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quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24853: As nossas geografias emocionais (16): O novo rosto da "nossa" Bissau Velha: fotogramas de vídeo recente de @PauloCacela, ciceroneado por Tita Pipoka e Liliana Correia


Fotograma nº 1   > Bissau > Praça Heróis da Pátria (antiga Praça do Império) (é cruzada na vertical pela Av. Amílcar Cabral e na horizontal pela Av. Francisco Mendes)


Fotograma nº 2 > Bissau > Av. Amílcar Cabral (antiga Av. da República)... Ao fundo, o palácio presidencial (há uns anos reconstruído pelos chineses)... Do lado direito, a catedral de Bissau, do tempo colonial.


Fotograma nº 3 > Bissau > Forte da Amura (fortificação do séc. XVIII, hoje Panteão Nacional onde repousam os restos mortais de alguns heróis da liberdade da Pátria, como o Amílcar Cabral, o Domingos Ramos, o Osvaldo Vieira, etc.) (Sobre a nova toponímia de Bissau, a partir de 1975, vd. poste P20340 (*)


Fotograma nº 4 > Bissau >  Casa N'té, uma gelataria tradicional. Na foto o Paulo Cacela e a Tita Pipoka. A Casa N'té tem página no Facebook. Fica na Rua de Angola, frente à RTP.


Fotograma nº 5 > Bissau >  O novo Mercado Central de Bissau, recém construído no mesmo sítio do velho mercado do tempo colonial, em plena Bissau Velha, perto da  Amura. Foi inaugurado em 26/12/2023, é um edifício de três pisos contando com 360 lugares para venda e com capacidade para albergar 480 comerciantes. Na foto o Paulo Cacela comendo uma saborosa manga com casca.


Fotograma nº 6 >Bissau > Mais um artéria da cidade, em obras  


Fotograma nº 7 > Bissau > o novo Mercado Central de Bissau: entrada. O antigo mercado construido na época colonial, ficou fechado durante 16 anos devido aos bombardeamentos de que foi alvo durante a guerra de 7 de Junho 1998, tendo sido reabilitado um ano depois, mas, em 2006, um incêndio voltou a destruí-lo por completo. Os feirantes acabaram por montar o seu negócio ao longo das ruas adjacentes (Fonte: FAAPA, 27 dez 2022).

Guiné - Bissau > Bissau > 2023 > O "novo" rosto da cidade... Fotogramas do vídeo de Paulo Cacela na sua canal no You Tube, reproduzidos aqui e editados por nós, com a devida vénia>  

Fotogramas (e legendas): © Paulo Cacela (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. O vídeo tem pelo menos três meses, foi c0locado em 21/7/2023. O  nosso já conhecido Paulo Cacela, "youtuber", português a viver em Cabo Verde, desde 2010 (**), faz um visita de carro pela "nova" Bissau Velho, sendo guiado por dois conhecias "influencers", a Tita Pipoka e a Liliana Correia. A época ainda é a da estação seca, a avaliar pela ausência de poças de água nas ruas. (Surpreendeu-me a frota automóvel de Bissau: há ali dinheiro a correr...)

O vídeo, colocado no You Tube,  tem já mais  de 32 mil visualizações.

Sinopse

(...) "Junta-te a nós para acompanhar as mudanças urbanas que estão acontecer na capital Bissau. Ninguem melhor que Tita Pipoka e Liliana Correia que dispensam qualquer tipo de apresentaçãoes na comunidade da lingua portuguesa, para nos mostrar um pouco sobre as ruas da capital, vamos perceber o que est+a a ser feito em prol da melhoria urbana. Podem seguir no Facebook: Tita Pipoka e Mrs Correia no Facebook e no Youtube onde iráo certamente encontrar excelentes videos sobre a Guine Bissau. (...)

Não se esqueçam também de dar o respectivo like e subscrever também".(,,,)

O Paulo Cacela é conduzido por ruas da  "nova" Bissau Velha, umas já remodeladas e alcatroadas, outras ainda em obras (como é o caso da Av Amílcar Cabral, que vem  da antiga Praça do Império ao porto do Pijiguiti). 

Nesta avenida realizam-se as cerimónias da comemoração dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau (24 de setembro de 1973) (Vd foto abaixo, enviada há dias pelo nosso colaborador Patrício Ribeiro) (***).


2. O Paulo Cacela é já um nosso conhecido: jovem engenheiro civil português (formou-se em 2006, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), mudou-se para Cabo Verde em 2010.

Até 2019 trabalhou na área da construção civil. E formou lá família. Com a pandemia de Covida-19 , decidiu viajar e mostrar as ilhas do arquipélago de Cabo Verde (vencendo a fobia de viajar de avião). Tornou-se "youtuber", criador de vídeos.

Mais recentemente, em meados de 2023, esteve na Guiné-Bissau, país de que se tornou rapidamente um apaixonado, Os seus vídeos (sobre Bissau, Bubaque, Bafatá, Bambadinca, Saltinho...) merecem ser vistos,

Como forma de o ajudar a tornar este projeto sustentável, sugerimos que subscrevam o seu canal. Tem já cerca de 23 mil subscritores, cerca de 190 vídeos de viagens. O número de visualizações atinge já os 3,5 milhões. Aderiu ao You Tube em 2013 (@PauloCacela). Tem também página no Instagram e no Facebook (aqui com 13 mil seguidores).

Há dias divulgámos um dos seus recentes vídeos, justamente sobre Bambadinca, a que ele chamou "a maior tabanca da Guiné-Bissau" (**).
 
Os fotogramas que reproduzimos, retirados do vídeo (com a devida vénia...) remetem-nos para lugares que pertencem às nossas geografias emocionais (****)


Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 12 de novembro de 2023 > A tribuna VIP que irá receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português), presesntes nas próximas celebrações dos 50 anos da independència do país (que se realizam hoje, 16 de novembro de 2023, com a presença. entre outros do nosso presidente da República e o nosso primeiro ministro). Por detrás da tribuna, o nosso velho conhecido cinema UDIB, ainda da época colonial.


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20340: Memória dos lugares (400): Roteiro de Bissau, antes e depois de 1975: principais artérias e pontos de referência


(*** ) Vd. poste de 13 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24844: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (28): A av Amílcar Cabral, a antiga av República, toda remodelada e engalanada para receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português) que vão participar nas comemorações dos 50 anos da independência do país

Vd.  também poste de 28 de dezembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23924: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (33): Fotos de Bissau Velho e Amura, na véspera de Natal

(****) Último poste da série : 4 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24821: As nossas geografias emocionais (15): o reordenamento de Nhabijões (ou Nha Bidjon), 300 casas de zinco que terão custado mais de 2700 contos (c. 700 mil euros a preços de hoje), fora a mão-de-obra, civil e militar, e ainda os custos indiretos e ocultos

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24844: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (28): A av Amílcar Cabral, a antiga av República, toda remodelada e engalanada para receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português) que vão participar nas comemorações dos 50 anos da independência do país



Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 12 de novembro de 2023 > A tribuna VIP que irá receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português), presesntes nas próximas celebrações dos 50 anos da independència do país. Por detrás da tribuna, o nosso velho conhecido cinema UDIB, ainda da época colonial.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Bissau > 3/11/2015 > O edifício da UDIB -União Desportiva Internacional de Bissau, na atual av Amílcar Cabral. Foto do álbum de Adelaide Barata Carrêlo, filha do tenente SGE Barata, da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), que esteve com a família (pai, mãe, irmã gémea e e irmão mais velho) em Nova Lamego na altura da segunda parte da comissão de serviço do pai (1970/71), entretanto falecido, em 1979, com o posto de capitão.
 
