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domingo, 26 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24888: S(C)em comentários (18): Obrigado, América! Thank You, America ! (José Câmara, Soughton, MA)


"The First Thanksgiving, 1621",  quadro a óleo (c. 1912/15), da autoria de  Jean Leon Gerome Ferris (1863–1930). Imagem do domínio público. Cortesia de Wikimedia Commons.



O nosso veterano José Câmara


1. Postagem, na página do Facebook Tabanca Grande Luís Graça, com a data de 23 de novembro de 2023, 2:19,  do José Câmara (ex-fur mil inf, CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73;  natural de Fazenda, Lajes das Flores, Ilha das Flores, Açores;  luso-americano, a viver em Stoughton, MA (Massachusetts), EUA; agente de seguros; ingressou na Tabanca Grande em 15/9/2009; autor da série "Memórias e Histórias Minhas" de que publicou até à data 37 postes; tem cerca de 140 referências no nosso blogue):

Amigos e camaradas-de-armas,

O Thanksgiving Day nos EUA é, sem dúvida alguma, o grande feriado familiar nos EUA. Os primeiros imigrantes celebraram o fim das colheitas com orações e festa que se prolongaram por três dias (diz a Wikipedia), e às quais se juntaram os nativos da área de Plymouth, Estado de Massachusetts.

Para muitos imigrantes é conhecido como o dia dos perus. Isso não significa menos respeito por esta grande nação americana que nos recebeu de braços abertos e nunca nos impediu de irmos tão longe quando as nossas capacidades humanas permitiram.

Não é segredo para ninguém o respeito que sinto por este grande País Americano. Dentro do possível, emprestei-lhe o melhor que trouxe do País que me viu nascer e crescer e que moldou o meu caracter, a minha forma de estar na vida. Foi o melhor que lhe pude dar. Aqui dei continuidade a esses princípios, formei a minha família e vi crescer os meus filhos em pessoas de bem. Tudo isso se conjugou para me sentir um homem realizado na vida.

Por favor, deixem-me compartilhar com todos vós um grande Dia de Acção de Graças, um feliz Thanksgiving Day.

Com respeito e consideração,
José Câmara
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 15 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24851: S(c)em comentários (17): "Por ti, Portugal, eu juro!": Memórias e testemunhos dos comandos africanos da Guiné (1971-1974), tese de doutoramento, de Sofia da Palma Rodrigues (2022), UC/CES: Resumo

domingo, 25 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24431: In Memoriam (481): José Marcelino Sousa (1949 - 2023), ex-1º cabo at inf, CCAÇ 3327 / BII 17 (Bissau, Mata dos Madeiros, Calequisse, Tite e Bissássema, 1971/73): natural da ilha das Flores, Açores, vivia desde 1974 em Stoughton, Massachussetts, EUA... Passa a sentar-se, no lugar nº 877, sob o poilão da nossa Tabanca Grande (José Câmara / Luís Graça)


Foto nº 1 > José Marcelino Sousa


Foto nº 2 - José Marcelino Sousa, 1° da esquerda, em Santa Margarida,  junto dos companheiros da ilha das Flores


Foto nº 3 >  José Sousa, na direita, no regresso de uma operação à Junqueira, zona de Bissássema, Guiné.


 Foto mº 4 > Nicho em louvor de N. Sra. de Fátima em Calequisse, Guiné,  "CCAÇ 3327, 3º Gr Comb, Açoreanos"...

Fotos (e legendas):  © José Câmara (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Postagem, no facebook da Tabanca Grande Luís Graça, colocada pelo José Câmara, em 24 de junho de 2023, 10:25 ( José Câmara, de seu nome completo, José Alexandre da Silveira Câmara, ex-fur mil inf,  CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73, tem 135 referências no nosso blogue; é natural de Fazenda, Lajes, Ilha das Flores, Açores; vive desde 1973 em Stoughton, Massachussetts, EUA; foto à direita)

José Marcelino Gonçalves de Sousa, natural da freguesia da Fazenda, concelho de Lajes. Ilha das Flores, faleceu em Boston, EUA, no passado dia 20 do corrente mês de Junho de 2023. (*)

O José Sousa, como 1° cabo atirador de infantaria, nº mec. 09570170, integrado no 3° Gr Cmbt da CCaç 3327/BII17, cumpriu a sua comissão de Serviço Militar na então Província Ultramarina da Guiné, no período janeiro de 1971 a janeiro de 1973. Nesta província passou por Bissau, Mata dos Madeiros, Calequisse, Tite e Bissássema.

Em Calequisse, foi o grande mentor e obreiro de um nicho em louvor de Nª Srª de Fátima, que ainda hoje se mantem em muito bom estado de conservação, e ao qual doou a imagem. Mas foi durante um ataque do inimigo ao quartel de Bissássema que o José Sousa demonstrou a sua grande capacidade de liderança e arrojo quando, a peito descoberto, lançou várias granadas com o seu inseparável Lança-Granadas, atingindo as zonas de onde o inimigo atacava.

O José Sousa, como companheiro e militar, era muito respeitado pelos seus pares e os seus superiores hierárquicos viam nele um excelente colaborador em quem podiam confiar no cumprimento das missões que lhe eram confiadas. Pelas suas qualidades cívicas e militares foi justamente louvado pelo Sr. Comandante do Batalhão de Artilharia 6520/72.
 
Como muitos jovens do seu tempo, após o serviço militar, o José Sousa seguiu os caminhos da imigração tendo fixado residência em Stoughton, estado de Massachussetts, onde trabalhou em vários serviços e formou a sua família. Mas o José não se quedou por aí, também teve uma acção muito meritória na Comunidade Luso-Americana da Vila de Stoughton ao integrar a prestigiada Sociedade Filarmónica de São João de Stoughton, da qual foi Tesoureiro e mais tarde Presidente.

