Legenda: "No dia em que fiz 22 anos tirei esta fotografia em Mindelo, encerrando (?) as minhas vinte e duas primaveras felizes. Luis Henriques. Em 19/8/943. S. Vicente, C. Verde
"Senti neste dia muitas saudades dos meus, dos amigos e também da minha terra. Luís".
© Luís Graça (2005)
O meu pai tem hoje 85 anos feitos. Nasceu, portanto, em 1920. Aos vinte e um anos partiu para Cabo Verde, no paquete Mouzinho, integrado no 1º Batalhão do Regimento de Infantaria nº 5 (Caldas da Raínha), para reforço do sistema de defesa do arquipélago (1).
Ao longo de 26 meses, foi mandando cartas e fotografias (estas, geralmente em formato pequeno), sempre com legendas no verso. As cartas infelizmente perderam-se. Mas das fotos ainda restam algumas dezenas. Têm algum interesse para documentar a vida dos militares, expedicionários em Cabo Verde, naquela época.
Ainda hoje ele me conta estórias e factos desse tempo. O que me impressiona é a sua memória: sabe de cor os nomes e os números de identificação de alguns dos seus melhores amigos e camaradas. Era, além disso, um jovem sensível à miséria com que então vivia a população local. Quando estava no hospital, "fraco dos pulmões", recebeu a visita da irmã do seu "impedido", o Joãozinho, de cinco anos:
- Bo cabo Luís, o bo impedido Joãozinho morreu!
O meu pai pegou no dinheiro que tinha, ali à mão, na enfermaria do hospital - "dezasseis escudos e oitenta centavos" - e deu-o á família do Joãozinho. Acho que foi um gesto bonito e solidário...
Naquela época, o pré de um 1º cabo deveria andar nos 130 escudos por mês. As mulheres cabo-verdianas, muitas vezes com os filhos às costas, trabalhavam no porto, descarregando milho: uma equipa de duas ganhava 2 tostões (um tostão para cada uma) por cada saco de milho descarregado dos barcos...
Além disso, o 1º cabo 188/41 gostava de ajudar os seus camaradas, escrevendo-lhe as cartas para a Metrópole. Ele terá escrito centenas ou até milhares de cartas. Só para um dos seus amigos, rancheiro, analfabeto, ele escrevia 22 cartas por semana. Mas tinha muitos mais clientes. Ele diz-me que no seu pelotão (na época 45 homens), "se calhar metade não sabia ler nem escrever"...
© Luís Graça (2005)
Legenda: "Junto às cozinhas. Pessoal rancheiro. Dia de vinho, dia de alegria. Depois de um jantar à portugesa. Lazareto. Abril 43. Luís Henriques [na foto, é o primeiro, do lado esquerdo]. 3/5/43" .
As dificuldades eram muitas para o pessoal expedicionário. A alimentação era má e pouco ou nada variada: "Massa com feijão ao almoço; feijão com massa ao jantar". A morbimortalidae elevada (tuberculose, febres intestinais, doenças venéreas...), fazendo jus à frase que ele memorizou e que estava na parede do fotógrafo no Mindelo: "Ouro, seda, vaidade, podridão / No cemitério, igualdade / Mas debaixo do chão"...
© Luís Graça (2005)
Legenda: "Tubarão das águas de S. Vicente, apanhado em Junho de 1942. Luis Henriques".
A tropa, em S. Vicente, não teria muito que fazer, paa além de uns exercícios de manutenção de homens e material. Uma das actividades favorias dos militares portugueses era a praia e o mergulho. O meu pai, nascido à beira-mar, filho, neto e bisneto de gente ligada ao mar, adorava nadar e fazer mergulho, mas tinha medo dos tubarões... Há várias fotos de tubarões apanhados ao largo da ilha. Todavia, os ataques a seres humanos não seria muito frequente, embora ele ainda hoje me conte estórias de tubarões que arrancaram pernas e deixaram marcas de dentes no corpo de alguns incautos...
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(1) vd. posts anteriores
12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Os mortos e os esquecidos do Império: Cabo Verde (1941/43)
26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Antologia (11): Cabo Verde (1941/1943)
Naquela época, o pré de um 1º cabo deveria andar nos 130 escudos por mês. As mulheres cabo-verdianas, muitas vezes com os filhos às costas, trabalhavam no porto, descarregando milho: uma equipa de duas ganhava 2 tostões (um tostão para cada uma) por cada saco de milho descarregado dos barcos...
Além disso, o 1º cabo 188/41 gostava de ajudar os seus camaradas, escrevendo-lhe as cartas para a Metrópole. Ele terá escrito centenas ou até milhares de cartas. Só para um dos seus amigos, rancheiro, analfabeto, ele escrevia 22 cartas por semana. Mas tinha muitos mais clientes. Ele diz-me que no seu pelotão (na época 45 homens), "se calhar metade não sabia ler nem escrever"...
© Luís Graça (2005)
Legenda: "Junto às cozinhas. Pessoal rancheiro. Dia de vinho, dia de alegria. Depois de um jantar à portugesa. Lazareto. Abril 43. Luís Henriques [na foto, é o primeiro, do lado esquerdo]. 3/5/43" .
As dificuldades eram muitas para o pessoal expedicionário. A alimentação era má e pouco ou nada variada: "Massa com feijão ao almoço; feijão com massa ao jantar". A morbimortalidae elevada (tuberculose, febres intestinais, doenças venéreas...), fazendo jus à frase que ele memorizou e que estava na parede do fotógrafo no Mindelo: "Ouro, seda, vaidade, podridão / No cemitério, igualdade / Mas debaixo do chão"...
© Luís Graça (2005)
Legenda: "Tubarão das águas de S. Vicente, apanhado em Junho de 1942. Luis Henriques".
A tropa, em S. Vicente, não teria muito que fazer, paa além de uns exercícios de manutenção de homens e material. Uma das actividades favorias dos militares portugueses era a praia e o mergulho. O meu pai, nascido à beira-mar, filho, neto e bisneto de gente ligada ao mar, adorava nadar e fazer mergulho, mas tinha medo dos tubarões... Há várias fotos de tubarões apanhados ao largo da ilha. Todavia, os ataques a seres humanos não seria muito frequente, embora ele ainda hoje me conte estórias de tubarões que arrancaram pernas e deixaram marcas de dentes no corpo de alguns incautos...
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12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Os mortos e os esquecidos do Império: Cabo Verde (1941/43)
26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Antologia (11): Cabo Verde (1941/1943)