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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24819: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (17): O Barroso que não era(é) só a 'carne barrosã' DOP: o comunitarismo agropastoril, segundo o Padre Fontes (1977) - II (e última) Parte: tudo era de todos quando a necessidade oprimia


Foto nº 4 > Barroso, Montalegre, Pitões > Fiadeiro (dia de boda) (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 2)


Foto nº 5 > Barroso, Montalegre, Mourela > Vezeira de vacas  (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 16)


Foto nº 6  > Barroso, s/l > Soqueiros ( (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 35)


Foto nº 5 :  Barroso, Montalegre, Cambezes >  Caniço de milho  (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 29)


1. António Lourenço Fontes é
 padre e etnógrafo. É uma figura mediática, o Padre Fontes. Conheci-o no verão de 1980, em Vilar de Perdizes, Montalegre, onde reside, quando fui a Pitões das Júnias  passar uns dias de férias, 

Foi nessa altura que li a sua obra em dois volumes, Etnografia transmonta,volume: Crenças e tradições do Barroso, 1974; 2º volume: O comunitarismo de Barroso, 1977.


Capa do livro "Padre Fontes,
o romance de uma vida".

Âncora Editora,2ª ed., 2001,
216 pp.
 Autor: Eugénio Mendes Pinto
(com a devida vénia...)
Deste segundo volume tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos onde se descreve, resumidamente, traços do comunitarismo agropastoril de montanha (à semelhança de outras aldeias, como Vailarinho das Furnas, Terras do Bouro, submersa pela barragem do mesmo nome, em 1971;  ou Rio de Onor, Bragança), traços esses que chegaram aos anos 70, no Barroso , e que hoje inevitavelmente desapareceram, ou tendem a desaparecer ou a transformar-se com as profundas mudanças económicas, sociais, demográficas, tecnológicas e culturais ocorridas desde então.

O Lourenço Fontes, ele próprio um Barrosão de alma e coração, começou a fazer recolhas etnográficas, desde os primeiros tempos de seminário, nos anos 50, sendo a sua própria mãe  a primeira (e privilegiada) fonte de informação e conhecimento.

Barroso (ou Terras de Barroso) em sentido restrito  é a região tradicionalmente formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas. Os dois concelhos  têm vindo a perder população desde 1960 (vejam-se os números, em milhares): 

  • Boticas: 14,5 (1960); 10,9 (1970); 5,0 (2021)
  • Montalegre: 32,7 (1960); 22,9 (1970); 9,3 (2021)

Estes dois concelhos mandaram muitas centenas de jovens 
para a guerra de África.  Ficaram lá 41 (*).

Em homenagem a este homem, o Padre Fontes, e naturalmente aos demais homens e mulheres do Barroso, mal conhecido (e talvez até mal amado) damos a conhecer alguns dos seus escritos, que também falam de "coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços" (*).


Excertos > Coletivismo agropastoril: Manifestações atuais e antigas do comunitarismo em Barroso - II (e última) Parte (pp. 57-61)

Referència: FONTES, António Lourenço - Etnografia transmontana: II - O 
comunitarismo do Barroso. Montalegre, ed. do autor, 1977, il., 299 pp, + 48 inum, (Tipografia Minerva Transmontana, Vila Real).

O regedor e Junta de Freguesia são hoje as autoridades que superintendem e dão ordens ao povo. É digno de se ver e ouvir o povo junto,  aos domingos e dias antes, fora da igreja e ouvir as ordens do regedor ou juntas de freguesia. Nessas ordens:

  • mandam compor caminhos,
  • consertar pontilhões,
  • reparar moinhos, fornos.
  • combinam a venda ou merca de outro boi do povo, resolvem a chega do boi com o de outra aldeia,
  • marcam o dia de segar o feno do boi,
  • ou outros trabalhos comuns,
  • mandam abrir as regras da regra,
  • avisam e dão ordens de interesse público,
  • marca reuniões extraordinárias para fins utilitários.

E também os populares têm vez de dizer as suas opiniões e razões ou queixas de qualquer roubo, coisa partida, ou falta de comparência de algum favorito, nos juramentos ou coutos.

