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sábado, 11 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24137: Memórias cruzadas: Heremakono ou Hermancono, topónimo de origem mandinga, que quer dizer "à espera da felicidade" (Here=felicidade + makono=esperando) (ler Herêmakonó) (Cherno Baldé)


Senegal > Fronteira com a Guiné-Bissau > PAIGC > Base de Hermancono (antiga Sinchã Djassi, Roel Coutinho chama-lhe "Hermangono") > 1974 >  Mulher 



Senegal > Fronteira com a Guiné-Bissau > PAIGC > Base de Hermancono   > 1974 >  Três jovens estudantes, do sexo feminino.

Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - D 33 - Hermangono, Guinea-Bissau - Pupils at the northern front - 1974.tif


Senegal > Fronteira com a Guiné-Bissau > PAIGC > Base de Hermancono   > 1974 >  Milícia(s) (assim, de repente, o da esquerda parece levar ao ombro  uma G3). 


Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Comentários ao poste P24124 (*) 

Cherno Baldé,
Bissau
(i) Cherno Baldé:

Caros amigos,

Enquanto a gente tenta encontrar o local preciso onde estaria situada a base logística de Hermancono, navegando na Net encontrei um facto muito interessante sobre a origem e significado do termo.

Heremakono, termo ou nome original que vem do grande 
grupo etnolinguístico mandinga, um dos maiores da região ocidental do continente, designa uma localidade ou área habitacional e, pasme-se, significa "esperando a felicidade" - Here = felicidade + makono = esperando (ler Herêmakonó)  ~topónimo muito frequente e que se pode encontrar em vários países da região que contam com 
a presença deste grupo: Mali, Guiné-Conacri, Costa do 
Marfim, Serra-Leoa, Senegal,  entre outros. 

Mas, no nosso caso, tudo indica que teria sido adoptado pelos elementos da guerrilha filiados no PAIGC que, na verdade, eram das mais diversas origens e credos.

Assim, Heremakono ou Hermancono (a corruptela guineense) seria uma espécie de estação de passagem simbolicamente bem pensada e geograficamente bem situada, enquanto esperavam a felicidade suprema da libertação da sua Guiné-Bissau, onde jorraria leite e mel para a eternidade.

Afinal, os homens do Paigc, para além de bons guerrilheiros, também eram poetas e grandes sonhadores.


(ii) Cherno Baldé:

Em 2002 um cineasta mauritano, Adheramane Sissako, realizou um filme centrado no irrestível sonho e vontade dos jovens africanos para a emigração e deu-lhe o sugestivo nome de Heremakono. E qualquer pesquisa na Net será a primeira informação a aparecer.

7 de março de 2023 às 23:55 

(iii) Tabanca Grande Luís Graça

Eureca!... Cherno, a tua intuição, a tua cultura, a tua santa paciência e sobretudo os teus conhecimentos etno-linguísticos são um "valor acrescentado" para o nosso blogue...

Estou inclinado também a seguir o teu raciocínio... Numa pesquisa na Net também encontrei o topónimo Heremakono, em vários países cujos territórios fizeram parte do antigo Império do Mali... Mas o melhor é citar-te, porque tu é que és o nosso mestre:

(...) Heremakono, termo ou nome original que vem do grande grupo etnolinguístico mandinga, um dos maiores da região ocidental do continente, designa uma localidade ou área habitacional e, pasmem-se, significa "esperando a felicidade" -Here = felicidade  +  makono=esperando- (ler Herêmakonó)...

...topónimo muito frequente e que se pode encontrar em vários países da região que contam com a presença deste grupo: Mali, Guiné-Conacri, Costa do Marfim, Serra-Leoa entre outros .
...Mas, no nosso caso, tudo indica que teria sido adoptado pelos elementos da guerrilha filiados no PAIGC que, na verdade, eram das mais diversas origens e credos.

Assim, Heremakono ou Hermancono (a corruptela guineense) seria uma espécie de estação de passagem simbolicamente bem pensada e geograficamente bem situada, enquanto esperavam a felicidade suprema da libertação da sua Guiné-Bissau, onde jorraria leite e mel para a eternidade.


Teria sido algum "djidiu" que se lembrou de "rebatizar" Sinchã Jassi" (leia-se Sintchã Djassi) com o nome Hermancono ou Hermacono ?

Não há dúvida, Cherno, a guerra também se faz com o "simbólico", a força (imaterial) das ideias, das crenças, da poesia, das palavras, da ideologia, e não só com a força (material) das armas... 

Nisso, o Amílcar Cabral foi mestre... num terreno onde os seus rivais (a FLING) e os seus adversários (os Governos de Salazar e Caetano) falharam...

(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

O filme passou em Portugal. 

Sinopse: O filme acompanha o dia-a-dia de Nouhadhibou (Mauritânia), cidade portuária, marcado pelo trânsito de emigrantes para a Europa, onde todos espera encontrar "a sua felicidade". Vencedor do FESPACO 2003

"Heremakono / À espera da felicidade"

Realizador: Abderrahmane Sissako  | Ano: 2002 | Documentário | Duração  95 m  | M/12 | França


Aqui está também uma entrada na Wikipedia (em inglês) sobre o filme do realizador mauritano, Adheramane Sissako, "Waiting for Happiness" (título original: Heremakono) (em francês: "Em attendant le bonheur"; em português: "À espera da felicidade") (*)
 

Tradução rápida, para os nossos leitores:

(...) "Waiting for Happiness" (título original: Heremakono; árabe: في انتظار السعادة, romanizado: fīl-intiẓār as-saʿāda) é um filme de drama mauritano de 2002,  escrito e dirigido por Abderrahmane Sissako. 

Os personagens principais são um estudante que voltou para sua casa em Nouadhibou, um eletricista e seu filho aprendiz e as mulheres locais. O filme é caracterizado por uma sucessão de cenas da vida quotidiana dos personagens que são específicas das suas culturas africanas e árabes, figuras que parecem arrancadas às páginas do livro Temporada de Migração para o Norte,  do romancista Tayeb Saleh (موسم الهجرة إلى الشمال). 

O espectador deve interpretar as cenas sem muita ajuda do narrador ou do enredo, enquanto a estrutura do filme se baseia nuuma série de momentos mundanos, mas visualmente atraentes, muitos dos quais se repetem em outras obras da obra de Abderrahmane Sissako, incluindo cenas numa barbearia. e numa cabine de fotos, também presente no seu anterior filme La Vie Sur Terre e posteriormente em Timbuktu. 

O filme apresenta momentos típicos mauritanos de beleza, luta, alienação e humor, vividos por grupos socialmente divididos entre si, como as mulheres Bidhan bebendo chá e fofocando, migrantes da África Ocidental passando pela Mauritânia para chegar à Europa (e encontrando uma camarada mal sucedido que deu à costa). 

O jovem protagonista que voltou, interage com todos esses grupos como um estranho, enquanto luta para se lembrar até mesmo de seu próprio dialeto árabe Hassaniya, mas prefere o francês. Muitos dos temas e personagens pressagiam o filme de Sissako de 2014, Timbuktu, e ambos exploram identidades liminares do Sahel autenticamente situadas na vida quotidiana. Esperando a Felicidade estreou-se no Festival de Cannes 2002 na seção Un Certain Regard.(...)

Sobre o realizador, ver também aqui uma entrada na Wikipedia (em português):

https://pt.wikipedia.org/wiki/Abderrahmane_Sissako

8 de março de 2023 às 15:45 
 
(v) Cherno Baldé:

De salientar que o apelido do realizador mauritano "Sissako" é o mesmo que em outros países, nomeadamente Mali (o grande centro difusor da cultura e de expansão populacional), a República da  Guiné e a nossa Guiné- 
Bissau é Sissoco ou Sissokó.

