jornalística do conflito feita pelos jornais O Arauto, Notícias da Guiné e Voz da Guiné, entre 1961 e 1974. Prisma.Com, (33) 2017, p. 33-46. Disponível aqui em formato pdf.
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2766: Álbum das Glórias (42): As melhores ostras de Bissau, em O Arauto, de 27 de Julho de 1967 (Benito Neves, CCAV 1484)

(**) Vd. poste de  11 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19573: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXV: Memórias do Gabu (IV)

(***) Último poste da série > 11 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19575: Notas de leitura (1157): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (4) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 11 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19573: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXV: Memórias do Gabu (IV)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro  de 1967 > Foto nº 3 >  Na tasca do «Zé Maria» comendo e bebendo alguma coisa. Junto comigo o Furriel Rocha, o !Algarvio!,  que não pertencia ao nosso Batalhão, mas foi lá parar ao CA, caindo de paraquedas.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Outubro  de 1967 > Foto nº 4 > Na tasca do «Geraldes» petiscando sozinho alguma coisa, talvez frango. Este estabelecimento conhecido por ‘O Geraldes’ era uma espécie de restaurante-tasca, onde se podia comer e beber alguma coisa fora da ementa do rancho do quartel.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 1º trimestre de 1968 > Foto nº 6 > No bar da messe de oficiais lendo o jornal diário da província, "O Arauto"


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 1º trimestre de 1968 > Foto nº 6A > "O Arauto" era propriedade da Igreja Católica; publicava-se todos os dias, exceto à segunda-feira; era originalmente mensário. desde 1943, passou a diário em 1950, sob a direção do padre José Maria da Cruz; lê-se na primeira página do exemplar que o Virgílio Teixeira está a ler: "A maior tragédia: Portugal na... e a rota do Cabo"; o resto é ilegível.

Recorde-se que, na sequência da guerra israelo-árabe, ou guerra dos seis dias, de 5 a 10 de junho de 1967,  a Rota do Cabo passou a ocupar um lugar vital para o Ocidente e para a economia mundial, nomeadamente por causa do fornecimento de petróleo do Próximo Oriente. O Canaz do Suez esteve encerrado à navegação desde 1967 até 1975 !... O artigo do jornal deve ter a ver com este tema candente.

Por razões funanceiras, o jornal que  acumuliu um crescente de défice de vásrias centenas e contos, deixou de se publicar ainda no tempo do governador general Arnaldo Schulz. A última edção, o nº 6444, saiu em 10 de abril de 1968. (LG)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 4º trimestre de 1967 > Foto nº 8 >  – Uma das muitas ‘reuniões’ de copos, tendo como tema alguma comemoração. Aqui está a maioria dos condutores do meu batalhão e outros ligados à ferrugem, em mais uma confraternização de anos, por exemplo, vejo o Furriel Carvalho, o soldado condutor Bourbon, e tantos outros amigos.

Parece que havia uma embalagem de biscoitos, sortido 28, uma garrafa de brandi Macieira e outra não identificada. O interesse principal da malta, eram as revistas ‘cor-de-rosa’ com as fotos das meninas já quase descobertas, mas nem por isso!


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Dezembro de 1967 > Foto nº 9 > Momentos de leitura na messe de oficiais, no Bar, com alguns camaradas. Estão da esquerda para a direita, o nosso ‘brigadeiro’, o mestre da sala, o Tenente Godinho, da Secretaria;  eu, o alferes Teixeira; o aspirante Mesquita; e o alferes Carneiro, o de bigode.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Dezembro de 1967 > Foto nº F11 > Refeitório das praças transformado em sala de aulas. Este local,  como se pode ver,  é uma parte do refeitório dos soldados e cabos, que após as refeições era transformado em sala de aulas. Ali se ensinava a nossa tropa, alguns mesmo analfabetos, tendo como professores outros militares mais alfabetizados. Tem o quadro de lousa atrás, e podem ler-se algumas palavras.

Da minha parte, aproveitei para almoçar ali mesmo, quando não me apetecia ou estava fora de horas para almoçar na minha messe. Como já disse a comida do Rancho Geral, era por vezes melhor que na messe de oficiais, sei por experiência própria.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > 4º trimestre de  1967 > Foto nº 16 > Na cantina das praças, anexa ao refeitório, bebendo uma cerveja. Esta foto, que não me lembro bem onde foi feita, mas presumo que se trata da cantina das praças, que ficava anexa ao refeitório geral. Como não conheço as mesas e cadeiras, é a única foto que tenho desta zona, por isso posso confirmar, quase, com alguma certeza.

