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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26153: Casos: A verdade sobre... (48): Os "djubis" da CART 11 e da CCAÇ 12, que foram soldados... (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Samba Baldé (Cimba), nº mec 82110969... Futuro Ap Metr Lig HK 21, 3º Gr Com 3º Gr Comb [Comandante: alf mil inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [bancário reformado, Miranda do Douro], 1ª secção [fur mil at inf Luciano Severo de Almeida, já falecido]...  De origem fula.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 > Salu Camara, nº mec 82103469. Provavelmente de origem futa.fula. Integrou a CART 11.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 >  Sori Baldé, nº mec 82111069,  De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold at inf. Pertenceu O 4 º Gr Comb [ comandante: alf mil  at cav  10548668 José António G. Rodrigues, já falecido, vivia em Lisboa], 3º secção [1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação, vive em Barcarena]... [O Valdemar Queiroz identifica-o, erradamente, como sendo o Tijana Jaló, esse sim, devia pertencer à CART 11, mas com outro nº mecanográfico... Estou bem recordado do Sori Baldé, um dos meus soldados, quando estive no 4º Gr Comb.]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Mamadu Jaló, nº mec 821179669, De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold arvorado. . Pertenceu ao 1 º Gr Comb 3ª secção [fur mil at inf 19904168 António Manuel Martins Branquinho, reformado da Segurança Social, Évora, já falecido]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > 1º trimestre de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Alceine Jaló, nº mec 82114669, De origem futa ou futa-fula. Pertenceu à CART 11.



Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Silhueta do recruta Umaru Baldé, natural de Dembataco, regulado de Badora, setor L1 (Bambadinca), nº mec 82115869.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar  > c. março / abril de 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori Baldé e Umarau Baldé (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local. Os da CCAÇ 12 eram fulas, oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Umaru Baldé (c. 1953-2004), soldado do recrutamento local,  nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo infantaria da CCAÇ 12 (1969-1972). Foi depois colocado, em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura  e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal onde teve grandes camaradas e amigos, solidários, que o ajudaram.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Reedição de mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70], só publicada quase cinco meses depois, por lapso dos editores (*):

Data: terça, 5/11/2019, 23:22

Assunto: O que será feito dos 'Putos-Soldados' do CIM de Contuboel

O que será feito dos 'Putos-Soldados'?

Passaram 50 anos que muitos 'putos' foram chamados prá tropa e receberam instrução militar em Contuboel.

Alguns apresentaram-se descalços, com as suas roupas usadas habituais e notava-se que eram muito jovens, mas diziam que tinham 18 anos.

Soube-se mais tarde que houve situações de recrutamento forçado, mas na maioria apareceram com vontade ser soldados. 'Manga de ronco' e 'manga de patacão' que lhes iria acontecer.

Não sabemos, eu não sei nem me lembro de contarem, como foram contactados e por quem (régulo/chefe de tabanca), e se lhes foi dito que iriam ser soldados para entrarem directamente na guerra, que eles já tão bem conheciam.

Não sei se vieram assentar praça, como um serviço militar obrigatório se tratasse, com a diferença de serem ainda menores, ou como uma espécie de voluntariado forçado (ideias de Spínola a fazer lembrar o recrutamento de crianças pelos nazis no final da guerra?).

E assim se formaram a CART 11 e a CCAÇ.12.

Também não soubemos se queriam ser soldados para fazerem guerra contra os 'bandidos' ou para ajudar (como já acontecera em séculos anteriores) os portugueses na guerra contra, neste caso, o PAIGC que queria a independência da Guiné.

Mas, a guerra acabou. Felizmente a guerra acabou.

Os 'putos-soldados' deixaram de ser soldados do Exército Português e passaram, automaticamente, à peluda da sua desgraça. 

Muitos houve que fugiram para não serem sumariamente executados, muitos outros não tiveram essa sorte e foram assassinados, os restantes resignaram-se voltando, já homens, às suas tabancas para serem o que já tinham sido. Foi sempre assim quando acabam as guerras.

E passados 50 anos o que será feito daqueles que conseguiram sobreviver?

Os que eram mais jovens devem ter, agora, 66/67 anos de idade. O que será feito deles?

Julgo que eram todos Fulas e maioritariamente eram das regiões de Gabu/Piche, os da CART 11, ou de Bambadinca/Xime, os da CCAÇ.12.

O Alceine Jaló era do meu Pelotão, casou-se muito novo com uma bajuda (Saco ou Taco?) e levou-a com ele para Guiro Iero Bocari. As mulheres e os filhos dos nossos soldados também dormiam connosco nas valas e aí aguentavam quando havia ataques à tabanca.

O que será feito deles?

Gostava muito de saber deles e peço um favor muito especial ao nosso grande amigo Cherno Baldé de tentar saber se eles ainda são vivos.

Como curiosidade com os 'putos', havia quatro soldados arvorados, e frequentavam a escola de cabos, em cada Pelotão sendo a escolha feita entre eles e um da nossa escolha. Dos quatro do meu Pelotão o da nossa escolha recaiu no Saliu Jau por ser impecável, mas deu algum recusa por parte dos restantes por o considerarem 'ser djubi mesmo pra cabo'.

Valdemar Queiroz

PS - Anexo fotos de alguns 'putos-soldados' , falta a do Umaru Baldé, talvez o 'puto mais puto', e que me foi oferecida quando estive com ele na Amadora.

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)


2. Comentário do editor Luís Graça:


Vá temos falado sobre este tema, que nos é caro, tanto ao Valdemar quanto a mim e outros camaradas do blogue, o caso dos "meninos-soldados", que estiveram de um lado e do outro, do PAIGC e nas NT  (**). 

No nosso caso, podemos (e devemos) perguntar se houve "ética" (e respeito pela legalidade) no seu recrutamento...

Eu, o Valdemar e outros gradudados da CART 2479 / CART 11,  e da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 fomos instrutores destes putos, no CIM de Contuboel e eles estiveram sob as nossas ordens na guerra, uns na regiáo de Gabu, setor de Nova Lamego, outros região de Bafatá, setor L1 (Bambadicna). 