Para os familiares do José Sousa as nossas sentidas condolências num abraço solidário.

Numa nota estritamente pessoal, os bancos da escola primária, ir buscar as vacas ao sítio da Tronqueira na freguesia da Fazenda, o serviço militar na CCaç 3327/BII17 na Guiné, a Sociedade Filarmónica de São João, em Stoughton, são alguns dos trilhos de vida que palmeamos lado a lado e que jamais esquecerei.
 
Que Deus te tenha em Seu Bom Regaço. Até logo, amigo.

Foto 1 – José Sousa
Foto 2 – José Sousa, 1° da esquerda, em Santa Margarida junto dos companheiros da ilha das Flores
Foto 3 – José Sousa, na direita, no regresso de uma operação à Junqueira, zona de Bissássema, Guiné.
Foto 4 – Nicho em louvor de Na. Sra. de Fátima em Calequisse, Guiné


Obituário inserido na Farley Funeral Home, de Stoughton, com a devida vénia.

Jose Marcelino Sousa

Jose Marcelino Sousa, 74, a longtime resident of Stoughton, died unexpectedly at St. Elizabeth’s Medical Center in Brighton on Tuesday, June 20, 2023. 

He was the husband of Inelda (Rosanina) Sousa for 48 years. 

Born and raised in Fazenda, Flores, Azores, Portugal, he was the son of the late João Augusto and Palmira (Goncalves) Sousa. 

Jose served in the Portuguese Army and remains close with several of his Army friends to this day. He moved to Stoughton in 1974. 

He worked at several different businesses in the area. Jose was a member of the Sociedade Filarmómica De São João in Stoughton and a former member of Stoughton Fish & Game. He enjoyed hunting, fishing, raising turkeys, collecting hats and birdwatching, especially hummingbirds but his greatest joy was spending time with his family and taking trips back to Portugal.

In addition to his wife, Jose is survived by his children, Robert R. Sousa and his fiancé Shayna Lehrer of Brockton and Roseann R. Freitas and her husband João Stoughton as well as his grandchildren, J.C. Freitas, Dakota Bourne, Francisco Freitas, Caylee Sousa, Julius Sousa, Sebastian Freitas and Lily Lehrer. He was the brother of Helena Costa and Palmira Sousa both of Stoughton, Filomena Fraga of Flores and the late João Sousa. He is also survived by many nieces and nephews.

Funeral will be held from the Farley Funeral Home, 358 Park St. (Rt. 27) Stoughton on Tuesday, June 27 at 9 AM followed by a Funeral Mass at Immaculate Conception Church, Stoughton at 10 AM. Visiting Hours Monday from 4-7 PM. Interment will take place at Holy Sepulchre Cemetery, Stoughton.

To order memorial trees or send flowers to the family in memory of Jose Marcelino Sousa, please visit our flower store.


Versão em português: Google Translate / Editor LG:

José Marcelino Sousa, de 74 anos de idade, residente de longa data em Stoughton, morreu inesperadamente no St. Elizabeth's Medical Center em Brighton na terça-feira, 20 de junho de 2023.

Foi casado com Inelda (Rosanina) Sousa durante 48 anos. Nascido e criado em Fazenda, ilha das Flores, Açores, Portugal, era filho do falecido João Augusto e Palmira (Gonçalves) Sousa.

O José serviu no Exército Português e permanece próximo de vários de seus amigos, antigos combatentes, ao longo da sua vida. Mudou-se para Stoughton em 1974.

Ele trabalhou  na região, em vários ramos de atividade. Foi membro da Sociedade Filarmónica de São João em Stoughton e ex-membro da Stoughton Fish & Game. Gostava de caçar, pescar, criar perus, colecionar chapéus e observar pássaros, principalmente os beija-flores, mas a sua maior alegria era passar o tempo com a família e fazer viagens de volta aos Açores, Portugal. 

Além de sua esposa, José deixa os seus filhos, Robert R. Sousa e a sua noiva Shayna Lehrer de Brockton e Roseann R. Freitas e seu marido João Stoughton, bem como seus netos, J.C. Freitas, Dakota Bourne, Francisco Freitas, Caylee Sousa, Julius Sousa, Sebastian Freitas e Lily Lehrer. Era irmão de Helena Costa e Palmira Sousa,  ambas de Stoughton, Filomena Fraga das Flores e do saudoso João Sousa. Também deixa muitas sobrinhas e sobrinhos. 

O funeral será realizado na Farley Funeral Home, 358 Park St. (Rt. 27) Stoughton na terça-feira, 27 de junho às 9h, seguido de uma missa fúnebre na Imaculate Conception Church, Stoughton às 10h. Horário de Visitação Segunda-feira das 16h às 19h. O enterro acontecerá no cemitério Holy Sepulcher, Stoughton. 

Para encomendar árvores memoriais ou enviar flores à família em memória de José Marcelino Sousa, visite a nossa loja. (...)
Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > CCAÇ 3327 / BII 17 > O 1.° cabo at inf José Marcelino Sousa  junto do Monumento da CCav 2765 aos seus mártires de guerra. (**)

Foto (e legenda): © José Câmara (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

2. Comentário do editor LG:

O José Marcelino Sousa, ou simplemente José Sousa, já tinha algumas referências aqui no no nosso blogue, graças ao seu grande amigo de infância, conterrâneo, vizinho e camaradas de armas, José Câmara. Ambos serviram na CCAÇ 3327,  nasceram e cresceram em Fazenda, Flores, Açores, e vivveram a maior parte da vida em Stoughton, Massachussetts, EUA.