Ainda, na época colonial havia quem respondesse por Sisseco ou Sisseko, como o caso do ex-alf 'comand0' do Batalhão de Comandos (primeira companhia?). Família de "Djidius" e artistas de longa tradição africana que se espalharam por toda a região Oeste do Oeste e hoje na diáspora.

O vocábulo "makonó", muito utilizado no folclore local, não era muito estranho aos meus ouvidos, grande consumidor, desde a infância, da chamada hoje música Afro-mandinga, mas a corruptela guineense "Hermancono" fazia muito ruído sensorial que impedia a sua compreensão imediata.
___________

Nota do editor:

(*) Vd. poste e 7 de março de 2023 > Guiné 61/74 - 24124: Memórias cruzadas: A base (logística) de Sinchã Djassi / Hermancono, na fronteira com o Senegal (contributos de Carlos Silva, Leopoldo Amado e A. Marques Lopes)

terça-feira, 7 de março de 2023

Guiné 61/74 - 24124: Memórias cruzadas: A base (logística) de Sinchã Djassi / Hermancono, na fronteira com o Senegal (contributos de Carlos Silva, Leopoldo Amado e A. Marques Lopes)


Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1953) / Escala 1/50 mil >  Posição relativa de Jumbembem e do "corredor de Lamel" (que partindo da estrada Farim-Jumbembem, acompanhava o curso do rio Lamel, afluente do rio Jumbembem, passando por Fantambã e Farincó até à fronteira)... Já em território senegalês havia a base (logística) de  Sintchã Djassi (assim chamada talvez em homenagem a Abel Djassi, nome de guerra de Amílcar Cabral ?!...) ou Hermancono  (também grafada como Hermacono ou até Hermangono). Na fronteira com o Senegal, estão sinalizados os números dos marcos, de 105 a 112. Era por aqui que se localizava a base.

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


Excerto de manuscrito do Carlos Silva, ex-fur mil Carlos Silva, ex-Fur Mil Arm Pes Inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71). (Trata-se de um livro, inédito, sobre a sua experiência de vida na Guiné, aonde, de resto, foi por diversas vezes, a seguir à independência, em trabalho e em turismo de saudade). O nosso camarada é advogado de profissão; tem um valioso espólio documental (fotográfico e literário sobre a Guiné); é um histórico da nossa Tabanca Grande, para a qual entrou em 20/7/2007.

O manuscrito do IN, encontrado no corredorde  Lamel, em 3/3/1970, vem reproduzido também na História da Unidade, BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71), Cap II, pág. 20. Escrito em muito mau português, diz o seguinte (revisão / fixação de texto: LG):

Hermancono, 3-3-70

Oficiais, soldados e fantoches do exército colonial, estão a fazer muito ronco na estrada. Devem saber, e preparem-se,   [a base de] Canjambari já recebeu novo dirigente militar para vos 'tirar no abuso'.   Já estão muito atrevidos no caminho tanto de Bricama como de Sulucó. Temos que vos mostrar qual é o vosso lugar.

Ao nosso primeiro encontro todo o vosso comando tem de vir.

Assinado: FARP. Aviso ao Exército Colonial.




Excertos da História da Unidade - BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71), HU-Cap II -Pág. 20: 

(i) No dia 14 de março de 1970, pelas 8h30, forças da CCAÇ 2548 (Jumbembem, 1969/71) detetaram um acampamento IN a Oeste do marco fronteiriço nº 107. Lançado um golpe de mão, foram feridos 2 elementos IN, e capturado 1 LGFog e 2 granadas de RPG 2, entre outro material. O IN reagiu com armas automáticas e morteiro ligeiro, batendo a área do acampamento a partir da Repúbica do Senegal.

(ii) No dia seguinte, 15, forças da milícia de Cuntima, comandadas pelo cmdt da CCAÇ 2549, executaram uma patrulha de reconhecimento ao longo da fronteira até ao marco nº 105. Detetaram dois elementos IN, que perseguiram.

(iii) A 20 do mês, às 13h30, e durante a interdição do corredor de Lamel, forças da CCAÇ 2548 (Jumbembem) detetaram e perseguiram um grupo IN estimado em 80 elementos. que se deslocavam de Sul para Norte, a 400 metros da sudoeste da ponte. O IN não reagiu ao fogo das NT, e retirou para Norte. De Jumbembem form feitos 13 tiros de obus para a zona de retirada do IN. E, a seguir, a FAP, chamada a intervir, fez um ataque ao solo entre o rio Lamel e Fantambã. Feita uma  batida imediata, foram encontradas 10 granadas de RPG 2, entre outro material.

Infografias: Carlos Silva  / Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné (2023) 


1. O Carlos Silva teve a gentileza, no domingo passado, de me mandar cópia dos dois documentos que acima reproduzimos. Afinal, ele lembrava-se desta base (ou barraca), ou pelo menos do seu nome,Hermancono ou Hermacono. Ficaria no limite do subsetor de Jumbembem, mas já em território senegalês. Nos mails que trocámos, ele esclareceu:

(...) Luís, este nome   [Hermancono]  ficou-me na orelha, Consultei o meu livro e  História do Bat Caç 2879 e cá está ele.

Como referi participei na operação que fizemos à zona, mas não encontramos qualquer vestigio. Segue o panfleto que apanhamos em Lamel. (...)

(...) Eu andei por lá em fins de 1969, Mas quando fizemos a operação, não ouvi falar na base de Hermancono. Não está muito longe de Cumbamori. No meu livro dos Roncos de Farim  eu falo na 1° operação a Cumbamori em dezembro de 1967. (...)

(...) Durante toda a comissão nunca ouvi falar em tal base, apesar de ter ido lá. (...)

(...) As fotos do poste P24110 são de 1973, de certo os gajos deambulavam entre Cumbamori e Hermancono, esta designação não é guineense. (...)

Ao telefone, disse-me que já tinha andado  naquela estrada Ziguinchor-Dacar, duas vezes, quando foi à Guiné. Numa delas entrou por Cuntima, se não erro.

2. Pesquisando no nosso blogue, descobri que o toponónimo, Hermancono (*),  já sido citado mais do que uma vez: pelo historiador guineense, e nosso amigo, Leopoldo Amado (1960-2019), e pelo A. Marques Lopes, que reproduz   o Subintrep nº 32, de junho de 1971. Aqui vão alguns excertos:

(i) Leopoldo Amado, poste P 1566 (**)

(...) Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos. 

Assim, o PAIGC inicia, a partir desta altura, as acções contra Bissau e Bafatá, há muito anunciadas, num momento em que procede à desconcentração das unidades dos CE 199/A e 199/B, que se haviam deslocado para as áreas de Sano e Cumbamori (Senegal), dando por findo o esforço realizado na área de Barro-Bigene-Guidaje.

Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandona­da desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno. 

Como consequência desta nova ocupação de Sinchã-Djassi, aumentou de forma considerável o trânsito pelo “corredor” do Lamel, que passou a ser o mais usado, seguindo-se-lhe, em menor grau de utilização, o de Canja. (...) (**)

(ii) A. Marques Lopes, poste P3258 (Subintrep nº 32, junho de 1971 - Itinerários de abastecimento do PAICG) (***)

(...) 

- Para a Frente de Morés/Nhacra

Para o Sector do Morés são utilizados os “corredores” de Lamel e Sitató, podendo também com menos frequência utilizar o de Sambuiá, segundo os itinerárioa que se referem:

“Corredor” de Lamel

Morés – estrada Mansabá/Farim sensivelmente em direcção a Biribão – Biribão – cambança do rio Canjambari nas proximidades da tabanca de Béssia – Bricama – cambança do rio Jumbembem – cambança do rio Lamel – estrada Jumbembem/Farim – Fambantã, seguindo depois um carreiro até um local nas proximidades da fronteira onde a coluna aguarda a chegada do material. 

