Excerto de manuscrito do Carlos Silva, ex-fur mil Carlos Silva, ex-Fur Mil Arm Pes Inf, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71). (Trata-se de um livro, inédito, sobre a sua experiência de vida na Guiné, aonde, de resto, foi por diversas vezes, a seguir à independência, em trabalho e em turismo de saudade). O nosso camarada é advogado de profissão; tem um valioso espólio documental (fotográfico e literário sobre a Guiné); é um histórico da nossa Tabanca Grande, para a qual entrou em 20/7/2007.
O manuscrito do IN, encontrado no corredorde Lamel, em 3/3/1970, vem reproduzido também na História da Unidade, BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71), Cap II, pág. 20. Escrito em muito mau português, diz o seguinte (revisão / fixação de texto: LG):
Hermancono, 3-3-70
Oficiais, soldados e fantoches do exército colonial, estão a fazer
muito ronco na estrada. Devem saber, e preparem-se, [a base de] Canjambari já recebeu novo
dirigente militar para vos 'tirar no abuso'. Já estão muito atrevidos no caminho tanto de
Bricama como de Sulucó. Temos que vos mostrar qual é o vosso lugar.
Ao nosso primeiro encontro todo o vosso comando tem de vir.
Assinado: FARP. Aviso ao Exército Colonial.
Excertos da História da Unidade - BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71), HU-Cap II -Pág. 20:
(i) No dia 14 de março de 1970, pelas 8h30, forças da CCAÇ 2548 (Jumbembem, 1969/71) detetaram um acampamento IN a Oeste do marco fronteiriço nº 107. Lançado um golpe de mão, foram feridos 2 elementos IN, e capturado 1 LGFog e 2 granadas de RPG 2, entre outro material. O IN reagiu com armas automáticas e morteiro ligeiro, batendo a área do acampamento a partir da Repúbica do Senegal.
(ii) No dia seguinte, 15, forças da milícia de Cuntima, comandadas pelo cmdt da CCAÇ 2549, executaram uma patrulha de reconhecimento ao longo da fronteira até ao marco nº 105. Detetaram dois elementos IN, que perseguiram.(iii) A 20 do mês, às 13h30, e durante a interdição do corredor de Lamel, forças da CCAÇ 2548 (Jumbembem) detetaram e perseguiram um grupo IN estimado em 80 elementos. que se deslocavam de Sul para Norte, a 400 metros da sudoeste da ponte. O IN não reagiu ao fogo das NT, e retirou para Norte. De Jumbembem form feitos 13 tiros de obus para a zona de retirada do IN. E, a seguir, a FAP, chamada a intervir, fez um ataque ao solo entre o rio Lamel e Fantambã. Feita uma batida imediata, foram encontradas 10 granadas de RPG 2, entre outro material.
Infografias: Carlos Silva / Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné (2023)
1. O Carlos Silva teve a gentileza, no domingo passado, de me mandar cópia dos dois documentos que acima reproduzimos. Afinal, ele lembrava-se desta base (ou barraca), ou pelo menos do seu nome,Hermancono ou Hermacono. Ficaria no limite do subsetor de Jumbembem, mas já em território senegalês. Nos mails que trocámos, ele esclareceu:
(...) Luís, este nome [Hermancono] ficou-me na orelha, Consultei o meu livro e História do Bat Caç 2879 e cá está ele.
Como referi participei na operação que fizemos à zona, mas não encontramos qualquer vestigio. Segue o panfleto que apanhamos em Lamel. (...)
(...) Eu andei por lá em fins de 1969, Mas quando fizemos a operação, não ouvi falar na base de Hermancono. Não está muito longe de Cumbamori. No meu livro dos Roncos de Farim eu falo na 1° operação a Cumbamori em dezembro de 1967. (...)
(...) Durante toda a comissão nunca ouvi falar em tal base, apesar de ter ido lá. (...)
(...) As fotos do poste P24110 são de 1973, de certo os gajos deambulavam entre Cumbamori e Hermancono, esta designação não é guineense. (...)
Ao telefone, disse-me que já tinha andado naquela estrada Ziguinchor-Dacar, duas vezes, quando foi à Guiné. Numa delas entrou por Cuntima, se não erro.