O José Marcelino Sousa também participou, por exemplo, em 26 de julho de 2014, na Ortigosa, Monte Real, Leiria, no encontro que juntou as CCAÇ 3327 e 3328 (***). Na altura, vivia na Ilha das Flores, deslocando-se com frequência aos EUA...

A evocação que dele faz o José Câmara é de um irmão que fala de outro irmão... Espantosamente, as suas vidas seguiram, quase a par e passo, os mesmos trilhos, nos Açores, na Guiné e na emigração... 

(...) "Numa nota estritamente pessoal, os bancos da escola primária, ir buscar as vacas ao sítio da Tronqueira na freguesia da Fazenda, o serviço militar na CCaç 3327/BII17 na Guiné, a Sociedade Filarmónica de São João, em Stoughton, são alguns dos trilhos de vida que palmeamos lado a lado e que jamais esquecerei." (...)

Muitos destes nossos camaradas açorianos, quando morrem, ficam inumados na "vala comum do esquecimento"... Não será o caso do José Marcelino Sousa: o seu "mano" José Câmara escreveu-lhe uma comovente nota biográfica, por ocasião da sua morte, e a nossa Tabanca Grande passa a acolhê-lo, à sombra do nosso fraterno e sagrado poilão, sob o nº 877.

À família enlutada, na América e nos Açores, apresentamos as condolências do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

PS - Sobre os Açores e os açorianos temos mais de 250 referências no nosso blogue. Mas sentimos que há muitas falhas e omissões: grande parte dos nossos camaradas açorianos, que passaram pelo CTIG, ao longo da guerra do ultramar / guerra colonial, escolheram os caminhos da emigração e da diáspora. O José Câmara tem feito a ponte entre o nosso blogue e a comunidade açoriana na América do Norte. Que Deus o proteja, dando-lhe saúde e longa vida.
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24426: In Memoriam (480): Carlos Nuno Carronda Rodrigues (1948-2023), ex-alf mil, CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/72), cor inf ref... Passa a integrar a título póstumo a Tabanca Grande, sob o n.º 876

 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24085: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (37): Sentimentos que a farda militar encobre


1. Em mensagem de 18 de Fevereiro de 2023, o nosso camarada José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos mais uma das suas Histórias e Memórias, desta vez relacionada com as trágicas e traiçoeiras minas.


MEMÓRIAS E HISTÓRIAS MINHAS

37 - Sentimentos que a farda militar encobre

Nos últimos tempos, por razões que para aqui não interessam, tenho estado afastado da escrita, mas continuo atento. O tema “minas” tem-me chamado a atenção não só pelo desaparecimento prematuro de vidas e, como não podia deixar de ser, pela destruição da qualidade de outras, que se prolongaram nos tempos.

A CCaç 3327/BII17, companhia que integrei até ser transferido para o Pel Caç Nat 56, também teve o seu malfadado encontro com aqueles engenhos na zona de Bissássema. Vou deixar que a História da Unidade fale por si na descrição dos acontecimentos e, mais importante que tudo, integrar os sentimentos que então assolaram o Fur Mil Luís José Vargem Pinto, comandante da 3.ª Seccão, do 4.° GComb, do qual eu também fiz parte. Acrescento aqui que na altura deste acontecimento eu já tinha sido transferido para o Pel Caç Nat 56.

Na História da Unidade (CCaç 3327/BII17) – CAP II, FASC XI – PAG 25 é possível ler-se uma descrição bem elucidativa do que aconteceu naquele dia 16FEV72. Os elementos feridos não faziam parte da CCaç 3327. A sua presença no local deveu-se à proteção que fizeram ao comandante do Batalhão de Tite que entendeu deslocar-se ao local do rebentamento e, segundo testemunhos de militares da 3327, por pouco não pisou uma das minas.

Este foi o estado em que ficou o pontão destruído pelo PAIGC. Sem dúvida que foi uma grande carga explosiva. Foi à volta destes escombros que foram implantadas as minas que o Furriel Pinto levantou.

Em 2011, aquando do convívio da CCaç 3327, realizado no BII17, na ilha Terceira, o Fur Mil Pinto presenteou-me com uma pequena descrição daquilo que tinha sido a sua acção no levantamento das minas e os sentimentos que então o assolaram para tomar tal decisão. Importa realçar que toda a sua acção envolve à volta dos mais altos princípios humanos e desprezo total por aquilo que lhe pudesse acontecer.

Pela pena do FurrielMil Pinto:
“...Quando levantei as minas não foi pensando no dinheiro, nem sequer sabia que pagavam 1000 escudos cada mina levantada. Em primeiro lugar pensei que não podia deixá-las no terreno, porque alguma noite podia ser necessário passar por lá e pisar alguma, aí, adeus ó perna.
Em segundo lugar pensei na população, se ficassem no trilho quando alguém por lá passasse iam acioná-las e aí seria o rebentamento com perdas irreparáveis.
Rebentá-las no sítio não era possível, o inimigo sabia à distância a nossa posição.
Portanto decidi levantá-las e levá-las para o quartel.
Quero agradecer ao nosso comandante a confiança que depositou em mim como graduado e aos homens por mim comandados para uma missão tão difícil.”

Convívio no BII17, Angra do Heroísmo, Terceira, Açores, ano de 2011. Eu (à esquerda) com o Fur Mil Pinto.