Foto (e legenda): © Adelaide Barata Carrelo (20217). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > Sede da UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau > c. 1962/64. Foto do nosso camarada açoriano Durval Faria (ex-fur mil da CCAÇ 274, Fulacunda,  jan 1962/ jan 64)

Foto (e legenda): © Durval Faria (2011). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

Guiné > Bissau > A pacata cidadezinha colonial do início dos anos 60.  A Av da República, ao fundo o Palácio do Governo. O UDIB ficava do lado direito. Hoje é a Av Amílcar Cabral. Recentemente sofreu profundas obras de remodelação. Todas as árvores foram derrubadas Postal da época. Cortesia de João Varanda, ex-fur mil, CCAÇ 2636  (que esteve em Có. Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70, e depois Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71).




1. Mensagem de ontem, às 13:23, do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em
Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue; autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau") (*)
 

Luís e restante rapaziada.

Junto foto, tirada esta manhã junto á UDIB, na av Amílcar Cabral, onde se pode ver a antiga  Praça do Império,  e o antigo palácio do Governador, ao  fundo.

Estão a instalar aqui uma tribuna, para receber diversas individualidades, esta semana. Entre os quais o presidente da república portuguesa,  Professor Marcelo Rebelo de Siousa, assim como o primeiro-ministro português António Costa e ainda o ministro dos negócios estrangeiros Gomes Cravinho.

Para as comemorações dos 50 anos de Independência, vão desfilar as forças armadas da Guiné, que vão ser homenageadas pela luta de libertação.  A festa do 24 de Setembro é feita agora.

Vai ser uma semana de festas.
Abraço, Patrício Ribeiro

impar_bissau@hotmail.com
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Nota do editor:

.(*) Último poste da série > 24 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24788: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (27): Em louvor do filme "Fogo no Lodo", de Catarina Laranjeira e Daniel Barroca, passado na tabanca de Unal, no antigo corredor de Guileje... Infelizmente a sessão de amanhã, no Doclisboa, na Culturgest, está esgotada

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24829: S(c)em comentários (12): As (des)ilusões de Luís Cabral... (António Rosinha, ex-topógrafo, TECNIL, Bissau, 1979-1993)


Guiné-Bissau > Região do Boé  (?) > 24 de Setembro de 1973 > Foto (e legenda) da revista PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973

"O Camarada Luís Cabral, secretário geral adjunto do nosso Partido, eleito Presidente do Conselho de Estado, seu representante nas relações internacionais, sendo igualmente o comandante supremo das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP)"...

No Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, estas e outras fotos do dia 24 de setembro de 1973, o da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, por parte do PAIGC, partido revolucionário que se intitulou único e legítimo representante de todo o povo da ex-Guiné Portuguesa (!), são alegadamente  tiradas na  "região libertada de Madina de Boé" (sic), uma ficção que se mantem até hoje, 50 anos depois, mesmo contra toda a evidêncial factual... 

O PAIGC sempre foi um partido que viveu, no plano interno e externo,  da propaganda, do "show-off", do cinismo, da mentira (a começar pelos comandantes da guerrilha e dos comissários políticos que engavam o Amílcar Cabral com números fantasiosos de retumbantes vitórias militares,e alguns eram racistas e violentos para com a sua própria população), para não dizer até da capacidade de  sedução,  da basófia  e da "lata" (nomeadamente dos seus "diplomatas"... reclamando-se, nas instàncias internacionais,  do controlo, por exemplo, de 2/3 do território e de 400 mil habitantes, com estruturas que seriam as futuras bases do novo Estado independente: escolas hospitais, armazéns do povo, granjas, forças armadas, tribunais, gestão local, etc.).

 Já falámos, "ad nauseam", da ajuda sueca (alegadamente "desinteressada", "humanitária", "solidária",  etc.), que atingiu valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, o montante correspondente ao período da "guerra de libertação", de 1969/70 até 1976/77)... 

Enfim, essa ajuda chegou a representar 5 a 10% do total do valor das importações da Guiné-Bissau...Ao fim destes anos todos, os suecos fecharam a torneira, ao descobrirem que estavam a mandar o dinheiro dos contribuintes para o lixo... 

A administração de Luís Cabral e, depois, do golpista  e tribalista'Nino' Vieira, dois heróis da liberdade da Pátria, infelizmente não conseguiram trilhar com sucesso os caminhos da liberdade, da justiça, da paz, da reconciliação e do desenvolvimento com que sonhara e por que lutara o "pai" da Pátria, Amílcar Cabral, hoje tão mal-amado e esquecido na sua própria terra, talvez  por ser meio-guineense e meio-cabo-verdiano...




Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-"colon" e retornado, como ele gosta de se intitular com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar... por que já as viveu (as "Berças", Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Portugal pós-25 de Abril...)



Antº Rosinha disse (*)...

"Declarações de Luís Cabral que deplorava ter encontrado os cofres vazios, uma administração sem quadros", quer dizer, o aprendiz de colonialista, Luís, irmão de Amílcar, estaria à espera de uma passadeira vermelha e um abre alas com banda de música.

Depois de andarem 13 anos a dizer que não precisavam de nada do 'colon', que nós sabemos governar melhor e os nossos amigos vão-nos ajudar, admira a desilusão de Luís Cabral, com a debandada dos funcionários colonialistas.

De facto até parecia fácil governar as colónias portuguesas para quem conhecia bem aquela "paz colonial", por dentro e por fora, com a colaboração de funcionários como Luís Cabral, Amílcar Cabral, Aristides Pereira... em geral.

Para alguns correu bem, outros nem tanto. (**)


7 de novembro de 2023 às 19:10

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24696: Recortes de imprensa (138): "A última entrevista de Amílcar Cabral", reportagem de Manuel Goucha Soares ("E", a Revista do Expresso, edição de 22 de setembro de 2023)


1. Passou ontem a efeméride: há 50 anos, em 24 de setembro de 1973, o PAIGC fazia a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, perante alguns convidados estrangeiros. (E, claro os seus militantes e simpatizantes: mas a cerimónia era m
ais "para inglês ver", como se dizia em Portugal no tempo do Marquês de Pombal  que ficou com a hercúlea tarefa de reconstruir Lisboa depois do terramoto de 1 de novembro de 1755).
 
Os dois únicos jornalistas ocidentais presentes, além da fotojornalista italiana  Bruna Amico (atualnente Bruna Polimeni), seriam os cineastas suecos Lennart Malmer e Ingela Romare, que documentaram a cerimónia solene. O seu filme,  ”O Nascimento de uma Nação” (que nunca vimos) foi transmitido,  pela estação oficial sueca de televisão (Lennart Malmer e Ingela Romare: ”En nations födelse”, 48 minutos, 1973, Sveriges Television - SVT,).


Não foi dado especial destaque à efeméride da independência pela nossa cada vez mais reduzida imprensa escrita, a avaliar pelas capas dos jornais diários e dos semanários.  O Expresso, na sua edição de 22 de setembro de 2023, optou por aproveitar um "furo jornalístico", a (re)descoberta de uma gravação com um entrevista com Amílcar Cabral, feita em Londres, em 27 de outubro de 1971, por dois jovens estudantes portugueses, oposicionistas,  "que tinham deixado o país" (sic), o estudante de urbanismo (e hoje arquiteto) Pedro George ( na altura, em Londres), ligado ao boletim "Anticolonialismo", e o estudante de história, José Medeiros Ferreira (Grenoble) (1942-2014) (mais tarde, político e professor universitário), que animava a publicação "Polémica" (foi um destacado activista e líder na crise estudantil de 1962 e depois desertor,  em 1968).

A jornalista Manuela Goucha Soares assina na "E", a revista do Expresso, na edição da última semana, a reportagem "A entrevista perdida de Amílcar Cabral" (pp. 22-27). 