2. Pesquisando no nosso blogue, descobri que o toponónimo, Hermancono (*), já sido citado mais do que uma vez: pelo historiador guineense, e nosso amigo, Leopoldo Amado (1960-2019), e pelo A. Marques Lopes, que reproduz o Subintrep nº 32, de junho de 1971. Aqui vão alguns excertos:
(i) Leopoldo Amado, poste P 1566 (**)
(...) Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos.
Assim, o PAIGC inicia, a partir desta altura, as acções contra Bissau e Bafatá, há muito anunciadas, num momento em que procede à desconcentração das unidades dos CE 199/A e 199/B, que se haviam deslocado para as áreas de Sano e Cumbamori (Senegal), dando por findo o esforço realizado na área de Barro-Bigene-Guidaje.
Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandonada desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno.
Como consequência desta nova ocupação de Sinchã-Djassi, aumentou de forma considerável o trânsito pelo “corredor” do Lamel, que passou a ser o mais usado, seguindo-se-lhe, em menor grau de utilização, o de Canja. (...) (**)
(ii) A. Marques Lopes, poste P3258 (Subintrep nº 32, junho de 1971 - Itinerários de abastecimento do PAICG) (***)
(...)
- Para a Frente de Morés/Nhacra
Para o Sector do Morés são utilizados os “corredores” de Lamel e Sitató, podendo também com menos frequência utilizar o de Sambuiá, segundo os itinerárioa que se referem:
“Corredor” de Lamel
Morés – estrada Mansabá/Farim sensivelmente em direcção a Biribão – Biribão – cambança do rio Canjambari nas proximidades da tabanca de Béssia – Bricama – cambança do rio Jumbembem – cambança do rio Lamel – estrada Jumbembem/Farim – Fambantã, seguindo depois um carreiro até um local nas proximidades da fronteira onde a coluna aguarda a chegada do material.
Este vem da arrecadação existente na base de Sinchã Djassi e é transportado até ao referido local em viaturas, sendo ali entregue às colunas que o esperam.
O regresso é feito pelo itinerário inverso, tendo o percurso (ida e volta) uma duração de cerca de seis dias. Os locais de pernoita pensa-se que serão em Biribão [a sudeste do Olossato] e Fambantã.
O IN utiliza para movimentar as suas viaturas de reabastecimento às bases desta Frente a chamada “Estrada Grande”, isto é, a estrada que, a partir de Koundara, segue por Linnkiring – Velingará – Dabo – Kolda – Bantankoutou – Sonco – Sare Tening – Tanaf – Ierã – Samine – Ziguinchor. É pois a partir deste itinerário principal que saem ramificações que conduzem às diferentes bases. Assim,
- Para Faquina: Kolda – Bantankoutou – Sonco – Lenquerim – Faquina
As viaturas vão apenas até Bantankoutou. Os reabastecimentos a partir daqui são transportados por carregadores que em Lenquerim cambam a bolanha de canoa para passarem à base de Faquina.
- Para Sinchã Djassi (Hermancono): Kolda – Sare Tening – Hermacono
- Para a base de Cumbamori: Kolda – Tanaf – Ierã – Mankolecunda – Cumbamori
- Para Dungal: Kolda – Tanaf – Dungal
- Para Sano: Kolda – Samine – Sano
- Para Sikoum Bafatá: Kolda – Tanaf – Samine – Goudomp – Sekoum
O material e víveres vindos da República da. Guiné (Koundara) passa, como vimos, em Dinnkiring e Kolda, locais onde é feito pelas autoridades da República do Senegal controle das viaturas e material transportado; a partir de Kolda o material é usualmente acompanhado por pessoal do Exército Senegalês, embora em escolta à distância.
No terminal da “Estrada Grande” encontra-se Zinguinchor, sede do comando da Inter-Região Norte, mas que no quadro da logística do PAIGC não parece desempanhar papel relevante dado que, segundo os elementos disponiveis, apenas apoiará os grupos sediados em M’Pack e Kassou.
O reabastecimento das Frentes do interior da Inter-Região Norte é feito por colunas de carregadores através dos “corredores” tradicionais de infiltração e suas variantes, sendo sempre feitos em movimentos vindos do interior, razão pela qual se descrevem estes “corredores” no sentido inverso àquele em que, até aqui, se tem descrito p fluxo dos reabastecimentos.
