segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20879: In Memoriam (364): Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 17 de Abril de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) traz-nos à lembrança o Massacre dos Três Majores no Chão Manjaco  ocorrido há precisamente 50 anos.


IN MEMORIAM

Dos sete militares chacinados pelo PAIGC no “Chão Manjaco”, mártires da sua fé na autodeterminação e na consagração do direito do Povo da Guiné- Bissau ao poder.

Em 16 de Abril de 1970, o Governador e Comandante-Chefe General António de Spínola reuniu em Bissau cerca de 400 oficiais do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), capitães do mato na sua maioria, para directivas e anúncio do “fim da guerra” – o fim do seu sonho louco, de sentar Amílcar Cabral no Palácio cor-de-rosa da Praça do Império, em Bissau, investido das funções de Secretário-Geral (Chefe do Governo) da Guiné, a oportunidade para o Capitão Vasco Lourenço, Comandante da CCaç 2549, na quadrícula de Cuntima, revelar a sua verve conspiratória e, também, o momento em que ele o tomou de ponta, com a inspecção ao seu comando, 15 dias depois, circunstância que ajudará à emergência do MFA (Movimento das Forças Armadas) e às suas consequências.

No entendimento do General Spínola, o “fim da guerra” da Guiné começara no Norte, pela transumância das FARP do comando do PAIGC o comando do Exército Português, trabalhada pela PIDE e manobrada pela nata dos oficiais do seu Estado-Maior, os malogrados Majores Magalhães Osório, Passos Ramos e Pereira da Silva, extensiva às restantes, por efeito sistémico, a começar pelas do Sul.


Para Amílcar Cabral e seus pares cabo-verdianos, a ideia spinolista do “fim da guerra” presenteou-os com a oportunidade de lhe aprontar a cilada da sua liquidação física (já recorrente, afirmará Nino Vieira), sob a superintendência do Comandante Pedro Pires, do Conselho Superior de Luta, manobrada por Quintino Vieira e Luís Correia, responsáveis da pide paigcista na região e na zona Norte, comandada pelo corajoso André Gomes, ora membro do Comité Executivo, que havia sido condecorado com a medalha da “Estrela Negra”, pelo seu êxito no ataque do aeroporto de Bissalanca com morteiros de 82, em 1968, e que o ex-milícia Braima Camará, implacável comandante militar da zona Norte, executou mas não consumou, pela falta de comparência do General Spínola.

O Comandante-Chefe surpreendera o seu 9.º encontro com a sua presença, abraçara o Quintino e o André, mostrou grande satisfação em corresponder à continência deste, o caso teve o seu desenvolvimento, foram aprazados o 10.º encontro, o dia D e a hora H para a renegação, com uma última condição pelos renegados: Só se renderiam ao Comandante-Chefe, com o seu armamento, mas ele e a sua escolta teriam de comparecer desarmados…

Pelas 16H00 do dia 20 de Abril de 1970, aqueles três Majores, o Alferes Miliciano Ranger Palmeiro Mosca, os naturais e milícias 1.º Cabo Patrão da Costa, condutor, Aliú Sissé e Mamadu Lamine, guias, todos inermes, compareceram no ponto de encontro, junto aos destroços duma autometralhadora Daimler, na estrada Pelundo-Jolmete, foram logo assassinados a rajadas de metralhadoras, cobardemente, e os seus corpos esquartejados à catanada, criminosamente.

“Sacrifício das vidas para nada” – últimas palavras do Major Pereira da Silva, o operacional daquela manobra.

Enquanto no seu tempo, o Major Teixeira Pinto era o “Capitão Diabo”, no tempo General Spínola, a Guiné era a “Spinolândia”, e nem sempre este terá estado à altura daquele seu predecessor.

Meio século antes, os antepassados manjacos da mesma região massacraram a pequena força portuguesa que construía um pontão, refugiaram-se no Senegal, Teixeira Pinto disfarçou-se de comerciante, fez o reconhecimento a todos, comandou a patrulha que os foi catar, cuidou de negociar a paz com a autoridade gentílica, mas vitorioso.