O prestigiado semanário publica, a toda a largura das duas primeiras páginas, a mais icónica foto do Amílcar Cabral, sem contudo mencionar a sua autoria, da italiana Bruna Amico (hoje conhecida por Bruna Polimeni),  nem o local (Boké, Guiné-Conacri, longe do teatro de operações...) ~

E um Amílcar CaBrás em pose heróica, de pé numa canoa  (o único que está de pé,  em equilíbrio instável),"de peito feito às balas" (que em Boké só podiam ser as da perfídia e da traição). [Vd. foto acima, à direita; fonte (com a devida vénia...): Arquivo Casa Comum | Fundação Mário Soares | Documentos Amílcar Cabral | Pasta: 05361.000.001 | Título: Amílcar Cabral e Constantino Teixeira, entre outros, a bordo de uma canoa | Assunto: Amílcar Cabral e Constantino Teixeira, entre outros militares do PAIGC, a bordo de uma canoa [Boké].Autor: Bruna Polimeni | Data: Agosto de 1971 )]

Mais uma vez, há falta de rigor dos nossos jornalistas, que parecem não conhecem a geografia da antiga Guiné portuguesa, como há ignorância geral dos civis que não foram à guerra  (como denota o "paisano" Pedro George) em relação ao armamento do PAIGC (que nunca teve, felizmente, foguetões capazes de atingir os centros urbanos da então Guiné Portuguesa, à distância de 100 ou 150 km, tece sim uns "foguetes" de 122 mm que tinham um alcance de 10 a 20 km).

 A cerimónia da proclamação unilateral da independência é dada como tendo ocorrido em "Madina do Boé", o que o nosso blogue tem, de há muito,  desmentido.  Há, além disso, mais dois ou três erros factuais "grosseiros", de que  falaremos mais à frente, e que os nossos leitores facilmente reconhecerão.

No essencial, faz-se nesta reportagem, citando a sua autora, Manuel Goucha Soares,  "a história daquela que por agora é considerada a última entrevista de Amílcar Cabral",  e que depois seria reproduzida no boletim "Anticolonialismo", de Londres,   e na publicação "Polémica" (editada pelo grupo de Grenoble).

Pedro George e José Medeiros Ferreira, que não se conheciam pessoalmente,  juntaram-se em Londres, na sede da "Trade Union Congress" (TUC, a grande  federação dos sindicatos ingleses de então), para realizar esta entrevista, de 35 minutos. Pedro George guardou durante este tempo todo  a cassete "com a voz forte do Amílcar Cabral". Fez, por segurança uma cópia em DVD. E mais recentemente entregou uma cópia da gravação à Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril. 

Para "contextualizar as circunstâncias em que ocorreu esta gravação, que é um documento para a memória histórica", a jornalista do Expresso também entrevistou o arquiteto Pedro George (filho do último diretor, ou "enfermeiro-mor", dos Hospitais Civis de Lisboa,  antes do 25 de Abril, o conceituado médico Frederico George).  E cita alguns excertos da entrevista a que também teve acesso.

2. Destaque, para conhecimento dos nossos leitores, para meia dúzia de pontos focados tanto por Amílcar Cabral (AC) como pelo Pedro George (PG), pela jornalista Manuela Goucha Soares (MGS), e ainda pelo cor cav ref Carlos Matos Gomes, também ouvido pela MGS.


(i) Mensagem do AC ao povo português:

(...) “Temos uma longa caminhada, juntamente com o povo de Portugal. A nossa cultura também está influenciada pela cultura portuguesa, e nós estamos prontos para aceitar os aspetos positivos da cultura dos outros. 

"O nosso problema não é desligarmo-nos do povo português. Se porventura existisse em Portugal um regime que estivesse disposto a construir não só o futuro e o bem-estar do povo de Portugal, mas também o nosso, mas em pé de absoluta igualdade, se o Presidente da República pudesse ser de Cabo Verde, da Guiné ou de Portugal, nós não veríamos nenhuma necessidade de fazer a luta pela Independência, porque seríamos independentes num quadro humano muito mais largo e, talvez, mais eficaz do ponto de vista da história. 

"Infelizmente, não é assim, o colonialismo português explorou o nosso povo de maneira bárbara e criminosa, e quando reclamamos o nosso direito de ser gente, de sermos nós mesmos, sermos parte da Humanidade e termos a nossa própria personalidade, [surge] a repressão e a guerra colonial. 

"Mas nós não confundimos o colonialismo com o povo de Portugal. E temos feito tudo,. na medida das nossas possibilidades, para preservar as possibilidades de cooperação, amizade, socialidade e colaboração com o povo de Portugal, na Independência e na igualdade de direitos”. (...)

(ii) Denúncia, pelo AC, da utilização das bombas de napalm, um tema que estava em voga com os protestos contra os bombardeamentos americanos na guerra do Vietname:

“A ação dos comunistas portugueses que nós consideramos criminosa, fundamentalmente caracterizada por bombardeamentos aéreos, em que utilizam bombas de napalm”.

(iii) Denúncia, pelo AC, do clima de terror após a flagelação de Bissau e Bafatá por foguetões 122 mm:

(...)  "assaltos terroristas contra as populações da região libertada [no texto especifica-se, dentro de parênteses retos,    "leste do território da Guiné" ]
 durante os quais tentaram matar o máximo de gente que podiam, matar o gado, queimar as tabancas ou aldeias, e queimar as nossas produções agrícolas a colheitas. 

(...) "Depois do ataque a Bissau e Bafatá, os colonialistas portugueses prenderam várias pessoas, desconfiam de tudo e de todos, e o próprio governador militar de Bissau fez uma declaração a 26 de Julho   − se não me engano  −  em que ameaçou os habitantes de Bissau de uma repressão  inexorável, no caso de acontecer alguma coisa que perturbasse o que [ele] chama de ordem na capital e nos outros centros urbanos." (...)

(iv) Armas "hipersofisticadas", de origem soivética, capaz de atingir alvos "a 100 ou 150 km de distància" (sic) (PG)

 (...) "Bafatá tinha acabado de ser bombardeada pelo movimento de libertação, o que indiciava que eles tinham armamento hipersofisticado, capaz de atingir a 100 ou 150 quilómetros de distância e que controlavam as zon as ruraios todas".(...)

(v) Os mísseis Strela "que mudaram o curso da guerra" (MGS):

(...) A perda definitiva da soberania das forças armadas portuguesas surgiu após o assassínio de Cabral, com a entrada em ação de armamento soviético de alta precisão. Os mísseis terra-ar Strella, que mudaram definitivamente o curso da Guerra Colonial na Guiné.

"O site da Associação 25 de Abril, explica que foram utilizados pela primeira vez a 25 de fevereiro de 1973 e abateram um avião Fiat G 95".  (...)

(vi) Os operadores do míssil Strela treinados na Crimeia (CMG):

(...) "Foram treinados na Crimeia as  equipas que vão operar esses mísseis de lançamento ao ombro. A partir daí as Forças Amadas portuguesas perderam a supremacia militar porque passaram a combater sem apoio aéreo.  Este ficou reduzido ao transporte e evacuação de feridos". (...)

[Seleçáo / revisão e fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de publicação deste poste. LG, com a devida vénia ao Expresso e à jornalista Manuela Goucha Soares]

A reportagem  de Manuela Goucha Soares merece ser lida na íntegra, com espírito cr~itico masd aberto.  Entretanto esperemos poder ler um dia destes, também na íntegra, essa "entrevista perdida" do Amílcar Cabral (1924-1973). O seu interesse particular é que ele, "um sedutor",  sabia que estava a falar, em português, com dois portugueses, dois jovens exilados que se opunham à guerra colonial, e era uma excente oportunidade de mandar uma "mensagem amiga" para o povo português que, como ele gostava de sublinhar, não se confundia com o regime político que então estava em vigor e contra o qual ele combatia.
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sábado, 4 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23323: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (2): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte I: Inimigo, atividade política


Foto nº 39


Foto nº 39A


Foto nº 39B

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325, "Cobras de Guileje" (jan / dez 1971)  > 1971 > Álbum fotográfico do cor inf ref Jorge Parracho > Foto n.º 39, sem legenda > O cap Jorge  Parracho (o segundo a contar da direita, na foto nº 39A) com a malta do 5º Pel Art que era comandado pelo alf mil art Cristiano Neves... Operavam três peças de 11,4 cm, apontadas para a fronteira. 