As fontes e lavadouros são para todos. Há pouco, quase  ninguém  tinha água ao domicílio. Todos, especialmente as moças novas,  à noitinha,  hora poética, iam com os canecos de lata, barro ou madeira.  à fonte. Ali vinham os seus namorados conversar, ajudar alevantar o cântaro.  Algumas,  ao acabar de encher, vazavam-no para terem mais tempo de namorar. As mais velhas até das paredes da fonte fazem urinol, ementes ninguém vem.  

Nos lavadores de água corrente e limpa:

As Mulheres quando se juntam, 

Só falam da vida alheia, 

Começam na lua nova,

 Acabam na lua cheia  (grávidas).


A Câmara fez tanques novos, mas o povo em muitos casos prefere o lavadouro antigo, mais escondido e próprio para lavar e esconder a roupa suja ou rota, e para mexericar ou cusculhar à vontade.

Nas ardenas, ou seja, quando arde a casa do vizinho, todos ajudam com caldeiras e panelas a apagar o lume. E na reconstrução, todos se cotizam.

Se prejuízo é grande, assim é a proporção da ajuda. Arde uma casa. Todos entramna sua reconstrução. conforme as posses e generosidade. Ins dão as traves, outros as ripas,  a palha, outros cplmam, outros dão o vinho, etc.

Nas festas familiares ou no luto, todos são solidários. Dia de boda, todos vão a boda. Compram os homens a vitela, as mulheres os doces (Cambezes,  Padroso).

No enterro,  igualmente,  novos e velhos vão velar o morto no dia da morte,  durante a noite, em que se come e bebe. Uns vão chamar os padres,  outros,  pelos montes,  antes de haver telefone, vão dar parte ao cangalheiro, outros vão abrir a cova.  e as mulheres vão cozinhar para o forno, cozer o carolo, ou em casa,  cozinhar para os padres e gente de fora da terra. Diz o povo:  na morte e na boda verás quem te honra.

Se falta de um animal, cabra da vezeira, vaca, burro ou até pessoa da família, todo o povo vai pelos montes ajudar a procurar o perdido, enquanto um vai rezar  o responso a  Santo António para que depare as coisas perdidas e não as deixe correr perigo. Ao aparecer tocam o sino, para avisar os que andam no monte.

Quando um filho vai à inspecção e fica apurado toda a aldeia é convidada a sentir a alegria na borga, que, rua abaixo, rua acima, os apurados fazem. E na véspera de ir assentar praça, todos os vizinhos, familiares e amigos vão despedir-se dele e  dão-lhe coisas ou dinheiro.

Se emigra, na despedida fazem igual, solidarizando-se na alegria e na saudade.

Alguém está doente. Antes todo o povo  acompanhava quando quando ia o Senhor fora. Fazem o trabalho do doente se ele não pode.

Nos serões,ou se vai para o forno,  que está a cozer, ou está ainda quente,  ou para casa dos amigos ou familiares. O petról é pago por todos â vez.

relógios de pedra públicos. Em Pincães (Cabril) há a pedra de água. (…)

canelhos ou recintos públicos ao ar livre, que servem de retrete a  mais de uma família.(Comua).

pedras de amolar e afiar instrumentos de corte, gadanhos, fouces, machadas, facas, onde toda a gente amola. Seja na pedra do tanque. do adro (Solveira). do pé do Cruzeiro (Gralhas).

maçadouros públicos onde todos podem maçar o linho (Tourém).

Em Vilar de Perdizes, há lagares e alambique  onde alguns podem pisar o seu vinho e cozer o bagaço.  

Em Fafião e Pincães há lagares do azeite para todos, assim como alambiques.

Enfim, tudo é de todos, quando a necessidade oprime. Se o vizinho tem uma vaca e precisa de outra, pede uma vaca, ou uma junta se precisa de um carro.  de qualquer utensílio, o vizinho que tem, empresta.

Quando apareceram os escaravelhos da batateira, agrupavam-se  vizinhos para comprar e utilizar em comum o pulverizador. Para limpar o grão, compravam  em conjunto a limpaderia.

Quando o  forno não cozer e  a vizinha precisa do pão, vai pedir emprestado â que cozeu há pouco e depois passa a torná-lo, quando cozer,.

 Se precisa de lume para acender de manhã, porque a cinza do rescaldo se apagou à míngua de lenha, vai-se pedir uma brasa ou.  numa lanterna,  o lume, a casa da vizinha que fumega.

