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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27494: Aviões que serviram na guerra colonial na Guiné, e os do tempo da CCAÇ 816 (1965/67) (Rui Silva, ex-2.º Sarg Mil)

1. Trabalho enviado ao blogue pelo nosso camarada Rui Silva, ex-2.º Sarg Mil da CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato e Mansoa, 1965/67) que ele elaborou e publicou no facebook privado da CCAÇ 816.


AVIÕES QUE SERVIRAM NA GUERRA COLONIAL NA GUINÉ, E OS DO NOSSO TEMPO (1965-1967)

- Nota: algumas destas aeronaves estiveram na Guiné antes de nós ali chegarmos e outras estiveram posteriormente

Os 9 primeiros conhecemo-los bem e, pessoalmente, mais ainda a avioneta DORNIER DO 27, o avião DAKOTA DC-6 e os helicópteros ALOUETTE II e o ALOUETTE III, estes 2 últimos no transporte de feridos do mato para o Hospital Militar de Bissau, nomeadamente nas operações a Iracunda (23Jun/65 e 7Mai/66), Biambi (10Jul/65), na limpeza da estrada Olossato-Farim (1 Ago/65) e na célebre operação a Morés (20Fev/66) aqui mais no transporte de evacuados por insolação e do material capturado levado para o Olossato:

A última foto mostra o avião civil (não militar) o quadrimotor “Super. Constellation” da TAP, no aeroporto de Bissau, que nos trazia para férias na metrópole. A viagem demorava cerca de 8 horas de Bissau para Lisboa e era direta. O regresso fazia-se com escala na ilha do Sal em Cabo Verde.


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Bombardeiro bem nosso conhecido, muitas vezes atuaram em operações nossas com realce para a atuação na célebre emboscada na bolanha de Joboiá (estrada Olossato-Farim) naquele domingo em 1 de Agosto de 1965 onde os bombardeiros tiveram uma ação preponderante e decisiva, sem esquecer a nossa valentia.arvard.
O T-6 foi um dos mais famosos aviões monomotores de hélice, conhecido por nomes como Texan, Harvard, Yale, Wirraway, Mosquito, Boomerang e Tomcat, conforme o país que o usava.
Foi adoptado na Força Aérea de 55 países, desde avião de treino de pilotos a bombardeiro.
Criado em 1935 pela North American, começou a ser utilizado em força em 1940, sendo introduzido em Portugal em 1946.
O T-6,avião convertido em caça-bombardeiro ligeiro, equipado com metralhadoras, mísseis, bombas convencionais ou de napalm debaixo das asas ou a actuar como avião de reconhecimento.

Caraterísticas do avião:
Monomotor de propulsão a hélice
Envergadura de 12,81m
Potência: 600 CV
Veloc. máx.: 335 km/h
Voo até 7400 metros de altura
Veloc. de subida: 6,1 metros por segundo

Equipamento de combate do T6:
4 metralhadoras Browning 7,7 mm (duas em cada asa)
2 bombas de 50 kg
6 bombas de 15 kg
Contentores de napalm (alternativa)
1 mira de pontaria


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Caça-bombardeiro monomotor turbo-jato também bem nosso conhecido.
Com 8,56 metros de envergadura, atingia a velocidade máxima de 1090 km/h; tinha um raio de acção de 1850 km; com tecto de serviço de 13.260 m.
Era armado com quatro metralhadoras Browning 12,7 mm ou dois canhões DEFA de 30 mm para além de 3 câmaras fotográficas Vinten, 1 frontal e 2 laterais.
Em Março de 1966, foram embarcados oito FIAT G.91R/4 que iriam constituir a Esquadra 21 "Tigres" na Base Aérea n.º 12 em Bissalanca, ex-Guiné Portuguesa, a qual se tornou operacional em finais de Junho do mesmo ano.
Regressaram a Portugal em 1974, após mais de 14.000 horas de voo em missões de combate.
Na Guiné foram abatidos ou destruidos por acidente 7 Fiat, 6 abatidos pelo inimigo, 3 deles por mísseis Strela; 1 por acidente com bomba, tendo morrido 1 piloto num dos aviões abatidos.


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Esta avioneta foi utilizada na Guiné em missões de observação e sobretudo para transporte de mantimentos, evacuação de feridos, etc. dadas as suas capacidades de descolar e aterrar em espaços muito curtos.
No Olossato, aquando das primeiras vezes que lá fomos antes de nos instalarmos definitivamente, ainda deu para ver os destroços de um junto à messe dos Furrieis.
Aeronave monomotor de trem de aterragem convencional fixo com roda de cauda, monoplano de asas altas, totalmente revestido a tela.
Tripulação: 1 piloto.
Capacidade de carga: 2 passageiros.
160 CV de potência.
Envergadura 10,97 metros
Velocidade máxima 211 km/h
Tecto de serviço 3900 metros.
Esta avioneta viria a ser substituida pelos Dornier, ainda dentro do nosso tempo


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Muitos de nós andaram nesta avioneta e logo começou nos primeiros tempos com o transporte por evacuação de Bissorã para o Hospital Militar de Bissau, do “Maravilhas” acidentado com arma de fogo.
O DO 27 é um avião monomotor, asa alta, trem de aterragem convencional fixo, com a capacidade de transportar seis passageiros ou o equivalente em carga.

Na Guiné tinha a missão de transporte de passageiros, evacuação de feridos, militares para consultas no Hospital Militar em Bissau, reconhecimento aéreo e transporte de correio a nossa avioneta do coração.
Esta avioneta transportou muitos elementos da Companhia para Bissau para férias ou ali em trânsito para férias na Metrópole.
Era também a avioneta do correio e muito exaltávamos quando a víamos no ar no dia certo.
Esporadicamente foram utilizados em missões de apoio utilizando foguetes montados sob as asas.
Avioneta com uma envergadura de 12 metros; uma velocidade máxima de 250 km/h e um teto máximo de 5,5 km.