O primeiro militar, na primeira fila, a contar da direita para a esquerda, na foto nº 39B, é o alf mil médico Mário Bravo, nosso grã-tabanqueiro. Também pssou por Bedanda (CCAÇ 6) e depois pelo HM 241, em Bissau. 

Os "cobras de Guileje" estavam longe de imaginar o que aconteceria àquele aquartelamento, um dos melhores da Guiné, dois anos depois... Foi aqui, em 18 de maio de 1973 que começou a Op Amílcar Cabral... (em que o PAIGC mobilizou t0dos os seus meios para "varrer do mapa" o quartel e a tabanca (fula) de Guileje...

[As fotos de Jorge Parracho foram disponibilizadas à ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2007, no âmbito do projecto de criação do Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Não traziam legendas, vinham apenas numeradas. Foram por sua vez partilhadas com o nosso blogue pelo nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014), então diretor da ONG AD e principal promotor do projecto museológico de Guileje. A legendagem é da responsabilidade do editor L.G, que recorreu às informações já aqui publicadas pelo Orlando Silva sobre a CCAÇ 3325].

Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]  


1. A Comissão para o Estudo das Campanhas  de África (1961-1974), mais conhecida pelo acrónimo CECA, fez um trabalho notável de recolha, análise e sistematização da informação sobre o  dispositivo e a actividade operacional no TO da Guiné,  por anos e por contendores (NT e PAIGC). O  título genérico é Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (e abrange os diversos teatros de operações, Angola, Guiné e Moçambique).

Referimo-nos, em particular,  ao 6.º Volume (Aspectos da Actividade Operacional), Tomo II (Guiné), e aos  seus três livros. Este trabalho, relevante para a historiografia militar,  merece ser conhecido (ou melhor conhecido) dos nossos leitores, para mais tendo em conta que estamos já recordar uma importante efeméride (que vai ocorrer daqui a um ano):  trata-se dos acontecimentos político-militares de 1973, e em particular de maio/junho de 1973, à volta de 3 aquartelamentos fronteiriços emblemáticos (Guidaje, Guileje e Gadamael), mas também antes e depois daqueles dois meses de brasa (assassinato de Amílcar Cabral, em 20/1/1973, a utilização do míssil terra-ar Strela contra a nossa aviação, pela primeira vez, em 25/3/1973,  o fim do mandato Spínola como com-chefe e governador geral em 6/8/1973, a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau em 24/9/1973, etc.).(*)

O ano de 1973 foi um "annus horribilis" para os dois beligerantes... que sabiam que nunca poderiam ganhar a guerra pela simples força das armas.  O PAIGC perde o seu histórico e carismático líder, Amílcar Cabral, assassinado fria e cobardemente por um dos seus homens, 

Por seu turno, Spínola regressa a casa, cabisbaixo, sem poder ver concretizada uma solução negociada do conflito, que seria sempre uma solução mais política do que militar. Na metrópole, os "ultras" do regime não lhe perdoam as suas veleidades "federalistas" e a tentativa (gorada) de "negociar" com os "inimigos da Pátria" a secular soberania portuguesa sobre os seus territósrios ultramarinos. 

Aqui vão, para os nossos leitores mais interessados na visão integrada dos acontecimentos, um excerto do referido trabalho da CECA. É também uma ocasião para lembrar os bravos que passaram por Guidale, Guileje e Gadamael, entre outros aquartelamentos que se destacaram nesta guerra.

É bom lembrar que,  "do outro lado", resta pouca informação documental... "O arquivo do PAIGC existente em Bissau, justamente referente aos aspectos operacionais desapareceu quase completamente, destruído em grande parte pelas tropas senegalesas aquando da guerra civil de 1998, bem como a maioria dos documentos do INEP (72,3 % dos arquivos históricos destruídos!)".

Além disso, "os poucos documentos sobreviventes, do espólio de Amílcar Cabral, foram entregues pela sua viúva aos arquivos da República de Cabo Verde e à Fundação Mário Soares, onde estão a ser objecto de digitalização integrados no Arquivo Amílcar Cabral, uma iniciativa de grande mérito", como escreveu aqui há muito o nosso amigo e camarada Nuno Rubim, em poste de 9 de maio de 2010 (**)

Os jovens guineenses, nascidos já depois da independência, se quiserem conhecer a história recente do seu país, vão ter que recorrer também a fontes portuguesas como estas, que resultaram do gigantesco trabalho da CECA.



CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 1. INIMIGO

1.1. Actividade política


Num dos primeiros dias do ano, Amílcar Cabral proferiu um importante discurso em Conacri, no qual esboçou a sua previsão para a evolução da situação e definiu alguns dos objectivos estratégicos para o ano vindouro.

Assim, referiu que a situação na Guiné iria evoluir de "uma Colónia que dispõe de um movimento de libertação para um País que dispõe de um Estado que tem parte do seu território ocupado por forças armadas estrangeiras", marcando, como sucessivos estádios dessa evolução, a entrada em funcionamento de um órgão supremo de soberania, a proclamação de um estado, a criação de um poder executivo, seguindo-se a proclamação de uma constituição.

Nessa perspectiva, salientou a criação da Assembleia Nacional Popular em 1972, constituída por 120 membros, entre os quais 80 pertencentes às "regiões libertadas", pretendendo dar a ideia de que a Guiné reunia já as condições para ser um estado democrático, independente, com órgãos próprios eleitos pelo seu povo, a que faltava apenas expulsar alguns redutos de forças invasoras vindas de um país estranho.

Amílcar Cabral referiu também a necessidade de intensificar a guerrilha em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos.

Os acontecimentos subsequentes, embora ensombrados de início pelo assassinato de Amílcar Cabral, vieram trazer substancial confirmação às expectativas criadas pelo referido discurso, passando a observar-se uma dinâmica mais acelerada em quase todos os domínios, devendo salientar-se a reunião extraordinária do Comité Executivo de Luta e a realização do 2º Congresso do PAIGC, no qual se procedeu à declaração de independência do Estado da Guiné-Bissau.

Assassinato de Amílcar Cabral

Em Janeiro, o Quartel-General das Forças Armadas Portuguesas considerava haver um clima favorável à internacionalização da luta armada que se vivia no interior do território, podendo admitir-se a intervenção de forças estrangeiras de países ou organizações, em reforço ou apoio do PAIGC.

Por isso, foi com surpresa que se tomou conhecimento do assassinato de Amílcar Cabral, ocorrido em 20 de Janeiro em Conacri e levado a efeito por Inocêncio Kani, guinéu natural de Bubaque, o que veio alterar o tempo e o modo de evolução dos acontecimentos a partir daí. O autor confesso do crime ocupava um alto cargo na hierarquia do PAIGC como comandante da Marinha e tinha sido treinado na União Soviética durante um ano.

O acontecimento imediato mais relevante foi a nomeação, em 2 de Fevereiro de 1973, de Aristides Pereira, até aí Secretário-Geral Adjunto, para as funções de primeiro responsável pela direcção superior do Partido, interinamente, até à nomeação ou decisão do Conselho Superior de Luta, órgão supremo das decisões do PAIGC, entre congressos.

O Presidente da República da Guiné, Sekou Touré, passou também a exercer marcada influência na condução dos acontecimentos, quer na intensificação da luta armada no terreno, quer na condução da luta política, quer no sentido de acelerar a proclamação da independência do Estado da Guiné-Bissau. 
[Cinquenta anos depois, ele continua a ser um dos suspeitos da autoria moral do assassinato (não diz a CECA mas acrescentamos nós).]

 Por sua influência, foram transferidas estruturas do PAIGC de Conacri para junto da fronteira e mesmo para o interior do território português e foi pedido o comprometimento de países africanos na intervenção armada no conflito.