Quando pare a vizinha,  todas a amigas,  especialmente as que foram à boda, vão nos primeiros 8 dias visitar a parturiente e  levar a  cesta. A cesta é a prenda que se dá: açúcar, arroz. massa, trigo, ovos, etc.

O soqueiro, o alfaiate.  o carpinteiro, o  colmador não eram pagos. tornavam lhe os dias em trabalhos agrícolas. 

O cabeleireiro é pago em alqueires de pão por família. 

Até ao médico (boticairo)  se era pago em alqueires ó ano.

Quando a folha está ceibe, isto é, quando se carrou o centeio das terras, as vacas e outro gado podem pastar livremente nas terras, sejam de quem forem. A vezeira alaga paredes,  come espigas que ficaram, e ninguém pode dizer olé. pois é um direito comum. 

Embora a propriedade seja particular, nesta ocasião, cede ao bem de todos. Também é certo que as messes não pode de pé,  a rés das vezeiras não pode pastar nessa folha, até que   as carradas estejam feitas. Esta ordem de pastar, por vezes, é dada no adro da Igreja pelo regedor.

caminhos e passagem comuns

 águas de régua para lameiros de vários herdeiros, onde cada qual rega dias fixos, ou as horas marcadas Há poços e poças de vários vizinhos ou de  toda a povoação. Umas são para rega, outros é proibido abrir-lhe a água com regar. São reservadas, em todo o Verão,  para  acudir a possíveis incêndios.

Enfim, era um rosário de aplicações do sistema comunal. se fossemos a desafiar todos os casos e momentos da vida do Barrosão. 

Não serei eu o mais indicado para fazer uma observação e análise crítica  e rigorosa do comunitarismo na minha terra. Vivo-o, estou impregnado dele,  como quase todo o Barrosão,  que ainda se não deixou dominar pelo individualismo de origem capitalista.

Por isso, é para mim anormal que,  em Barroso,  se não viva e pratique este modo de vida, enquanto que um estranho à terra nota estas divergências,  de povo para povo. 

Apesar disso, procurei abstrair de mim mesmo e da minha terra,  fazendo-me estranho,  para poder chegar e descrever a nossa originalidade de vida, ao nosso sistema de produção e de consumo.

In: Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre(pp. 57/61)

© António Lourenço Fontes (1977).

[Seleção / fixação e revisão de texto / itálicos e negritos, para efeitos de publicação deste poste; LG. (Com a devida vénia ao autor... )]
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quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24817: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (16): O Barroso que não era(é) só a 'carne barrosã' DOP: o comunitarismo agropastoril, segundo o Padre Fontes (1977) - Parte I: do boi do povo à paulada nas chegas e nas feiras

 

Foto nº 1 > Barroso, Montalegre, Covelo do Gerès >  Carreto da lenha (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 32)

 
Foto nº 2 > Chaves, Soutelinho da Raia > Segada (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 24)


Foto nº 3 > Barroso, Montalegre, Paredes do Rio   Antiga esc0ola, com cobertura de colmo (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 4)

1. O Padre Fontes é uma figura popular na sua região (Barroso, Trás-Os-Montes, concelhos de Montalegre e Boticas). Tornou-se melhor conhecido, e desta vez a nível nacional, quando em 1983 organizou o primeiro Congresso de Medicina Popular para escândalo de alguns, a começar pelo seu bispo,  de Vila Real, que náo gostou da "heresia" de misturar o sagrado e o profano, Deus e o Diabo. 

É padre e etnógrafo. Conheci-o no verão de 1980, na sua casa em Vilar de Perdizes, Montalegre. Fui passar férias em família, mais um grupo de amigos, em Pitões das Júnias, Montalegre (a aldeia mais alta de Portugal, na serra do Gerês, a par da Gralheira, Cinfáes, na serra de Montemuro, ambas a cerca de 1110 metros acima do nível do mar), e onde a maior parte (ou boa parte)  das casas ainda eram de colmo; teria na altura c. de 238 habitantes, hoje menos de 151, contando na emigração, desde o Rio de Janeiro a Paris, pelo menos o triplo da população de 1980).  

E devorei dois dos seus livros, Etnografia transmonta, 1º volume: Crenças e tradições do Barroso, 1974; 2º volume: O comunitarismo de Barroso, 1977.(*).