Vê-se uma construção ao fundo com bidões e um tubo, que julgo tratar-se de um condutor de água, para os bidões e dali para os serviços, WC, chuveiros ou até cozinhas, não se sabe.  

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde. (*)


 CTIG/Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T063 – MEMÓRIAS DO GABU – PARTE IV


I - Anotações e Introdução ao tema:


Devido ao interesse que tem suscitado a ‘Princesa do Gabu’, e para juntar às muitas que já existem, é com muito gosto que venho enviar para futuro Poste, mais algumas fotos de Nova Lamego (GABU) dos tempos de 1967/68 (Período de 23Set67 a 26Fev8).

Esta será a Parte IV – também escolhidas ao acaso, sem tema especial que não seja mostrar como era a Nova Lamego do meu tempo, não dos anos seguintes, que já não a conheci.

Espero e desejo que agradem, pois a falta de qualidade das fotos é uma constante.


II - Legendas das fotos:

F03 – Na tasca do «Zé Maria» comendo e bebendo alguma coisa. Junto comigo o Furriel Rocha – o Algarvio – que não pertencia ao nosso Batalhão, mas foi lá parar ao CA, caindo de paraquedas. Não tinha função nenhuma. Foto captada em Nova Lamego, em Outubro de 1967.


F04 – Na tasca do «Geraldes» petiscando sozinho alguma coisa, talvez frango. Este estabelecimento conhecido por ‘O Geraldes’ era uma espécie de restaurante-tasca, onde se podia comer e beber alguma coisa fora da ementa do rancho do quartel. Foto captada em Nova Lamego, em Outubro de 1967.

F06 – No bar da messe de oficiais lendo um Jornal - ‘O Arauto’. Antes ou depois das refeições passava algum tempo a ler e beber alguma coisa, e neste caso estou a ler «O Arauto». Não me perguntem, mas deve ser um jornal local da Guiné, pode ler-se na primeira página ‘A maior tragédia Portugal’, não sei nem compreendo agora como foi lá parar. Parece-me que tem uma etiqueta de envio pelos correios, mas não sei. Foto captada em Nova Lamego, no 1º. Trimestre de 68

F08 – Uma das muitas ‘reuniões’ de copos, tendo como tema alguma comemoração. Aqui está a maioria dos condutores do meu batalhão e outros ligados à ferrugem, em mais uma confraternização de anos, por exemplo, vejo o Furriel Carvalho, o soldado condutor Bourbon, e tantos outros amigos.

Parece que havia uma embalagem de biscoitos, sortido 28, uma garrafa de brandi Macieira e outra não identificada. O interesse principal da malta, eram as revistas ‘cor-de-rosa’ com as fotos das meninas já quase descobertas, mas nem por isso! Foto captada na zona de GABU - Nova Lamego, no 4º. Trimestre de 67

F09 – Momentos de leitura na messe de oficiais, no Bar, com alguns camaradas. Estão da esquerda para a direita, o nosso ‘brigadeiro’, O mestre da sala, o Tenente Godinho da Secretaria, o alferes Teixeira, o aspirante Mesquita, e o alferes Carneiro, o bigode. Pela postura, parece que estamos todos a ver uma sessão de cinema na Televisão local! Foto captada em  Nova Lamego, no mês de Dezembro de 67

F11 – Refeitório das praças transformado em sala de aulas. Este local como se pode ver é uma parte do refeitório dos soldados e cabos, que após as refeições era transformado em sala de aulas. Ali se ensinava a nossa tropa, alguns mesmo analfabetos, tendo como professores outros militares mais alfabetizados. Tem o quadro de lousa atrás, e podem ler-se algumas palavras.

Da minha parte, aproveitei para almoçar ali mesmo, quando não me apetecia ou estava fora de horas para almoçar na minha messe. Como já disse a comida do Rancho Geral, era por vezes melhor que na messe de oficiais, sei por experiência própria. Foto captada na zona de GABU - Nova Lamego, no mês de Dezembro de 1967

F16 – Na cantina das praças, anexa ao refeitório, bebendo uma cerveja. Esta foto, que não me lembro bem onde foi feita, mas presumo que se trata da cantina das praças, que ficava anexa ao refeitório geral. Como não conheço as mesas e cadeiras, é a única foto que tenho desta zona, por isso posso confirmar, quase, com alguma certeza.