Em resultado de rivalidades entre guinéus e cabo-verdianos, que entretanto se tomaram mais vivas, a actividade política do PAIGC foi reduzida nos eses de Janeiro e Fevereiro.

O assassinato de Amílcar Cabral deu origem também a um inquérito levado a efeito por iniciativa de Sekou Touré, no qual participaram representantes de Cuba, Argélia, Egipto, Libéria, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Zâmbia, Tanzânia e delegados da Frelimo, PAIGC e República da Guiné.

Foram inquiridas 465 testemunhas. Quarenta e três indivíduos foram incriminados por participação no assassinato, nove acusados de cumplicidade e quarenta e dois suspeitos.

Correram também notícias de algumas dezenas de execuções.


Reunião do Conselho Executivo de Luta

A reunião deste órgão do PAIGC decorreu entre 7 e 9 de Fevereiro, tendo ficado decidido:

(i) apressar o inquérito ao assassinato de Amílcar Cabral e proceder com brevidade ao castigo dos culpados e seus cúmplices;

(ii) incrementar os trabalhos tendentes à reunião da Assembleia Nacional Popular numa das regiões libertadas e proclamar o Estado da Guiné-Bissau;

(iii) convocar o Conselho de Guerra visando a intensificação da luta armada no terreno em todas as frentes, nos centros urbanos, a intensificação da luta política clandestina, a mobilização das acções de massas e a reestruturação da Marinha;

(iv) preparar a próxima reunião do Conselho Superior de Luta, recolhendo sugestões e propostas para a nomeação do novo Secretário-Geral;

(v) confirmar a confiança em Aristides Pereira, Secretário-Geral Adjunto, como primeiro responsável, para dirigir o Partido até à reunião do Conselho de Luta;

(vi) reforçar a segurança;

(vii)  reafirmar a decisão inabalável de libertar a Guiné e Cabo Verde do domínio português;

(viii) consolidar as relações de amizade com a República da Guiné, Senegal e outros países, nomeadamente países socialistas e Suécia.

Em resultado das decisões tomadas e dos procedimentos postos em prática, em Março o PAIGC apresentava-se politicamente estabilizado, os incriminados no assassinato de Amílcar Cabral foram condenados à morte por  fuzilamento e os detidos não suspeitos foram libertados. 

Esta acalmia da situação criou as condições indispensáveis ao começo da implantação de efectivos militares e civis no interior da Província da Guiné, na região de Boé, a partir de Abril.

O controlo de Boé e da população ali fixada daria ao PAIGC argumentos para reivindicar atributos de soberania e credibilizar à declaração da independência do novo Estado da Guiné-Bissau no interior do território.


Realização do 2° Congresso do PAIGC

O 2° Congresso do PAIGC decorreu no período de 18 a 22 de Julho. Nele tomaram parte 138 delegados das FARP e órgãos político-administrativos do partido, assim como 60 observadores.

Neste Congresso foram tomadas as seguintes decisões principais:

(i) criar um Secretariado Permanente que passou a substituir o Comité Permanente do Comité Executivo de Luta e para o qual foram nomeados os seguintes membros:

- Aristides Maria Pereira - Secretário-Geral (Cabo Verde)

- Luís Cabral- Secretário Adjunto (Cabo Verde)

- Francisco Mendes - Secretário (Guiné)

- João Bernardo Vieira - Secretário (Guiné);

(ii) tomar extensiva a luta armada ao Arquipélago de Cabo Verde;

(iii) convocar a Assembleia Nacional Popular em ordem à proclamação do Estado da Guiné-Bissau.

Reunião da Assembleia Nacional Popular

A reunião da 1ª Assembleia Nacional Popular veio a ocorrer em 23 e 24 de Setembro, no interior do território da Guiné-Bissau, no Boé Oriental (#), onde, no segunda dia, foi proclamado o Estado da Guiné-Bissau, aprovada a sua l." Constituição e nomeado o respectivo Governo.

Os principais órgãos de soberania da nova República ficaram assim definidos:

(i)  PAIGC - força política dirigente, que, por intermédio do seu Secretariado Permanente, é a expressão suprema da vontade do povo e decide das orientações políticas do Estado.

(ii)  Assembleia Nacional Popular - órgão legislativo supremo, constituído por 120 membros;

(iii) Conselho de Estado - órgão legislativo, constituído por 15 membros, exercendo as suas funções entre sessões da Assembleia Nacional Popular;

(iv)  Conselho de Comissários de Estado - órgão executivo especial do Conselho de Ministros, constituído por 8 Comissários e 8 Subcomissários para a realização do programa político económico e social do Estado, sua segurança e defesa.

Entre os dirigentes, foram nomeados:

- Presidente da Assembleia Nacional Popular - João Bernardo Vieira

- Presidente do Conselho de Estado - Luís Cabral

- Comissário Principal do Conselho de Comissários - Francisco Mendes

No final do ano, o inimigo:

(i) incrementou a sua actividade no âmbito da política externa, tendo vários dirigentes desenvolvido intensa actividade diplomática no plano internacional, com especial destaque com o Senegal, República da Guiné, URSS, China, Gâmbia, Mali, Mauritânia, Nigéria, Uganda, Argélia, Somália, Jugoslávia, Egipto, etc;

(ii) reforçou a sua acção de propaganda por intermédio das emissoras radiofónicas que lhe eram afectas, aludindo ao isolamento de Portugal,na opinião pública internacional e ao facto do novo Estado da Guiné-Bissau ter sido reconhecido já por diversos países estrangeiros;

(iii) aproveitou a substituição do General Spínola como Comandante-Chefe, ocorrida em finais de Agosto, para a relacionar com o reconhecimento da incapacidade de Portugal vencer a luta armada;

(iv) incrementou a instrução literária e profissional nos países limítrofes: na República da Guiné, em Conacri e em Koundara; no Senegal, em Ziguinchor;

(v)  reocupou tabancas anteriormente abandonadas no Boé Oriental, utilizando para o efeito os refugiados vindos da República da Guiné e colocou aí unidades das suas Forças Armadas Locais (FAL) com a missão de os defender.

Foram-lhe também particularmente favoráveis alguns dos acontecimentos políticos internacionais, dos quais o PAIGC se aproveitou para reforçar a sua projecção e credibilidade externas. Destacam-se nomeadamente as seguintes:

(i)  Em Janeiro, reuniu em Accra o Comité de Libertação da OUA - Organização de Unidade Africana, o qual aprovou a proposta do Chefe do Estado do Gana para a intensificação da luta armada, visando a libertação dos países africanos não autónomos, devendo a comunidade internacional intensificar a sua ajuda aos movimentos de libertação.

A nova estratégia definida nesta reunião específica que a responsabilidade primária pela libertação dos países africanos deverá competir aos movimentos de libertação desses países, cabendo aos Estados prestar-lhes auxílio político-militar e apoio no treino dos seus quadros.

Nesta reunião estiveram presentes representantes do PAIGC, na qualidade de legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.

(ii)  Na Conferência sobre Descolonização e "Apartheid" na África Austral, realizada em Oslo no período de 9 a 14 de Abril sob a égide da ONU e OUA, o PAIGC fez-se representar por Vasco Cabral, que aproveitou a ocasião para declarar que a independência da Guiné-Bissau seria proclamada pela Assembleia Nacional Popular e que o poder executivo funcionaria no interior do território.

Acrescentou que a situação vivida justificava eventualmente a intervenção directa de outros países, nomeadamente africanos ou com apoio da OUA (que tinha preconizado um sistema de defesa regional integrada para África) e também chamou a atenção para os trabalhos da 28ª Assembleia Geral da ONU, a iniciar em Setembro.

Na circunstância, os representantes dos Movimentos de Libertação da África Austral pediram apoio militar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia.

A conferência não contou com a presença dos representantes dos EUA, França, Bélgica, Itália e Grã-Bretanha.