Estão detectados os seguintes:
- “Corredor” de Sitató, com início em Faquina
- “Corredor” de Sambuiá, com início em Cumbamori
- “Corredor” de Lamel, com início em Sinchã Djassi [ / Hermancono]
- “Corredor” de Sano, com início em Sano [pelo lado Este, entre Barro e Bigene - A.Marques Lopes]
- “Corredor” de Canja, com início em Pirgui [pelo lado Oeste, entre Barro e Sedengal - A. Marques Lopes]
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 1 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem
(...) Comentários de Carlos Silva:
Conheci bem o nosso Sector de Farim e principalmente o nosso subsector de Jumbembem onde estivemos de 2/01/1970 a 16/6/1971.
Quando estivemos em Farim chegámos a fazer uma operação ao Dungal que fica na fronteira na qual eu não participei.
Fomos a Lambã duas vezes, onde se dizia haver por lá uma base, andamos para diabo e nada.
Estivemos destacados no K3 / Saliqunhedim, e fizemos operações para esse lado para a bem conhecida Fátima onde tivemos contacto com IN e todas as Companhias por lá andaram.
Picagens para Lamel ponto de encontro de Farim/Jumbembem. Patrulhas e operações nessa área até ao rio Jumbembem/Farim/Cacheu.
Em Novembro de 1969, estava o meu 4º Pelotão destacado no K3 e a minha CCaç 2548 foi fazer nomadização para a fronteira norte Sitató/Cuntima onde tivemos o 1º morto a 28 de Novembro.
Palmilhamos todo o subsector de Farim enquanto ali permanecemos. A partir de Janeiro/69 até ao nosso regresso palmilhamos todo o nosso subsctor de Jumbembem que ia da picada Farim - Jumbembem - Cuntima até ao Senegal.
Fui diversas vezes emboscar para Farincó Mandiga, Fanbamtã, Sare Soriã que fica a oeste de Jumbembem.
Muitas vezes para Sare Mancamã, Saman que fica a norte e fomos fazer operações para a fronteira para os Marcos 109 e 110, Sare Sofi, onde tivemos contactos com IN, bem como fomos lá 2 ou 3 vezes buscar população.
Palmilhamos em picagens, patrulhas Jumbembem/Lamel; Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari; Jumbembem/Norobanta, e em todos estes percursos levantámos muitas minas e tivémos azar com 2 camaradas, um ficou sem o pé no percurso Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari e outro já a chegar ao termo da picagem Jumbembem/Norobanta.
Das operações à fronteira aos marcos, saímos de Jumbembem via Sare Mancamã, Samã e regressávamos via Galgega e apanhávamos as viaturas em Norabanta de regreeso a Jumbembem.
Tivémos contactos Fanbamtâ e Sare Soriâ bem como ao longo das picadas, principalmente Jumbembem/Lamel.
Nunca ouvi falar em Hermacono / Hermangono, mas perguntei aos meus amigos de Jumbembem que me disseram que existe no Senegal próximo da fronteira uma tabanca com esse nome, que não aparece nos mapas.
Como disse fomos a Lambã duas vezes e não ouvi falar dessa tabanca. Para mim, Lambã ficou-me na memória porque da 2ª vez que lá fomos o meu camarada Furriel Enfermeiro já falecido, quando da retirada perdeu a pistola na bolanha e andamos a pisar o terreno até encontrá-la. (...)
(...) Cumbamori fica a uma dúzia de quilómetros a noroeste de Guidaje. Sambuiá (corredor de Sambuiá) fica a oeste de Bigene e a sul de Talicó, na picada de Farim - Bigene - Barro - Ingoré. Já fiz esta picada 2 vezes em férias, a primeira em 1997 ainda não havia a ponte de S Vicente, e a 2ª vez já atravessei a ponte. (...)
(...) No nosso Sector de Farim enfrentávamos os Corredores de Lamel e Sitató. Em Lamel no meu tempo ficava lá emboscado e patrulhava a zona diariamente e alternadamente um pelotão de Farim; Nema ou Jumbembem.