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Avião bimotor, operava em missões de carga e transporte de passageiros. Durante a Guerra do Ultramar nas três frentes executaram missões de reconhecimento aéreo, lançamento de paraquedistas (principalmente), transporte de feridos, busca e salvamento e até serviu de bombardeamento.
Tripulação: 4 (piloto, co-piloto, navegador e operador de rádio)
Passageiros: (paraquedistas e outros) 28
Envergadura: 29,41m
Potência: 1200 CV
Velocidade máxima: 360 km/h
Teto máximo: 8045m


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Avião dos evacuados para os Hospitais da metrópole; o avião que me trouxe como evacuado (Jan1966), e ao “Doutor" e ao Alferes Costa em outras datas.
Eram aviões quadrimotores, construídos no final da II Guerra Mundial para missões de transporte de longa distância. A Força Aérea utilizou os DC-6 nos Transportes Aéreos Militares (TAM) que ligavam a Metrópole a Bissau, Luanda e Beira. Serviram frequentes vezes para evacuar os feridos dos teatros de operações para o Hospital Militar Principal em Lisboa. Podiam transportar além de uma tripulação de 4 pessoas também cerca de 55 passageiros, a uma velocidade de 500 quilómetros por hora.
16 horas de voo com escala (45 minutos) em Las Palmas, de Bissau a Lisboa.
Avião com uma envergadura de 35,81 m
Teto máximo 7600 m


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Avião bimotor de dupla cauda e de asa alta, com 2 motores em estrela e um peso máximo de descolagem de 21 mil kg. Visualização de manobras aéreas com salto de paraquedistas.
Intrigavamo-nos quando víamos passar aquele avião com duas fuselagens. Único no género, que víssemos.
Usados em Tancos para treino de paraquedistas e, nas colónias, conjuntamente com os Douglas (Dakotas), deram suporte aéreo nas áreas de comunicação, lançamento de paraquedistas e transporte de feridos.
Com uma envergadura de 32,5m
Velocidade máxima: 405 Km/h
Tecto de serviço: 7100 m
Distância máxima de voo: 2500 Km
Capacidade de transporte: 32 passageiros ou carga até 5800 Kg
Tripulação: 5 (2 pilotos, mecânico, navegador e operador de rádio).


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O helicóptero que transportava os feridos em macas suspensas do lado de fora da aeronave. Bem nosso conhecido pois, logo de princípio víamo-los passar por cima do quartel de Brá onde estivemos nos primeiros 15 dias de Guiné, já bem baixos e a caminho do Hospital Militar mais adiante e ali perto.
Intrigávamo-nos porque eles levavam um ou duas (uma de cada lado) o que pareciam macas suspensas do lado de fora da aeronave. Deduzimos que só podia ser para servirem ao transporte de feridos (ou mortos) e assim era.
Alguns militares da CCAÇ 816 chegaram a utilizá-los pelos piores motivos (feridos), nomeadamente em consequência das operações a Iracunda (23Jun65 - 2 feridos), a Biambi (10Jul65 – a única operação que atuamos em conjunto com a CCAÇ 818 –1 ferido) e na estrada Olossato-Farim (1Ago65 -3 feridos graves +1 morto, este o Furriel Silva que não chegou a sair do Olossato onde esteve em câmara ardente). Aqueles 3 feridos transportados também para o Hospital Militar de Bissau.
Os Alouette II começaram a ser substituídos em Novembro de 65 (tínhamos meio ano de Guiné) pelos Alouette III que se mantinham em operacionalidade quando regressamos à então Metrópole.
O Alouette II foi o primeiro helicóptero do mundo, motorizado com turbina a gás a ser certificado para voo.
Diâmetro do rótor principal: 10,20m
Potência: 530 CV
Velocidade máx: 185 km/h
Tecto máximo: 2300m
Capacidade de transporte: Piloto e co-piloto, e cinco passageiros ou peso equivalente de carga; ou então duas macas e assistente.


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O Alouette III veio substituir o II por ser mais rápido, mais ampla cabine de pilotagem e com capacidade para mais pessoas no interior; os feridos eram transportados no seu interior. O Alouette III tinha também uma mais ampla capacidade de voo, mais veloz e mais teto.
É um desenvolvimento do Alouette II, tendo um tamanho maior e uma maior capacidade de carga. O Alouette III era reconhecido pelas suas capacidades de operação em grandes altitudes, sendo o ideal para o salvamento em áreas montanhosas, o que na Guiné não era o caso.
Em Novembro de 1965 ocorreu o primeiro voo de Alouette III na Guiné, sendo colocados na BA 12 - Bissalanca.
Estes helicópteros foram introduzidos em Portugal em 1963, primeiro em Angola e depois na Guiné. Portugal terá sido o primeiro país que os usou em combate, em missões diversas, desde transporte de feridos ou por evacuação, mormente por insolação, até ao apoio no combate ou até escolta.
O Alouette III evacuou 3 feridos da CCAÇ 816 e outros evacuados por desidratação e ainda na envolvência de transportes de armamento militar capturado ao inimigo na célebre operação “Castor” em 20 de Fevereiro de 1966. Aqui foram 6 helicópteros a atuar, pela celeridade da operação, e num vai-e-vem constante. Mais tarde, aquando de nova operação a Iracunda, em 7 de maio 1966, transportou 1 ferido grave, o saudoso Tiago Manso, que viria a falecer uns dias mais tarde no Hospital Militar de Bissau. (RIP Tiago).
Tripulação: piloto e co-piloto + 5 passageiros
Diâmetro do rotor horizontal: 11,02m
Velocidade máxima: 220 km/h
Potência: 870 CV
Teto máx.: 3200 m