(iii) Na reunião da 1ª   conferência cimeira da OUA levada a efeito em Addis-Abeba, no período de 26 a 29 de Maio, ficou acordada uma "declaração política geral" na linha de decisões anteriores relativas à libertação de África do regime colonial, que foi considerada o ponto de partida para uma eventual intervenção armada directa, apoiada pela OUA, a favor dos movimentos de libertação africanos.

Representantes do PAIGC assistiram a esta cimeira, na qualidade de observadores.

(iv) No início de Novembro, a ONU aprovou uma resolução na qual exigia a retirada imediata de Portugal da Guiné-Bissau, o que constituiu o reconhecimento implícito do novo "Estado".

A resolução obteve 93 votos a favor e 7 contra (EUA, Brasil, Espanha, Grécia, África do Sul, Grã-Bretanha e Portugal).

(v) Em 19 de Novembro, a Guiné-Bissau foi admitida oficialmente na OUA, tomando-se o seu 42º  membro. Em 26 de Novembro foi também admitida na FAO por 66 votos a favor, 19 contra e 20 abstenções.

(vi) No encerramento da 28ª  Assembleia Geral da ONU, cujos trabalhos terminaram em Nova Iorque em 18 de Dezembro, foram aprovadas várias moções contra a política portuguesa em África.

Uma das moções negava à delegação portuguesa na ONU a representatividade dos territórios e das povoações de Angola, Moçambique e Guiné. Na votação sobre esta moção da Guiné, foram recolhidos 99 votos a favor e 14 contra (EUA, Espanha, Bélgica, Grã-Bretanha, entre outros).

(vii) Na 8ª sessão extraordinária da OUA, o Conselho de Ministros anunciou para Dezembro a reunião do Comité de Defesa, para estudar os meios mais eficazes para uma intervenção militar na Guiné-Bissau.

(viii) Neste ano, os movimentos de libertação africanos reconhecidos pela OUA receberam o estatuto de membros associados da UNESCO.

(ix)A 5ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi dominada pelo bloco dos países africanos, de que resultou a admissão à conferência de delegados do PAIGC, considerados legítimos representantes do povo da Guiné-Bissau.

Portugal reagiu retirando-se da Conferência em sinal de protesto, classificando as decisões tomadas como ilegais e contrárias aos estatuto da OIT. (...)

(Continua) CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 1. INIMIGO

1.2. Actividade militar
 
Fonte_ Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 239/245

[ Seleção / revisão / negritos / fixação de texto pata efeitos de publicação deste poste no blogue:  L.G.]

_____________

(#) Nota da CECA:  "Venduleide, perto de Lugadjol, numa zona pouco povoada, de mata não muito densa, com acessos fáceis de controlar, não longe da Guiné-Conacri, foi o exacto local onde a independência foi proclamada, garante Mário Cabral. 'Tinha a vantagem de nos pudermos reunir rapidamente e dispersarmos também rapidamente', explicou Aristides". ROCHA, João Manuel, Jornal "Público" de 24Set20 13, pp. 30 e 31.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 2 de junho de  2022 > Guiné 61/74 - P23319: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (1): A pontaria dos artilheiros... (Morais da Silva / C. Martins)

(**) Vd. poste de 9 de maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6356: Historiografia da presença portuguesa em África (36): O PAIGC, os nossos arquivos e a Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961/74 (Nuno Rubim)

sábado, 12 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22275: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte III: A Brigada de Fronteira de Gaoual e o apoio no controlo dos movimentos na Região de Lela em novembro de 1966 (Jorge Araújo)


Foto nº 1 > 1964 > Armando Ramos a bordo de uma canoa no rio Cacine [?], em Fevereiro de 1964, ao lado de Amílcar Cabral, a caminho de Cassacá (I Congresso do PAIGC, em 13-14Fev64). Quatro meses depois, Armando Ramos foi o escolhido para cumprir a «Missão a Gaoual».

Amílcar Cabral veio de base de Boké, na Guiné-Conacri, no barco a motor que se vê ao fundo. Em março de 1973, o PAIGC havia capturado, no porto de Cafine, dois barcos comerciais, o “Mirandela” e o “Arouca”- Depois de rebatizados, passam a servir no transporte de homens e material. O barco que se vê seria um destes dois que foram aprisonados. Passou a ser chamado "Unidade". Sabemos, pela descrição detalhada feita por Luís Cabral que a Amílcar e a sua comitiva vieram de Boké, de noite, desembarcando, com a maré alta, na ilha de Canefaque. Seguiram até Cassabetche, a pé, e aqui foram transportados de canoa, com escolta. A viagem até Cassacá foi feita a pé, utilizando troço da estrada que seguia junto à fronteira...Cassacá ficava a 15 km a sul de Cacine, a 30 km, a oeste da fronteira com a Guiné. 

Fonte > Citação: Luís Cabral (1964), "Amílcar Cabral e outros companheiros a caminho do I Congresso do PAIGC", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43297, com a devida vénia.



Imagem de satélite com indicação de algumas das tabancas situadas na região oriental do Boé. Refere-se, também, "Tiankoye", situada em território da República da Guiné, local por onde circularam as forças do PIAGC que atacaram Madina do Boé, em 10 de Novembro de 1966, e onde morreu o Cmdt Domingos Ramos (1935-1966).





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Tem cerca de 290 referências no nosso blogue.


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

UM NOVO OLHAR SOBRE O "LOCAL MISTERIOSO" DA PROCLAMAÇÃO SOLENE DO ESTADO DA GUINÉ-BISSAU, EM SETEMBRO DE 1973, EM PLENA ÉPOCA DAS CHUVAS

PARTE III

A BRIGADA DE FRONTEIRA DE GAOUAL E O APOIO NO CONTROLO DOS MOVIMENTOS NA REGIÃO DE LELA EM NOVEMBRO DE 1966

 

 

► Continuação do P22122 (II) (21.04.21) (*)


1.   - INTRODUÇÃO


Continuamos na região do Boé tentando encontrar por entre os seus diversos "caminhos, trilhos e atalhos", aquele que nos conduza ao "local misterioso" onde decorreu a «I Assembleia Nacional Popular», reunião onde foi aprovada a «Proclamação Solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973», realizada em "plena época das chuvas."


Deste modo, esta terceira parte segue na linha do fragmento anterior, que acima se identifica, onde foram caracterizadas as primeiras "acções" programadas pela guerrilha para a região do Boé, a que Amílcar Cabral (1924-1973) baptizou de «Missão a Gaoual», levadas a efeito, em ambos os lados da fronteira, pelo seu camarada Armando Ramos [foto 1], durante a segunda metade do mês de Junho 1964, quatro meses depois do «I Congresso de Cassacá».


Entretanto, no contacto tido com o Governador da Região Administrativa de Gaoual, a quem foram explicadas as razões da sua visita, Armando Ramos não deixou de reforçar o pedido de apoio – "no controlo dos movimentos na região de Lela" – formulado anteriormente, no quadro do que ficou estabelecido na reunião que o Secretário-geral havia tido com ele, e com outros responsáveis da República da Guiné, no Ministério da Defesa Nacional e Segurança.


Por outro lado, no âmbito da estratégia militar a desenvolver na região, Armando Ramos foi incumbido de estudar os melhores locais de "passagem" (corredores) na linha Sudeste da fronteira do Boé, incluindo a da "época das chuvas", visando a criação de "bases" no exterior e, no interior, "postos avançados" mais próximos das instalações militares das forças portuguesas, de modo a permitirem realizar flagelações com alguma regularidade.


No entanto, quando às forças instaladas em Madina do Boé e Béli, cada aquartelamento dispunha, desde 06 de Maio de 1963, de um Gr Comb da 3.ª Companhia de Caçadores [do Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire (seria?)], constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, ambos integrados no dispositivo e manobra do BCAÇ 238 [06Jul61-24Jul63; do Maj Inf José Augusto de Sá Cardoso] e, depois, pelo BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos]. (CECA; 7.º Vol.; pp 623-624).


Em conformidade com o exposto, no ponto seguinte daremos conta dos resultados obtidos pelo Secretário-geral, Amílcar Cabral, na sequência do que ficara acordado com os responsáveis da República da Guiné, na reunião referida no terceiro parágrafo.  


2.   - O APOIO DOS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA DA REPÚBLICA DA GUINÉ NA REGIÃO ADMINISTRATIVA DE GAOUAL (POSTO FRONTEIRIÇO DE LELA) EM NOVEMBRO DE 1966


Dois anos e meio depois da visita de Armando Ramos a Gaoual, Amílcar Cabral recebe, com data de 29 de Novembro de 1966, 3.ª feira (desconhecem-se contactos anteriores), um ofício do Ministério dos Negócios Estrangeiros, anexando cópia do «relatório de inteligência n.º 300/SRG relativo aos movimentos dos Nacionalistas Portugueses (PAIGC) no posto fronteiriço de Lela, na Região Administrativa de Gaoual», reportado a 19 do mesmo mês, sábado.


O Ofício n.º 167, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, classificado de "Confidencial", enviado a pedido do Senhor Presidente da República [da Guiné, Ahmed Sékou Touré (1922-1984)], ordena a transmissão ao Senhor Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, do conteúdo do citado relatório.   


Pelo seu valor historiográfico, reproduzimos abaixo o documento original, escrito no idioma francês, língua local, seguido da sua tradução, esta da nossa responsabilidade.

 


Fonte > Citação:
(1966), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35058, com a devida vénia.

▼ Cópia do relatório de inteligência n.º 300/SRG relativo aos movimentos dos Nacionalistas Portugueses (PAIGC) no posto fronteiriço de Lela, na Região Administrativa de Gaoual.




◙ 19 De Novembro de 1966 (sábado)


Relatório de Inteligência n.º 300/SRG

Movimentos Nacionalistas Portugueses (PAIGC) no posto fronteiriço de Lela, na Região Administrativa de Gaoual


De Gaoual: No seu relatório n.º 140/BFG/GN de 12 de Novembro de 1966 (sábado), o Comandante da Brigada de Fronteira de Gaoual dá-nos as seguintes informações:

● "Os lojistas nacionalistas portugueses de materiais de guerra instalados no posto de Lela, designados por Ibrahima e Boiro Bangaly não protegem adequadamente estes materiais."



● "Uma portuguesa de nome "MAITA" foi capturada durante uma operação dos nacionalistas da chamada Guiné Portuguesa. A captura desta mulher causou graves bombardeamentos na aldeia portuguesa de Vendu-Leidi pelo exército português.

● "Aviões portugueses sobrevoam continuamente o sector de Lela do território guineense [República da Guiné]."

● "Três nacionalistas portugueses do PAIGC, denominados Kante Manga, Sabou Koulybali e Diouma Sera, desertaram para as forças coloniais.

 


● "A deserção dos três nacionalistas causou grande terror na aldeia de Sountour – Lela, visto que estes três nacionalistas conheceram todas as actividades dos nacionalistas neste sector durante a sua estadia."

● "A população deste sector vive actualmente em terror porque, dizem, estes três fugitivos podem um dia servir de guia aos colonizadores portugueses, para nos aniquilar em qualquer altura."

● "Os meios de transporte e comunicação são raros entre este sector e a região de Gaoual."

 



Fonte > Citação: (1966), "Movimento de nacionalistas do PAIGC na zona de fronteira de Lela, região Administrativa de Gaoual", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40690, com a devida vénia.

 

3.   - CONDOLÊNCIAS DO MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DA REPÚBLICA DA GUINÉ PELA MORTE DE DOMINGOS RAMOS EM MADINA DO BOÉ A 10 DE NOVEMBRO DE 1966


No relatório elaborado pelo Comandante da Brigada de Fronteira de Gaoual, que inclui o posto fronteiriço de Lela, é de sublinhar a não inclusão daquela que seria a maior acção militar realizada, até essa data, pelas FARP. Estamo-nos a referir à preparação e execução da «Operação Madina do Boé», efectuada em 10 de Novembro de 1966, 5.ª feira, onde perdeu a vida, em combate, o Comandante Domingos Ramos (1935-1966).


Mesmo não fazendo parte dos pontos referidos no documento da "inteligência" local, o Secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Diallo Alpha Abdoulaye, em nome do Ministro, apresentou as condolências pela sua morte, cujo conteúdo abaixo se reproduz, com tradução da língua francesa da nossa responsabilidade.



◙ Caro camarada,

Foi com grande emoção que soubemos da morte no campo de batalha, no dia 11 [10] do corrente [Novembro], de Domingos Ramos, comandante do PAIGC.

Curvamo-nos piedosamente diante dos restos mortais deste militante morto pela libertação do seu país da submissão colonial.

Em nome do povo, do Bureau Político Nacional do Partido Democrático da Guiné [PDG], expressamos, nesta dolorosa ocasião, a nossa profunda tristeza e pedimos que transmitam à família enlutada, bem como aos dirigentes do PAIGC, as nossas mais sinceras condolências e simpatia.

Queira aceitar, caro camarada, os protestos da nossa mais elevada consideração.

 


Fonte > Citação:
(1966), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35057, com a devida vénia.

 

3.1 - RECUPERAÇÃO DO CONTEXTO DA MORTE DE DOMINGOS RAMOS EM MADINA DO BOÉ A 10 DE NOVEMBRO DE 1966


Para a elaboração deste ponto, no que às

 causas de morte do Cmdt Domingos Ramos 

diz respeito, recuperámos alguns dos detalhes divulgados pelo dr. Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), médico militar cubano, especialista em cirurgia cardiovascular, retirados do P16662 (31Out2016), identificado ao lado, a quem coube o difícil acto de confirmar o óbito.


Com efeito, o dr. Virgílio Camacho Duverger chega a Conacri em Junho de 1966, integrado num contingente cubano de cerca de três dezenas de elementos, entre os quais oito médicos. É colocado no Hospital de Boké, onde permaneceu dois meses, sendo depois transferido para a Frente Leste [Agosto de 1966] para uma base existente no interior da República da Guiné, na região do Boé, com o objectivo de construir uma enfermaria de campanha que pudesse servir de apoio aos combatentes aí colocados sob a direcção do Cmdt Domingos Ramos, cuja principal missão militar era atacar o quartel de Madina do Boé. Naquele tempo, nesse aquartelamento estava instalada a CCAÇ 1416, comandada pelo Cap Mil Inf Jorge Monteiro.

 

Entretanto, ao terceiro mês de estar naquela região [Novembro], ao dr. Virgílio Camacho Duverger é-lhe pedido que realize um reconhecimento ao referido aquartelamento, considerado por si como a missão mais importante em que participou, tendo por companhia o dr. Milton Echevarria Ferrerá ("Xisto"), médico do seu grupo naquela Frente, e o apoio de guias/guerrilheiros destacados para aquela acção, caminhada que, segundo a sua percepção, demorou perto de cinco horas, uma vez que a base estava a cerca de três quilómetros daquele local.


Na quinta-feira, 10 de Novembro de 1966, a operação concretiza-se. Antes do ataque, na companhia de um enfermeiro cubano anestesista, que entretanto havia chegado para reforçar o grupo de saúde, foi criado um posto sanitário avançado em território da Guiné [GB], perto da zona do combate, de modo a facilitar a assistência médica a prestar os primeiros socorros aos combatentes que ficassem feridos, pois não era fácil chegar ao hospital de Boké, localizado a 96 kms [Google.com; hoje], conforme infografia acima.


Segundo o dr. Virgílio Duverger, a primeira morteirada lançada pelos portugueses [da CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local onde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente: Domingos Ramos. Os estilhaços da granada atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta que não deu tempo para o levar até ao hospital para o poder operar. Durante a evacuação, a caminho do hospital, Domingos Ramos faleceu.


Outra versão deste episódio é descrita pelo assessor militar cubano Ulises Estrada (1934-2014), pois encontrava-se ao lado do Cmdt da Frente do Boé.


Eu encontrava-me ao lado de Domingos Ramos, refere Ulises Estrada, em que metade do seu corpo cobria o meu para proteger-me, coisa que não pude evitar. Abrimos fogo com um canhão B-10 colocado numa pequena elevação situada a cerca de seiscentos metros do quartel. Os militares portugueses [CCAÇ 1416] tinham montado postos de vigia na zona e responderam com disparos certeiros de morteiro, embora nós continuássemos a disparar com o canhão sem recuo, metralhadoras e espingardas.


Pouco tempo depois de iniciado o combate, senti que corria pelo lado direito das minhas costas um líquido quente e pensei que estava ferido por uma das morteiradas que caíam ao nosso redor. Era Domingos Ramos, sangrava abundantemente. Peguei no seu corpo com a ajuda de outro companheiro e o conduzimos ao posto médico, situado a cem metros da zona do combate, em direcção à linha de fronteira. Aí, Virgílio Duverger, médico cubano, informou-me que ele havia falecido.


Como não podíamos deixar o cadáver do dirigente guineense nas mãos das forças portuguesas, pegámos no seu corpo e num camião deslocámo-nos pelos campos de arroz até a fronteira com a Guiné-Conacri [na área de Tiankoye, ver imagem de satélite acima]. Chagados a Boké, aonde se encontrava o posto de comando fronteiriço, entregámos o seu cadáver ao companheiro Aristides Pereira [1923-2011], para que pudesse fazer o funeral e render-lhe as honras que merecia esse combatente, que foi um dos primeiros grandes chefes do PAIGC a morrer em combate.


Como  consequência do aprofundamento desta temática, foi possível chegar a novas informações relevantes para a historiografia da "guerra", pelo que este ponto contém novos dados que permitem actualizar as narrativas anteriores [P16613 e P16662].


4.   - VISITA DE AMÍLCAR CABRAL A GAOUAL EM SETEMBRO DE 1965 EM DIA DE TEMPESTADE


A carta de Amílcar Cabral enviada a seu irmão Luís, que decidimos dar conta neste último ponto, tem por objectivo validar o que é normal acontecer no ciclo da "época das chuvas": o dia 13 de Setembro de 1965, 2.ª feira, foi mais um dia de "tempestade" na região do Boé.


Eis o seu conteúdo:
 
"Aí vão algumas sugestões para os teus pupilos e pupilas (dos teus olhos), depois de ter feito uma análise de cada caso, embora breve.


É indispensável que as sarnosas estejam fora da escola. As graúdas para Boké a espera novo estágio. Não descobri ninguém para o (?) feminino. Paciência. Talvez tu.


Afinal vim numa só etapa, por Gaoual. Ganho 1 dia e talvez saia daqui na 4.ª feira [15Set65], porque não há muito que fazer. A não ser que fique no Gabú, como responsável.


Trabalhem muito, como sempre e até breve. Já passaram as angústias, apesar de tudo (falo de problemas pessoais, se a isso ainda temos direito).

►►► AQUI ESTÁ UM TEMPORAL…

Saudades do mano e camarada. Amílcar    

 



Fonte > Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35080, com a devida vénia.

 

Como complemento ao estudo publicado na Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, titulado «Distribuição espacial de valores prováveis de precipitação pluvial para períodos quinzenais, em Guiné-Bissau»: P22106 (15.04.21) aproveito agora para divulgar os «Dados climatéricos observados em Conacri entre 1961-1990».

 


Figura 1 – Distribuição da média meteorológica anual observada em Conacri (República da Guiné), no período de 1961-1990. Na caixa a vermelho, estão referidos os valores e os dias em que se registou pluviosidade, onde encaixam as datas dos dois eventos organizados pelo PAIGC em 1973 (II Congresso e a 1.ª Assembleia Nacional Popular).


Fonte > «Conakry Climate Normals 1961–1990». National Oceanic and Atmospheric Administration, com a devida vénia.

(Continua… com outras análises)


► Fontes consultadas:


Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição; Lisboa (2002).


Ø (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 05359.000.020. Título: Amílcar Cabral e outros companheiros a caminho do I Congresso do PAIGC. Assunto: Amílcar Cabral e Armando Ramos, entre outros, a bordo de uma canoa, a caminho do I Congresso do PAIGC, em Cassacá. Autor: Luís Cabral. Inscrições: A caminho de Cassacá. Data: 1964. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Fotografias.


Ø (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04606.049.066. Título: Movimento de nacionalistas do PAIGC na zona de fronteira de Lela, região Administrativa de Gaoual. Assunto: Relatório do Comandante da Brigada de Fronteira de Gaoual sobre os movimentos de militantes do PAIGC e das tropas portuguesas na região. Reporta o caso de três nacionalistas que se juntaram ao exército colonial. Data: Sábado, 19 de Novembro de 1966. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência com o governo da Guiné-Conacri 1960-1966. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.


Ø (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04606.049.065. Assunto: Cópia do relatório de esclarecimento relativo ao Movimento dos Nacionalistas Portugueses (PAIGC) no posto da fronteira de LELA, na região de Gaoual. Remetente: Diallo A. Abdoulaye, Gabinete do Ministro. Destinatário: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Data: Terça, 29 de Novembro de 1966. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência com o governo da Guiné-Conacri 1960-1966. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.


Ø (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04606.049.064. Assunto: Condolências pela morte de Domingos Ramos, em pleno campo de batalha. Remetente: Diallo Alpha Abdoulaye, pelo Ministro e pelo Secretário-Geral do Ministério dos Negócios da Guiné-Conacri. Destinatário: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Data: Quarta, 23 de Novembro de 1966. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência com o governo da Guiné-Conacri 1960-1966. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.


Ø (5) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07061.032.042. Assunto: Sugestões para os pupilos da escola. Gaoual. Remetente: Amílcar Cabral. Destinatário: Luís Cabral. Data: Segunda, 13 de Setembro de 1965. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.

Ø Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

7Mai2021

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Nota do editor:


(*) Postes anteriores da série >


21 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22122: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte II: Missão a Gaoual (Jorge Araújo)

(...) Conforme ficou expresso no P22106 (15Abr21), que serviu de lançamento do projecto de "reconstrução historiográfica do puzzle do Boé" e zonas limítrofes (a que for possível…), seria interessante poder encontrar provas factuais sobre a incógnita, a misteriosa, a obscura ou a enigmática localização onde decorreu a «I Assembleia Nacional Popular», durante a qual teve lugar a «Proclamação Solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973», assim como o da realização do «II Congresso», que legitimou o evento anterior. Enquanto tal não acontecer, estes dois factos continuam a ser considerados como "embustes históricos" (...)

15 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22106: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte I: A variável "clima" (Jorge Araújo)

(...) Estão prestes a completar quarenta e oito anos os dois acontecimentos planeados pelo PAIGC que, do ponto de vista histórico e da dinâmica política da época, acabaram por influenciar as duas dimensões do conflito: a militar e a diplomática, ambas dependentes de diferentes apoios internacionais [OUA e ONU, enquanto decisores supremos], com o propósito de pôr um ponto final no "Império Colonial" de Portugal, através do reconhecimento da independência, neste caso, da dita Província Ultramarina da Guiné.

O sucesso da estratégia supra, concebida pelo ideólogo Amílcar Cabral (1924-1973) antes do seu assassinato em Conacri, ocorrido em 20 de Janeiro de 1973, sábado, passava pela organização de um «Congresso (II)», evento que serviria para legitimar a realização da «I Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau», durante a qual seria, de modo unilateral, proclamado o nascimento de uma nova Nação / Estado: a República da Guiné-Bissau. (...)