Deste segundo volume  tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos onde se descreve, resumidamente,  traços do comunitarismo agropastoril de montanha (Rio de Onor e  Vilarinho das Furnas eram até aos anos 50 os exemplos mais típicos e estudados), traços esses que chegaram aos anos 70, no Barroso , e que hoje inevitavelmente desapareceram, ou tendem a desaparecer ou a transformar.se com as profundas mudanças económicas, sociais, demográficas, tecnológicas e culturais ocorridas desde então. 

O Lourenço Fontes, ele próprio um Barrosão de alma e coração,  começou a fazer recolhas etnográficas, desde os primeiros tempos de seminário, nos anos 50, sendo a sua própria mãe  uma primeira (e privilegiadfa) fonte de informação e conhecimento.

Barroso (ou Terras de Barroso) em sentido restrito é a região tradicionalmente formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas.

Em homenagem a este homem, e naturalmente aos demais homens e mulheres do Barroso [ região de Trás-os-Montes que todos nós conhecemos mal, ficando pela "carne barrosá" DOP, o "vinho dos mortos" (Boticas) ou o "presunto de Chaves" e pouco mais... ] , damos a conhecer alguns dos seus  escritos, que também falam de "coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços" (*). 

Além disso enriquecem o nosso vocabulário, havendo aqui termos e expressóes que não são  familiares à maior parte dos nossos leitores, nomeadamente citadinos, e alguns dos quais nem sequer ainda vèm dicionarizados:

  • quentar o forno
  • ferrenhas
  • boi do povo
  • chegas
  • pastoria
  • limpaderia
  • tocar gado
  • manteça 
  • carreto da lenha
  • segar
  • mangação
  • colmar / colmador
  • soqueiro 
  • cabaneiro
  • boticairo
  • ceibe
  • pontilhão
  • merca
  • couto
  • ementes o vizinho vai botar um copo / ementes ninguém vem
  • à roda do povo
  • ó ano
  • banços do andor
  • pau de lodo
  • fojo do lobo
  • ardenhas
  • estadulhada, etc.

Excertos > Coletivismo agropastoril:  Manifestações atuais e antigas do omunitarismo em Barroso - Parte I (pp. 55-57)

Referência: FONTES, António Lourenço - Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre, ed. do autor, 1977, il., 299 pp, + 48 inum,  (Tipografia Minerva Transmontana, Vila Real).

(..:) Toda a vida do barrosão está imbuída de sentido comunitário,  familiar.

Todos os trabalhos pesados ou leves são motivos de entreajuda e colaboração:

  • a segada do centeio, do feno, 
  • a recolha dos mesmos, 
  • o arranque ou plantação da batata, 
  • a malhada, 
  • a desfolhada do milho, onde ele predomina, 
  • o carreto da lenha, 
  • a cavada do centeio, 
  • o arranjo dos caminhos, 
  • a abertura dos regos ou presas de rega,
  • os próprios moinhos comunitários, 
  • o forno e a sua obrigatoriedade de quentar
  • a  utilização dos baldios, seja para pasto, carvão, lenha,  roçar mato ou fazer a cavada

são manifestações evidentes e  r
eminisiscências de uma unidade familiar de cada aldeamento.

O boi do povo, um dos maiores  proprietários da aldeia, é  de todos os que têm vacas. Todos colaboram na sua manutenção e pastoria. Todos têm de lhe ir:

  • segar e recolher o feno, 
  • semear as batatas do boi, 
  • recolhê-las, 
  • pedir pão ou milho ou mesmo roubá-lo, quando os mais velhos os não querem dar às boas. 


Em Cambezes, quando é o tempo das ferrenhas tenras,  o boi anda à roda pelos vizinhos, cada um tem de dar ferrenha ao boi ou bois,  tantos dias como de vacas têm para cobrir. Todos pagam ao pastor do boi, conforme o número de vacas.  

Em Pitões pagam em alqueires de centeio  ao que guarda o rego da rega, no tempo da respetiva. O tratador é gratuito, trata do  boi para vender ou chegar com outro.

Nas chegas,  o desporto usual das aldeias do Barroso, todos vão acompanhar o seu boi, de pau na mão,  e rogar aos santos da igreja que ele seja campeão.

Se não for campeão,  ou o vendem,  ou o tratam para vir a sê-lo. Por isso, nem sempre o ser bom reprodutor é o motivo de conservar um boi, mas o ser o melhor lutador. Está aqui uma das razões da degenerescência da raça Barrosã, além de outras.

