1. Texto do nosso leitor e frequente comentador Abreu dos Santos, veterano de guerra, antigo comando em Angola ["CIOE-Out71, CIC-Luanda Nov71, regresso Mar74"] - como "poderia ter sido Guiné (estava no CIOE a ser formada, sensivelmente ao mesmo tempo, a 38)"...
O Abreu dos Santos é, além disso, um estudioso da guerra da Guiné (1963/74)... Na única foto que teve a gentileza de me mandar, para meu conhecimento pessoal, tirada em Angola, tinha a seguinte legenda: "equipa 'comando' em formação, na qual estão (não 'estavam', estão...!) em maioria rapazes, portugueses como este vosso leitor, mas nascidos naquele território [, Angola,], um dos quais cuanhama e que viria a morrer em combate" (...).. Acabei por retirar essa foto, respeitando a vontade do nosso leitor de não querer ver as suas fotos copiadas "e, principalmente, utilizada(s) por outros e para 'outros' fins".
2. Comentário ao poste P3955 (*)
Aos estimados veteranos que andaram por matos e bolanhas da Guiné, e a quem mais interessar possa, aqui ficam algumas "ajudas de memória", relacionadas com o tema «Madina do Boé 1969-1973» (**)
[...]
1969 – Fevereiro.9
No sudeste desertificado da Guiné, os guerrilheiros da Frente Sul do PAIGC entram em Madina-do-Boé e instalam-se no recém-abandonado campo fortificado onde - até à manhã do anterior dia 6 - estavam aquarteladas tropas portuguesas.
– «Havia certa relutância em retirar a companhia da sua posição insustentável e dispersa, uma vez que, se assim fosse, o PAIGC declararia a região como ‘livre’. Já anteriormente acontecera uma situação idêntica na zona oriental de Beli e com a retirada das tropas portuguesas o PAIGC declarara a área como ‘zona libertada’. O mesmo acabou por acontecer com a retirada da companhia de Madina em 1969 e o PAIGC passou a receber os jornalistas estrangeiros em território português, com a consequente e indesejada publicidade. A área não tinha qualquer valor económico, a escassa população não era estrategicamente importante para qualquer dos lados e as tropas portuguesas poderiam ser melhor utilizadas noutras tarefas.»¹
– «[O caboverdeano Silvino da Luz] guarda especialmente viva na memória [em Fev94], ‘a luta em torno do quartel de Madina do Boé’, no final dos anos 60. “Antes de o abandonarem, os portugueses armadilharam-no, com minas. Três companheiros meus ficaram sem pernas”.»²
¹ (cf Hélio Felgas, em 22Nov94 a John Cann);
² (Castanheira, op.cit pp.297)
[...]
1970 – Março.14 (sábado)
De Bissalanca seguem por via aérea para o chão Gabu dos futa-fulas e futa-forros no leste da Guiné, o ministro do Ultramar, o comandante-chefe general Spínola e o comandante da ZACVG coronel Diogo Neto, que em Nova Lamego inauguram o novo aeródromo com uma pista asfaltada de 2100mts por 50mts de largo, construído em 10 meses e que, com os do Quebo (Aldeia Formosa) no sul e Cufar (perto de Catió) no sudoeste, integra o programa anual de desenvolvimento das comunicações aéreas provinciais.
– «Só em 1970 foram construídas mais três pistas asfaltadas: Nova Lamego, Cufar e Aldeia Formosa [Quebo], para cobertura operacional do sul e leste, Gabu e Boé. Nova Lamego tinha sido preparada para aviões FIAT e passou a contar com um destacamento permanente de aviões ligeiros.»¹
Seguidamente a comitiva percorre em automóvel o concelho do Gabu, viajando a seguir de helicóptero para sul, aterrando primeiro em Béli e depois sem escolta em Madina-Boé que, segundo Amílcar Cabral, é uma «região libertada» pelo PAIGC. No regresso a Bissau, sobrevoam a baixa altitude as tabancas do Cheche e Canjadude, e ao fim da tarde no QG do forte da Amura o ministro assiste ao briefing de rotina diária.
¹ (Diogo Neto, em 19Jul94 a Freire Antunes)
[...]
1973 – Outubro.24
No sudeste da Guiné, o novo governador e comandante-chefe general Bettencourt Rodrigues – após ter tomado o pulso à situação da província –, desloca-se com 2 jornalistas alemães a Madina-do-Boé e percorre sem escolta a designada «capital da República», proclamada pelo PAIGC exactamente há 1 mês.
[...]
– «O novo comandante-chefe estudou a situação e, quando se considerou de posse de todos os elementos para fazer o seu diagnóstico, voltou a Lisboa onde expôs a sua opinião ao Governo, indicando os meios que considerava necessários para actuar com segurança. Pouco antes, haviam-se verificado ataques esporádicos a povoações da zona leste próximo de Nova Lamego (Gabu) e da zona sul.
A opinião do comandante-chefe era a de estes últimos tinham o carácter de manobra de diversão. O objectivo real do inimigo era isolar uma zona na faixa leste da província, que incluia Madina do Boé, para poder instalar-se no nosso território e assim pôr termo à situação ridícula de afirmar que o dominava, ter proclamado a sua independência e continuar com a sede dos seus orgãos dirigentes em Conackry, onde era forçado a receber os representantes dos organismos internacionais e dos Estados que haviam reconhecido a pseudo-República da Guiné-Bissau... Bethencourt Rodrigues compreendeu a manobra e preparou-se para a inutilizar.
Foram-lhe dados mais meios e outros em breve lhe seriam enviados, que anulariam ou pelo menos atenuariam substancialmente o desnível que se dizia existir entre os nossos meios e os do inimigo.»¹
– «A propósito é de recordar uma crónica publicada por um jornal da Alemanha Federal, de um seu enviado especial e oriunda de Medina [sic] do Boé. Começava por afirmar o seguinte: “Não existe uma República da Guiné-Bissau. Embora 70 Estados tenham reconhecido esta República, a partir do momento da proclamação da independência da Guiné Portuguesa efectuada pelo movimento terrorista PAIGC, o certo é que isto se traduz no reconhecimento de uma fantasia. Nem sequer a povoação de Medina, na zona do Boé, no sul do território e na qual 120 deputados reunidos em assembleia nacional dos rebeldes do PAIGC, teriam proclamado a República, se encontra nas mãos dos rebeldes.”»²
Enquanto isso no QG da NATO em Bruxelas, o secretário-geral Joseph Luns solicita aos delegados da Holanda, Noruega e Dinamarca que os seus governos não reconheçam³ a "independência da Guiné-Bissau".
¹ (Silva Cunha, op.cit pp.56-57);
² (Thomaz, op.cit pp.328);
³ (mas só no início de Abr74 o MNE dinamarquês vai distribuir, em nome dos países nórdicos, um comunicado conjunto nesse sentido)
__________
Notas de L.G.:
(*) 1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix) Vd. postes anteriores desta série:
Vd. postes anteriores desta série:
18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)
(**) Vd. poste de 18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3909: (Ex)citações (16): Por que é que a FAP não bombardeou Madina do Boé em 24/9/1973 ? (Luís Graça / A. Graça de Abreu)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Desculpe..Um jornal da Alemanha federal, afirmou, cito: "...independência da Guiné Portuguesa efectuada pelo movimento terrorista PAIGC..."
Pode saber-se que jornal era esse?
Obrigado
João Coelho
Abreu dos Santos,
Falar de Madina do Boé, ainda hoje é falar de uma região abandonada.
Nem para commemorar o 24 de Setembro os governos guineenses se mobilizam para visitar aquela terra, porque pessoas mesmo, nem sei se neste momento vive alguem.
Tirando Beli, atravez de uma ou outra ONG, para lá de Tché-tche foi o abandono geral após o triste naufrágio daquela jangada. (O povo de Canjadude e das margens do Corobal falavam tipo lenda que desde aquela data, as enchentes do Corobal, nunca mais inundaram as margens).
Mas, Abreu dos Santos, desculpa, mas ver a guerra da maneira como estás a analizar, com a visita de um jornalista alemão, é tão vazio como o PAIGC levar uns jornalistas e fazerem a reportagem de uma independência.
Explicar esta guerra, é cada vez mais complicado! principalmente a guerra da Guiné.
Antº Rosinha
No post 3909, eu escrevi:
"A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné? Na altura eu soube que um mês depois da proclamação da Independência, o general Bettencourt Rodrigues foi de héli a Madina do Boé, até levou um jornalista alemão que fez uma reportagem. Não encontraram rigorosamente ninguém.
Escrevi isso no meu Diário e há dois anos atrás em conversa com o Cap Mil, José Blanco, secretário pessoal do Spínola e do Bettencourt (1972/74), o meu velho amigo José Blanco confirmou-me que era mesmo verdade, o Bettencourt tinha ido mesmo a Madina do Boé, de héli.Talvez os nosso homens da Força Aérea possam acrescentar mais dados.
Um abraço,
António Graça de Abreu
João Coelho e restantes amigos.
Em abono da VERDADE seria de interesse geral, saber qual o "jornal da (ex)Alemanha federal, onde foi publicado o referido trabalho nesses termos e respectiva data.
Recordo que tambem existem fotografias e artigos muito desagradáveis publicadas na imprensa internacional sobre as acções do exercito portugues nas ex-colónias.
Portanto a teoria do mata esfola, não é (nem foi) saudável, e no caso da Guiné em particular, porque para ser coerente com algumas teorias (ou histórias que originam estas) é necessário reconhecer que Amilcar Cabral era tambem uma personalidade reconhecida internacionalmente.
Conhecendo o percursso dele pelos diverssos foruns internacionais, de certeza que não nos permite fazer apreciações ou afirmações tão contudentes. Para além do mais a "doutrina" de um guerrilheiro e de um militar são absolutamente antagónicas. Bem creio que escrevi até ao que me é permitido.
Só uma nota: o facto de se ir a um local e ele estar "desocupado", não quer dizer que não esteja na nossa ausência....um guerrilheiro é mesmo assim...
Um abraço para todos.
Carlos Filipe
ex-radiomontador CCS-BCAÇ3872
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... ao veterano António Rosinha: jamais percorri o Boé oriental, mas conheço minimamente – por relatos de quem por lá andou, por documentários e fotografias, e por excerto de um filme (salvo erro) do cineasta guineense Flora Gomes –, o que era e continua sendo aquele desolado sudeste da Guiné (confinante com a região ocidental do Futa Djalon, no nordeste também humanamente desertificado da Guiné-Conackry). Quanto ao mais, não se trata e "analisar"
(sequer "explicar") aquela guerra: no caso presente, apenas respigar alguns factos que, em determinada data e circunstância, foram "notícia"... da forma e com o intuito que o foram, por um «enviado especial» em «crónica publicada por um jornal da Alemanha Federal», país da NATO à qual Portugal também pertencia (e pertence); além disso, e sendo certo que ao PAIGC não era reconhecida qualquer personalidade jurídica e os jornalistas seus convidados eram, sempre, simpatizantes "da causa", quando não mesmo "colaborantes", convenhamos que, sob perspectiva alguma é razóavel considerar, comparativamente (!), «tão vazio como o PAIGC levar uns jornalistas», «a visita de um jornalista alemão» propositadamente convidado e para o efeito acompanhante do legal representante máximo do governo, legal, da Província Ultramarina da Guiné que, àquela data e para todos os efeitos do direito internacional, era (ainda!) da soberania de Portugal. Penso-eu-de-que... , até 10Set74.
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... aos veteranos João Coelho e Carlos Filipe: "em abono da verdade", antes de a ONU ter aceite a presença do líder palestino Yasser Afarat naquele areópago internacional, creio ser "de interesse geral" lembrar aqui que também a OLP era considerada como "grupo terrorista"; e que uma tal adjectivada linguagem, agora e por "correcção política" considerada acintosa para com aquela organização – e outras congéneres "de libertação" –, naquela época e contexto nada continha de gravoso e era grosso modo utilizada pela imprensa ocidental. Aliás, o sonho de qualquer grupo terrorista, é vir a ser reconhecido como não-terrorista...
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... e se neste weblog me é consentida mais alguma latitude apreciativa, repare-se que, de tudo quanto foi propositadamente extractado com único propósito de proporcionar «"ajudas de memória", relacionadas com o tema "Madina do Boé 1969-1973"», os antecedentes comentaristas cristalizaram-no em quase ridicularizar, a singular deslocação do governador e comandante-chefe general Bethencourt Rodrigues àquela fantasiosa "capital da República da Guiné-Bissau" (assim como à sucedânea forma como "um jornal da RFA" se referiu ao PAIGC), concluindo curiosamente na pretensão de se saber "que jornal era esse". A resposta, sucinta, poderia ser dada pelo almirante Thomaz que, nas suas memórias, ao assunto se referiu talqualmente transcrito (na citação ² referente ao dia 24Out73); mas de há muito falecido aquele ex-chefe de Estado, talvez algum outro interessado leitor/comentarista esteja em condições de indagar "que jornal era esse".
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A todos, os m/agradecimentos pela deferência dos v/comentários.
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