Este vem da arrecadação existente na base de Sinchã Djassi e é transportado até ao referido local em viaturas, sendo ali entregue às colunas que o esperam. 

O regresso é feito pelo itinerário inverso, tendo o percurso (ida e volta) uma duração de cerca de seis dias. Os locais de pernoita pensa-se que serão em Biribão  [a sudeste do Olossato] e Fambantã.

O IN utiliza para movimentar as suas viaturas de reabastecimento às bases desta Frente a chamada “Estrada Grande”, isto é, a estrada que, a partir de Koundara, segue por Linnkiring – Velingará – Dabo – Kolda – Bantankoutou – Sonco – Sare Tening – Tanaf – Ierã – Samine – Ziguinchor. É pois a partir deste itinerário principal que saem ramificações que conduzem às diferentes bases. Assim,

- Para Faquina: Kolda – Bantankoutou – Sonco – Lenquerim – Faquina

As viaturas vão apenas até Bantankoutou. Os reabastecimentos a partir daqui são transportados por carregadores que em Lenquerim cambam a bolanha de canoa para passarem à base de Faquina.

- Para Sinchã Djassi (Hermancono): Kolda – Sare Tening – Hermacono

- Para a base de Cumbamori: 
Kolda – Tanaf – Ierã – Mankolecunda – Cumbamori

- Para Dungal: 
Kolda – Tanaf – Dungal

- Para Sano: Kolda – Samine – Sano

- Para Sikoum Bafatá: Kolda – Tanaf – Samine – Goudomp – Sekoum

O material e víveres vindos da República da. Guiné (Koundara) passa, como vimos,  em Dinnkiring e Kolda, locais onde é feito pelas autoridades da República do Senegal controle das viaturas e material transportado; a partir de Kolda o material é usualmente acompanhado por pessoal do Exército Senegalês, embora em escolta à distância.

No terminal da “Estrada Grande” encontra-se Zinguinchor, sede do comando da Inter-Região Norte, mas que no quadro da logística do PAIGC não parece desempanhar papel relevante dado que, segundo os elementos disponiveis, apenas apoiará os grupos sediados em M’Pack e Kassou.

O reabastecimento das Frentes do interior da Inter-Região Norte é feito por colunas de carregadores através dos “corredores” tradicionais de infiltração e suas variantes, sendo sempre feitos em movimentos vindos do interior, razão pela qual se descrevem estes “corredores” no sentido inverso àquele em que, até aqui, se tem descrito p fluxo dos reabastecimentos.

Estão detectados os seguintes:
  • “Corredor” de Sitató, com início em Faquina
  • “Corredor” de Sambuiá, com início em Cumbamori
  • “Corredor” de Lamel, com início em Sinchã Djassi [ / Hermancono]
  • “Corredor” de Sano, com início em Sano [pelo lado Este, entre Barro e Bigene - A.Marques Lopes]
  • “Corredor” de Canja, com início em Pirgui [pelo lado Oeste, entre Barro e Sedengal - A. Marques Lopes]
_______________

Notas do editor:

(*) Vd.  poste de 1 de março de  2023 > Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem

(...) Comentários de Carlos Silva:

Conheci bem o nosso Sector de Farim e principalmente o nosso subsector de Jumbembem onde estivemos de 2/01/1970 a 16/6/1971.

Quando estivemos em Farim chegámos a fazer uma operação ao Dungal que fica na fronteira na qual eu não participei.

Fomos a Lambã duas  vezes, onde se dizia haver por lá uma base, andamos para diabo e nada.

Estivemos destacados no K3 / Saliqunhedim, e fizemos operações para esse lado para a bem conhecida Fátima onde tivemos contacto com IN e todas as Companhias por lá andaram.

Picagens para Lamel ponto de encontro de Farim/Jumbembem. Patrulhas e operações nessa área até ao rio Jumbembem/Farim/Cacheu.

Em Novembro de 1969, estava o meu 4º Pelotão destacado no K3 e a minha CCaç 2548 foi fazer nomadização para a fronteira norte Sitató/Cuntima onde tivemos o 1º morto a 28 de Novembro.

Palmilhamos todo o subsector de Farim enquanto ali permanecemos. A partir de Janeiro/69 até ao nosso regresso palmilhamos todo o nosso subsctor de Jumbembem que ia da picada Farim - Jumbembem - Cuntima até ao Senegal.

Fui diversas vezes emboscar para Farincó Mandiga, Fanbamtã,  Sare Soriã que fica a oeste de Jumbembem.

Muitas vezes para Sare Mancamã, Saman que fica a norte e fomos fazer operações para a fronteira para os Marcos 109 e 110,  Sare Sofi,  onde tivemos contactos com IN, bem como
fomos lá 2 ou 3 vezes buscar população.

Palmilhamos em picagens, patrulhas Jumbembem/Lamel; Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari; Jumbembem/Norobanta, e em todos estes percursos levantámos muitas minas e tivémos azar com 2 camaradas, um ficou sem o pé no percurso Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari e outro já a chegar ao termo da picagem Jumbembem/Norobanta.

Das operações à fronteira aos marcos, saímos de Jumbembem via Sare Mancamã, Samã e regressávamos via Galgega e apanhávamos as viaturas em Norabanta de regreeso a Jumbembem.

Tivémos contactos Fanbamtâ e Sare Soriâ bem como ao longo das picadas, principalmente Jumbembem/Lamel.

Nunca ouvi falar em Hermacono / Hermangono, mas perguntei aos meus amigos de Jumbembem que me disseram que existe no Senegal próximo da fronteira uma tabanca com esse nome, que não aparece nos mapas.

Como disse fomos a Lambã duas  vezes e não ouvi falar dessa tabanca. Para mim, Lambã ficou-me na memória porque da 2ª vez que lá fomos o meu camarada Furriel Enfermeiro já falecido, quando da retirada perdeu a pistola na bolanha e andamos a pisar o terreno até encontrá-la. (...)

(...) Cumbamori fica a uma dúzia de quilómetros a noroeste de Guidaje. Sambuiá (corredor de Sambuiá) fica a oeste de Bigene e a sul de Talicó, na picada de Farim - Bigene - Barro - Ingoré. Já fiz esta picada 2 vezes em férias, a primeira em 1997 ainda não havia a ponte de S Vicente,  e a 2ª vez já atravessei a ponte. (...)

(...) No nosso Sector de Farim enfrentávamos os Corredores de Lamel e Sitató. Em Lamel no meu tempo ficava lá emboscado e patrulhava a zona diariamente e alternadamente um pelotão de Farim; Nema ou Jumbembem.

Colunas e picagens desde 1970 até regressarmos, fazia-se colunas diárias para abastecimentos alimentares, transporte de cibes e materiais para a construção das tabancas.

De Jumbembem saíam 3 pelotões para picagens para sul, Lamel/Farim; para norte Norobanta/Cuntima e para este Sare Tenem / Canjambari.

Para além desta actividade das picagens, patrulhas, operações etc, ainda tivemos a tarefa de construir um aldeamento completo, demolição das tabancas velhas e construção de tabancas novas. (...)

terça-feira, 6 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

Guiné > PAIGC > Guerrilheiros em acção... Publicado em 1972 pelas Edições em Línguas Estrangeiras, de Pequim, o livro Pelas Regiões Libertadas da Guiné (Bissau) é constituído por de um conjunto de reportagens dos jornalistas da Xinhua, a agência noticiosa oficial da República Popular da China, que passaram mais de um mês na Guiné com a guerrilha do PAIGC.

Fonte: Regiões Libertadas da Guiné (Bissau). Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras. Agência de Notícias Xinhua. 1972.