Foram extraordinários soldados e grandes camaradas, estes "meninos-soldados" que, no fina,l da guerra, tiveram um destino cruel. O mesmo que tiveram os comandos africanos cujo drama volta agora à ordem do dia,  retratado em reportagem de investigaçáo jornalística (do jornal digital "DivergenTE"), depois publicada em livro e POR FIM em documentário (de longa metragem), que está nas salas de cinema (***).

Em próximo poste serão publicados  comentártios dos nossos leitores sobre este(s) caso(s) (****).
 
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  10 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (147): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)

(***)  13 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26149: Agenda cultural (868): Por ti, Portugal, eu juro!: documentário, de Sofia Palma Rodrigues e Diogo Cardoso (Portugfal, 2024, 98 minuto), sobre o drama dos Comandos Africanos da Guiné... Estreia mundial no doclisboa 2024, e agora nos Cinema

(****) Último poste da série > 26 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25777: Casos: a verdade sobre... (47) "Fogo amigo", Xime, 1/12/1973: o obus 14 cm m/43 usava a granada HE (45 kg) com alcance máximo de 14,8 km... (Morais Silva, cor e prof art AM, ref; ex-cap art, instrutor 1ª CCmds Africanos, Fá Mandinga, adjunto COP 6, Mansabá, cmdt CCAÇ 2796, Gadamael, 1970/72)

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25905: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (32): uma gazela furtiva em Sare Ganá



Motivo central de um pano traeional de Cabo-Verde.  Mulher cozinhando. Imagem reeditada por LG (2024).




Guiné > Carta de Bambadinca (1955) >  Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel (IN) e de aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa (NT): a sul, Missirá e Fá Mandinga; a leste, Geba, Sare Ganá, Sinchã Sutu... Pelo meio o rio Geba Estreito...Sare Banda ficava mais a norte (vd. carta de Banjara, 1956).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


Contos com mural  ao  fundo >  

Uma gazela furtiva em  Sare Ganá

por Luís Graça (*)



Não, hoje já não saberias lá chegar... a Sare Ganá, passando pela povoação  de Geba. Parece que fora  outrora, Geba,  uma praça forte, entreposto de escravos, feitoria, presídio. Terra de deportados e de grumetes. Mas também de lindas mulheres... Em 1969, quando a atravessaste, de Unimog,   estava há muito em total decadência, ofuscada pelo progresso e pela beleza de Bafatá. A "princesa do Geba", do rio Geba, como lhe chamavam os comerciantes locais e a tropa...

Nem te lembravas sequer  já de passar pela ponte nova, uma bela ponte em betão sobre o rio Geba Estreito… Ponte Salazar, que o "homem grande de Lisboa" ainda era vivo … Mas já ninguém queria saber dele nem do seu nome. Mesmo assim, ninguém se atrevia ainda a cometer o sacrilégio de mudar os nomes das terras e obras que ostentavam o seu nome: Vila Salazar, Bacau, Timor; Ponte Salazar, estuário do Tejo,Lisboa; Avenida Salazar, Melgaço, etc....  

O novo "homem grande de Lisboa" agora  era o Marcello (com dois ll) Caetano, cujo nome os teus soldados, de 2ª classe, guineenses,  eram simplesmente incapazes de pronunciar e muito menos de soletrar. Não admirava: não falavam português, eram muçulmanos, não comiam carne de porco, não bebiam "água de Lisboa", nem muito menos sabiam onde era a maravilhosa Lisboa e o mítico Terreiro do Paço onde se condecoravam os heróis do 10 de Junho como o João Bacar Jaló.

Falavas em português apenas com o 1º cabo Suleimane, o Zé Carlos,   que era o teu intérprete, guarda-costas, secretário e cozinheiro, quando eram destacados para alguma tabanca em autodefesa da região, como era o caso de Sare Ganá,  do regulado de Joladu.  Era ele, de resto, quem ia junto dos furtivos  caçadores da tabanca procurar comprar alguma peça de caça para o teu frugal almoço.  Ou, junto das mulheres grandes, em busca de ovos e franganitos, raquíticos (sete pesos e meio cada bico)...Partilhavas as refeições com ele, mesmo sendo desarranchado. Onde comia um, comiam dois. 

Além do cabo guineense, levavas uma secção, 11 militares contigo, nove praças, todos do recrutamento local, mais um operador de transmissões, metropolitano. Cabo auxiliar de enfermagem não havia, era um luxo.  "E se houver um azar, meu capitão ?"... (Nem bolsa de primeiros socorros tinhas, pedias por rádio uma evacuação Ípsilon, em caso de emergência.)

Em pleno agosto, no tempo das chuvas. Sare Ganá, no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá...

Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu,,, Estiveste aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa... O que não era ironia, porque a população era fula, estava ao lado dos "tugas",  seus antigos inimigos e agora aliados. Os "cães dos colonialistas", denunciava a "Maria Turra" aos microfones da rádio "Libertação"...

Saré Gané, a mais de 4500 quilómetros de distância da tua casa… "O que fazes aqui, meu sacana ?"... (Como gostarias de ter ouvido alguém teu conhecido, da tua terra, a interpelar-te, eufórico,  pelo caminho!...).  Será que Sare Ganá ainda existe ? Será que alguma vez existiu ? Ou não terá sido fruto de um delírio teu, da tua imaginação já febril, já palúdica ? ... Ah!, malditas sezões, maldito paludismo!...

Sim, Saré Ganá existiu... Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia  e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá era  uma espécie de aldeia estratégica, que tu descreveste no teu diário.  Uma tabanca-tampão. Aqui terminava a "nossa" soberania territorial, a norte do Rio Geba e começava a zona de intervenção do Com-Chefe que incluia, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Óio”. 

"Nossa" ?,,, Tinhas relutância em usar o adjetivo possível no plural. Como se aquela maldita guerra não fosse também a tua, ou tua... Não,  não era a tua guerra, não a tinhas escolhido de livre vontade, mas também era tua, tinha sobrado para ti... Sim, depressa tiveste que aprender a salvar o pêlo, o teu e dos soldados que te foram confiados. Alguns, putos, "djubis", de 15 e 16 anos...