Terá havido um Alto-Comando para a Guerra da Guiné? Não obstante as evidências do aventureirismo militar, do grau de temeridade dessa operação e da tragédia do seu resultado, por se ter subestimado a “natureza substantiva” do IN, o Comandante-Chefe da Guiné não só não foi demitido, como a recorrência lhe será permitida, com a “vendeta” a Conacri, que serviu para projectar o prestígio do PAIGC e acelerar a internacionalização da sua guerra.

O “massa dos majores” e o quase falhanço do assalto a Conacri evidenciaram a mediocridade atávica da PIDE, como agência de informações para acções militares. 

Manuel Luís Lomba
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20807: In Memoriam (363): Coronel Luís Fernando de ANDRADE MOURA (6-5-1933 - 23-3-2020), notável soldado da Pátria e da Democracia (Manuel Luís Lomba)

11 comentários:

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... agradeço ao Manuel Luís Lomba, a oportuna revisitação do meio século sobre a fatídica emboscada ocorrida na bolanha de Cachabate.

Valdemar Silva disse...

Luís Lomba.
Este macabro acontecimento, com o brutal assassinato dos quatro Oficiais do nosso Exército, mesmo em pleno cenário de guerra, é muito difícil de se compreender.
Temos conhecimento do testemunho do pessoal do Pelotão destacado para procurar os Oficiais, assim como a descrição como os mesmos foram encontrados.
Não me recordo de ter lido o relatório oficial do acontecimento, também nunca foi bem explicado o porquê de entre os 400 oficiais da reunião terem sido estes os quatro escolhidos.
Também não me lembro da informação do PAIGC sobre o assunto, que julgo não ser o comportamento habitual assassinar prisioneiros daquela forma deixando os corpos no terreno. Por outro lado, não se entende como Amilcar Cabral explicaria internacionalmente uma acção tão aterradora para com um Oficiais num encontro de conversações para a paz. Finalmente não entendo como é que os elementos do PAIGC se deslocaram ao local do encontro, em pleno dia, sem serem avistados ou ter havido alguma desconfiança dos informadores da pide.

Ab., saúde da boa e nada de confiança ao cornodovirus.
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Valdemar Silva

O que aconteceu no dia 20 de Abril de 70 começou muito antes.Em 6 de Fevereiro de 69 foi para Teixeira Pinto o C A O P o Coronel Alcino dos Paras era o comandante e esses 3 Majores faziam parte da estrutura de comando, o Alf. Mosca foi de Jolmete para lá mais tarde com eles foram a 16ª de comandos, a 121 e 122 dos paras dois destacamentos de fuzos e ainda algumas companhias de tropa normal tropa Nativa e Milícias do Sector diziam eles para iniciarem a pacificação do Chão Manjaco. No dia 6/2/69 começou esta gente toda a malhar neles e eles em nós até que chegou o momento em que eles pensaram que podiam dar o abraço e as coisas correram mal.Nunca percebi porque começaram esta operação quando estava a decorrer a evacuação de Madina do Boé.Portanto foram estes Oficiais porque eram eles que estavam a tratar do assunto há muito tempo.Quanto há reunião dos 400 oficiais julgo que o General Spínola fez várias e tenho ideia do capitão da minha companhia ir a uma no fim do verão de 68 e dizer que estavam lá os capitães todos do mato.
O nosso camarada Manuel Resende que estava em Jolmete descreve o que aconteceu na minha opinião muito bem estavam a cerca de 5 Kl e diz que por volta das 3 horas da tarde ouviram os tiros.
Um abraço

Manuel Carvalho

Anónimo disse...

Em vésperas do assassinato, o Major Pereira da Silva passou por Mansabá.
Era um homem empático. Da noite de diálogo retive referência à sua leitura do livro "O Despertar dos Mágicos" de Jacques Bergier e Louis Pauwel.

Um abraço
Ernestino Caniço

Carlos Vinhal disse...