Foto: © Agência de Notícias Xinhua (1972) (com a devida vénia...).

IX parte do dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*).

II Parte do depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, doutorando em História Contemporanea pela Universidade de Lisboa. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue:


Desconfiança e reserva do PAIGC à 'política do sorriso e do sangue' de Spínola

Num autêntico jogo de gato e do rato, Cabral responde a esta espectacular encenação [- libertação de Rafael Barbosa, co-fundador do PAIGC, e suas declarações em 3 de Agosto de 1969, em apoio à política de Spínola da Guiné Melhor, possivelmente sob coação da PIDE/DGS-] com a apresentação, a 18 do mesmo mês, em Argel, de cinco desertores portugueses, na cerimónia de encerramento do simpósio do I Festival Cultural Pan-Africano em que o PAIGC foi eleito vice-presidente do simpósio.

Tal acto era demonstrativo para o PAIGC de que era imperativo o reforço do seu arsenal bélico, pelo que, em finais de 69, Cabral se desloca a Moscovo, onde mantém conversações com peritos militares do Co­mité Central do Partido Comunista Soviético, passando seguidamente por Berlim Oriental e Paris, sempre em demanda de apoio militar.

Aliás, não obstante algumas guarnições portuguesas, no âmbito da nova política introduzida por Spínola, terem estendido espontaneamente a mão ao inimigo da véspera, num ambiente caracterizado pelo incremento das acções militares do exército português, sobretudo os sistemáticos bombardeamentos às regiões libertadas do PAIGC, com meios aéreos e bombas de napalme, essas aproximações foram acolhidas com forte des­confiança, tendo inclusivamente o Comité Central do PAIGC distribuído pelas suas unidades no mato um panfleto aconselhando desconfiança e cautela relativamente a política do sorriso e do sangue de Spínola.


Criação do Conselho Superior de Luta

Do lado do PAIGC, passou a ser evidente que o maior poder de fogo não era suficiente para contrapor à nova agressividade de Spínola, que se faz acompanhar de uma equipa jovem, coesa, decidida e ousada. Ao mesmo tempo que prossegue com maior vigor os ataques contra Ingoré, São Domingos, Guidaje e Morecunda, Cubisseco e Tombali, e Gansala e Catió (no Sul), e outros centros urbanos, como Bolama (atacada a 6 de Novembro de 1969 e onde se registaram inúmeras mortes e estragos em edifícios privados e públicos), acrescidos do facto de que, em 1969, na frente leste, mais dois campos fortificados caíram em mãos do PAIGC – Quifaro e Madina-Xaquili – o PAIGC sente a necessidade de robustecer a componente militar e, simultaneamente, adaptar a sua fórmula organizativa, ganhando mais disciplina e capacidade de resposta.

Surge assim o Conselho Superior de Luta, que substitui um ultrapassado Comité Central, enquanto o Bureau Político dá lugar a um Comité Exe­cutivo da Luta. No topo de uma pirâmide vincadamente hierarquizada, passou a existir uma Comissão Permanente, formada pelo secretário-geral, por Luís Cabral e por Aristides Pereira.

O PAIGC reestrutura os seus Serviços de Propaganda e fundou o PAIGC Actualités, cujo primeiro número saiu a 1 de Janeiro de 1969. Aquando da sua aparição, Cabral que se encontrava em Boé, escreve uma mensagem, que foi reproduzida nesse número, em que dizia “ (…) estou absolutamente convencido de que a iniciativa de publicar um boletim de informação em língua francesa contribuirá de forma eficaz para a melhoria desta arma importante do nosso combate multiforme contra os criminosos colonialistas portugueses (…)” (11) [a tradução é nossa, L.A.].

Contra-ofensiva propagandística do PAIGC a nível internacional

Doravante, os agressivos processos da acção psicológica do exército português já não se baseiam apenas, como no passado, em gestos de beneficência, como oferecer pão e agasalhos às populações, mas assentavam sobretudo em métodos melhorados para contrapor aos argumentos de acção psicológica que o PAIGC usava eficientemente na conquista das populações, sendo ainda de notar que uma vasta rede de rádios funcionava qual caixas de ressonância dos seus Serviços de Informação e Propaganda, a saber, Rádio Portugal Livre (Praga) da FELPA, Rádio Voz da Liberdade (Argel), também da FNLP, Rádio Moscovo, Rádio Pequim, Rádio Tirana, da Albânia, Rádio Libertação em Conakry (PAIGC), Rádio Voz da Revolução em Brazzaville (MPLA), Rádio Difusão e Radiotelevisão da RDC, em Kinshasa, Rádio Tanzânia, em Dar-es-Salam.

Para além disto, o PAIGC promoveu uma série de outras acções de propaganda dirigida a opinião pública internacional, como sejam as reportagens e artigos abonatórios na imprensa inglesa publicados desde 1966 pelo jornalista e historiador Basil Davidson e, em 1969, na imprensa italiana, pelo jornalista Crimi, jornalista, e pelo fotógrafo Uliano Lucas, ou ainda o aparecimento em Londres, de um livro da autoria de Richard Handyside, editado pela Stage 1, com discursos de Amílcar Cabral, e igualmente a exibição de filmes nas grandes capitais e metrópoles europeias rodados por várias cineastas sobre a vida e a luta do PAIGC.

Por outro lado, o novo conceito de acção psicológica empreendido por Spínola na Guiné visava igualmente uma solução política, baseada numa guerra de desgaste de longa duração, que levasse o PAIGC, pela fadiga, pelas divisões internas e pela descrença na vitória, a afastar-se das potências que o apoiavam e a procurar de novo integrar-se nas estruturas portuguesas.

'Autonomia progressiva e participada' (Marcelo Caetano)

Podemos resumir do modo seguinte os principais eixos dessa acção psicológica:

(i) Mostrar uma vontade firme de resistir e de vencer. O inimigo teria de acreditar que a luta em que o exército português estava empenhado era vital e de que nunca desistiria dela por fadiga ou por traição.

(ii) Acelerar o desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos, aumentando a participação dos guineenses na administração dos negócios públicos, dando assim a ideia de que ao PAIGC só restava a opção entre os sacrifícios de uma luta de guerrilha e a sua integração numa sociedade em pleno desenvolvimento, na qual poderia participar.

(iii) Mostrar que o Governo estava pronto a receber aqueles que se arrependessem ou desistissem da luta.

Nesta estratégia enquadrava-se, perfeitamente, a política ultramarina por que se orientava o Prof. Marcelo Caetano e que era designada por autonomia progressiva e participada, expressão essa, aliás, que ele usou pela primeira vez num discurso pronunciado em Lourenço Marques (hoje Maputo), em resposta ao Manifesto de Lusaka onde fora revelada predisposição para o diálogo por parte dos dirigentes africanos que participaram na Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas e da África Austral.

Marcelo Caetano defendeu então um projecto de autonomia pro­gressiva para as províncias ultramarinas, consubstanciando igualmente a acção psicológica de Spínola no que convencionou chamar de construção de uma Guiné melhor, ao que Amílcar Cabral respondeu dizendo que “nunca se iludiriam com os resultados de um possível referendo, na medida em que o Governo de Caetano persistia na sua guerra criminosa e que o PAIGC era há muito autodeterminado nas regiões libertadas que controla” (12).


Reordenamentos, sistema de autodefesa e faricanização da guerra

Todavia, na Guiné trava-se uma guerra revolucionária, escreve Spí­nola em O Problema da Guiné, em que as duas partes em pre­sença têm um mesmo objectivo: a conquista das popula­ções. Para isso, não basta a G-3, é necessário conjugar a manobra militar com a promoção socioeconómica e a acção psicossocial.