Um abraço transatlântico
José Câmara

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22056: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (36): Um levantamento de rancho servido com uma bofetada

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Guiné 61/74 – P23277: (Ex)citações (408): Os Serviços de Reordenamento da Guiné pelo BENG 447 e tropas de quadrícula, apoiados pelas populações locais (José Câmara)

1. Mensagem do nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 16 de Maio de 2022 onde nos fala, a pedido do editor Luís Graça, da cooperação da 3327 com a população no reordenamento de  de Bissássema:

Mano Carlos, amigos e companheiros,
O Luís Graça sugeriu que um simples comentário meu fosse publicado como “poste” e pediu-me a adição de mais algumas fotos.
Tal como afirmei no comentário inicial, a minha integração nas tropas africanas da Guiné aconteceu alguns dias antes da CCaç 3327/BII17, a minha companhia ter ido para Bissássema, subsector de Tite. Fiz os possíveis para me colocar no “terreno”, mas admito a possibilidade de alguma falha factual. As fotos que tenho foram-me cedidas por diferentes fontes, a quem presto a devida vénia.


Dito isto, para além do serviço militar da sua responsabilidade nas matas da Guiné, importa realçar o trabalho insano desenvolvido por aquela CCaç 3327/BII17 em prol das populações daquela zona e que perduraram no tempo.
Sem lá ter estado, os meus companheiros daquela companhia certamente compreenderão no meu desabafo, o orgulho que ainda hoje sinto pelo seu trabalho, pela sua abnegação, pelo seu sacrifício, pelo respeito pelas populações locais, pelo seu companheirismo, pela amizade que desde então perdura entre todos.


Este foi o comentário que fiz ao Poste Guiné 61/74 - P23252: 18º aniversário do nosso blogue (14): até meados de 1971, o Serviço de Reordenamentos do BENG 447, com o apoio das unidades militares e as populações locais, construiram 8 mil casas cobertas a colmo e 3880 cobertas a zinco e que mereceu a atenção do Luís Graça:

"Caros amigos e companheiros,

Eu saí para as tropas africanas nas vésperas da minha companhia, a CCaç3327/BII17, ir para o sector de Tite. Os dados que a seguir registo foram tirados da História da Unidade e de alguma consulta com os meus companheiros que lá estiveram.

A CCaç 3327/BII17 assumiu a responsabilidade de Bissássema, subsector de Dita, no dia 19 de Novembro de 1971, altura em que deu início a uma das suas responsabilidades, o reordenamento de Bissássema. Com a ajuda das populações daquele local, até ao fim do mês de Maio de 1972, construiu 100 (cem) casas cobertas a zinco. Relembro aqui que era Chefe de Tabanca o guineense Augusto, várias vezes referenciado em outros artigos.

Após a construção daquelas casas, ainda antes do tempo das chuvas, a companhia construiu mais um edifício para ser usado como messe da oficiais e sargentos. Os edifícios destinados ao aquartelamento também sofreram remodelações com a cimentação de paredes e chãos, sendo que a cantina das praças foi aumentada para sala de convívio.

Durante o período foi acabada a estrada e alcatroamento da que ligava Bissássema a Tite. Também foi construído um furo artesiano, tendo a CCaç 3327/BII17 procedido à construção dos fontenários. Também se fez a electrificação do perímetro. Também se procedeu à abertura e manutenção de uma agropecuária que visava a melhoria da agricultura e das espécies animais.

E mais, talvez a melhor obra da CCaç 3327, pelo impacto que poderá ter tido na vida das pessoas, sobretudo as crianças de então, foi a construção de duas escolas e o professorado (por militares) do ensino primário. Para o interesse que possa ter para a nossa história, a companhia tinha duas equipas na construção das casas. Não posso precisar o número de militares em cada equipa, mas o pessoal envolvido andaria por um pouco mais de duas secções e junte-se a isso um pelotão destacado em Tite. A falta desses efectivos nas actividades militares era compensada com a adição de dois grupos de milícias, os Pelotões de Milícias n°s 294 (38 milícias) e 295 (39 milícias) perfeitamente integrados nos grupos de combate da companhia.”

Foto 1 – Construção de uma casa no Reordenamento de Bissássema. Na foto o 1.° Cabo At Inf José Silveira Leonardes, o Sold At Inf João Lourenço de Avelar Ventura e o Sold At Inf Idalmiro Neves de Melo procedem à cobertura da nova casa.
Foto 2 – Aspecto da Tabanca de Bissássema. Os dois primeiros edifícios faziam parte do aquartelamento.
Foto 3 – Coluna auto onde são bem visíveis elementos da CCaç 3327 e dos Pelotões de Milícia (desconheço o nome dos dois milícias na foto). De frente para nós, na fila de trás, da esquerda para a direita: o 1.° Cabo Jorge Manuel da Ponte Moniz (já falecido) e o Furriel Mil Henrique Francisco Garrido. Com as costas viradas para nós e pela mesma ordem, o 1.° Cabo Telegrafista Álvaro Ferreira Pereira, o Sold Manuel Alberto da Silva Rocha (já falecido) e o 1.° Cabo Carlos Manuel da Silva.
Foto 4 – Da esquerda para a direita: o Sold At Inf NM 11532470, Raimundo Henrique da Silva, (já falecido) e o 1.° Cabo At Inf NM José Marcelino Gonçalves de Sousa, no regresso de uma operação à Península da Junqueira onde foi apreendido algum material IN.
Foto 5 – 1.° Cabo José Sousa (CCaç 3327/BII17) junto do Monumento da CCav 2765 aos seus mártires de guerra.
Foto 6 – O mesmo monumento, mas do outro lado, com a inscrição da CCaç 3327 com o cuidado em juntar a inscrição dos Pelotões de Milícias.
Foto 7 – Cópia de um documento da História da Unidade referindo a visita do Ministro da Defesa Horácio Sã Viana Rebelo.
Foto 8 – O Alferes Agostinho Morgado Barata Neves (2), se bem julgo saber, na altura a comandar o aquartelamento de Bissássema, cumprimentando o Ministro da Defesa, Horácio Sá Viana Rebelo. O Alferes Francisco João Magalhães (1), coadjuvado que foi pelo Fur Mil Manjuel Lopes Daniel e, no impedimento deste, pelo Fur Mil João Alberto Pinto Cruz, era o oficial responsável pelas construções do Reordenamento de Bissássema, aguarda a sua vez para cumprimentar o Ministro da Defesa Nacional. Entre outros oficiais, o General Spínola (3) acompanhou esta visita Ministerial.
Foto 9 – Documento retirado da História da Unidade que atestam alguns dos trabalhos realizados pela CCaç 3327/BII17 no reordenamento de Bissássema e arredores (escolas de Feninque e Fóia. Estes trabalhos prolongaram-se e foram concluídos no mês de Novembro e primeira semana de Desembro.
Foto 10 – Elementos da CCaç 3327/BII17 na capinação e limpeza do auqrtelamento de Bissássema.
Foto 11 – O 1.° Cabo At Inf Carlos Manuel Fragoso de Medeiros conduzindo as suas tropas, devidamente “fardadas” para o tempo, os alunos (as) da escola primária mantida pela CCaç 3327/BII17.