Nas festas religiosas, mistas de superstição e de cristianismo,  também o sentido de responsabilidade se reparte por todos à roda. Cada comissão nomeia, para o ano seguinte, a comissão respetiva. Um juiz e os mordomos necessários para angariar fundos pedindo pelas aldeias, de saco e alforge, esmola para o santinho. Há devotos que fazem, então promessa de ir pelas aldeias, fazer uma penitência. 

No dia da festa, todos têm de colaborar na manteça dos músicos,  do armador, do fogueteiro, dos padres,  gratuitamente e as horas que fizerem falta.

Nas procissões, os rapazes novos têm até brio de serem eles a pagar, para pegarem nos banços dos andores. Arrematam o banço do andor e todo o percurso, arrotam com o peso de enormes andaimes, em que vai o santo ou santos enfeitados com sedas, balões, fitas, luzideiras estrelas, anjos de papel, dinheiro, etc.

Nas feiras e festas a rapaziada junta-se em determinado local, mais ou menos central, ou a saída do povo, cada qual com o seu pau de lodo, antes, hoje com a sua pistola no bolso. [ A GNR acabou com os paus, diz o autor em nota de rodapé, pág. 56] 

Se tocam gado para a feira, cria, vaca, porco ou burro, esperam uns pelos outros, ou tocam uns o gado dos familiares e vizinhos. Para as crias irem melhor, há um que toca as vacas,  para apoio das crias ou  vitelos de todos. 

Na feira, guardam o gado, ementes o  vizinho vai botar um copo,  à tenda e,  se calhar, até lha vende, pois já sabe quanto vale e quanto tem de pedir aos mercadores,  que passam, fazendo mangação dos possíveis exorbitâncias do lavrador acanhado,  envergonhado no pedir.

Nos barulhos ou contendas,  entre  pessoas da aldeia diferentes,  também a coesão e unidade se manifesta. Um por todos e todos por um,  gritam logo. E toca de desgalhar paulada ou estadulhada nos inimigos do nosso vizinho. 

Há aldeias que não se ligam bem, apesar de serem da mesma freguesia ou muito próximas, que não se gramam por uma pequena questão particular. O Jogo do Pau era espectáculos nestas marés. (Salto).

Até no estrangeiro, o emigrante barrosão  vive e pratica o mesmo modo de vida comunitária. Mal tem trabalho, logo chamam a família e amigos que podem para ali fazer uma segunda aldeia familiar comunal. 

Que o digam todos as comunidades de  Barrosões em várias cidades do mundo. Ludlow, Milford, New Bedford, Mass e  Bridgeport Conn, New Jersey, N.W, nos Estados Unidos da América do Norte. Em Montreal, Ontário,  no Canadá. Em São Paulo, Rio,  no Brasil. Em Paris, Londres, S. Sebastião, Orense, África, Angola ou Moçambique, eram notadas as comunidades de Transmontanos, especialmente os Barrosões, pelo seu sentido de união e colaboração como sendo de uma família só. 

Na manutenção do padre e da conservação de monumentos de interesse público, todos contribuem, por derrama com a sua quota parte,  ou com dias de trabalho. ao padre Todos pagam em alqueires de pão ou milho, vinho, segundo tabela antiga,  e segunda as posses das famílias. 

Ao padre dão além disso,  a lenha para todo o ano, na matança, dão-lhe o melhor do porco, a assadura,  a rodela do pescoço e a língua,  para que fale bem na igreja; vão.lhe fazer os trabalhos agrícolas,  dão-lhe feno para o cavalo etc. 

Os altares das capelas têm zeladoras,  à roda do povo ou por promessa. As capelas são conservadas por comissões,  nomeadas autonomamente,  pelos vizinhos.

In: Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre(pp. 55/57)


© António Lourenço Fontes (1977).


(Continua)


[ Seleção / fixação e revisão de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste; LG. (Com a devida vénia ao autor... ]

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Notas doo editor;

(*) Ver aqui um resumo biobliográfico;:

António Lourenço Fontes, mais conhecido por Padre Fontes, nasceu em Cambezes do Rio, Montalegre, Barroso, em 1940. É um padre católico português "com ampla ação cívica, social, cultural e literária", diz a Wipédia.