São os reordenamentos, para organizar a população em ei­xos situados junto aos quartéis, de modo a furtá-la à penetração do PAIGC e é o sistema de autodefesa das populações (13), ao mesmo tempo, que é accionada outra poderosa arma: a acção psicológica, que aposta na africanização da guerra para captar as populações para a causa nacional, por meio da progressiva recuperação das que estão sob duplo controlo. Como já assinalamos, um vasto esforço, que altera profundamente todo o dispositi­vo militar e administrativo no território. Tudo em nome de uma Guiné melhor – o lema que se transformará em bandeira da administração Spínola.

O PIFAS, em cinco línguas locais, e as Directivas do Com-Chefe

No mato espalham-se cartazes mostrando um negro e um branco de mãos dadas. O Pifas, a emissão radiofónica das Forças Armadas, passa a ser emitido em cinco línguas locais, num es­forço para anular a Rádio Conakry e a Rádio Libertação, ante­nas da propaganda do PAIGC. Difundem-se apelos prometendo uma recompensa de 10 000 escudos a cada guerrilheiro do PAIGC que se apresentar com a sua arma (o ordenado mínimo praticado na altura era de 50 es­cudos e um enfermeiro diplomado ganhava cerca de 1500 es­cudos).

A linguagem da propaganda é cuidadosamente retocada e o esforço de conquista das populações obteve, no início, resultados, tentando aliciar os próprios elementos do PAIGC, que, na linguagem da política da Guiné melhor, deixaram de ser terroristas, porque dizia-se, segundo a mesma linguagem, que tratava-se afinal um confronto entre irmãos, ou seja, batalha inglória de que ne­nhum poderá sair vencedor, o que evidencia bem as verdadeiras intenções de Spínola: na impossibilidade de derrotarem militarmente o PAIGC, retirar-lhe pelo menos o ascendente e a superioridade militares, para que, na eventualidade de uma solução política, o exército português não fosse obrigado a negociar em situação de inferioridade.

Nesse período, no âmbito da acção psicológica e psicossocial, inúmeras outras directivas são postas em marcha, visando inverter a equilíbrio militar favorável ao PAIGC. Assim, a Directiva secreta das Operações Psicológicas Alfa, de 26 de Outubro de 1968, recomendava um maior esforço de acção psicológica no chão manjaco, através de acções panfletárias, campanhas de informação e propaganda radiofónica e exploração de motivações ligadas ao sobrenatural.

A Directiva 44/69 de 8 de Abril de 1969, esclarecia ser necessário: “ (...) gerar um clima psicológico novo, onde não haja lugar para ressentimentos e complexos de culpa (...) fazer um esforço orientado para a reconstrução moral e material da província (...), e um trabalho de mentalização, com o fim de eliminar tendências repressivas, consciencializando todos os militares na missão civilizadora (...)”.

A Directiva 58/68, para a época seca de 1969, e, no tocante à acção psicológica, referia-se ao esforço de APSIC (acção psicológica) sobre os manjacos, balantas e mandingas do chão fula. A Directiva 17/69, de 22 de Fevereiro de 1969, insistia no apoio às populações. A Directiva 57/69, de Junho de 1969, apelava aos esforços no sentido de se acelerarem os planos de urbanização para disciplinar acções tendentes a resolver o problema da habitação das populações. A Directiva 60/69, de 15 de Julho de 1969, sublinhava a necessidade do incremento da instrução primária e a Directiva 78/69, de 19 de Novembro de 1969, que gizava todo um plano da manobra a desenvolver na a época seca de 1969/70 (Outubro de 1969 a Março de 1970).


Prioridade ao chão manjaco

Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica.

Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.

Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes. A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.

Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forças Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné.

Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: “Colóquio”, “África em Foco”, “Tua Terra é Notícia”, “Sete Dias em Foco”. Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.

Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através da revistas Panorama da Guiné e o jornal Voz da Guiné.

Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.

Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.


Reestruturação da Rádio Libertação

Do lado do PAIGC, a situação, caracterizava-se por um contínuo esforço no sentido de ripostar convenientemente a política da Guiné melhor, privilegiando-se simultaneamente, no plano estritamente militar, a continuidade dos trabalhos de constituição dos CE (Corpos do Exército) já iniciado. É curioso notar que foi a partir desta altura que Amílcar Cabral concebe e implementa todo um sistema de informações junto dos comandos e frentes de combate, com objectivos evidentes de se contrapor à intensa e cada vez mais bem organizada acção psicológica do exército português. Curiosamente, é nesta altura que o PAIGC adquire igualmente um potente emissor com que equipa a sua Rádio Libertação, reestruturando completamente esses serviços e, conferindo-a maior dinâmica, sob a supervisão de José Araújo, distinto jurista do que, entretanto, se tornou especialista em matéria de informação, cuja secção chefiava.

Em consequência de tudo isso, o PAIGC evoluiu para nova divisão administrativa e militar, em fun­ção do seu avanço político. Foi criada a Comissão Nacional das Regiões Liber­tadas e, militarmente, o território foi divi­dido, pelo rio Geba, nas frentes norte e sul, e estas em sectores ou zonas. As suas unidades estavam agru­padas em três tipos distintos: (i) infantaria – grupos, bigrupos e bigrupos reforçados (CE), predominantemente dotados de armas ligeiras e lança-granadas; (ii) artilharia – morteiros, canhões; (iii) e armas antiaéreas. Pode afir­mar-se, contudo, que não se registaram durante os anos de guerra dificuldades insuperáveis na obtenção, notan­do-se mesmo crescente volume de material disponível, fruto do constante aumento dos seus apoios externos.


Os efectivos da guerrilha

No que diz respeito ao pessoal, embo­ra as características da luta de guerrilhas torne difícil precisar os efectivos empe­nhados e estabelecer estimativas esclare­cedoras, o comando militar português considerava, em 1971, que as FARP totalizavam 5500 elementos, mais cerca de 2000 das milícias populares, tendo ainda alguma (pouca) margem para novos recrutamentos, perto de 900 a 1000 em cada inter-região, atendendo às taxas de natali­dade e mortalidade existentes na altura.

Segundo a estimativa referida, o PAIGC tinha o seguinte dispositivo/efectivos por unidades:
(i) bigrupo, 38/44.
(ii) bigrupo reforçado, 70.
(iii) Grupo de artilharia, 50.
(iv) Grupo de canhões/morteiros, 23.
(v) Grupo de foguetões/antiaéreos, 16.

A disposição dos efectivos por inter-regiões era a seguinte: Efectivos por regiões:

(a) Inter-Região Norte:

(i) Frente São Domingos/Sambuiá, 630.
(ii) Frente Canchungo/Biambe, 760.
(iii) Frente Morés/NhacrA, 680.
(iv) Frente Bafatá/Gabu Norte, 730.

(b) Inter-Região Sul: ´

(v) Frente Bafatá/Gabu Sul, 200.
(vi) Frente Bafatá/Xitole, 160.
(vii) Frente Buba/Quintafine, 230.
(viii) Frente do Quínara, 560.
(ix) Frente de Catió, 370.

Reorganização dos meios operacionais portugueses

Também o exército português, sob o comando de Spínola, ia sofrendo alterações e ajustamentos constantes de modo a adaptá-lo às novas circunstâncias da guerra. Assim, segundo a carta da situação de 3 de Agosto de 1969, podemos verificar que ocorreu sucessivas alterações na organização dos meios operacionais, embora sem modificações significativas no dis­positivo, nem nos limites das áreas características – oeste, leste, sul e Bissau:

(i) O Sector L4 é destacado do comando de agrupamento de Bafatá e passa à dependência directa do comando central.

(ii) Os COP1 e COP2 são extintos e as respectivas zonas de acção vol­tam à responsabilidade do sector S2, que, por sua vez, perde o subsector de Buba, onde tinha a sede, e transfere esta para a Aldeia Formosa (hoje Quebo).