O ensino escolar foi, certamente, uma boa herança deixada pela CCaç 3327 na então Província Ultramarina da Guiné.

Abraço transatlântico.
José Câmara
____________

Nota do editor

Vd. poste de 10 de Maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23252: 18º aniversário do nosso blogue (14): até meados de 1971, o Serviço de Reordenamentos do BENG 447, com o apoio das unidades militares e as populações locais, construiram 8 mil casas cobertas a colmo e 3880 cobertas a zinco

Último poste da série de 8 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 – P23247: (Ex)citações (407): Pedaços da vida militar. A tropa e o caminho rumo à Guiné. (José Saúde)

terça-feira, 10 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23252: 18º aniversário do nosso blogue (14): até meados de 1971, o Serviço de Reordenamentos do BENG 447, com o apoio das unidades militares e as populações locais, construiram 8 mil casas cobertas a colmo e 3880 cobertas a zinco


Capa do livro "A Engenharia Militar na Guiné - O Batalhão de Engenharia". Coord. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. Lisboa : Direcção de Infraestruturas do Exército, 2014, 166 p. : il. ; 23 cm. PT 378364/14 ISBN 978-972-99877-8-6. Cortesia de Nuno Nazareth Fernandes.


Guiné > Região do Cacheu > Bissássema > c. 1971/73 > Construção de uma casa no reordenamento de Bissássema. Na foto: 1.º Cabo José Leonardo e os Soldados João Ventura e Idalmiro Melo da CCAÇ 3327 (Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73).. Foto de José Leonardo, cedida por José da Câmara.

Foto (e legenda): © José Leonardo / José da Câmara (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na celebração do 18º aniversário do nosso blogue (*), vamos também repescar postes que, por um razão ou outra, não tiveram a devida divulgação, ou têm informação relevante para os nossos leitores mais recentes. 

É o caso, por exemplo, deste poste, sobre os reordenamentos populacionais (**). Merece ser reeditado, pela quantidade e qualidade da informação técnica, para mais sendo  da autoria do então cap mil art, Fernando Valente (Magro), que chefiava os competentes serviços, no BENG 447 (Brá, 1970/72). 

Foi mobilizado para o CTIG aos 33 anos, sendo já na vida civil engenheiro
técnico. Hoje está reformado, e é, além disso, escritor. Faz também hoje 86 anos de idade, sendo o mais velho dos elementos do Núcleo de Combatentes da Família Magro: foram ao todo seis os manos Magro que fizeram o serviço militar ao tempo da guerra do ultramar / guerra colonial, tendo estado  três na Guiné, um em Angola, outro em Moçambique e outro ficou por cá, como suplente.  Três dos manos Magro integram a Tabanca Grande, o Fernando,o Abílio e o Álvaro.

O Fernando Vicente (Magro) é membro da Tabanca Grande desde 5/7/2013, tem 36 referências no nosso blogue, é autor do livro (e da série) "Memórias da Guiné" (Lisboa: Edições Polvo, 2005, 86 pp.). Viveu na Guiné, em 1970/72, com a esposa e o filho.

Os reordenamentos populacionais

por Fernando Magro (**)


Fui colocado nos Serviços de Reordenamentos Populacionais. Inicialmente, e durante cerca de dois meses, trabalhei no Planeamento, no Comando-Chefe, na Amura. E depois chefiei os Serviços no Batalhão de Engenharia 447, em Brá.

Tratava-se de um serviço dirigido por militares destinado essencialmente às populações civis. Tinha em vista proceder ao agrupamento de diversas pequenas "tabancas" com o fim de constituir médios aldeamentos onde fosse rentável dotá-los com algumas infra-estruturas, tais como: escolas, postos sanitários, fontanários, tanques de lavar, cercados para gado, mesquitas ou capelas.

Além disso tinha-se também em vista, com a execução do Reordenamento, a defesa e controlo da população.

Na Amura estava à frente dos Serviços o major Matos Guerra, indivíduo muito instável e nervoso. Foi substituído, passados alguns meses, pelo major Carlos Azeredo que mais tarde foi chefe da Casa Militar do Presidente Mário Soares, comandante da Região Militar Norte, Governador da Madeira...

No Comando-Chefe eram decididos os trabalhos a realizar e de lá chegavam ao Batalhão de Engenharia ordens da natureza desta que a seguir transcrevo:

"From: Comchefe POP
To: Batengenharia

Mande comprar materiais para construir um Pool de: 1.550 casas zn; 50 T2; 40 escolas; 10.000 m de arame farpado. Deve indicar urgentemente a este necessidade aquisição ferramentas."


No Batalhão de Engenharia 447 foi organizado um mapa de medições para os vários tipos de construção e de acordo com essas medições assim eram quantificados os volumes de materiais a adquirir bem como colecções de ferramentas necessárias para a execução dos trabalhos.