Vê-se uma construção ao fundo com bidões e um tubo, que julgo tratar-se de um condutor de água, para os bidões e dali para os serviços, WC, chuveiros ou até cozinhas, não se sabe. Foto captada na zona de GABU - Nova Lamego, no 4º. Trimestre de 67

Vila do  Conde, 2018-03-02

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17045: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (40): O jornalismo e a guerra colonial: contactos precisam-se de pessoas (civis ou militares) que tenham trabalhado na imprensa da Guiné portuguesa: O Arauto, Notícias da Guiné, A Voz da Guiné... (Sílvia Torres, ex-oficial da FAP, doutoranda)


Capa do livro "O jornalismo português e a guerra colonial" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2016). Organização de Sílvia Torres. Foto de capa do Facebook da autora (com a devida vénia...)


1. Mensagem da nossa leitora, ex-militar da FAP, e filha de antigo combatente da guerra colonial Slvia Torres:

Data: 6 de fevereiro de 2017 às 10:40
Assunto: Imprensa - Guiné Portuguesa

Caros senhores,

Para efeitos académicos (estou a fazer o Doutoramento em Ciências de Comunicação, na FCSH /UNL), necessito de entrevistar pessoas que tenham trabalhado na imprensa da Guiné Portuguesa - O Arauto, Notícias da Guiné e/ou Voz da Guiné - durante a Guerra do Ultramar.

Será que me podem ceder alguns contactos?

Até agora, só consegui falar com Agostinho Azevedo e ]

Desde já, muito obrigada pela vossa atenção.

Cumprimentos.
Sílvia Torres


2. Sílvia [Manuela Marques] Torres > CV abreviado:

(i)  nasceu em Mogofores, Anadia, em 1982, filha de um antigo combatente da guerra colonial;

(ii) licenciada em Jornalismo e Comunicação pela Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Portalegre;

(iii) mestre em Jornalismo pela Faculdade de Ciências  Sociais e Humanas da Universidade
NOVA de Lisboa (FCSH / UNL);

(iv) jornalista, entre 2005 e 2007, do "Diário de Coimbra"; tendo colaborado também no "Jornal da Bairrada" (o mesmo onde escreveu o nosso camarada., anigo e escritor, Armor Pires Mota, em meados dos anos 60);

(v) oficial da Força Aérea Portuguesa (FAP), em regime do contrato, de  outubro de 2007 a abril de 2014, 

(vi) enquanto militar, foi locutora da Rádio Lajes e exerceu também funções  na área da Comunicação no Departamento de Informação e Marketing, no Centro de Recrutamento da Força Aérea.

(vii) entre Agosto de 2012 e agosto de 2013,  cumpriu uma missão de Cooperação Técnico-Militar em Timor-Leste:  deu formação em Língua portuguesa  a militares das FALINTIL, Forças de Defesa de Timor-Leste, e  a funcionários civis  da Secretaria de Estado da Defesa da República  Democrática de Timor-Leste;

(viii) autora de “O jornalismo português e a guerra colonial” (2016)


(ix) atualmente é aluna de  Doutoramento em Ciências da Comunicação na FCSH / UNL.


3. Comentário do editor:

Sílvia, obrigado pelo seu contacto... Vamos tentar ajudá-la, com a generosidade e a solidariedade que são o timbre da nossa Tabanca Grande. Para mais, tratando-se da filha de um camarada nosso, combatente da guerra colonial... Costumamos dizer: Os filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são...

Para já temos, na nossa comunidade virtual, a Tabanca Grande, um camarada que trabalhou, em Bissau, no pós 25 de abril, no jornal "Voz da Guiné"... Sob a direção do capitão Duran Clemente, do MFA da Guiné, esteve integrado na equipa que fez a transferência do jornal para as novas autoridades guineenses... e tem alguns exemplares das últimas edições (**)

Trata-se do Benvindo Gonçalves, ex-fur mil trms.. Mandámos-lhe, por mail, os seus contactos.

Temos  algumas referências, dispersas, sobre a imprensa da Guiné do nosso tempo, em especial sobre o "O Arauto" (que se pubicou, como diário, de 1950 até 1968) e sobre  a  "Voz da Guiné" (1972-1974): ambos foram que era dirigido pelo padre franciscano José Maria da Cruz Amaral (1910-1993).