(iii) É criado o COP4, que engloba o ex-sector de Buba e a zona sul do SI (Serviço de Intendência).

(iv) É criado o sector S4, com uma pequena área: a ilha de Bolama, onde tem a sede, que é também sede do CIM (Centro de Instrução Militar) e as ilhas das Cobras e das Galinhas, com uma secção em cada.

Pela Directiva 23/69, de 27 de Fevereiro, do comando-chefe, o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) deixa de ter interfe­rência directa na conduta operacional, ficando com plena responsabilidade nos assuntos que corriam pelos comandos das armas e chefias dos servi­ços das repartições do Quartel-General.

O Sitrep Circunstanciado (SC) 09/69, de 2 de Março, revela a cons­tituição de um agrupamento operacional (CAOP), com sede em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo), interposto entre os sectores 01 e 05 e à custa das áreas destes. O CAOP é um órgão de comando apenas operacional, de escalão semelhante ao comando de agrupamento.

No mesmo Sitrep verifica-se uma troca de zonas de acção entre o sector 02 e o COP3. Este, porém, passa a ter sede em Jumbembem e não em Farim, ficando assim sobre o corredor de infiltração de Lamel. O SC 14/69, de 21 de Abril, refere a constituição do COP5, com sede em Nova Lamego (hoje Gabu), tendo por área de responsabilidade o sector L3 (retirado ao comando de agrupamento de Bafatá) e o Sector L4.

A Direc­tiva 27/69, de 13 de Março, do Comando-Chefe, justifica a criação deste COP pelo agravamento da situação na região de Gabu. Em Maio (SC 18/69) e de acordo com a Directiva 36/69, de 11 de Abril, é constituído o COP6 na área do sector 03. A fim de dar garan­tia de segurança à prossecução dos trabalhos na estrada Mansabá-Farim, Este, pelo que um COP coordena a actividade das forças que pertencem ao Sector 03 e recebe de reforço uma companhia de caçadores pára-quedistas.

Nesta data, aparece como novidade o TG3. Trata-se de uma área onde as operações ficam a cargo do Comando da Defesa Marítima da Guiné, a qual se estende ao longo do curso médio do rio Cacheou, entre o COP6 e o sector 01, a sul, e os sectores 02 e 06, a norte, à custa do território anteriormente à responsabilidade destes, registando-se novas alterações, patentes no SC 31/69. Assim, o COP4 alarga a sua área até à fronteira sul, com a inclusão da Aldeia Formosa, para onde é transferida a sua sede, e o sector S2, reduzido da área que cedeu ao COP4, passa a ter sede em Gadamael Porto. Na área do CAOP, é constituído o sector 07, com sede em Pelundo. Neste Sitrep aparece também como novidade a Zona de Intervenção do CAOP (ZICAOP). Situava-se no extremo norte da área de acção, não tinha forças de quadrícula e nela apenas era permitida actividade opera­cional coordenada directamente pelo CAOP.

O Sitrep Circunstanciado 31/69 continua a considerar o território da Guiné dividido, como já se referiu, em quatro áreas – Oeste, Leste, Sul e Bissau. Todavia, a estrutura de comando não acompanhou esta divisão. O COMBIS (relativo a Bissau) não sofreu alteração na estrutura superior: continua a dispor de um comando de agrupamento, um comando de batalhão e duas companhias na sede, uma em Nhacra, outra em Quinhamel e duas companhias de milícias. Com excepção de uma das da sede, todas as outras têm pelotões e até secções destacadas.

O Oeste continuou a não ser coordenado por um comando de agru­pamento. Tem um CAOP, com sede em Teixeira Pinto/Cantchungo, que coordena três sectores de Batalhão: o da sede, com designação 05, mas agora reduzido de uma pequena área a Norte, que deu origem a outro sector de batalhão, com sede em Cacheou e o sector 07, com sede em Pelundo, constituído igual­mente à custa da área Oeste do Sector 05. O Sector 03 passou a designar-se por COP6, o sector 02 e o COP3, como já se referiu, trocaram as respectivas zonas de acção e os restantes sectores de batalhão (01, 04 e 06) mantiveram-se, apenas com ligeira perda de área para dar origem ao já citado TG3.

O Leste aparece agora dividido a meio, de norte a sul entre dois comandos de escalão semelhante: o comando de agrupamento de Bafatá e o COP5, este com sede em Nova Lamego. O primeiro coordena: o sector L2 (que não sofreu alteração), o sector L1, (reduzido praticamente a metade da anterior ZA) que continua com sede em Bambadinca e com mais uma CCAÇ (companhia de caçadores) e o recém-criado COP7, com sede em Galomaro, que ocupa a metade oriental do antigo L1 e dispõe apenas de uma companhia na sede e outra em Dulombi, dois pelotões de milícias e conta com mais uma CCac, que é reserva do CC. O COP5 coordena os sectores L3 e L4. A área do antigo L1 – agora LI e COP7 – recebeu, assim, um reforço de 3 Companhias de caçadores.

O Sul continua dividido em sectores independentes, que são, agora:

(i) o S1 com sede em Tite, reduzido em área, mas praticamente com os mes­mos efectivos;

(ii) o S2, reduzido à parte que lhe pertencia na fronteira sul e com os efectivos que aí mantinha e a sede em Gadamael Porto;

(iii) o S3, com sede em Catió, sem alteração;

(iv) o S4, pequeno sector, com sede em Bolama, retirado ao SI.

(v) e o COP4, com sede em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e que ocupa as áreas dos extintos COP1 e COP2, do sector de Buba (que per­tencia ao S2) e ainda uma faixa a sul do SI, até ao mar. O COP4 recebeu as forças dos sectores extintos.

Os efectivos portugueses

Em síntese, as unidades e órgãos operacionais existentes nesta data eram: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá), um CAOP (Teixeira Pinto/Cantchungo), 18 comandos de batalhão (mais cinco que do antecedente), quatro comandos operacionais (COP) (do antecedente três), um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar, duas companhias de comandos, 84 companhias tipo caçadores (mais 15), uma bateria de artilharia de campanha (guarnição normal), dois esquadrões de reconhecimento, uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar, 19 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local), 10 pelotões de morteiros, 1 pelotão de artilharia antiaérea, três pelotões de canhão sem recuo, dois pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler) e 25 companhias de milícias.

Entretanto, pela carta de situação de 2 de Agosto de 1970, verifica-se um acréscimo de meios operacionais no exército português na Guiné, especialmente constituídos no pró­prio teatro das operações, com recurso ao recrutamento local, quer para unidades regulares de comandos, caçadores e artilharia, quer para companhias de milícias. A intervenção do comando-chefe continuava a fazer-se mais à custa da constituição de comandos operacionais para dinamizar acções locais do que por alteração de limites ou de meios das unidades. Trata-se de um conceito de comando específico que ficou bem expresso na Directiva 70/69, de 18 de Agosto.

O teatro de operações é dividido em zonas, sectores e subsectores. As zonas são quatro: Oeste, Leste, Sul e Bijagós. Com excepção da última, as zonas dividem-se em sectores, atribuídos ora a comandos de batalhão, ora a comandos operacionais (COP). Além destas zonas existia uma área à responsabilidade do Comando de Bissau (COMBIS). Os sectores dividem-se em subsectores de companhia ou de desta­camento. Os comandos de agrupamento e os comandos de agrupamento opera­cionais (CAOP) podem englobar indistintamente zonas, sectores e subsectores.