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Avião caça-bombardeiro, com motor turbo jato, monomotor e monoplano.
Foram fornecidos aos aliados dos EUA, nomeadamente Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Turquia e Republica da China (Taiwan) e a países não alinhados como o Irão, Tailândia, e Jugoslávia. Portugal seria o último país a abater os seus F-84G ao serviço operacional da sua força aérea, em 1976, depois de os utilizar de forma intensa na guerra de independência das suas colónias em África, em particular em Angola, onde equipou a esquadra 93.
Este caça terá atuado fugazmente na Guiné
Velocidade máxima: 1020 km/h
Teto de serviço: 12350 m
Taxa de subida: 19,1 m/s


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Avião caça transónico, com motor turbojato, monomotor, monoplano.
Primeiros caças na Guiné como aviões de reconhecimento antes da guerra eclodir.
Quando aquela começou estes caças transformaram-se em bombardeiros e equiparam-se com seis metralhadoras Browning Colt TM3, calibre 12,7 mm, e podiam transportar vários tipos de armamento, como os foguetes de 2,75”, bombas GP de 50 e 250 kg e tanques de napalm de 350 L.
Os Sabre foram, ainda em 1963, substituídos pelos T6 Havard que nós tão bem viemos a conhecer e a tê-los em companhia em diversas operações.
Tripulação: 1 piloto
Envergadura de 11,31m
Veloc. máx.: 995 km/h
Teto de serviço: 14600 metros


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O Lockeed PV2 Harpoon era um bombardeiro médio, bimotor. Transportava bombas no compartimento central e nas asas, podendo ser instaladas até oito metralhadoras 12,7 mm na proa.
Utilizado na Guiné também como se fosse um caça-bombardeiro.
Atingia a velocidade de 450km/h


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O C-54 Skymaster é um avião movido a hélice de quatro motores, desenvolvido pela Douglas Aircraft Company. Operou durante a Segunda Guerra Mundial e no transporte aéreo em Berlim. A partir de 1945, muitas companhias aéreas civis operavam com esta aeronave em todo o mundo.
Úteis em tarefas de transporte, lançamento de paraquedistas, como avião-hospital, etc.
O C-54 Skymaster foi usado na Guerra Colonial inclusivamente na Guiné
Envergadura: 35,8 m
Potência: 1450 CV
Velocidade máxima: 442 km/h
Teto máximo: 6800 m


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O avião Douglas Invader B-26 foi um avião bimotor desenvolvido pelos Estados Unidos como uma aeronave de ataque e bombardeiro leve durante a Segunda Guerra Mundial,
O trem de aterragem era triciclo, com comando da roda de proa a partir do “cockpit”.
3 tripulantes (piloto, mecânico de voo e operador de rádio)
Equipava metralhadoras, foguetes e bombas.
Envergadura: 21,34 m
Potência (por motor): 2000 CV
Velocidade máxima: 570 km/h
Teto máximo: 6700m


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Avioneta de fabrico francês utilizada em reconhecimento, transporte ligeiro, evacuação, etc. Avioneta parecida com a Auster e a Dornier, já acima referidas e que passou fugazmente pela Guiné.
Os franceses utilizaram os Broussard na luta contra os guerrilheiros argelinos, utilizando um canhão móvel que disparava através da porta traseira, situada no lado esquerdo.


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Aeronave bimotor terrestre de trem de aterragem convencional retrátil, monoplano de asa baixa, duplo estabilizador vertical, revestimento metálico, cabina integrada na fuselagem, destinado a transporte ligeiro, patrulhamento, reconhecimento e instrução de navegação.
Envergadura: 14,5 m
Velocidade máxima: 352 km/h
Teto de serviço: 5548 m
Tripulação: piloto e co-piloto


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Em 1970, (já passados 3 anos do regresso da CCAÇ 816) a Força Aérea Portuguesa adquiriu 13 helicópteros Puma, devido à necessidade de maior capacidade de transporte durante a Guerra do Ultramar.
Com uma tripulação de 2 pilotos e podendo transportar 18/20 homens com o seu equipamento habitual (paraquedistas), um número bastante superior aos 5 passageiros possíveis com os Alouette III, o que aumentou significativamente a mobilidade do Exército Português.
Considerado um helicóptero médio com capacidade para voar com todo o tempo. Estava equipado com 2 turbinas “Turbomeca” com 1900 CV de potência, tinha um peso máximo à descolagem de 3770 kg e uma velocidade máxima de 258 km/hora, possuindo uma autonomia de 5 horas. Podia ser equipado com armamento: 1 canhão de 20 mm, 2 metralhadoras coaxiais de 7,62 mm ou mísseis.
Também possuía um guincho para recolha de pessoas a partir do chão ou do mar, radar e piloto automático que lhe permitia fazer estacionário automaticamente.


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Foram 2 destes aviões que vieram a substituir os Dakota DC-6 que desde 1961 vinham mantendo a ligação da metrópole com Angola, Guiné e Moçambique.
O Boeing 707 é um avião comercial a jato quadrimotor de porte médio e fuselagem estreita desenvolvido e produzido pela Boeing entre os anos de 1958 e 1979.
Foram os aviões quadrireactores que passaram a transportar as tropas entre a Metrópole e as 3 colónias em guerra, substituindo os navios.
No nosso tempo a pista do aeroporto de Bissau não reunia condições para estes aviões a jato nem sequer estes existiam na frota portuguesa da TAP.
Tripulação: piloto, co-piloto e engenheiro de bordo
Capacidade para 202 passageiros
Envergadura 44,42m
Velocidade (de cruzeiro) 815 km/h

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Avião monomotor de asas fixas e baixas com um piloto e até 6 passageiros.
Avioneta com caraterísticas semelhantes às “Dornier”.
Possuía uma envergadura de 10 metros e uma potencia de 300CV, com uma velocidade máxima 280 km/h e com um teto de serviço de 4950m.


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O P2V5 Neptuno, equipados com meios sofisticados electrónicos principalmente para a detecção e o combate a submarinos.
A Força Aérea fez deslocar rapidamente vários meios aéreos para os chamados territórios ultramarinos e os P2V-5 passam também a ser usados nas colónias portuguesas em missões de natureza diversa.
O P2V5 Neptuno é um avião bimotor, asa média, de trem de pouso retráctil,
Aeronave de patrulha marítima e anti-submarina, com motores radiais a pistão e motor turbojato, bimotor monoplano, para uso civil e militar
Velocidade máxima: 515 km/h
Envergadura: 30,48m
Estavam equipados com oito suportes de rockets em cada asa


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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24931: Notas de leitura (1647): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Quanto mais se aprofunda o caudal de acontecimentos ocorridos no tempo da governação Arnaldo Schulz mais cresce a convicção da injustiça que a historiografia comete observando infundada e repetidamente que tudo quanto se passou antes da chegada de Spínola foi um encadeado de negligências e decisões mal tomadas. Veja-se neste episódio que hoje ponho à vossa consideração as dificuldades em ter meios aéreos suficientemente capazes para fazer contraponto à intensidade da guerrilha: os nossos esperados aliados recusavam equipamento, era o seu modo de dizer que não contassem com eles para a nossa guerra em África; e a péssima relação estabelecida entre a retaguarda e a frente, nada a tempo e horas; e como os autores relevam, tudo se escrevia de Bissau para Lisboa, ninguém ignorava que tínhamos equipamentos obsoletos e que o PAIGC gradualmente nos ia passando a perna, até chegarmos aos dramas de 1973 e à incapacidade de resposta, basta recordar que não tínhamos arma compatível com o morteiro 120. Mas a historiografia mantém o mantra de que foi necessário chegar Spínola para pôr tudo em ordem...

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (2)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando as questões-chave enunciadas pelos autores no início da sua obra, torna-se evidente que tanto o Comandante-Chefe como o Comandante da Zona Aérea tinham a noção exata que nos meios aéreos postos à disposição da frente da Guiné eram poucos e de funcionamento deficiente, eles relevam a questão das peças de substituição que chegavam tardiamente, a despeito de pedidos sucessivos, e o exemplo mais flagrante é dado pelo Dakota, havia três, mas só um em pleno funcionamento. E a questão dos recursos humanos também se revelava crucial.

De 1966 a 1967, a Zona Aérea só podia contar com 40 pilotos para preencher 52 lugares na tripulação, e mesmo assim era uma melhoria significativa relativamente a 1963. “Dada a intensa atividade naquele teatro” informava Schulz o Ministro da Defesa, Manuel Gomes de Araújo, em março de 1967, “a falta de pilotos implica um desmesurado trabalho para os operacionais”. Esta escassez de pessoal devia-se a mau planeamento, cronogramas de rotação inoportunos e uma relutância geral entres os pilotos para se voluntariarem para o serviço na Guiné, tudo conjugado com más remunerações.

A Zona Aérea protestava sistematicamente com a falta de aeronaves adequadas. Os oficiais superiores queixavam-se repetidamente do escasso potencial de transporte de helicópteros, da falta de uma plataforma para ataque rápido, transporte aéreo inadequado para aquele teatro de operações e uma anémica capacidade de bombardeamento. A grave deficiência notada sobre as hélices foi resolvida com a introdução do helicóptero Alouette III, foram atribuídos à Zona Aérea, em março de 1966, em número de nove. No tocante ao transporte aéreo de asa fixa na Guiné, as forças portuguesas enfrentaram uma contradição operacional peculiar. O pequeno tamanho da Guiné, com a prevalência de florestas e pântanos, com fortes chuvas sazonais e inundações de marés, obrigavam as forças portuguesas a confiar nos meios aéreos, tanto para os transportes como para as operações. Na estimativa do Coronel Abecasis, o transporte aéreo era a única opção em 85% do território, a disponibilidade de meios existentes ficava aquém das necessidades, eram elementos que constaram do relatório do comandante militar em outubro de 1966, o que significava que as operações de reabastecimento não podiam ser realizadas com a devida oportunidade devido à falta de capacidade de transporte aéreo, o que exigia ao fretamento de aeronaves civis; na verdade, a Zona Aérea recrutava rotineiramente aviões dos Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa, até se ter encontrado uma solução com a compra de aeronaves de transporte Noratlas, mas só ficaram disponíveis a partir de 1971; por isso, as tropas portuguesas tinham que confiar na variedade de embarcações de carga, para além da imprescindível colaboração dos meios da Marinha.

Igualmente preocupante era o facto do C-47 Dakota ter recebido a tarefa adicional de colaborar em bombardeamentos. De 1965 a 1966, os três Dakotas, equipados com suporte de armas improvisados e uma mira rudimentar foram utilizados como bombardeiros noturnos em operações, como foi o caso da Operação Resgate de 1965. A despeito de todos os esforços, a escassez de opções para usar meios de ataque era notória. E esta deficiência tornou-se mais evidente quando forem retiradas duas aeronaves de patrulha marítima P2V-5 Neptune; estes aviões, também usados como bombardeiros improvisados voltaram para Portugal em 1966 por exigências norte-americanas. Para restaurar esta capacidade, Lisboa procurou adquirir 25 bombardeiros médios English Electric Canberra B.2, que o Governo britânico recusou vender quando Lisboa se recusou a garantir que os bombardeiros não seriam usados nos seus conflitos coloniais. Portugal procurou obter nos EUA 24 bombardeiros B-26 Invader, excedentes da Segunda Guerra Mundial, também Washington recusou devido às suas próprias restrições sobre a venda de armas em Lisboa. Procurou-se através de um fornecedor privado norte-americano comprar aeronaves, 7 D-26 foram entregues a Portugal, mas a operação foi interrompida pelas autoridades dos EUA, só 2 foram usados na Guiné e apenas durante escassos meses.

Em consequência desta incapacidade de adquirir bombardeiros médios, a Zona Aérea ficou dependente de caças táticos e aeronaves de ataque ligeiro no seu esforço ofensivo, a questão mais aguda que se punha no início de 1966 era a falta de uma plataforma de jatos para ataques rápidos. No início da guerra, três anos antes, o Comando Aéreo pôde empregar até 8 caças F-86F Sabre e T-6 Texan, mas em 1964 venceu a pressão norte-americana para retirar os F-86F, o que deixou o lento e antiquado T-6 como o único recurso de ataque rápido ao dispor da Zona Aérea, Schulz tinha a noção da importância do Comando Aéreo na sua estratégia, nomeadamente a capacidade da FAP a fornecer apoio de fogo às forças de superfície, ele concordava com os comandantes aéreos que os T-6, por si só, eram insuficientes para estas missões. O T-6 teve a sua origem na década de 1930, não foram concebidos como aviões de guerra, não tinham a blindagem, tanques de combustível autovedantes e outras características de aeronaves de combate. Em 1964, já se reconhecia que os T-6 se revelavam cada vez mais vulneráveis face à melhoria constante dos dispositivos antiaéreos do inimigo, como Schulz revelou ao Ministro da Defesa, Gomes de Araújo.

Os pilotos portugueses reclamavam quanto às metralhadoras do T-6 que frequentemente ficavam encravadas devido à idade e ao desgaste, isto enquanto o inimigo, conhecedor da velocidade lenta da aeronave barulhenta, sabia como quebrar o contacto com as nossas forças antes dos T-6 chegarem ao local. No outono de 1966 limitava-se a utilização do T-6 em missões de escolta, dando apoio às colunas terrestres e ao tráfego fluvial, faltava uma aeronave adequada para fazer temer o PAIGC nas emboscadas e outros ataques de bate e foge.

Para resolver a lacuna na capacidade ofensiva, procurou-se adquirir variantes de F-86, construídas no Canadá. A Luftwaffe, da Alemanha Ocidental, tinha recentemente retirado a Canadair CL-13 Sabre Mk.6 substituindo-os por F-104. Ciente destas conversações, Washington mostrou-se inflexível e fez de lobby para impedir o seu uso na África portuguesa, e mesmo o Canadá manifestava relutância em satisfazer o pedido português: o Canadá recusou a venda apesar das garantias portuguesas que a aeronave “deveria ser utilizada em território português e estrita e exclusivamente em missões defensivas”. Ainda se pensou em afetar à Base de Bissalanca os F-86 sediados em Monte Real, mas considerou-se que tal medida abriria hostilidades com os EUA. A FAP procurou recorrer novamente à República Federal da Alemanha para remediar o seu défice de caças de ataque. Como parte de um acordo com Bonn, Lisboa negociou o uso da Base Aérea n.º 11 (Beja) à Luftwaffe. Adicionalmente, foi proposta a compra de novos caças leves Fiat G.91-R4 fabricados sob licença na Alemanha Ocidental. Tratava-se de uma aeronave originalmente destinada para a Grécia e a Turquia, fora rejeitada por essas nações que preferiam o design norte-americano, e foram oferecidos a Portugal a um preço vantajoso, acordado em 8 de outubro de 1965. Como parte do esforço de aquisição, denominado Projeto Feierabend, nove pilotos da FAP e um contingente de pessoal de manutenção foram tirar um curso na Alemanha, antes da chegada dos primeiros oito G.91. No final de março de 1966, as primeiras quatro aeronaves mandadas chegaram à Guiné por mar, e o no dia 6 de maio, o Tenente-Coronel Hugo Damásio testou o primeiro Fiat na Base Aérea n.º 12. Em meados do verão, 7 G.91 estavam já montados e um oitavo ficou ao serviço em novembro.

General Venâncio Deslandes, secretário-adjunto do secretário-geral da Defesa Nacional, ao tempo (Arquivo do Ministério da Defesa)
Espaldões da Base Aérea N.º 12 (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Vista aérea da Base Aérea N.º 12 em meados da década de 1960 (Coleção de José Nico)
Um Noratlas pertencente à Esquadra 92 “Os Elefantes”, sediada em Angola (Coleção Chris England)
Um Dakota (Coleção Virgílio Teixeira)
Um P2V-5 Neptuno e um F-86 Sabre na Ilha de Sal, Cabo Verde (Coleção Touricas)

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 1 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24905: Notas de leitura (1640): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24930: Notas de leitura (1646): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VI: A maioria dos colaboradores eram militares e administradores coloniais, além de escritores

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
O trabalho de investigação de Hurley e Matos, que aqui se condensa, tem, para além do mérito próprio da probidade da avaliação dos factos que fazem, revelar a insídia que se veio a montar acerca dos primeiros líderes militares na Guiné, na eclosão da guerrilha. Louro de Sousa, nomeado comandante-chefe em cima dos acontecimentos, enviou sempre ao Governo relatórios fidedignos da crescente guerrilha, não dispunha de nenhum sistema de informações fiável, deparou-se com a fuga das populações e uma tremenda falta de recursos, nomeadamente terrestres e aéreos para contrariar os efeitos da guerrilha, que se manifestava muito atuante na região Sul, no Corubal e no Morés, principalmente. Não havia informações sobre os efetivos da guerrilha, nem até mesmo das bases de apoio na República da Guiné Conacri. Os efetivos eram tão minguados que quando o capitão Alípio Tomé Pinto chegou a Binta, em 1964, este importante porto estava praticamente cercado por forças e população afeta ao PAIGC. Hurley e Matos diagnosticam aqui as carências de meios aéreos e mostram como Louro de Sousa e a FAP estavam conscientes de que se impunha um abrir mão a meios humanos e materiais de grande envergadura. Era sempre tudo às pinguinhas, a fartura só virá com o superstar Spínola.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos. Estamos agora a acompanhar a evolução dos primeiros anos da guerra e a resposta da FAP.

Como vimos no texto anterior, o General Venâncio Deslandes deslocou-se à Guiné e produziu um relatório alertando para a gravidade da situação, propôs um conjunto de medidas para melhorar a eficácia do aparelho político-administrativo, incluindo a fusão da estrutura do comando militar, recomendação que foi posta em prática no ano seguinte, mas em 1963 a autoridade política e militar permaneceu dividida entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. A falta de entendimento entre os dois oficiais inevitavelmente criou atrito e complexidade desnecessária no planeamento militar. Deslandes recomendou igualmente o emprego de forças de “intervenção” de reação rápida capazes de responder rapidamente a atos hostis que se pudessem desencadear em qualquer ponto do território.

Baseado em parte na insistência de Deslandes, chegaram a Bissalanca em setembro os primeiros helicópteros Alouette II, “emprestados” do Esquadrão 94 em Angola, foram os precursores da frota de helicópteros que irá gradualmente revelando significativa. Um relatório suplementar de 1963, do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo da Secretaria-Geral da Defesa Nacional, deu ênfase às necessidades da FAP na Guiné. O dispositivo aéreo em Bissalanca incluía sete F-86, oito T-6, oito Austers, três C-47, um Broussard, um P2V-5 Neptune (este em alerta na Ilha do Sal). Os aviões Sabre estavam atrasados. Brito e Melo não deixava de sublinhar que “a coordenação ar-terra é deficiente e, portanto, a eficiência da campanha ar-terra é baixa”.

Enquanto Deslandes e Brito e Melo redigiam os seus relatórios, a FAP sofreu as suas primeiras perdas em combate na Guiné. Em 22 de maio de 1963, no decurso da operação Seta, aviões F-86 e T-6 atingiram alvos no reduto da guerrilha na Ilha do Como. O Furriel António Lobato, tendo suspeitado sido atingido por fogo de metralhadora, pediu ao seu asa, Eduardo Casals, que voasse por baixo dele e inspecionasse a parte inferior para avaliar os danos. O T-6 de Casals tocou na hélice de Lobato durante a inspeção, o que causou a queda do avião de Casals e a sua morte (o seu corpo foi recuperado nesse mesmo dia pelas forças portuguesas). Lobato conseguiu direcionar o seu avião danificado para um arrozal, onde foi capturado por militantes do PAIGC, assim começava o cativeiro mais longo da Guiné, ele passaria os próximos sete anos recluso, primeiro na Maison du Force de Kindia e depois na prisão de La Montaigne em Conacri. Foi o único aviador português prisioneiro de guerra.

Apenas nove dias depois de Lobato ter sido capturado, em 31 de maio, dois F-86 pilotados pelo Capitão Fausto Valla e pelo 2.º sargento Manuel Pereira Clemente, enquanto realizavam uma missão de bombardeamento na região de Bedanda, as aeronaves sofreram estilhaços de uma das suas próprias bombas de 250 kg, os pilotos voltaram imediatamente para Bissalanca, mas o F-86 de Fausto Valla incendiou-se, forçando-o a ejetar-se. Pereira Clemente conseguiu aterrar em Bissalanca sem mais incidentes, depois de despejar a sua artilharia no Geba, o jato de Fausto Valla explodiu antes de chegar a Bissalanca. Três meses mais tarde, a FAP sofreu uma das perdas mais mortíferas da guerra quando um Auster caiu após bater numa palmeira quando descolava de Bissalanca, em 4 de setembro. Nenhum dos três aviadores a bordo (Alferes Eduardo Spínola Freitas e José Madureira Nobre e Primeiro-Sargento José Pinheiro Garcia) sobreviveu. No mês seguinte, ãem 14 de outubro, o Capitão João Cardoso Rebelo Valente faleceu quando o seu T-6 se despenhou durante manobras na região de Morés-Olossato.

Os desaires da FAP continuaram quando o único Broussard sofreu um grave acidente, nove meses depois de ter sido introduzido no teatro da guerra; em 4 de dezembro um segundo Auster descolou e caiu, matando o piloto 2.º Sargento André Miranda Farinha e dois meteorologistas da FAP, Tenente Austrelindo Gaspar Dias e o 1.º Sargento Humberto Silva Matos. Em síntese, a FAP perdeu sete aeronaves e sete pilotos (seis mortos e um prisioneiro) devido a acidentes ou fogo hostil durante o primeiro ano de guerra – uma taxa considerada insustentável.

Em setembro de 1963, Louro de Sousa, perante o Conselho Superior da Defesa Nacional, reclama mais aeronaves para apoiarem operações previstas, pediu entre dez e quinze helicópteros Alouette III para substituir os três helicópteros Alouette II; pediu mais doze T-6, nove DO-27 e quatro F-86. Durante a sua exposição, destacou a insuficiente cobertura aérea, a inadequada capacidade de reconhecimento aéreo para assegurar eficiência às suas forças na Guiné. Louro de Sousa, tendo exposto o caráter das operações da guerrilha do PAIGC, apelou ao envio de forças de reação rápida incluindo paraquedistas e transporte aéreo adequado – no fundo, seguia as propostas de Venâncio Deslandes.