É o principal impulsionador do Congresso de Medicina Popular, em Vilar de Perdizes, Montalegre, e das "Sextas-Feiras 13", em Montalegre.  O Congresso de Medicina Popular realiza-se desde 1983 atrai curandeiros, bruxos, videntes,  cartomantes, etc,. além de psiquiatras, antropólogos e... turistas de todo o lado (Em 2023, foi a 37ª edição). Outro evento, que se realiza desde 2002, sob a organizaçáo da Câmara de Montalegre,  é a "Noites das Bruxas"  que decorrem em todas as "Sextas-feiras 13").
 
 Oriundo de um família pobre, de 12 irmãos (o pai esteve emigrado na Américva, em 1927), Lourenço Fontes fomou-se no seminário em Vila Real (1950-1962). Em 1980, concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Já desde o seminário era uma figura rebelde e contestatária ("com um terço na mão e o diabo no coração", escreveu ele no seu diário secreto da adolescència). Como jpvem padre, desterrado em Tourém e depois colocado em Vilar de Perdizes, lutou contra a situação política em vigor até ao 25 de Abril de 1974 bem como contra a guerra colonial. No Barroso morreram 41 jovens na guerra de ÁfriCA: 12 em Boticas 12 ( sendo 3 no TO da Guiné); e 29 em Montalegre (9 no TO da TO da Guiné).

Um dos mortos foi o Manuel Lourenço Fontes, que pode ser irmão ou parente do Padre Fontes: tem o mesmo apelido, é natural da mesma terra, Cambezes do Rio, Montalegre, era sold at inf, CCAÇ 2321 / BCAÇ 2837, morreu em combate em 5 de janeiro de 1969, na serra do Mapé, no TO de Moçambique, juntamente com mais 6 camaradas.

 O António Lourenço Fontes editou e colaborou em várias obras: Etnografia Transmontana (2 volumes), Usos e Costumes de Barroso, Milenário de S. Rosendo, Antropologia da Medicina Popular Barrosã, Chegas de bois, Raça Barrosã, Las fronteiras invisibles, Contos da raia, Crenzas e mitos da raia seca ourensana, Ponte da Mizarela, ponte do diabo, Roteiro dos castros de Montalegre, Roteiro dolménico de Montalegre.

Tem ampla colaboração em vários jornais e revistas regionais. Colaborador permanente da RTP, TVE, TVG. Participou em filmes da região: Terra de Abril, Terra Fria, 5 dias e 5 noites, Não cortes o cabelo que meu pai me penteou, Os demónios, documentários para a BBC, TV da Holanda e França, UNESCO, Odisseia...

Fez centenas de conferências por todo o país e no estrangeiro, em universidades, grupos culturais, escolas, autarquias, etc. Organizou diversos congressos, nacionais e internacionais. 

Fundou e dirigiu o mensário Notícias de Barroso (d1971 a 2006). Exerceu as funções de empregado, chefe de pessoal nos Serviços Médico Sociais de Vila Real (Montalegre), de 1973 até 1990. Exerceu as funções de secretário do gabinete da Presidência na Câmara Municipal de Montalegre desde 1990 a 2000 e reformou-se.

É considerado o maior etnógrafo de Trás-os-Montes depois do Abade de Baçal. O Ecomuseu de Barroso tem o seu nome. Em 2012, por iniciativa dos deputados eleitos pelo distrito de Vila Real foi solicitado ao Presidente da República Portuguesa que o Padre Fontes fosse distinguido com a Ordem do Mérito.

Apesar dos seus 83 anos e da doença de Parkinsom, ele continua a ser um trabalhador incansável e um Barrosáo apaixonado pela sua terra.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21192: In Memoriam (368): José Barreto Pires (1945-2020): "termina uma vida, nasce uma saudade", a de um homem bom, grande camarada e indefetível barrosão, que muito amou a sua aldeia, Gestosa, Couto Dornelas, Boticas... Era membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande.


José [Manuel] Barreto Pires (1945 - 2020): "termina uma vida. nasce uma saudade": é com estas singelas palavras, deixadas na sua página do Facebook, que a família, conterrâneos,  colegas, camaradas e amigos se despedem deste homem  bom, grande camarada e indefetível barrosão,  que, profssionalmente. foi economista e quadro superior do Bamco de Portugal (, com trabalho feito, na éra da cooperação, com alguns PALOP).

