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quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27418: Em memória de Sissau Sissé, que me acompanhou durante muitos anos no meu trabalho de terreno em Contuboel (Eduardo Costa Dias)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de hoje, 13 de Novembro de 2025:

Queridos amigos,
Em 12 de novembro almocei no restaurante da Sociedade de Geografia de Lisboa com o meu amigo Eduardo Costa Dias, professor universitário aposentado, com tese de doutoramento baseada na agricultura Mandinga de Contuboel, onde fez trabalho de campo. Falámos de amizades inextinguíveis e sempre, sempre, dessa Guiné que gostaríamos de ver em trilhos de democracia, equidade, desenvolvimento, sempre em compasso de espera, para não dizer em regressão. À tarde, deixou-me no mail esta recordação tão terna, que tanto me surpreendeu. Perguntei-lhe seguidamente se permitia a sua publicação no blogue, prontamente disse que sim. Se procurarem no Google, terão provas dos trabalhos académicos guineenses, ali se expõem as suas colaborações nacionais e internacionais.
Sinto muito orgulho em ver o meu amigo Eduardo Costa Dias a participar no blogue.

Abraço do
Mário


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Sissau Sissé

Eduardo Costa Dias

Sissau Sissé acompanhou-me durante muitos anos no meu trabalho de terreno em Contuboel. Mestre, tradutor e, mais do que tudo, amigo. Sissau era fluente - falava, lia, escrevia em português, crioulo, fula e mandinga e em mais duas ou três línguas do grupo linguístico malinké. “Desenrascava-se bem” ainda em francês e árabe.

Membro de uma importante família de mouros com ramificações no Senegal, no Mali e na Guiné-Conacri, frequentou em simultâneo a “escola de branco” (anos 1960) e, durante longos anos, a madraça onde o avô, o pai, os tios e, a partir de certa altura, primos ensinavam. Durante dois anos frequentou intermitentemente uma madraça no outro lado do Geba, em Djabicunda. Muito religioso, Sissau Sissé não era exatamente um expert em textos corânicos. Era, sim, um excelente conhecedor dos, escrevendo à antiga, usos e costumes dos Mandingas e, sobretudo, um grande genealogista. Conhecia a história toda das grandes famílias Mandingas e, como ninguém, “lia” as ligações.

Os meus primeiros (e decisivos) contactos com a “floresta” da “genealogia religiosa muçulmana” foram por ele guiados. Devo-lhe, por exemplo, ter aprendido depressa o significado de palavras como baraka, distribuição de baraka, herança de baraka e o conteúdo de silsila: fulano aprendeu com o seu mestre X que por sua vez já tinha aprendido como seu mestre Y, que por sua vez já tinha aprendido do seu mestre W.

Tábua escrita por alunos de uma escola corânica em Galugada Mandinga

Tirei hoje esta fotografia - uma tábua escrita por alunos de uma escola corânica em Galugada Mandinga, no dia da festa Eid-al-Adha que o Sissau Sissé considerava o centro do ano muçulmano e no mês em que fez 30 anos que morreu.

Acometido de uma apendicite aguda em Contuboel foi trazido por um jeep do DEPA para o hospital Simão Mendes em Bissau. Morreu durante a operação… tendo precisado de oxigénio… o hospital não tinha, sendo mais preciso: não havia oxigénio porque tinha sido desviado e possivelmente, como na época acontecia bastante, vendido no Senegal ou na Gâmbia.

Sissau, Saudades tuas
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