Era aqui que vivia o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula, de elevada estatura. A sua cabeça destacava-se acima da cabeça dos demais. É isso que queria dizer a palavra chefe, etimologicamente falando.  Presumias que fosse futa-fula. Não fixaste o seu nome. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, 'foram no mato' (leia-se: aderiram à guerrilha, ou foram obrigados a fugir, acossados de um lado e do outro). O seu regulado estava circunscrito ao perímetro de Sare Ganá e a mais duas ou três tabancas: Sinchã Sutu, Sare Banda. 

O teu camuflado ainda cheirava a goma, trazia os odores das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento do Exército. Tinhas acabado de chegar do  Centro de Instrução Militar de Contuboel, um "oásis de paz", como tu eufemisticamente dizias, na única carta mensal que tinhas por hábito escrever à família. Carta por correio aéreo, nunca gastaste um aerograma ao Movimento Nacional Feminino.

Em Contuboel,  usavas a farda nº 3, dita de "trabalho". A  tua companhia, de guarnição normal,  depois da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, a IAO,  tinha passado a ser uma subunidade de intervenção,   ao serviço do Agrupamento de Bafatá (do temível coronel Hélio Felgas, se bem te lembras)... 

Como tu dizias com sarcasmo, eras agora um preto de 1ª e os teus soldados pretos de 2ª.

E quase todos os dias ouvías os Fiat G-91 bombardearem Sinchã Jobel, uma base da guerrilha a 10 km a norte, e que era inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeavam... 

Base ? "Barraca", diziam os milícias, em crioulo... “Até Farim é tudo terra para queimar” (sic). Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atrevia então a penetrar neste santuário do IN. Falava-se aqui da "mata do Óio", como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte. A guerra, em todo o lado e em todos os tempos,  era fértil em criar lendas e narrativas. O mito do Óio começava em Saré Ganá...

Ainda estava na memória da população o ataque de há um ano atrás, em 12 de agosto de 1968, ao tempo da CART 1690: à meia noite em ponto, um grupo IN estimado em cerca de 60 elementos, ou seja um bigrupo reforçado, vindo de Sinchã Jobel, tinha atacado Sare Ganá.

“Um ataque medonho”, segundo o testemunho de alguns milícias com quem falaste, com o Suleimane a servir de intérprete.  Já não apanhaste a "velhice" de Geba, tinha acabado a comissão em março de 1969.

O ataque iniciou-se por tiros de morteiro, lança-granadas-foguete (os temíveis RPG que tinham fama de arrancar cabeças) e metralhadoras, com uso de balas incendiárias. O IN conseguiu alcançar o arame farpado do lado Norte,   penetrando na tabanca. Uma falha de segurança, no perímetro de arame farpado, mesmo armadilhado,  terá permitido a passagem de uns alguns atacantes, empunhando armas ligeiras automáticas. Algumas moranças começaram logo a arder. 

A reação das NT não se fez esperar: os valentes milícias fulas, uns a partir dos abrigos, outros dispersos pela tabanca, reagiram pelo fogo, aguentando o ímpeto inicial do ataque e dificultando o mais que puderam a infiltração dos "turras".  Parte da população, os homens, estava armada e colaborou na defesa da tabanca. Mas depressa se esgotaram as munições, obrigando a milícia a recuar. A disciplina de fogo nunca foi apanágio do guineense, quer empunhasse uma G3 quer manejasse uma Kalash. 

Em Geba, sede da CART 1690, a escassa meia-dúzia de quilómetros, logo que se ouviram os primeiros rebentamentos, saiu um piquete de socorrro, num viatura: meio pelotão, enquadrado por um alferes e um furriel. Nas proximidades de Sare Ganá, cerca de meia hora de depois, o grupo subdividiu-se, aproximando-se, a pé, da tabanca, com a intenção de procurar surpreender as forças atacantes.

Ao mesmo tempo que apoiavam a retirada da população, as forças da CART 1690 iam abrindo caminho, morança a morança, à força de bazucadas e curtas rajadas de G3. Gente brava e sacrificada, essa companhia de Geba!...

Às tantas, o IN, surpreendido pelo contra-ataque, lançou um “very light” e iniciou a sua retirada, arrastando consigo as baixas que sofrera e carregando o respetivo material. Devido à escassez de efetivos e à escuridão da noite, a perseguição encetada pelas NT não terá ido além da orla da mata próxima. Ninguém, de resto, gostava de combater à noite...

Uma hora e tal depois do ataque chegou uma coluna de socorro, em viaturas, oriunda de Bafatá, composta por cerca de dois pelotões reforçados, da CCS/BCAV 1904, do EREC 2350, e do Pel Caç Nat 64. 

Controlada a situação, as forças de Bafatá, com exceção do Pel Caç Nat 64, regressaram com os feridos mais graves da milícia e da população local. Foi montada segurança à tabanca nessa noite e dias seguintes.

Apurou-se então que o IN terá tido 5 mortos e outras baixas prováveis. De entre o material capturado, contaram-se duas armas ligeiras, uma metralhadora Dectyarev, com bipé, e uma pistola metralhadora Sudayev PPS-43, de origem russa, uma das lendárias armas ligeiras da II Guerra Mundial, variante da PPSh-41, mais conhecido por "costureirinha"... 

 Do lado dos defensores, soube-se que tinha havido baixas entre a milícia e a população local. Parte da tabanca teve que ser reconstruída.

Um ano depois  aqui estavas tu, "periquito", de 5 a 17 de agosto de 1969, integrado no grupo de combate da tua CCAÇ,  temporariamente em reforço do Sector L2 (Bafatá). Uma secção fora destacada para Sare Ganá e duas para Sare Banda. O alferes deve ter ido para Sare Banda, se é que não se baldou, mas já te lembras...


Dias antes da tua chegada a Sare Ganá,  o IN fizera um ataque malogrado à tabanca em autodefesa de Sinchã Sutu, mais a Norte. Tocaram as campainhas de alarme em Bafatá, tal como acontecera com Madina Xaquili,  a sul.  

Agora, por causa de um possível ataque da guerrilha (mesmo no auge do tempo das chuvas) era proibido, à noite, fazer lume ou fumar na tabanca de Sare Ganá. Contava-se que num outro destacamento do subsetor de Geba, tempos antes,  dois militares das NT haviam "lerpado" com um roquetada quando acenderam uma lanterna na tenda...   Jogavam às cartas, dizia-se, para matar o tédio... Tiro de um "snipper"... Uma morte horrorosa, como todas as mortes na guerra...

Em Saré Ganá o pessoal comia  cedo e deitava-se cedo. Ficavam os vampiros dos mosquitos a velar-te. Por sorte, não apreciavam lá muito o teu sangue. Devia-lhes saber a uísque. Tinhas levado uma garrafa contigo...

E mais à frente, no teu diário, a 15 de agosto de 1969, perguntavas:

(...) “Destacado ou desterrado ? O que farei eu com uma seção de combate, uma bazuca 8.9, um morteiro 60, 10 G-3 e um rádio se isto der para o torto ? 

"Depois do ataque malogrado à tabanca próxima, Sinchã Sutu, a população fula anda compreensivelmente nervosa,  inquieta... Sinto-me como os bombeiros, atrás da ameaça de fogo-posto, mas ainda não fiz sequer o meu batismo de fogo, contrariamente à maior parte da companhia, que teve os seus primeiros feridos graves em Madina Xaquili, no sul do chão fula, há menos de 3 semanas." (...)

Perguntavas a ti próprio qual o sentido e o alcance desta tua missão:

(...) “Limito-me a estar aqui e vigiar os postos de sentinela: adormeço sobre a manhã,mas não posso durmir como um porco; às dez ou onze levanto-me, porque o calor dentro da minha palhota é já absolutamente insuportável. Devoro o almoço que o Suleimane entretanto já me preparou, e que em dias de sorte pode ser um bife de gazela, com algumas legumes das hortas locais...

Depois oiço velhas lendas dos tempos em que os cavaleiros do Futa Jalon (leia-se "Djalon") eram donos e senhores destas terras, derrubado o reino de Gabu em Cassalá há 100 anos atrás.

Ao fim da tarde dou um giro para fingir que me mantenho operacional, converso com a população e recapitulo  o plano de defesa da tabanca” (,..)

Dormir que nem um porco!...  Aqui convinha  lembrar o sábio conselho do provérbio popular: 'Três horas dorme o santo, quatro o que não é santo, cinco o viajante, seis o estudante, sete o porco e oito o morto'... Seria, afinal, aqui  que irias aprender que dormir muito fazia mal à saúde...

E relatavas, no teu diário, uma bravata estúpida, bem típica de um inconsciente "periquito”, feita logo no princípio das tuas andanças por aqui. É uma das tuas duas recordações marcantes da estadia em Sare Ganá:

(...) “Fui sozinho com um milícia local fazer o reconhecimento duma aldeia próxima, abandonada pela população e armadilhada. Talvez Sinchã Famora, a sul, não fixei o nome. O tipo ia à frente com uma varinha feita de caule de capim seco (!), tentando detetar os fios de tropeçar que atravessavam os trilhos da aldeia, de resto já pouco visíveis.

" A meio do percurso, apanho um susto, pondo à prova os meus reflexos: um antílope, que pastava perto, atravessou-se-nos no caminho, em plena área supostamente armadilhada". (...)

 Foi mais do que um susto, apanhaste um calafrio: é que na noite anterior, uma hiena, que lá chamava "lobo", e que vinha no encalce dos galináceos domésticos, tinha feito acionar uma das armadilhas do perímetro de defesa de Sare Ganá. E de pronto começaste a ouvir, de todos os lados, sucessivas rajadas de G-3... O pessoal, assustadiço, andava com os nervos em franja.

Ainda hoje te perguntas como é que tu arriscaste a tua vida e a do milícia local, nesta estúpida e inútil aventura de ir “reconhecer” uma aldeia abandonada e armadilhada ?!… Puro voyeurismo, grosseira infantilidade... Não fazia parte da tua missão!... 

Em suma, uma pura bravata!... Talvez quisesses provar a ti mesmo que também eras “um gajo com tomaste", tu que nem sequer eras um atirador de infantaria, nem tinhas, ao certo, nem pelotão nem secção...Eras o "pião das nicas", como te chamava o teu capitão, suprias as faltas de graduados, em todos os pelotões... 

Quiseste-te armar em "ranger", ou pior ainda, de sapador, tu que nem sequer tinhas conhecimentos rudimentares de minas e armadilhas... Podias ter acabado logo ali,a  escassos a dois meses e meio de Guiné, crivado de estilhaços.  Saré Ganá era, francamente, um sítio desolador para se morrer e, pior ainda, para se ficar inumado na vala comum do esquecimento...

A outra recordação marcante foi a da visita à tua morança, de uma  "gazela furtiva", cujo nome nunca soubeste, e que ficou no teu diário como uma simples "Fatumatá":

Ainda não me tinhas habituado ao ‘black-out’ total, imposto por óbvias razões de segurança: não podias ler nem escrever na tua morança de comandante...

(...) "Faz-me falta uma pequena lanterna de pilhas, o que torna ainda mais insuportáveis estas longas noites de Sare Ganá, em plena época das chuvas" (...).

Logo na segunda ou terceira noite tiveste a companhia silenciosa, misteriosa e furtiva de uma mulher da aldeia (nunca pudeste confirmar a suspeita de que era uma mulheres do comandante da milícia  local)...

Nem deste conta: introduziu-se, lesta como uma gazela, na palhota onde durmias, junto ao espaldão do morteiro 60. Tapou-te a boca com a mão, esboçou um sorriso cúmplice, puxou o pano de chita até à cintura, virou-se delicadamente de costas e ofereceu-te o seu esguio corpo de ébano, ressumando húmidos odores da floresta!...

(.,..) “De pé, ligeiramente curvada para a frente, enigmática como uma máscara, lasciva como a serpente bíblica, submissa como uma fêmea de felino!" (...).

Não te olhou olhos nos olhos, mas tu fizeste questão de a mirar de alto a baixo, de frente:

(...) “Não é bonita, o rosto deve-lhe ter sido marcado pela varíola, quando mais nova... É sensual e ainda jovem, de seios duros mas pequenos... 'Mama firme', como se diz aqui. É provável que seja infértil e nunca tenha parido.” (...)

Assim de chofre, tiveste dificuldade em perceber o seu comportamento e muito menos em adivinhar-lhe a idade:

(...) “Terá vinte e tal anos, menos de trinta.  (...)

E, tal como tinha chegado, partiu depois, discreta, silenciosa, furtiva, pela calada da noite, sem dizer uma única palavra em português ou crioulo...

(...) “Um 'affaire' no mato ? Que palavra tão deslocada, para mais francesa,  aqui no cú do mundo, numa tabanca fula, num país em guerra!” (...)

De qualquer modo, aquele momento de todo inesperado acabou por ser  celebrado com uma singela troca de "roncos": deste-lhe uma toalha de banho turca, colorida (haverias de comprar outra na Casa Gouveia, em Bafatá),  e ficaste-lhe com a sua pulseira de missangas vermelhas e brancas como recordação daquela estranha noite de Sare Ganá. Passaste a usá-la como amuleto.


Nem sequer te ocorreu "partir patacão" com ela: não querias, de modo algum, que o "vil metal" viesse  estragar a singeleza e até a beleza daquele momento, a partilha de corpos entre um homem e uma mulher que pertenciam a dois mundos completamente opostos...mas tinham em comum quiçá a infelicidade e a solidão do "hic et nunc", do aqui e agora...

Ainda hoje tens dificuldade em entender o significado daquela cena!...  O significado s
ocioantropológico, acrescenta lá o chavão: 

(...) "Simples atração sexual de um mulher por um estrangeiro ? Simples favores sexuais sem pedir mais nada em troca ? Cumprimento da obrigação feminina de hospitalidade, por ordens expressas do régulo ou do comandante de milícias que tu mal conheceras ? Ritual de submissão ao representante dos tugas, os 'senhores da guerra'? Solidão, despeito, ciúme, não sendo a mais nova das mulheres do seu marido e senhor, e muito provavelmente sendo infértil, e se calhar até repudiada,  uma das piores maldições que pode recair sobre a honra de uma mulher em África ? (...)

Este caso não era único, na época, e não acontecera por certo pelos teus lindos olhos... Nunca te armaste propriamente em sedutor... Soubeste mais tarde de outras estórias semelhantes de partilha de favores sexuais, de iniciativa aparentemente feminina... em contexto de guerra.


E concluias esse apontamento no teu diário, antes de regressares à sede do batalhão:

(...) “Deveríamos ser, ali, em Sare Ganá, os dois seres mais deslocados, infelizes e solitários do mundo... Nunca mais a vi, nem cheguei a saber a sua verdadeira estória. Nem sequer o seu nome. Nem quem a teria mandado. Nem sei se algum dia voltarei a Sare Ganá. Mas a sua imagem de gazela furtiva, essa, não vou tão cedo apagá-la da minha memória."


Nãp, nunca mais voltaste a Sare Ganá, é verdade...

Já em Contuboel, nos menos de dois meses de paz de Contuboel, tu havias escrito:

(...) Aqui a consciência humana tem a dimensão da tribo, do grupo étnico ou até da aldeia. Uma precária serenidade envolve a azáfama quotidiana destes povos ribeirinhos do Geba que, no meu eurocentrismo de viajante, recém-chegado e distraído, descreveria como felizes, gentis e hospitaleiros. 

O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes ou nas poças da chuva; (iv) os homens grandes, sempre eles, a tagarelar uns com os outros sentados no bentém, mascando nozes de cola. (...)

Em suma, um fim de tarde calmo numa tabanca fula (ou mandinga, ainda não sabias distinguir),   dos arredores de Contuboel que daria, em Lisboa, uma boa aguarela, para uma exposição no Palácio Foz, no Secretariado Nacional de Informação (SNI). 

E, no entanto, o seu destino, o destino destes homens, mulheres e crianças fulas, já há muito que estava traçado: em breve a guerra, e a militarizaçáo do seu "chão", e com ela a morte e a desolação, chegariam até estas aldeias de pastores e agricultores, caçadores e pescadores, músicos e artesãos, místicos e guerreiros…

E acrescentavas em tom algo premonitório ou até profético, juntamente peças dispersas do pouco conhecimento que detinhas da situação político-militar do território, em meados de 1969:

(...) "O chão fula vai resistindo, mal, ao cerco da guerrilha. De Piche a Bambadinca ou de Dulombi a Fajonquito, os fulas estão cercados. Mas por enquanto, Bafatá, Contuboel ou Sonaco ainda são sítios por onde os tugas podem andar, à civil, e até desarmados, como se fossem turistas em férias! (...).

Meio intrigado ou embaraçado com a hospitalidade local (deram-te 
uma morança, uma cama, um banquinho ou uma "turpeça", além de uma mulher, ainda jovem mas mais velha do que tu...),   foi lá , em Saré Ganá, que te apercebeste do profundo significado socioantropológico do "dom", do dar e receber, do ter ou não ter.... uma "turpeça", um morança, uma mulher, e uma esteira para dormir, atributos afinal do poder dos pequenos senhores da guerra...  

© Luís Graça (2006). Revisto: 1 de setembro de  2024.
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Nota do editor:

domingo, 4 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25806: (De) Caras (215): "Da minha varanda continuo a ver o mundo"... Parte I (Valdemar Queiroz, DPOC, Rua de Colaride, Agualva-Cacém, Sintra)

 

Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8


Foto nº 9


Foto nº 10


Sintra > Agualva-Cacém > Rua de Colaride > Julho de 2024>    Da mimha varanda continuo a ver  o mundo... "

Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso querido amigo e camarada Valdemar Queiroz:


Data - domingo, 28/07/2024, 15:08

Assunto - Da minha varanda continuo a ver o mundo (*)


Boa tarde, Luís


Como este belo tempo, um pouco quente mas sem o sol a abrasar, continuo a ver passar os meus novos vizinhos caminhando na minha rua, sempre coloridos.

Agora, já apanharam o hábito do telemóvel quase como em tempos o cigarro ou a pastilha elástica, inseparável. Até a sombra da frondosa e quase cinquentenária nespereira serve para fazer um 'mi liga' a meia da tarde. 