No TO da Guiné, foi alf mil, da CART 2412 (Bigene, Guidage e Barro - 1968/70)

Tinha casa no concelho de Torres Vedras. Morreu ontem de doença prolongada, do foro oncológico. (*)





José Barreto Pires, "Zé, o morgadinho de Gestosa" (, na expressão do José Ferreira da Silva), nasceu há 75 anos, em Gestosa, Couto Dornelas, Boticas... :Era casado com a professora primária Maria da Luz Pires. O casal não tinha filhos.  O poema "A minha terra", de José Barreto Pires, em coautoria com a sua sobrinha Clara Pires (, doutorada em gestão, professora do ensino superior), musicado por outro filho da terra, António Teixeira (, também ele da colheita de 1945 e antigo combatente da guerra do Ultramar, residente em Cabeceiras de Basto), pode ser aqui visualizado.

Vídeo 5' 43'' > You Tube / António Teixeira (com a devida vénia...)



1. Os "bandalhos" Jorge Teixeira e José Ferreira da Silva, e o nosso coeditor Carlos Vinhal, já ontem prestaram a devida homenagem a um dos bravos da Guiné que acaba de nos deixar (*). Era membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande (*) e pertencia igualmente ao grupo "O Bando [do Café Progresso]", de que é "secretário-geral" o Jotex [Jorge Teixeira].

Em jeito de derradeira homenagem. ficam aqui dois excertos de postes do José Barreto Pires, publicados em 2006 no nosso blogue:

(...) Amigos Tertulianos, é com grande satisfação que, doravante, me considero aderente à nossa Congregação e, em sequência, recebo e darei todas as informações possíveis e disponíveis.

Na sequência do almoço-confraternização [do pessoal da CART 2412] de sábado p.p. [20 de Maio de 2006], após ter vadiado algum tempo por terras transmontanas, viajei para Alenquer, onde resido, e a viagem foi agradável, porquanto a boa disposição, decorrente de algum descanso e boas recordações, dificilmente poderia ter outro desfecho.


Obrigado pelas demais informações, que confirmo na sua generalidade. De facto, de Binta para Guidage apenas conheci a picada mencionada. Julgo estar certo que se outra existiu e/ou existia, corresponderia aos designados corredores que os Nativos ( dos quais, alguns... ditos Turras...) utilizavam para o transporte das suas mercadorias, essencialmente no sentido

Norte-Sul.

Quanto à célebre península do Sambuiá, porque as pisei, sempre em circunstâncias especiais, porquanto tratava-se de terreno considerado deles (Nativos), não subsiste dúvida da existência das picadas referenciadas.


Mas, sobre esta problemática, gostaria de questionar: Como será hoje? Circular-se-à, embora com dificuldade, claro, entre as diversas localidades, através das referidas picadas? Como seria interessante ver e saber como se apresentam esses locais e os respectivos meios de circulação, nos dias que correm!!!


Estou certo, por razões óbvias, que o momento certo e adequado já expirou há muito tempo...De qualquer forma, eis-me totalmente disponível para, integrando um grupo fixe, dar umas voltas por essas bandas. (**)

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(...) Tertuliano desde de alguns meses a esta parte, tenho me remetido quase ao silêncio, não obstante de ter apreciado bastante os duelos estabelecidos e as notícias transmitidas.Entre os imensos temas trocados,impressionaram-me sobre maneira os de alguns dias atrás sobre Telegrama e Guidaje, não fosse eu um homem de Guidaje, ou melhor dito, que não tivesse andado efectivamente por essas bandas...

De facto, integrei a CART 2412, que comandei mais de 50% do tempo que permaneceu em terras de Guiné. Fomos alcunhados como Os sempre diferentes e de facto eramos, pelo que indo ao desafio do Telegrama, porque existem imensas coisas para contar, julgando-me, de certa forma, apresentado, passarei a colaborar, semanalmente, com um episódio dos imensos vividos nessa experiência que, de facto, não é minha...nem é tua...mas foi de todos nós...Segue para a semana... (***)


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À  viúva, à sobrinha e demais família, bem como aos amigos e camaradas, deixo aqui a minha solidariedade na dor pela perda do José Barreto Pires.

O editor Luís Graça


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Notas do editor: