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sábado, 15 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25641: Timor-Leste, passado e presente (5): a resistência luso-timorense e australiana na II Guerra Mundial



Mapa de Timor-Leste > Posição relativa de Bacau, a leste de Dili, a capital. Fonte: WikipediaWikipedia (com a devida vénia).


1. Não acompanhei na devida altura a série "Abandonados", que passou na RTP1,  de 21 de dezembro de 2022 (1º episódio) a 15 de fevereiro de 2023 (7º e último episódio). Mas conto poder vê-la na RTP Play.



Vejamos aqui a sinopse da série:

"Uma história de coragem e de sacrifício sobre-humano, ocorrida em Timor durante a II Guerra Mundial, com a invasão do Japão. Uma série de Francisco Manso com Marco Delgado, António Pedro Cerdeira, Chico Diaz, Elmano Sancho, Francisco Froes, Joaquim Nicolau, entre outros

"Baseada em factos reais, 'Abandonados' recorda a aliança inédita entre portugueses, timorenses e australianos unindo-se contra um inimigo comum que não hesitava em cometer as maiores atrocidades contra as populações locais e contra todos os que se lhe opunham.

"A série narra a situação dramática em que ficaram muitos desses homens e mulheres, esquecidos e abandonados em Timor e a luta persistente de um militar - o Tenente Pires, que contra todos os obstáculos e dificuldades, criados aliás pelo próprio governo de Salazar, tudo fez para salvar os seus companheiros, até ao seu sacrifício final. Esta série mostra-nos os caminhos tortuosos da política e dos interesses dos estados sobrepondo-se aos interesses individuais, com toda a carga de injustiça e de desumanidade que muitas vezes isso acarreta, conferindo a 'Abandonados' um significado universal".

Fonte: RTP > Programas > Abandonados
https://www.rtp.pt/programa/tv/p43285


2. Li,  entretanto, uma peça da agência Lusa sobre o livro que inspirou o realizador Francisco Manso, "O diário do tenente Pires", do historiador António Monteiro Cardoso (1950-2016). Faço a seguir um resumo dessa peça jornalística, servindo como introdução a um futura nota de leitura. 

O então jornalista da Lusa em Dili (2006-2008), o premiado escritor Pedro Rosa Mendes (autor, entre outros, da "Baía dos Tigres", 1999) aponta "a 'violência' da colonização de Timor, a 'brutalidade' da I República e o 'cinismo' da política de Salazar face à invasão japonesa" (sic) como  "as linhas que se cruzam na vida do tenente português Manuel de Jesus Pires" e que podem resumir o teor do livro "Timor na 2ª Guerra Mundial, O Diário do Tenente Pires", da autoria do historiador António Monteiro Cardoso (nascido em 1950 e prematuramente falecido em 2016, e que foi casado com a diplomata Ana Gomes),  

 A obra foi lançada em outubro de 2007,  em Díli, na Feira do Livro em Português. O autor conheceu Timor pela primeira vez, tendo aproveitado para visitar alguns dos locais onde se desenrolou a história heróica do tenente Pires, no leste do país, no município de Baucau (hoje a segunda maior cidade, a seguir à capital, da qual dista cerca de 120 km).
 
"O tenente Pires foi administrador da vila de Baucau, que entre 1936 e 1975 se chamou Vila Salazar, capital da circunscrição de São Domingos, e morreu em data e local desconhecidos, talvez no final de 1944, assassinado no cativeiro japonês."


"O pano de fundo do 'Diário do Tenente Pires'  a resistência à ocupação japonesa de Timor, a guerra de guerrilhas movida por forças australianas ajudadas por timorenses e portugueses, a saída de Pires para a Austrália e o seu regresso à ilha, numa missão suicida, para salvar os portugueses que tinham ficado e corriam perigo."

Baseado em abundantes fontes de arquivo, António Monteiro Cardoso procurou analisar e refutar neste livro "dois mitos persistentes", por um lado, "a bondade da colonização de Timor", e por outro, "o sucesso da política de Salazar na colónia mais distante da metrópole."
 
Para ele os livros sobre a História de Timor seriam "livros de exaltação do culto da bandeira e outras fantasias" (sic), disse na  entrevista que deu à Lusa.

Citando o autor do livro:

"A verdade é o que Pélissier contou: a colonização foi violenta e usou os métodos de guerra, guerra de timorenses contra timorenses, como na Guiné pelo Teixeira Pinto" (...). 

"Mantém-se a ilusão mitológica de que o colonialismo português não fazia mal a ninguém. Todos são maus a colonizar menos os portugueses". (...)

"O caso de Timor é o que melhor ajuda a criar este mito, devido à invasão indonésia. Há o mito da cristianização, da conquista das almas e não pela espada", explicou o historiador. "O timorense por definição era católico, falava português e adorava Portugal", recorda.

 (....) "Os indígenas são tão simpáticos, tão portugueses, dóceis, um pouco mandriões é certo. Conhecem as crianças? Assim são os indígenas", ironiza o historiador sobre a visão colonial do timorense.

Para além da história (trágica) do tenente  Pires, desconhecida dos portugueses,  o livro  procura 
 recuperar também "parte da história dos deportados portugueses em Timor", donde descendem  "clãs" importantes, como a família Carrascalão ou a família Ramos-Horta.

Conta António Monteiro Cardoso:

"A novidade é que os principais deportados não foram enviados pelo regime de Salazar. Os primeiros, o núcleo-duro, eram anarco-sindicalistas, enviados pela I República para a Guiné e Cabo Verde e que depois a ditadura militar aproveitou para mandar para mais longe".
 
Foi o caso dos alegados militantes da Legião Vermelha, "uma organização terrorista de contornos ocultos, de acção directa, destinada a atacar patrões, polícias e outros serventuários menores do capital". 

Um das vítimas desta organização  o comandante da polícia cívica de Lisboa, o capitão João Maria Ferreira do Amaral, originando uma brutal  vaga de repressão em  1925.

Em 1931, os deportados "sociais" e "políticos" portugueses em Timor atingia o meio milhar,  mais o que o total do funcionalismo público no território.

Sobre a política do Estado Novo em Timor, o historiador defende a tese de que Salazar "demonstrou um desprezo absoluto pela vida humana e um cinismo completo".  Na realidade, teria pedido aos portugueses, perseguidos pelos japoneses, "um 'massacre inútil', uma decisão que antecipa o que aconteceu em 1961 com a invasão de Goa", quando ordenou ao governador, gen Vassalo e Silva, que queria soldados e marinheiros "vitoriosos ou mortos".

Descurando a proteção (militar) do território, antes do início da guerra no Pacífico (fnais de 1941) , Portugal acabou por não dar quaisquer "garantias de efectiva neutralidade nem ao Japão nem à Austrália e às potências Aliadas".

Eis mais alguns excertos da entrevista:

"O tenente Pires e outros portugueses em Timor foram usados e sacrificados por Salazar para 'garantir' a soberania sobre a colónia. 

"Os mortos foram esquecidos e os sobreviventes perseguidos".

"Do tenente Pires, fica a história de um oficial que conseguiu salvar centenas de vidas " e que depois fica para a morte, acossado por todos os lados". (...)

"É um exemplo de dignidade, coragem e abnegação até à morte, para cumprir um compromisso"  (António Monteiro Cardoso).


O livro "Timor na 2º guerra mundial : o diário do Tenente Pires", de António Monteiro Cardoso, foi publicado de Centro de Estudos da História Contemporânea Portuguesa, Lisboa, 2007, 271 pp.

Fonte: Adapt., com a devida vénia, de RTP Notícias > Mundo > 26 Abril 2008, 14:59 > Histórias de Portugal e da II Guerra Mundial no "Diário do Tenente Pires" (*)


(*) Histórias de Portugal e da II Guerra Mundial no "Diário do Tenente Pires"
por © 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
Pedro Rosa Mendes, da agência Lusa, em Díli (26 de abril de 2008)

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25594: Timor-Leste, passado e presente (4): Antes da invasão e ocupação do Japão (19 de fevereiro de 1942): imagens da "Vida Mundial Ilustrada" (Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1942)


 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25162: Capas da Vida Mundial Ilustrada (1941-1946) - Parte IV: Apesar da censura, foi possível documentar a alegria do povo de Lisboa, manifestando-se nas ruas ao saber do fim da II Guerra Mundial na Europa em 7 de maio de 1945

 


Capa da "Vida Mundial Ilustrada, Lisboa, ano IV, nº 209, 17 de maio de 1945, preço avulso, 1$80...A imagem não era das multidões a festejar o fim da guerra e  a vitória dos Aiados ("Nações Unidas"), mas a visita... de Salazar ao embaixador de Inglaterra:

 "O sr. Presidente do Conselho,  como Ministro dos Negócios Estrangeiros, esteve na Embaixada da Inglaterra, para exprimir ao sr. Embaixador, "Sir"  Campbell, o quanto satisfazia ao seu Governo e aos portugueses a vitória das Nações Unidas"...

Salazar e a censura tinham horror às multidões... Jornais do "reviralho" como o "Diário de Lisboa" não puderam publicar fotos como estas a seguir, que aparecem no interior da "Vida Mundial Ilustrada", com a população de Lisboa (homens, não se vê uma única mulher, a não ser às janelas) a vitoriar os Aliados... (E nós estávamos a nascer, e alguns de nós já mamavam ou até gatinhavam.)

Cauteloso, e com "pinças",  o jornalista remetia o júbilo do povo para uma página interior (pág. 15) que só podia ler quem tivesse comprado o semanário por 1$80 (tinha aumentado 80% desde a data do seu lançamento em meados de 1941) (*)... 

Escrevia-se assim naquela época, em estilo gongórico e cheio de subentendidos: 

"Acabou a guerra! Todo o mundo aguardava ansioamente esta notícia que devia chegar de um momento para o outro. E porque era assim esperada e era certo o fim da guerra, ninguém sonhava que chegasse tão longe a ordeira alegria do povo português, dia-a-dia vivendo a dureza de um conflito que, nem por estar longe, podia ficar estranho à nossa consciência de homens e de europeus. Pode-se dizer que não houve ninguém que não empunhasse uma bandeira, que não  gritasse a sua alegria, e não dissese como Salazar no seu discurso: - Ainda bem que acabou a guerra! Ainda bem que sairam vitoriosas as Nações Unidas" (pág. 15)... E se tivessem ganho as "potências do Eixo" ?  Parte da elite portuguesa da épocapolítica, militar, e até económica e financeira, era germanófila, apesar da "neutralidade" do país... Salazar era um político pragmático, mais próximo política e ideologicamente do fascismo de Mussolini do que do nazismo do Hitler... Destestava os americanos  e o regime capitalista e demoliberal, leia-se, parlamentar...

 

Foto tirada na Conde Beirão, em Lisboa...Excerto da legenda: (...) "Diante das embaixadas, diante das legações, pelas ruas da Baixa, a cidade de todas as condições sociais espalhava-se e comprimia-se porque todas as ruas pareciam pequenas para exprimir o seu entusiasmo" (Útima página, pág. 24).

Na Av da Liberdade, junto ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra... (pág, 15)

(Com a devida vénia... Cortesia de Hemeroteca Digital de Lisboa  / Câmara Municipal de Lisboa)

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