Também já existem telemóveis que enviam legendas-grafites e outros que nem sequer criam
inveja antes olhar a loirinha à fresca ligando.

Eu, agarrado a oxigénio, cá estou na minha varanda a ver passar a nova vizinhança de cabo- verdianos e guineenses e um ou outro dos antigos vizinhos já muito raros. Anexo umas fotos tiradas da varanda e ver os vizinhos passar.

Bons dias de Verão e umas malguinhas de verde fresco. (**)
Valdemar Queiroz

Anexo - 24 fotos



Valdemar Queiroz, minhoto de Afife,  Viana do Castelo, por criação, lisboeta por eleição (ou necessidade...), ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70 (aqui por obrigação, em foto, tirada em Contuboel, 1969).  Entrou para a Tabanca Grande em 16 de fevereiro de 2014. Estivemos juntos no CIM de Contuboel de 2 de junho a 18 de julho de 1969. Ele foi um dos instrutores da recruta das 100 praças do recrutamento local, que fomos receber para fazer a guerra, a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, junho de 1969 / março de 1971). Tem mais de 180 referências no nosso blogue, de que é um leitor e comentador assíduo.


2. Comentário do editor LG:

Grande Valdemar, já não há, em julho, nêsperas nem flores lilases de jacandará, mas o mundo continua a passar pela tua janela ou pela varanda do teu apartamento na Rua de Colaride, Agualva-Cacém... O mundo, os teus vizinhos, e as memórias que eles te trazem do seu mundo (que afinal é cada vez mais só um...).

E tu continas a sorrir para o mundo, ou pelo menos a câmara do teu novo telemóvel,  que já não é tão "fatela" como a do ano passado...a avaliar pela "qualidade" das imagens que me mandas agora... Ou é a mesma ? (Tenho ideia que  Menino Jesus neerlandês te deu um novo telemóvel pelo Natal.. se não te deu, bem o merecias.)

Continuas a viver hoje, sozinho, em casa, em Agualva-Cacém. Felimente que a tua rua é "colorida". E tem vida...  E renova-se... 

Tens o teu filho e netos, longe, nos Países Baixos, mas mesmo assim ao alcance de um "clique". (Lembras-te, na Guiné, naquele tempio, era preciso dormir na estação dos correios em Bissau, para se conseguir, no dia seguinte, uma chamada para casa, aqueles de nós, muito poucos, que tinham o privilégio de ter telefone fixo, em casa...).

E vez em quando, lá vais (é a tua sina!) de "charola" para o Hospital Amadora-Sintra com uma crise aguda, devido à sua "DPOC de estimação"... Aprendeste a lidar com a ela, a filha da mãe..., com o teu sempre desconcertante mas saudável humor (de caserna)... E com a preciosa ajudinha do teu/nosso SNS que já conhece a tua rua... (Que Deus Nosso Senhor lhe continue, ao teu/nosso SNS,  dar "saudinha da boa", e por muitos anos...).

O voto dos teus amigos e camaradas da Guiné é que continues a ser mais teimoso do que o raio da tua "doença de estimação" que te vai acompanhar para o resto da vida.  E que a "menina dos teus olhos" continue a poder ver o mundo, e a encontrar motivos para sorrir e o fixá-lo em humaníssimos e ternurentos instantâneos como estes...  (Tens razão, o raio do telemóvel também veio para ficar como o Toyota, a "covide" e por aí fora...).

Obrigado, pelas fotos que nos mandaste e de que fizemos uma seleção. (**) 
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Notas do editor:

(`*) Vd. postes anteriores:



15 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24400: (De) Caras (198): "Da minha varanda também vejo o mundo... Ou uma nesga, o da da minha rua" (Valdemar Queiroz, DPOC, Rua de Colaride, Agualva-Cacém, Sintra) - II (e última) Parte

(**) Último poste da série > 31 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25797: (De)Caras (305): Cecílica Supico Pinto: a "líder carismática" do Movimento Nacional Feminino, com acesso privilegiado a Salazar, que veio preocupadíssima com a situação na Guiné, na véspera do 25 de Abril de 1974

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25575: (De) Caras (208): António Baldé, ex-1º cabo , CIM Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 56 (São João, 1969/70), e CART 11 (Paunca, 1970/71): "Eu tinha um sonho: ser apicultor no Cantanhez"...





















Guiné- Bissau > s/l > 2024 > O senhor apicultor e formador em apicultura, António Ussumane Baldé, membro da Tabanca Grande, desde 2013...


Fotos: © António Baldé (2024). Todos Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. De há muito que o António Baldé, nosso grão-tabanqueiro, tinha um sonho, ser apicultor.... Acaba de o realizar. (Ao fim de, pelo menos, vinte e tal anos, ou trinta. ) Fiquei muito feliz em sabê-lo. E prometi-lhe que publicava a notícia no blogue. Ele de vez em quando telefona-nos de Bissau, à Alice e a mim. Mandou-me mais de 70 fotos, pelo Whatsapp. Sem legendas.  Selecionei umas tantas. 

O Baldé, como lhe chama a Alice, foi 1º cabo art, CIM Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 56 (São João, 1969/70) e  CART 11 (Paunca, 1970/71). 

Recapitulemos a sua história de vida, tal como eu a contei quando foi apresentado à Tabanca Grande em 25 de março de 2013 (*):

(i) António Ussumane Baldé nasceu em  Contuboel, em 1944;

(ii) foi educado, até aos 12 anos, pelo chefe de posto adinistrativo local, o português José Pereira da Silva, ainda vivo em 2013 (morava em Oeiras);

(iii) fez a 4ª classe e isso abriu-lhe outras portas que outros miúdos da sua tabanca não puderam franquear;

(iv) lembrava-se bem da serração do Albano, que ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969, quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CART 11 e a CCAÇ 12);

(v) em 1966, foi chamado para a tropa: fez a recruta e a especialidade no CIM de Bolama ficou lá dois anos; promovido a 1º cabo, de artilharia, foi instrutor; lá se formaram diversos Pel Caç Nat;

(vi) em 1969 é transferido para o Pel Caç Nat 56, sediado em S. João, frente a Bolama;