Para além destes órgãos, aparecem ainda comandos de agrupamento temporários (CAT) e comandos operacionais temporários (COT). Todos estes órgãos (CAOP, COP, CAT e COT) eram organizados pelo comando-chefe com pessoal existente localmente na Guiné. Os comandos de agrupa­mento tinham constituição orgânica e eram destacados da Metrópole. O dispositivo, no entanto, sofre constantes alterações como consequên­cia da prioridade dada à manobra socioeconómica, preocupação que levou mesmo à desocupação militar de áreas desabitadas ou pouco habitadas, as quais passaram a ser designadas por zonas de intervenção do comando-chefe (ZICC). As alterações verificadas até se chegar ao dispositivo existente em 2 de Agosto de 1970 são a seguir descritas por ordem cronológica.

Segundo o Sitrep Circunstanciado n.º 36/69, o COP3 e o sector 02 são repostos nas suas áreas iniciais, com sede respectivamente em Bigéne e Farim. é criado na ZA do CAOP mais um sector, à custa das áreas dos sectores 07 e 01, com sede em Bula, e que passaria a ser designado mais tarde por 01A (SC 40/69). a área do TG3 é reduzida e mais tarde inte­grada na zona de acção do COP3 (SC 51/69). o COP6 é recolhido e desac­tivado e a respectiva área volta ao controlo completo do sector 03.

Pelo SC 40/69 é revelada a extinção do sector S2 e a integração da sua área no S3. Pouco depois, também o sector S3 é extinto e a sua área integrada no S4, à excepção de uma pequena faixa a noroeste que passa para o S1 (SC 44/69). Ainda segundo este SC, todo o Leste (LI, L2, L3, L4 e COP7) é posto de novo na dependência do comando de agrupamento de Bafatá. Em Dezembro, o SC 49/69 relata que: no CAOP é extinta a ZICAOP e os sectores 05, 07 e 10 passam a depender do sector do batalhão de Cacheu. no Sul, é recolhido o COP4 e a respectiva ZA volta a designar-se S2. No Leste o mesmo aconteceu ao COP7 e a área passa a constituir o sector L5.

No princípio de 1970 (SC 5/70) o sector S4 é extinto e Bolama passa a ser a sede da agora criada Zona dos Bijagós, cujo comando continua à responsabilidade do comando do CIM (Centro de Instrução Militar). Em Agosto deste mesmo ano (SC 31/70), aparecem delimitadas várias áreas excluídas da quadrícula. Surge de novo a ZICAOP e são criadas outras zonas de intervenção: no Oeste a zona de Canjambari. no Sul uma pequena área a norte do Sector S2, a ilha de Como e os baixos cursos dos rios Cumbijã e Cacine. no Leste todo o sul do Sector L3 (Madina do Boé). Todas estas áreas dependem do comando-chefe (ZICC).Na mesma altura, é instalado o COT1, no Norte do sector L3, com sede em Pirada, e que dispõe de efectivos relativamente elevados: cinco companhias ti­po caçadores, uma companhia de comandos africanos e dois pelotões de milícias. Em síntese, podemos considerar que os meios de apoio de fogo, em Agosto de 1970, aumentaram significativamente, assim como as acções operacionais.

Nessa altura, em síntese, eram as unidades existentes: dois comandos de agrupamento (Bissau e Bafatá). dois comandos de agrupamento operacionais (CAOP – Teixeira Pinto e CAOP – reserva), 18 comandos de batalhão, um comando operacional (COP), um grupo de artilharia de campanha (guarnição normal, com 27 pelo­tões de artilharia de campanha). um batalhão de engenharia, dois centros de instrução militar. três companhias de comandos (uma é a companhia de comandos africanos), oito companhias de caçadores (de recrutamento local), 79 companhias tipo caçadores, dois esquadrões de reconhecimento, 18 pelotões de caçadores independentes (de recrutamento local). três pelotões de reconhecimento (Fox), 11 pelotões de reconhecimento (Daimler), 10 pelotões de morteiros 81 milímetros, três pelotões de canhões sem recuo. um pelotão de artilharia antiaérea. Uma companhia de polícia militar, um pelotão de polícia militar e 30 companhias de milícias.

Outro objectivo, no quadro das alterações introduzidas pelo comando-chefe sob as ordens de Spínola, era dotar a força aérea com as condições que lhe permi­tissem assegurar um elevado nível de prontidão e sustentação dos meios. Este conjunto de medidas tornou possível voar muito mais horas do que anteriormente, apesar do facto de cada hora de voo exigir, em média, cerca de 10/15 horas de manutenção, não falando das grandes dificuldades que se depa­ravam, quer por força dos constrangimentos a que o País estava sujeito, quer pela dureza e rusticidade das condições em que os meios operavam e eram mantidos. Acresce que, na sua maioria, os aviões de combate eram meios quase obsoletos, com uma idade média superior a 20 anos” (14).

Os resultados desta estratégia não se fizeram esperar. Uma população ainda não politizada aderia a quem de imediato lhe dava melhores pos­sibilidades de vida, embora ajudasse ao mesmo tempo os guerrilheiros, pelo que o general Spínola não podia dizer que estava a desarmar o PAIGC ao tirar-lhe a principal arma de combate, isto é, os motivos de descontentamento.

A propaganda, bem feita, conseguiu mesmo atrair muitas populações anteriormente foragidas no mato ou acolhidas nos campos de refugiados da guerrilha, no Senegal ou na República da Guiné-Conakry e também alguns dirigentes, levados pelo cansaço ou por dissensões internas, apresentam-se ou são capturados, voltando-se mesmo para o lado de Spínola – é o caso, entre outros, de Rafael Barbosa, ex-presidente do PAIGC.

Entretanto, quando os sorrisos não bastavam, lá estavam os 40 000 soldados, os caças-bombardeiros Fiat e as bombas de napalme, embora não tão eficazes como em Angola. Para quê? Para vencer a guer­ra? Spínola não se iludia: “Para ganhar tempo, a fim de poder restabele­cer o equilíbrio militar (...)” (15).

No entanto, no chão manjaco, onde Spínola decidiu instalar a coordenação dos Serviços de Informações e Acção Psicológica, tornou-se um óbvio embaraço para o PAIGC, na medida em que esses serviços desenvolveram todo um trabalho de sapa e conseguiram mesmo, através de dignitários locais, penetrar no dispositivo do PAIGC. Estabelecem-se os primeiros contactos com os comandos dos bigrupos em acção na área - André Gomes e José Sanha, – e Spínola, acompanhado por Almeida Bruno, chega a ter um encontro com elementos do PAIGC (16).


O impasse militar no início de 1968

Nessa altura, porém, todos são unâni­mes na análise da situação militar, no início de 1968, na Guiné: a guerra estava atolada num impasse. Impasse, mas não empate, já que consagrava os ganhos do PAIGC nos quatro anos ante­riores e tornava a situação crítica para as forças portuguesas. A era de Spínola é inaugurada num período em que “la situation militaire est dans une impasse dificille sourtout por les troupes portugaises. Le PAIGC dispose d´une liberté total et ouverte d´installation et de manœuvres dans les pays voisins, ce qui lui facilite l´effet de surprise et rend plus sûres ses actions de guérilla, car le théâtre des opérations est peu profond, Par contre, le faible strcture administrative portugaise qui s´y trouve implanté, un résou routier insuffisant, le maillage des fleuves et canaux s´ajoute une grande ampleur de l´effet des marées, la dense arborisation aisée et la durée du climat non seulement empechent une intervention aisée et rapide des forces portugaises, mais les usent aussi physiquement car prés 80 por cento des effectifs sont constitué par des militaires européens ” (17).

Do ponto de vista estritamente militar, antes de a acção violenta se generalizar, as primeiras medidas no teatro das operações denotam a sua preocupação de ocupar o território por forças enquadradas segundo a hierarquia habitual: comando-chefe, comando militar, zonas militares, à responsabilidade de comandos de agru­pamentos, sectores, entregues a comandos de batalhão, subsectores, entregues a comandos de companhia, e destacamentos de pelotão e por vezes até de secção.