A operacionalidade dos meios aéreos disponíveis era um tremendo desafio. De acordo com uma avaliação da 1.ª Região Aérea, elaborada em agosto de 1963, apenas metade dos oito Auster em Bissalanca estava em condições operacionais, os outros em grandes reparações ou a aguardar peças. Um dos quatro DO-27 recém-entregues a Bissalanca já estava inoperável, por falta de peças. A situação complicava-se por falta de mecânicos e pelo uso criterioso de baterias. A eficácia de combate do T-6 estava limitada pela ausência de informações técnicas sobre o uso e manutenção das armas. Três C-47 estavam na revisão periódica nas OGMA, e a falta de peças de substituição era crónica. Na Ilha do Sal, os dois Neptune também se debatiam com limitações operacionais devido à falta de recursos. O relatório da 1.ª Região Aérea avaliou os oito caças Sabre como operacionais, apontava-se para obrigatoriedade de um ciclo periódico de manutenção; considerava-se que o armamento dos F-86 era precário, exigindo substituições nos dispositivos de suporte das bombas. Em agosto de 1963, o Coronel Krus Abecassis, Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea, identificou a necessidade de enviar para Bissalanca oficiais experientes para preencher vagas e alertou para a escassez de especialistas em comunicação. Na já referida reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, Louro de Sousa instou para o reforço dos quadros superiores, era indispensável a presença de dois tenentes-coronéis em Bissalanca.

Por último, havia a necessidade imperiosa de enviar meios financeiros para melhorar as instalações, quartéis, torres de vigilância e iluminação perimetral. Louro de Sousa apelou à introdução de radares e sistemas de comunicação adequados e equipamentos para lidar com qualquer intrusão do espaço aéreo da Guiné. Já ao tempo havia a preocupação dos meios aéreos dos dois vizinhos hostis.

Operações portuguesas de contraguerrilha, 1963
Destroços do T-6 do capitão Rebelo Valente que caiu em outubro de 1963 (Coleção Alberto Grandolini)
Outra imagem da queda do T-6 do capitão Rebelo Valente (Coleção Alberto Grandolini)
Um P2V-5 Neptune na Ilha do Sal, ao lado de um F-86 que esporadicamente era enviado para Cabo Verde para participar na defesa aérea local (Coleção Touricas)

(Continua)

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Notas do editor:

Poste anterior de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23922: Notas de leitura (1537): Germano Almeida, prémio Camões (2018), filho de pai português e mãe cabo-verdiana, explica a origem mítica de Cabo Verde: uma criação divina, não por maldição... por distração (Luís Graça)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Estamos agora a cerca de metade do livro em que o nosso confrade José Matos é coautor. Deu-se a evolução da FAP de 1961 a 1963, houve melhorias em Bissalanca, o pessoal melhorou a sua capacidade de treino, começou a guerra, que alastrou rapidamente da região Sul para a outra margem do Corubal e subiu até ao Morés. O que aqui se relata é esse primeiro ano das missões da FAP na Guiné. Como observam os autores, os pilotos tinham inicialmente grandes dificuldades com as cartas desatualizadas, procedem ao registo de acidentes e dão conta do estado das aeronaves. É facto que o efetivo das forças terrestres aumentara gradualmente nestes primeiros anos, os comandos militares não dispunham inicialmente de um bom sistema de informações, o corrupio de operações limitava-se a tentar suster as intrusões e a constituição de bases no interior do território, mas desconhecia-se integralmente a questão central da manobra do PAIGC. Quando se vêem historiadores a criticar estes 2 primeiros anos da guerra, estes críticos de bancada não tomam em consideração que era a guerrilha que possuía a iniciativa e o defensor procurava imaginar o que vinha a seguir. Mas foi assim que aconteceu, é manifestamente irrelevante andar a pôr a História em tribunal.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos.

Os comandos militares da FAP na Guiné procuraram prontamente reagir e deter a atividade subversiva, mormente nas regiões fronteiriças, mas se bem que fosse notória a falta de qualidade e atualidade dos mapas aeronáuticos, tudo fizeram para evitar intrusões acidentais, designadamente na fronteira senegalesa, para não haver consequências políticas. Mesmo assim, o Senegal protestou alegando ter havido intrusões no seu espaço aéreo, cortou relações oficiais com Portugal. Em 21 de dezembro de 1961, alegadamente dois F-86 invadiram o espaço aéreo senegalês. Portugal reconheceu a intrusão, mas negou qualquer intenção deliberada, alegou-se que uma patrulha de reconhecimento de rotina sofrera uma falha de navegação e a intrusão não durara mais de 30 segundos. A República da Guiné igualmente protestou contra repetidas violações do seu espaço aéreo. A FAP teve neste período vários danos ou mesmo destruições antes de se terem iniciado os combates aéreos. Um F-86 sofreu um acidente com a colisão de um pássaro em 19 de agosto de 1961, apesar dos danos da colisão o Tenente Teixeira Lobo pousou com sucesso, mas a aeronave ficou inoperável durante várias semanas. A primeira perda aérea operacional da ZACVG ocorreu em 29 de maio de 1962. Nessa data, o Tenente José Cabaço Neves e o Furriel Manuel Soares Matos morreram num acidente de T-6 numa passagem de baixo nível quando investigavam tráfego suspeito nos rios. Outra perda ocorreu em 17 de agosto quando um F-86, no regresso de um reconhecimento, foi destruído num acidente na aterragem causado por fortes chuvas. A aeronave pousou no centro da pista, rolou invertida e explodiu, felizmente o Tenente Barbosa conseguiu escapar sem ferimentos graves. A frota Sabre ficara reduzida a 7, das quais 3 das 4 aeronaves estavam operacionais no início da guerra.

