1. O João Tunes acaba de publicar, no seu blogue, um post com o título "Guerra limpa, guerra suja", em relação ao qual pede o feedback da nossa tertúlia. Com a devida vénia, passo a transcrever aqui o seu conteúdo, aguardando que este suscite os comentários dos nossos tertulianos. O assunto é delicado mas não podemos ignorá-lo ou escamoteá-lo. Um dia teríamos que falar disto, mesmo que fosse incómodo ou doloroso... L.G.
2. A mensagem, enviada por ele por email, reza assim:
Camarigos,
Gostava, se vos aprouver, de ter os vossos feed-back a este post (...):
Agradecimento antecipado aos que tiverem paciência para lerem e consideração para responderem. Obviamente que exprimo os meus pessoalíssimos pontos de vista, sujeitando-me a qualquer contraditório ou diferença de ponto de vista. Vá de retro a unanimidade!
Abraços.
João Tunes
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Há dias, conversando por telefone com um amigo e antigo combatente na Guiné, a questão colocou-se (ou seja, a grande questão de fundo quando se fala da participação portuguesa nas guerras coloniais) – teríamos sido ou não suficientemente decentes na forma como nos comportámos na guerra?
Isto é, além do cumprimento de missões militares, onde a regra mínima só podia ser (para qualquer dos campos) o melhor para as NT e o pior para o IN, se era norma a prática de excessos e de desumanidades que ultrapassassem os resultados militares e se havia ou não respeito para com os guerrilheiros aprisionados.
O meu amigo garantiu que, na Guiné e pelo menos após a chegada de Spínola, o comportamento generalizado era o de um comportamento ético-militar exemplar, ou seja, fora dos combates, os guerrilheiros não só não eram maltratados, muito menos torturados, como seriam respeitados. Invocava ainda que isso não se devia a um acaso mas obedecia a regras impostas pelos altos comandos e integrando-se na filosofia da “psico” em que se procurava dignificar a condição militar perante as populações. Desta consideração, ele extraía que, fazendo o que tínhamos de fazer (combater), não tínhamos que nos envergonhar da nossa passagem pela Guiné.Na minha experiência, também na Guiné, não assisti a nada que desmentisse este meu amigo.
Era, de facto, assim e como ele diz. [Mas... (há sempre um “mas”)] Os militares a partir de determinada altura (os inícios das guerras foram mais selváticos de parte a parte), entendendo melhor os princípios da importância da ligação e conquista das populações, nas acções de contra-guerrilha, reprimiam as tendências para os excessos (embora, como todas as regras, tenham havido as suas excepções). Só que a mudança do comportamento militar (mais consentâneo com a ética da guerra) assentava num pressuposto de organização das tarefas – o “trabalho sujo” era feito pela PIDE (cuja crueldade nas colónias era imensamente superior à utilizada na metrópole).
Ou seja, as partes “suja” e “limpa” foi distribuído entre polícia e forças armadas, os prisioneiros capturados pela tropa eram submetidos a um primeiro interrogatório (que decorria de uma forma mais ou menos “limpa”) e depois entregues à PIDE que os submetia à tortura, ao assassínio, ao desaparecimento, ao envio para o Tarrafal ou ao aliciamento. Decentemente tratados pelos militares, os prisioneiros da guerrilha, quando entregues à PIDE, desapareciam do quadro das noções de humanidade.
Um livro da historiadora Dalila Cabrita Mateus (*) demonstra como as coisas, combinadamente, se passavam na ligação PIDE-Forças Armadas nos teatros das guerras coloniais.Ora, os militares combatentes sabiam deste jogo combinado entre “trabalho limpo” e “trabalho sujo”. Portanto, havia uma base de profunda hipocrisia consciente e representada, que não permite aos “limpos militares” dizerem, com inteira verdade, da sua estadia lá – eu, e os outros, vimos de “mãos limpas”, cumprimos as regras da ética da guerra, não fomos desumanos para com aqueles que combatemos. Porque os crimes da PIDE (quase ainda totalmente desconhecidos quanto á sua extensão, desumanidade e número e identidade das vítimas) não foram um fenómeno exógeno à gerra colonial. As atrocidades pidescas foram parte fundamental na estratégia da guerra. E era a mesma guerra - a dos pides e a dos militares. Complementares. A lama de uns sujou os camuflados dos outros, porque a lama fez parte da presença portuguesa e da guerra que os portugueses travaram contra guinéos, angolanos e moçambicanos.
(*) – “A PIDE/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974”, Dalila Cabrita Mateus, Ed. Terramar.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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