(vii) em 1969 casou-se: será o primeiro de quatro casamentos; teve ou tem 15 filhos, o último dos quais a Alicinha do Cantanhez, filha da nalu Cadi Indjai (1985-2013) (por sua vez, filha de um antigo "combatente da liberdade da Pátria", que perdeu uma perna, na zona do Xitole, ao pisar uma mina dos "tugas", tendo estado na Alemanha de Leste, em reabilitação);

(viii) desse tempo, e do tempo do Pel Caç Nat 56, lembra-se com saudade dos furriéis Gil e Nuno, que gostaria de voltar a encontrar; não faz ideia do seu paradeiro; em São João esteve em 1969/70; 

(ix) será depois transferido para a CART 11, que estava em Paunca: esteve por lá em 1970/71: o comandante do seu pelotão era o alf mil Matos, que é de Ovar, e com quem ainda hoje convive e fala ao telefone: já foi a um (ou mais) dos convívios da companhia: esteve no destacamento de Sinchã Queuto [que eu só localizo a norte de Bafatá, e a sul de Contuboel, no mapa de Bafatá];

(x) saiu da tropa em finais de 1970 ou princípios de 1971; a mulher tinha ficado em Bolama;

(xi)  assistiu depois à independência; não tem boas memórias de Bambadinca desse tempo (teve de assistir a julgamentos populares selvagens e a execuções sumárias, bárbaras, pelo menos de um polícia administrativo e de um régulo, considerados "inimigos públicos nº 1 do PAIGC"); mas não teve, felizmente para ele,  quaisquer problemas com os novos senhores da Guiné-Bissau...

Ainda antes da independência tinha começado a trabalhar nos serviços agrícolas da província. Fez formação em floricultura, se não me engano. Foi ele e outros estagiários quem fez o jardim do Bairro da Ajuda, em Bissau, no tempo do administrador Guerra Ribeiro. 

Depois da independência começou a trabalhar com o engº agr Carlos Scwharz, no DEPA, na região de Tombali. Tem uma grande admiração pelo Pepito e pelo trabalho dele em prol do desenvolvimento da sua terra. (É cofundador, se não erro, e cooperante da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede no bairro do Quelelé, de que o Pepito  foi diretor executivo atà data da sua morte, em 2014).

No princípio deste século, veio a Portugal fazer um curso de apicultura, que era então (e continua a ser hoje)  a sua grande paixão. Acabou por ficar. Para sobreviver, trabalhou como segurança numa empresa de construção, no concelho de Cascais. Entretanto, obteve a nacionalidade portuguesa. Tinha, em 2013, um filho, de 13 anos, o Umaro Baldé, que vivia com ele e que estava a frequentar o 7º ano de escolaridade obrigatória, em Alfragide, e queria ser  informático (está neste momento em Inglaterra).

Em 2013, quando entrou para a Tabanca Grande estava desempregado. O seu sonho era voltar a Caboxanque onde tem casa, junto ao rio Cumbijã,  e desenvolver o seu projeto de apicultura no Cantanhez. Mas tinha dois filhos pequenos para criar (o Umaru e a Alicinha do Catanhez, que ele e a Alice quiseram trazer para Portugal). 

Muçulmano, ia todas as sextas feiras à mesquita central de Lisboa. Era um bom crente. Era uma homem afável, conhecia meio mundo, e pediu-me para ingressar na Tabanca Grande. Estava interessado sobretudo em partilhar os seus conhecimentos e a sua paixão como apicultor.

Conhecia-o nessa altura, em 2013.  Era o pai, biológico, da Alicinha do Cantanhez, filha da Cadi, a sua quarta mulher.  Ele vivia na zona de Cascais, onde era segurança. A empresa fechou, o Baldé ficou no desemprego. Um advogado, seu amigo, arranjou-lhe casa em Alfragide. Éramos,  pois, vizinhos de 'tabanca'.  Só conhecia a filha de fotografias e vídeos (que o Pepito mandava para a Alice) . Mas era um pai babado. Vivia em Portugal há já cerca de 10 anos. Éramos nós que lhe  dávamos notícias da mãe e da filha. Tinha casa em Caboxanque na margem esquerda do Rio Cumbijã.  Queria que lá fossemos um dia passar férias. Queria votar à sua terra com o diploma de apicultor (**).

A Alicinha e a mãe, nalu,
Cadi Indjai (1985-2013)

Infelizmente, tudo lhe correu mal. Estava a tentar aguentar-se cá 15 anos, fazendo descontos para a Segurança Social e contando com o tempo da tropa.  Nem o tempo de tropa lhe foi descontado nem a Segurança Social lhe garantiu uma pensão de reforma. Por outro lado, a Cadi morreu (em 2013)  e a filhota, a Alicinha do Cantanhez, não conseguiu chegar a Portugal nem perfazer os 5 anos (morreu em 2014). Vi-o chorar convulsivamente quando soubemos e lhe transmitimos a notícia, devastadora para todos. Adorávamos a Cadi e a Alicinha. E o Baldé passou também a fazer parte da família...  

Voltou para Bissau, com os sonhos desfeitos e sem o diploma de apicultor. Sem um tostão, sem a pequena reforma que seria fundamental para a concretização dos seus sonhos e poder alimentar uma família numerosa. 

Os primeiros anos forma difíceis. Em meados de 2019, passava-se fome em Bissau. Telefonou-nos um dia a dizer que estava em Caboxanque a passar mal.  São situações que nos destroçam o coração...  E depois veio a maldita pandemia de Covid-19. De tempos a tempos ia dando notícias. Tem cá uma filha e netos, em Massamá ou no Cacém.

 Finalmente há dias soubemos, por ele,  que as coisas estavam a correr melhor, em Bissau e em Caboxanque, e que para o ano ele ia a fazer a sua primeira grande colheita de mel. Tanto quando dá para perceber pelas fotos que nos enviou, sem legendas, tem o seu negócio, independente... Aos 80 anos (!), continua a perseguir o seu sonho de há muito!..."Com a ajuda do Criador", diz ele, humildemente, ao telefone. Faz formação (e ele próprio elabora os seus materiais pedagógicos) e monta colmeias. Tem já bastantes no Cantanhez.  Não sei se tem algum apoio de alguma OND. Enfim, uma história feliz, desta vez, mesmo que ainda não se possa dizer que terá um final feliz. Mas Oxalá, Enxalé, Insha'Allah!.... Parabéns, Baldé, tu mereces tudo de bom.  (***)

(**) Vd. poste de 7 de janeiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12554: Ser solidário (157): O nosso camarada, luso-guineense, natural de Contuboel, desempregado, a residir em Alfragide, António U. Baldé, pai da Alicinha do Cantanhez, tem um sonho: ser apicultor em Caboxanque...
 
(***) Último poste da série > 4 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25478: (De) Caras (207): Homenagem póstuma da sua terra natal, Mealhada, ao ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Nat 58, José da Cruz Mamede (1949-1970), morto na emboscada de Infandre, em 12/10/1970

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25466: Fichas de unidade (35): BCAÇ 2856 (Bafatá, 1968/70)




BCAÇ 2856  (Bafatá, 1968/70). Guião e brasão. 
Fonte: Cortesia de Carlos Coutinho (2009)

Ficha de unidade > BCAÇ 2856

Batalhão de Caçadores n.º 2856
Identificação: BCaç 2856
Unidade Mob: RI 2 - Abrantes
Cmdt: TCor Inf Jaime António Tavares Machado Banazol | 2.° Crndt: Maj Inf Virgílio Martins Raposo | OInfOp/Adj: Maj Inf Fernando Xavier Vidigal da Costa Cascais

Cmdts Comp:
CCS: Cap Inf Raúl Afonso Reis
Cap Art José Gamaliel Borges Alves
CCaç 2435: Cap Inf José António Rodrigues de Carvalho | Cap Inf Raúl Afonso Reis
CCaç 2436: Cap Inf José Rui Borges da Costa
CCaç 2437: Cap Mil Inf Celestino Castro Fontes
Divisa: "Nunca diga o inimigo não o vi" 
Partida: Embarque em 23out68; desembarque em 28out68 | Regresso: Embarque em 1out70

Síntese da Actividade Operacional

Em 2nov68, rendendo o BCav 1905, assumiu a responsabilidade do Sector L2, com sede em Bafatá e abrangendo os subsectores de Fajonquito, Contuboel, Geba e Bafatá.

Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamentos, reconhecimentos, emboscadas e batidas por forma a impedir a infiltração e fixação do inimigo na zona, exercer a vigilância e controlo dos itinerários e promover a autodefesa e segurança das populações. Nomeadamente em reacções a ataques aos aquartelamentos e nas operações "Vitória Certa", "Alerta", "Impacto" e "Infalível", entre outras, demonstrou excelente capacidade ofensiva e prontidão das subunidades utiliizadas.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 9 pistolas-metralhadoras, 3 espingardas, 65 granadas de armas pesadas e 2135 munições de armas ligeiras.

Em 13ag070, foi rendido no sector pelo BArt 2920, recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

***
A CCaç 2435 seguiu imediatamente para o subsector de Quinhámel a fim de efectuar a sobreposição e render a CCav 1649, assumindo em 18nov68 a responsabilidade do referido subsector, com destacamentos em Ilondé, Ponta Vicente da Mata, Ondame e Orne e ficando integrada no dispositivo do BCaç 1911, com vista a garantir a segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 7dez68, foi substituída pela CCaç 1681 e seguiu para a zona Leste, a fim de render a CCav 1685, tendo assumido, em 14dez68, a responsabilidade do subsector de Fajonquito, com pelotões destacados em Cambajú e Sumbundo, este até finais de Jul69 e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 20abr70, por troca com a CCaç 2436, assumiu a responsabilidade do subsector de Contuboel, com dois pelotões destacados em Sare Bacar.

Em 13go70, foi rendida pela CArt 2741, mantendo entretanto dois pelotões em Contuboel em reforço da guarnição local até meados de set70, tendo seguido para Bissau e depois para reforço do subsector de Nhacra.

Em 25set70, voltou a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

***

A CCaç 2436 ficou inicialmente colocada em Bissau, substituindo a CCav 1650, ficando integrada no dispositivo do BCaç 1911, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 4dez68, foi substituída pela CArt 1689 e seguiu para Galomaro, tendo assumido temporariamente a responsabilidade do respectivo subsector, então criado na zona de acção do BCaç 2852.

Em 24dez68, foi substituída em Galomaro pela CCaç 2405 e foi colocada seguidamente em Contuboel, a fim de reforçar a guarnição local e assumir a função de subunidade de intervenção e reserva do sector, sob responsabilidade do seu batalhão, tendo tomado parte em patrulhamentos e acções nas regiões de
Quique e Caresse, entre outras e ainda na operação "Mabecos Bravios", do Agr 2957, de 2 a 7fev69.

Em 18fev69, com a saída da CCav 1748, assumiu a responsabilidade do subsector de Contuboel, com um pelotão destacado em Sare Bacar, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 20abr70, por troca com a CCaç 2435, assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, com um pelotão destacado em Cambajú.

Em 13Ago70, foi rendida pela CArt 2742, mantendo entretanto dois pelotões em Fajoquinto até meados de Set70, para realização de patrulhamentos e acções nas regiões de Caresse e Quenható e seguiu, por fracções, para Bissau, onde permaneceu a fim de aguardar o embarque de regresso.

*** 

A CCaç 2437 ficou inicialmente colocada em Bissau, em reforço temporário do BCaç 1911, a fim de colaborar na segurança e protecção das instalações e das populações da área.

Em 4nov68, rendendo a CCaç 1690, assumiu a responsabilidade do subsector de Geba, com pelotões destacados em Cantacunda, Sare Banda e Sare Ganá, este até princípios de dez68, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 13ago70, foi rendida pela CArt 2743, mantendo entretanto dois pelotões em Geba até à segunda semana de Set70, para realização de acções na região de Bucol-Mansaina e seguiu, por fracções, para Bissau, onde permaneceu a aguardar o embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa nº 111 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 121/123.

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25179: Fichas de unidade (34): CCAÇ 797 (Tite, São João e Nhacra, 1965/67)