Para, por exemplo, 60 casas T2, havia necessidade de adquirir:

  • 11.700 ripas; 
  • 780 kg de pregos n.º 15; 
  • 600 kg de pregos n.º 7; 
  • 480 kg de pregos zincados; 
  • 420 anilhas de chumbo 6/8";
  • e 8.520 chapas de zinco.

As paredes das construções eram em adobe, que os beneficiários eram incumbidos de executar, o que faziam bem, amassando terra argilosa com palha e secando os adobes ao sol.


A armação das coberturas das construções era em rachas de cibe (árvore da família das palmeiras). Um tronco dessa árvore aberto em duas partes e cada uma dessas metades aberta de novo ao meio dava origem a quatro rachas de cibe.

Os cibes eram adquiridos pelo Batalhão de Engenharia. Tinham de respeitar normas específicas: 
  • terem determinados metros de comprimento;
  • serem secos;
  • possuírem uma certa secção; 
  • e não fazerem qualquer curvatura, de modo que, quando aplicados, não apresentassem flecha.

As unidades militares em cuja área se executavam reordenamentos tinham interesse em adjudicar o fornecimento das rachas de cibe aos indí­genas da região. Dessa maneira, estando ocupados, deixavam de fazer a guerrilha, além de materialmente poderem beneficiar de modo a satisfazerem algumas das suas aspirações.

As obras eram geridas e supervisionadas pelo pessoal da Unidade Militar da área. Geralmente era nomeado um alferes, um furriel e dois cabos (um carpiteiro e o outro pedreiro nas suas vidas civis) para fazerem um estágio de alguns dias no Batalhão de Engenharia da Guiné onde praticavam na construção de algumas casas.

Havia pelo menos:
  •  uma casa no início de construção, na fase das fundações; 
  • outra com as paredes exteriores em execução; 
  • outra ainda com as paredes interiores e a armação do telhado a serem realizadas;
  •  e finalmente uma outra em fase de acabamento. 


Essa equipa, depois de ficar devidamente elucidada sobre o modo de construção das casas, regressava às suas unidades e ficava responsável pela execução dos trabalhos na sua área.

Como já referi, os materiais eram fornecidos pelo Batalhão de Engenharia à exepção dos adobes que eram executados pelos nativos. Quanto às rachas de cibe, ou eram obtidas na própria área das construções ou fornecidas pelo Batalhão de Engenharia.




Construção de uma casa no reordenamento de Bissássema. Na foto: 1.º Cabo José Leonardo e os Soldados João Ventura e Idalmiro Melo da CCAÇ 3327

Foto: © José Leonardo, cedida por José da Câmara


No Comando-Chefe era elaborado um plano de urbanização (se assim se podia chamar) com a planta dos arruamentos e a disposição das casas e a localização das várias infra-estruturas.

O local dos reordenamentos também era escolhido pelo pessoal do Comando-Chefe e naturalmente tinha em linha de conta a possibilidade de as terras próximas serem agricultáveis e a defesa das populações poder ser viabilizada.

No decurso das obras sempre que havia qualquer problema de ordem técnica,  o Batalhão de Engenharia dava o respectivo apoio.

Fiz, por isso, algumas viagens para o interior da Guiné em helicóptero ou de avião (Dornier) a que chamávamos DO. Fiquei, então, com uma visão geral da Guiné. Desloquei-me para o sul. Estive em Cufar, Catió e Cacine. No norte estive em Binta e Farim. Para leste fui a Bafatá, Bambadinca, Nhabijões, Nova Lamego e Buruntuma.

Nas férias da Páscoa de 1971 passei alguns dias na Ilha de Bubaque, no Arquipélago de Bijagós.

Mais perto de Bissau desloquei-me de automóvel diversas vezes a Nhacra, Safim, João Landim e ao Cumeré.

Na minha actividade, integrado no Batalhão de Engenharia, estive sempre atento para que nunca faltasse material nem ferramentas nos locais dos reordenamentos, pois o General Spí­nola fazia muitas viagens para o interior de helicóptero e sempre que via do ar um reordenamento em execução ordenava que o piloto aterrasse para poder visitar as obras.

O meu receio era que alguém, alguma vez, se queixasse da demora do envio de materiais por parte do Batalhão de Engenharia para justificar um possível atraso na execução dos trabalhos. Isso, porém, que eu saiba, nunca aconteceu.

Por outro lado era absolutamente necessário que na proximidade da época das chuvas as casas estivessem com a cobertura executada, cobertura essa que se prolongava para além das paredes exteriores mais de um metro, formando um terraço coberto à volta das casas, pois se assim não fosse as paredes de abobe, sem qualquer protecção, eram destruí­das pelas chuvas.

Desta minha actividade houve um facto que me poderia ter trazido graves consequências se não tivesse procedido com firmeza imediatamente após ter dele conhecimento.

Um coronel foi um dia oferecer-se ao meu Comandante (Tenente-Coronel Lopes da Conceição, já falecido com o posto de General) para promover o corte de rachas de cibe na área do seu Batalhão e posterior fornecimento à Engenharia das mesmas.

O meu Comandante chamou-me ao seu gabinete. Apresentou-me o Coronel e disse-me o que ele pretendia.A ideia do Coronel era pôr os nativos da região da sua Unidade militar a trabalhar na floresta, dando-lhes oportunidade de auferirem algum rendimento.

Uma vez que se tratava de um material imprescindí­vel para as obras que tinha em curso, e embora na área do Batalhão que o Coronel Comandava não houvesse qualquer reordenamento, aceitei imediatamente a proposta e indiquei as condições em que se teria de fazer o fornecimento: o custo e as normas específicas que as rachas de cibe tinham de respeitar.