Após o ataque a Tite e as emboscadas na região de Fulacunda, o PAIGC estendeu a sua ação; tempos depois, obteve-se a informação de que a guerrilha dispunha de metralhadoras e passava a usar minas anticarro. Os ataques dos insurgentes, davam-se sobretudo à noite e centravam-se em três tipos principais de alvos: linhas de comunicações (estradas, pontes e transportes fluviais), instalações militares (acima de tudo, os quartéis) e a infraestrutura económica (entrepostos comerciais, outros locais onde estivessem armazenados produtos para exportação). Agrupamentos populacionais, vilas importantes e destacamentos militares foram alvo de ataques, sabotagens, flagelações com espingardas, metralhadoras ou morteiros. Os guerrilheiros do PAIGC também procuraram começar a atacar as aeronaves portuguesas com os meios disponíveis, principalmente armas de pequeno calibre e, usando escandalosamente a propaganda, reivindicaram, no final de 1963, o abate de 17 aviões, incluindo mesmo cinco no dia 21 de fevereiro. De facto, houve uma única perda de aeronave naquele ano. A primeira ação real de ataque aéreo da ZACVG aconteceu em 4 de abril, depois de uma aeronave de observação Auster ter detetado armas de fogo próximo de Darsalame. A resposta foi um ataque de um caça F-86 que pretendia obter um efeito mais psicológico do que real. Naqueles primeiros meses, a FAP pouco melhor podia fazer, dispunha de informações vagas e fragmentadas. “Naquela altura era praticamente inexistente a informação fora das áreas populacionais que nos eram afetas”, segundo o Tenente-General António de Jesus Bispo, que cumpriu três missões na Guiné entre 1963 e 1971. “Não havia uma ideia clara da disposição do inimigo no terreno, pelo menos ao nível dos pilotos”. O sistema de obtenção de informações na FAP foi melhorando à medida que a guerra avançava, mas não faltaram surpresas táticas e estratégicas que acabavam por complicar a operacionalidade no ar.

Em 1 de abril de 1963, o recém-chegado Comandante-Chefe das Forças Armadas, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, apresentou a sua primeira avaliação do que se estava a passar em relatório enviado para o Ministério da Defesa: registava com preocupação a escalada da atividade guerrilheira em muitos pontos do território e como estava altamente perturbada a atividade económica e afetados os transportes. Remanescentes do Movimento de Libertação da Guiné, com sede no Senegal, ainda permaneciam nalguns pontos no Norte da Guiné, mas este movimento havia sido quase totalmente suplantado pelo PAIGC. O partido orientado por Amílcar Cabral revelava-se o mais bem armado e preparado dos dois e beneficiou do apoio dado pela República da Guiné, por outros regimes africanos e pelas nações do bloco comunista para além da China. Na opinião de Louro de Sousa, o PAIGC representava “maior perigo para a estabilidade da situação política da província” face ao seu rival menor.

Passados 8 dias de Louro de Sousa ter emitido a sua primeira avaliação para Lisboa, em 9 de abril de 1963, o Governador da Guiné, Vasco Rodrigues, recebeu outra queixa do Senegal, desta vez alegando que 4 aeronaves haviam atacado a vila senegalesa de Bouniak. O Senegal colocou a questão no Conselho de Segurança da ONU, foi adotada uma resolução que deplorava a violação de soberania e pedia às autoridades portuguesas para tomar todas as medidas necessárias para evitar situações como aquela. As autoridades portuguesas reconheceram um ataque ocorrido em 8 de abril de F-86 e T-6 contra a vila de Bunhaque, a 4 quilómetros de Bouniak, mas uma investigação conduzida pelo comandante da ZACVG, Tenente-Coronel Durval Serrano de Almeida, concluiu que não caíra fogo no lado senegalês. Este episódio permanece indiscritível, o comandante posterior, José Duarte Krus Abecassis (1965-1967), reconheceu que a FAP bombardeou e metralhou deliberadamente uma base de apoio inimiga no Senegal, em 1963. O governo português manteve uma política de negar oficialmente tais ataques, enquanto o Senegal convidava jornalistas estrangeiros para examinar os danos dos ataques e os resíduos das armas envolvidas. Krus Abecassis considerava que a recusa de Portugal em admitir tais ataques nos trazia descrédito político.

Com apenas 3 meses de guerrilha, a Guiné entrava na comunicação internacional, chamava a si críticas generalizadas e a condenação na ONU. Durante o ano de 1963, as operações da FAP acompanharam estreitamente o alargamento da atividade militar portuguesa. Em junho e julho, os guerrilheiros de Cabral lançaram ataques nas regiões do Xime e Xitole, o PAIGC atravessara o Corubal e procurava estender-se para o centro da Guiné. A guerrilha implantou-se na região do Oio, o que permitia ao PAIGC estabelecer uma rede de atividades em diferentes direções no interior da Guiné, obteve o apoio da etnia Balanta e dos Oincas nesta região densamente florestada do Morés. O ministro da Defesa português, Gomes de Araújo, admitiu publicamente que a guerrilha “infestara” aproximadamente 15 por cento da superfície do território. Para conter a maré insurgente, as forças portuguesas lançaram uma série de operações terrestres destinadas a repulsar as posições do PAIGC, as contribuições da FAP a essas operações normalmente incluíam incursões preparatórias para reconhecimento, mas também transporte de tropas, apoio de fogo, reabastecimento, evacuação médica.

No entanto, a situação agravava-se. O Ministério da Defesa enviou o General Venâncio Deslandes que chegado a Lisboa elaborou um relatório que começava por dizer que “a situação atual é realmente grave, cerca de um quinto do território dá sinais de insurgência, mais agudos nas regiões fronteiriças e na região Sul”. Alertou ainda a que um ataque a Bissau “seria fácil de executar, com todas as consequências políticas que isso acarretaria”.

(Continua)
Panorama geral de Bissalanca no início da guerra. Nessa época, a FAP dispunha de 30 aeronaves no teatro, incluindo os T-6 (Aquivo Histórico da Força Aérea)
No início da guerra, a FAP na Guiné dispunha de três ou quatro F-86 prontos para combate (Aquivo Histórico da Força Aérea)
Operações do PAIGC entre janeiro de 1963 a janeiro de 1964 (Matthew M. Hurley)
Peça de artilharia antiaérea Goryunov SG-1943 7,62 mm (à esquerda). Foi uma das primeiras armas de defesa antiaérea usadas pelo PAIGC (Coleção Abert Grandolini)
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Notas do editor

Poste anteruor de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23895: Notas de leitura (1534): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (3) (Mário Beja Santos)