Caro Ernestino Caniço e camaradas
Retenho que a morte dos senhores Majores e dos outros camaradas que os acompanhavam aconteceu no dia 20, o mesmo dia em que desfilámos, em Brá, frente ao Gen. Spínola, que de seguida recebeu os oficiais e sargentos da 2732. Ainda hoje me pergunto como seria o seu estado de espírito, soubesse ele já ou não da morte daqueles verdadeiros mártires ao serviço de Portugal. No dia seguinte, 21 de Abril, uma terça-feira, seguimos para Mansabá a fim de substituir a 2403.
Carlos Vinhal

Valdemar Silva disse...

Manuel Carvalho
Quer dizer que a 'pacificação do Chão Manjaco' não foi uma acção, propriamente, contra o PAIGC?.
Neste caso, o massacre dos nossos Oficiais teria sido cometido por 'revoltosos' fora da estrutura guerrilheira do PAIGC?
Não me recordo da notícia, se houve notícia, transmitida na Rádio 'Maria Turra' sobre o acontecimento e se foi oficialmente assumido pelo PAIGC e, neste caso, o massacre teria sido executado com conhecimento do Amilcar Cabral.
Em Abril de 1970 a minha CART11 ainda estava em Nova Lamego com Pelotões destacados por vários locais e não me recordo deste trágico acontecimento, mas fico a pensar no massacre como sendo uma acção muito 'esquisita' por parte do IN que muito mais 'triunfante' ficaria com prisioneiros de alta patente do nosso exército.

Ab. cuidado com o cornodovirus
Valdemar Queiroz

Manuel Luís Lomba disse...

Glosando Luís Cabral, in "Crónica da Libertação", o primeiro contacto daqueles malogrados oficiais superiores com combatentes do PAIGC fora intermediado por um elemento da população com Inácio e Armando, comandantes duma base perto de Bula (qual?), numa altura extremamente difícil para os combatentes do Chão Manjaco, sem reservas nem munições, porque a tropa lhe cortara todas as linhas reabastecimento. Esses comandantes participaram ao Quintino Vieira, chefe da segurança local, este participou ao Luís Correia, responsável pela segurança na região Norte, que comunicou a Amílcar Cabral, autor do plano da "rendição" e mandante daquelas mortes, sob a supervisão do comandante Pedro Pires, do Comité Superior de Luta, a executar pelo comandante André Gomes, do Comité Executivo do Partido.
Luís Cabral é explícito: A malta do CAOP de Teixeira Pinto (sob o comando do Coronel Alcino Roque e o Major Pereira da Silva, como oficial de Informações e Operações), havia encostado a malta do PAIGC no Chão Manjaco às cordas da derrota, mas que a estratégia spinolista do "fim da guerra" concedera-lhe a oportunidade do pleno reabastecimento, em toda a sua extensão, particularmente para região de Bula.
Também se diz que o Amílcar fora o autor do plano, que a "rendição" armada, mas sem manobras de segurança e ante desarmados visava a captura deles, sem derramamento de sangue - variante da autoria de Luís Cabral e Pedro Pires.
Depois, Luís Cabral passou para Comissário Político no Norte, para a diplomacia com o Senegal (era casado com uma senegalesa), e Pedro Pires passou para Comissário Político no Sul - para "controleiro" de Nino Vieira...
Ao contrário do PAIGC, a Guerra da Guiné nem teve Alto Comando nem de líder, falha perfilhada pelos "capitães de Abril".
O "massacre de Wirimau" serviu para demitir o General Kaúlza; o "massacre dos majores" reforço a aposta no General Spínola - será recorrente no falhanço, com a tentativa do golpe de Estado em Conacri, que servirá para apascentar a internacionalização da guerra.
Há sérias dúvidas se o PAIGC teria acesso à arma secreta do míssil Strella, se o ataque a Conacri, em vez dos seus 26 objectivos, intrusivos na vida do país, se tivesse limitado aos 4 objectivos - libertação dos prisioneiros portugueses, afundamento das suas 4 vedetas rápidas, captura da cúpula e da destruição da retaguarda do PAIGC?
À excepção de Cuba, nenhum outro país, pelo exemplo da China e da União Soviética, jamais autorizou que nacional seu, cooperante do PAIGC, pusesse o pé no território da Guiné Portuguesa!
Por infinitamente menos - apenas por ter esbofeteado um soldado - o lendário general George Patton fora demitido do comando do 3.º Exército americano, em plena invasão da Alemanha!
Abraço
Manuel Luís Lomba

Valdemar Silva disse...