O que poucos sabem (ou sabiam...) é que este padre franciscano, que passou quase 4 décadas em África (em Moçambique e depois na Guiné), foi também o diretor de "O Arauto", até 1968, altura em que terá sido  "extinto" pelo general Arnaldo Schulz, "em represália contra a linha editorial do Arauto, que procurou denunciar a anarquia militar e civil do seu governo da província" (, facto que precisa de ser comprovado por fontes independentes; na realidade, "O Arauto" foi sempre um jornal alinhado política e ideologicamente com as autoridades do Estado Novo).

Spínola, por sua vez, convidou-o, em 1972,  para director do novo jornal "Voz da Guiné" (, não confundir com "A Voz da Guiné", com vida efémera em 1922),  transformado entretanto em jornal oficial (ou oficioso) da província...
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16807: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (39): pedido de ajuda para tese de doutoramento em Antropologia, pelo ISCTE-IUL, sob o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial (Vasco Gil Calado)

(**) Vd. poste de 1 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6514: (Ex)citações (78): Como fui colocado no jornal Voz da Guiné (Benvindo Gonçalves, ex-Fur Mil Trms, CART 6250, Mampatá, 1974)

(...) Em 1974, fui mobilizado em rendição individual, como Furriel de Transmissões, para a Cart 6250, sita em Mampatá, e, hoje, envio-vos alguns dados sobre essa minha breve passagem, por esta Companhia e pelas terras da Guiné.

Com o advento da Revolução de Abril ou dos Cravos, a negociação de Paz e o fim da guerra com as Colónias, começou a desmobilização e o regresso a casa, sendo a Companhia onde estava integrado uma das primeiras a regressar, não me incluindo nesse lote, pois devido à minha situação seria deslocado para outro lado, substituindo colegas mais velhos em permanência.

A Cart 6250 saiu de Mampatá por via marítima, pois, além do pequeno aeródromo de terra batida existente em Aldeia Formosa, esta era a alternativa que nos restava, já que não havia estradas que nos ligassem a Bissau. Essa saída deu-se recorrendo a uma LDG (Lancha de Desembarque Grande), demorando bastante tempo, pois a navegação tinha que ser feita tendo em atenção as marés, pelo que passámos uma noite no caminho dormindo ao luar aguardando a subida da maré para podermos prosseguir a viagem.

Quando chegámos a Bissau, rumámos para o Ilondé, de onde a CART 6250 regressou à Metrópole, tendo-me eu apresentado no Quartel Geral de Adidos para nova colocação.

Não satisfeito com a situação, e com a ajuda e intervenção de alguns amigos um pouco influentes, consegui contornar o problema e fui colocado no jornal “Voz da Guiné”, fazendo o meu tempo de tropa como se na vida civil se estivesse, pois não era obrigatório andar fardado. (...)

(...) Como revisor de redacção, ajudei a proceder à transferência de propriedade do jornal de Portugal para a Guiné, e ainda guardo, como prova de passagem por esse serviço, um exemplar de cada um dos últimos jornais impressos sobre a administração Portuguesa antes e depois da independência.

Igualmente guardo com muito carinho, um outro exemplar do jornal com o nome de “Libertação“, já impresso sobre o controlo do PAIGC, no pós Independência da Guiné-Bissau, aí sim, já mesmo o chamado “órgão informativo do PAIGC", reflectindo para a sociedade e a população em geral, os pensamentos, ideias, ideais e reflexões sobre a guerra da Independência nas ex-colónias e noutros países de pensamento e cariz político nitidamente na linha dita comunista. (...)

(...) Foi um processo pacífico de transferência de papelada, fotografias, máquinas e demais material ligado à impressão do jornal, incluindo as instalações e veículos, culminando assim de forma ordeira, sem contestações, nem provocações, a nossa presença naquele serviço.

Procurámos sempre manter-nos fiéis a uma linha de conduta e orientação programada e fiscalizada pelo seu director, pessoa afável, educada e de bom trato,  sempre pronto a ajudar e nada militarizado, mesmo anti-regime.

Acaso do destino, esse Director era um dos capitães de Abril, conhecido como capitão Duran Clemente, que veio a protagonizar mais tarde a voz da revolta na tomada da Televisão em Portugal quando do 25 de Novembro de 1974.

Com a sua ajuda, terminei a minha curta passagem por terras da Guiné, tendo regressado a Lisboa por via aérea na noite do famigerado 28 de Setembro de 1974. (...)