Perante o incremento das acções por parte do PAIGC, Spínola altera quase que imediatamente o dispositivo militar, substituindo destacamentos por companhias, para, mais tarde, voltar a aumentar o número daqueles destacamentos nas áreas mais afastadas da fronteira. Ainda quis ir mais longe no sentido de substituir batalhões com­pletos pelo sistema de rendição desfasada de pelo­tões ou mesmo de rendição individual, mas este alteração no dispositivo foi efémera, porque ele próprio o teria profundamente alterado em finais de 1968, quando centralizou toda a coordenação da actividade operacional no comando-chefe, suprimindo relativamente a esta estrutura de comando e coordenação as atribuições de intervenção operacio­nal.

Escalada da guerra a partir de Novembro de 1969

Assim, a partir de Novembro de 1969, o exército português intensificou os bombardeamentos às povoações fronteiriças dos países vizinhos com o objectivo de retirar o apoio destes ao PAIGC, chegando mesmo a utilizar, no período compreendido entre 1 e 27 de Dezembro de 1969, bombas de napalme, mormente nas localidades do Sul da Guiné, na povoação de Banta El Sila (Centro Sul). 

Aliás, é justamente no período em que se procedia a novas alterações no dispositivo militar português na Guiné que ocorreu, em Fevereiro de 1969 o desastre de Bassesse, a norte do rio Corubal, quando uma jangada que atravessava o rio foi fortemente atacada por um bigrupo do PAIGC, provocando o afundamento da mesma e a consequente morte de mais de 50 soldados.

Na sequência da retirada e do desastre, o PAIGC ocupou Madina de Boé, mais concretamente Medjo e Tchtché [Cheche] em Fevereiro de 1971, tendo o sido o facto alvo de enorme exploração junto da opinião pública mundial por parte dos serviços de informação e propaganda do PAIGC, ao que o exército português ripostava, com desculpas de terem abandonado aquela região em consequência do reordenamento populacional, que exigia que aquelas populações fossem transferidas para aldeias de maior progresso económico e social.

Embora se mantivessem as zonas e os sectores, as estruturas de comando não as acompanhavam. Passou-se à nomeação de comandos de carácter operacional, baseada numa organização do dispositivo militar em que assentava a estrutura do PAIGC, possuindo estes grupos, por vezes, categorias hierárquicas variáveis e implantação e duração eventuais: destinavam-se a cumprir mis­sões pontuais, determinadas pelo comando-chefe, substituindo, nalguns casos, a presença efectiva na área (quadrícula) pelo dinamismo da acção. E é assim que são cria­das as áreas de intervenção, as quais estão simplesmente desocupadas e só lá podem ser conduzidas operações pelo escalão a quem estão atri­buídas – comando operacional ou comando-chefe (18).

Em lugar da ocupação efectiva de todo o território, dá-se ênfase à denominada manobra socioeconómica, fazendo convergir as forças para as zonas de ocupação populacional e deixando as despovoadas para intervenções esporádicas de reconhecimento ou acções de combate a grupos do PAIGC eventualmente infiltrados e referenciados. (…)” (19).

Assim, o PAIGC deu pela primeira vez um inequívoco sinal de pretender, em 1971 pressionar a área de Guiledje-Gadamael, procurando manobrar segundo dois eixos convergentes a partir de Salancaur/Botche Sanza (por Medjo) e de Kandiafara. 

Para este objectivo, verificou-se o deslocamento de efectivos do CE da frente de Catió para reforçar os de Buba. Esboçava-se assim a tentativa do PAIGC de proceder ao corte de ligações terrestres entre Gadamael e Guiledje, o qual visava em especial pressionar este aquartelamento, que constituía uma ameaça a Kandiafara, situado já no território da Guiné-Conakry, mas importante do ponto de vista logístico e para a manobra do PAIGC no sul.

Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos. 

Assim, o PAIGC inicia, a partir desta altura, as acções contra Bissau e Bafatá, há muito anunciadas, num momento em que procede à desconcentração das unidades dos CE 199/A e 199/B, que se haviam deslocado para as áreas de Sano e Cumbamori (Senegal), dando por findo o esforço realizado na área de Barro-Bigene-Guidage.

Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandona­da desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno. 

Como consequência desta nova ocupação de Sintchã-Djassi, aumentou de forma considerável o trânsito pelo “corredor” do Lamel, que passou a ser o mais usado, seguindo-se-lhe, em menor grau de utilização, o de Canja.

Ainda no que se refere à ligação com o interior da Guiné, uma vez que estas acções de iniciativa do PAIGC irradiavam no sul a partir do território da Guiné-Conakry, salienta-se, pelo seu significado, a reabertura do corredor de Campada, facto que surgiu da necessidade de uma ligação directa das bases no Senegal com o chão manjaco, em virtude da manobra que o PAIGC pretendia desenvolver nessa área. 

De resto, esta será uma das prováveis razões da deslocação do CE 199/A para a área de Campada e também a base da intensificação da actividade dos guerrilheiros do PAIGC que se verificou na área de São Domingos-Canjnde-Sedengal, na qual o citado corredor de infiltração está implantado (20).

(Continua)

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Notas do L.A.:

(11) PAIGC Actualités, n.º 1, órgão de informação do PAIGC, Janeiro de 1969.

(12) PAIGC Actualités, n.º 10, Outubro de 1969.

(13) A organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento das populações, na Guiné, foi determinada em 30 de Setembro de 1968. A "(...) política de agrupar populações em aldeamentos protegidos, representava uma cópia parcial da estratégia americana no Vietname e visava proteger a população rural dos insurrectos (...)"531, envolvendo responsabilidades acrescentadas para o Governo e para as Forças Armadas, perante as populações e, assim, as medidas adoptadas deveriam revelar-se eficazes, no tocante à segurança das populações e dos meios de subsistência. em Dezembro de 1971, havia 46 tabancas organizadas em autodefesa. A experiência demonstrou que era preciso reajustar as directivas sobre reordenamento e autodefesa. Assim, pela Directiva (secreto) 19/69, de 5 de Março de 1969, do comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, foram publicadas as "Normas Reguladoras de Reordenamentos e Autodefesas".

(14) Corbal, Aurélio B. Aleixo, “O vector aéreo nas campanhas de África – Análise conceptual e estrutural” -, in Estudos sobre Campanhas de África (1961.1974), Instituto de Altos Estudos Militares, 2000, pp. 192-193.

(15) Rodrigues, Avelino, Borga, Cesário, Cardoso, Maria, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril, Publicações D. Quixote, 4ª edição, Lisboa, 2000, pp. 148-151.

(16) Não nos foi possível confirmar em Bissau esta informação junto de José Sanha, ex-comandante do PAIGC.

(17) Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 76.

(18) Estado-Maior do Exército op. cit, pp. 93-96.

(19) Idem, pp. 57-59.

(20) “Anexo C ao Intrep” n.º 6/71- Pasta Organizada por Províncias Ultramarinas – Guiné- , Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, NT 8924, fls. 15.
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Notas de L.G.:

(*) Vd. post de 25 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

(**) Afirmação altamente controversa do Leopoldo Amado: as tropas portuguesas que foram protagonistas desses trágicos acontecimentos - como os alferes milicianos da CCAÇ 2405 que fazem parte da nossa tertúlia, o Paulo Raposo e o Rui Felício - negam terminantemente que tenha havido, como causa imediata e directa do afundamento da jangada, qualquer acção do PAIGC. Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, vd. os posts:

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) "(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada;

(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião;

(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema;

(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se;

(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação;

(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar" (...)

(2) Vd. diversos depoimentos da autoria de alguns dos nossos tertulianos:

7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)