É caso para dizer 'ele até sabe o que é o mastoideu'.
Evidentemente, não se trata de tergiversar ou uma maneira de rodear este acontecimento por parte do Luís Lomba, nosso habitual e grande conhecedor destes assuntos. Ele lá sabe.
No entanto, julgo que, durante a 2ª. Guerra Mundial, o general George Patton teve uma chatice quando comandava a ocupação da Cecília, mas foi ele o comandante do 3º. Exército na invasão da Normandia e depois Governador Militar da Baviera e o General Kaúlza foi Chefe das Forças Territoriais e Comandante-Chefe em Moçambique de 1969-1973 e a sua demissão está relacionada com as posições assumidas no Congresso dos Combatentes de 1973. Se a demissão de Kaúlza foi 'cozinhada' devido às notícias do 'The Times' sobre os massacre de Wirimau (1972) não sabemos, sabemos é que ele foi nomeado, depois, para altos cargos em grandes empresas.
Valdemar Queiroz

Manuel Carvalho disse...

Caro amigo Valdemar
Acerca do massacre dos nossos camaradas eu estou convencido que aquilo foi trabalho do PAIGC agora as circunstâncias julgo que do nosso lado ninguém sabe pelo menos a verdade toda. Do lado do PAIGC não sei se será verdade o que eles dizem.O mal foi deles que tiveram um fim horroroso, mas estou convencido que eles acreditavam que estavam a fazer um grande trabalho e ia tudo correr bem. Quanto ao "encostar às cordas" na guerrilha nós sabemos que a corda não pode estar sempre tensa em todo o lado e é uma questão de esperar que ela vai afrouxar.Se havia alguém que sabia que aquilo estava perdido era o nosso General era só uma questão de tempo, daí ele procurar outras soluções.Uma coisa que eu não gosto nada de ver é quando as coisas correm mal as pessoas começarem a desancar em quem teve a responsabilidade da acção.
Um abraço e saude da boa como é preciso.

Manuel Carvalho

Valdemar Silva disse...

Rectificação
A Cecília que me desculpe, não a queria incomodar e o Patton estaria stressado demais para isso.
Referia-me à ocupação da ilha Sicília.

Valdemar Queiroz

Fernando Ferreira disse...

Estive na Guiné de 71/73 fiz parte da CCav 3365 do Bcav 3846 e estive sempre sediado em S.Domingos. Esta "negociação" com o PAIGC sempre me fez muita confusão pois não é fácil perceber como tudo decorreu. As cúpulas do PAIGC eram cabo verdianas havendo nas mesmas poucos guinéus. Os Guinés eram na sua maioria carne para canhão pois eram eles que davam o corpo ao manifesto no mato. A negociação visava o fim da Guerra na Guiné? Mas o PAIGC, de acordo com a próprias sigla, foi criado e lutava pela independência da Guiné e de Cabo Verde. Se as negociações tivessem tido sucesso Cabo Verde seria tratado como a Guiné? Mesmo não estando em guerra? Nunca se leu nada sobre isso pelo que parece que as negociações visavam mesmo acabar com a guerra na Guiné. Como iriam as cúpulas do PAIGC funcionar com a Guiné sem guerra a caminho da Independência? Iriam os guinéus, sem guerra, aceitar o domínio dos cabo verdianos?
E como é que o Povo Cabo verdiano iriaaceitar manter-se na mesma colonizado? Algo nisto tudo precisa de um melhor esclarecimento