Dei-lhe mesmo um pequeno caderno de encargos-tipo que teria de ser seguido.

Passados uns tempos o Primeiro Sargento que comigo colaborava apresentou-se no meu gabinete e, depois da continência militar, bradou:

- O meu Capitão já viu os cibes que estão a ser depositados à volta do campo de futebol?
- Não.
- Se o meu Capitão tivesse alguns minutos disponí­veis propunha-lhe que os visse.

Levantei-me e fui com o Primeiro Sargento até ao local onde estavam depositados os cibes. Tinham vindo da área do Batalhão do tal Coronel. As rachas de cibe eram verdes, arqueadas e com secção inferior à das normas.

Fiquei furioso. Encaminhei-me imediatamente para a Central Rádio e lá redigi uma mensagem que mandei emitir, que dizia mais ou menos isto:

"As rachas de cibe recebidas no Batalhão de Engenharia não respeitam as normas específicas de que lhe foi dado conhecimento. Não serão aceites nem pagas por este Batalhão pelo que deverá mandar retirá-las do local onde foram depositadas."

Esta guerra das rachas de cibe para mim tinha acabado, julgava eu. Mas não. Volvidos alguns dias sobre este acontecimento, o meu Comandante mandou-me chamar ao seu gabinete. Muito sisudo, disse-me que o Coronel (não pretendo mencionar o seu nome) se tinha queixado de mim ao General Spí­nola por causa de uma mensagem rádio que eu lhe tinha enviado.

Contei-lhe a história e convidei o Comandante a deslocar-se ao campo de futebol onde ainda estavam depositadas as rachas de cibe. Pegou no pinguelim, pôs a sua boina e para lá nos dirigimos.

Depois de ter constatado no local em que condições foram fornecidas as rachas de cibe, disse-me:
- Tem toda a razão. Não se preocupe mais com isso. Eu tratarei do assunto com o nosso General.

Na mensagem que enviou poderia ter sido menos duro, mas não tenho dúvidas que fez o que devia.

Soube mais tarde que o General Spí­nola apreciou a minha atitude e, evidentemente, não concordou com a maneira de agir do Coronel nessa sua iniciativa.

Em Julho de 1971 deslocou-se à Guiné uma delegação da ONU. Como dessa visita constava a sua passagem pelo Batalhão de Engenharia 447, os Serviços de Reordenamentos Populacionais tiveram de redigir um pequeno memorando, a fim de elucidar os elementos dessa delegação sobre as suas actividades, memorando que transcrevo adiante:

Serviço de Reordenamentos Populacionais
 
ActividadesApoio técnico e de materiais às obras de reordenamentos.

Cada reordenamento é constituído por:

  • um número determinado de casas de adobe destinadas à população; 
  • uma ou duas casas de adobe também, mas com melhor acabamento destinadas aos chefes; 
  • uma ou duas escolas em blocos de cimento; 
  • um posto sanitário em blocos de cimento; 
  • um ou dois cercados para gado; 
  • fontanários; 
  • bebedouros e lavadouros.

Prevê-se futuramente uma construção destinada ao culto religioso.

O Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia elaborou as Instruções de Reordenamentos, onde constam normas e pormenores das construções, desenhos, sequência de trabalhos, medições, orçamento e quadro resumo dos materiais necessários.

Tem o Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia habilitado inúmeros oficiais, sargentos e cabos com o estágio de reordenamentos. Esses elementos, formando equipas constituídas por um oficial (alferes), um encarregado de obras (furriel),  um pedreiro (cabo) e um carpinteiro (cabo) executaram no interior da província com a colaboração das populações, cerca de 8.000 casas cobertas a colmo e 3.880 cobertas a zinco nos últimos anos.

O Serviço de Reordenamentos do Batalhão de Engenharia 447 tem apoiado essas construções com material e, quando solicitado, tem prestado assistência ténica localmente.

A esse volume de trabalho correspondem as seguintes quantidades de materiais:

  • Rachas de cibe - 542.000
  • Chapas de zinco - 550.960
  • Ripas - 756.600 metros
  • Pregos - 120.280 kg
  • Anilhas de chumbo - 27.160 kg
  • Cimento - 19.400 sacos
[ Revisão / fixação de texto, para  efeitos de publicação deste poste no nosso blogue: LG ]

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Notas do editor


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22835: Os nossos seres, saberes e lazeres (483): Guerra e Desporto, mais um artigo de Alexandre Silveira publicado no Jornal Fayal Spor Club, enviado a partir da Mata dos Madeiros (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Em mensagem de 17 de Dezembro de 2021, o nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos mais um recorte da sua colaboração no Jornal Fayal Sport Club, a partir da Mata dos Madeiros, Guiné.

Mano Carlos,
Junto mais um dos meus escritos publicados no Jornal “Fayal Sport Club”, em 1971. Infelizmente não consigo saber exactamente o mês da publicação.
Ao tempo, ainda eu estava em Bissau, numa das minhas noites livres fui ao Estádio “Sarmento Rodrigues” para assistir a um jogo de futebol. Independentemente dos objectivos das minhas observações ao jogo e ao recinto, hoje isso pouco interessa, espero que o escrito traga memórias e recordações a alguns dos nossos companheiros.

Abraço fraterno do mano,
José


Recorte do Jornal Fayal Sport Club, com artigo publicado em 1971 pelo nosso camarada José "Alexandre da Silveira" Câmara, hoje radicado nos EUA.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22818: Os nossos seres, saberes e lazeres (482): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (22): As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22739: Os nossos seres, saberes e lazeres (478): Guerra e Desporto, um artigo de Alexandre Silveira publicado no Jornal Fayal Spor Club, enviado a partir da Mata dos Madeiros (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Em mensagem de 19 de Novembro de 2021, o nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos um recorte de imprensa através do qual nos desvenda mais uma das suas facetas, a de colaborador do Jornal Fayal Sport Club, a partir da Mata dos Madeiros, Guiné.

Mano Carlos,
Amigo meu está a publicar cópias dos jornais do Fayal Sport Club dos anos 60 e 70. Nesse clube, apesar de jovem, desenvolvi várias actividades deportivas e outras tais como festas de angariações de fundos monetários, na feitura do jornal e, como não podia deixar de ser, lá ia publicando alguns artigos, pobres na escrita, mas que me dava prazer.
Aqui vai um artigo que escrevi na Mata dos Madeiros, sem a possibilidade de revisão adequada. Depois de leres, diz-me se isso tem algum interesse para o blogue.
Aquele Alexandre Silveira sou eu (José Alexandre da Silveira Câmara). Eu tenho mais alguns escritos na Guiné.

Abraço fratero do mano José


Recorte do Jornal Fayal Sport Club, com artigo publicado em 1971 pelo nosso camarada José Alexandre da Silveira Câmara, hoje radicado nos EUA.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22734: Os nossos seres, saberes e lazeres (477): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (18) (Mário Beja Santos)

domingo, 18 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22383: (In)citações (190): Saudando uma decisão amadurecida, de oito anos, a entrada do Manuel Domingos Ribeiro para a Tabanca Grande: é o único representante , até à data, da CART 6552/72 (Cameconde e Cabedú 1972/74)

1. Caro camarada Manuel Domingos Ribeiro, novo membro da nossa Tabanca Grande, nº 844 (*): 

Eras (e continuas a ser)  o mais célebre camarada da CART 6552/72, a tal que que, em vez de aterrar na terra do cacau, foi parar a Cameconde, Cabedu e Cufar, no sul da Guiné... 

És o mais célebre porque és o único representante dos bravos dessa companhia, que até agora visitou (e que a partir de agora passa a integrar)  a nossa Tabanca Grande. 

Ficámos também a saber, em 2013 (**),  que, além de ti, havia o António José Lemos, futebolista do FC Porto,  e o vosso ex-capitão, Fernando Manuel Vialalobos Filipe... 

Na altura perguntei o que era feito de vocês, se tinham por hábito, saudável,  encontrar-se anualmente, e se o  Lemos e o vosso capitão também apareciam.

Convidei-te para ficares por aqui mais tempo, sentando-te à sombra do nosso mágico e fraterno poilão. Para isso era só preciso  mandares-nos as duas fotos da praxe, um endereço de email e, facultativamente dizeres em que terra vivias...

Desejei-te boa sorte para o teu sonho de voltar a rever Cameconde e Cacine, ou seja, de voltar à Guiné, em romagem de saudade...  

Anteontem, dia 16, ao fim de 8 (oito) anos,  respondeste  ao meu convite para te juntares a nós!... O Carlos Vinhal fez a tua apresentação com boa disposição. E eu comentei, com regozijo, ao dar-te as boas vindas, que só podia ser uma decisão, a tua,  "muito amadurecida"... já que levou tantos anos a tomar.(***)

Sobre Cameconde temos mais de meia centena de referências. 


2. Sobre a tua CART 6552/72, tu nessa altura acrescentaste mais o seguinte, respondendo também a algumas das minhas questões (*):

Bom dia,  Luís Graça,

Voltando a CART 6552. Como já informei, quando saímos da carreira de tiro de Espinho, os graduados e algumas praças tinham conhecimento de que tinhamos sidos desviados para a Guiné e que S.Tomé já era uma miragem, nunca estivemos mobilizados para Cabo Verde nem para a Guiné, a nossa mobilização e preparação foi para S. Tomé e Prnicipe.

O Luís pergunta por nós e eu aproveito para informar que nos reunimos todos os anos sempre no último sábado de Junho, este ano está marcado para Espinho e o nosso Capitão é uma presença constante, 

Quanto ao Lemos, antigo futebolista do FC Porto (, foto à direita,)  tem sido contactado mas por várias razões ainda não compareceu mas temos a promessa de que este ano (2013) vai estar presente. 

Sobre o comentário da nossa chegada a Cacine, o facto de termos logo começado a abrir valas para nos podermos abrigar em caso de ataque... Quem viveu esses dias e  para pensar sabe que havia uma razão para assim se roceder: no local estava colocada a CCAÇ 3520 e o destacamento de fuzileiros n.º 22. Como tal as instalações existentes estavam ocupadas, quando nós chegamos na mesma LDG também chegaram os paraquedistas, a CCP 122. Em Cacine já se encontrava a CCAV 8350 que tinha retirado de Guileje, o Pelotão Fox Os Pipas que tambem tinha retirado de Guileje. 

Logo a seguir chegou a CCAV que tinha sido desviada de Angola para a Guiné e também chegou a CCP 123... Agora digam-me se não havia necessidade de se proceder à abertura de valas para protecção em caso de ataques,  sabendo nós o que se passava à nossa volta, Gadamael debaixo de fogo constante o Cantanhez mesmo em frente, o Quitafine ali ao lado,  só posso acrescentar que em Cacine naquele mês de Junho era de loucos com feridos sempre a chegar para serem evacuados, aquele pessoal todo amontoado e a dormir de qualquer maneira debaixo das palmeiras e não só.

Quem por lá passou sabe do que estou a falar, que o digam o ex-fur mil Casimiro da CCAV 8530, o ex-fur Moinhos, do Pelotão Fox "Os Pipas", o ex-alf mil Juvenal Candeias, o furriel Alves e 0 ex-Capitão Margarido, da CCAÇ 3520... São alguns que sabem bem do que estou a falar, se por acaso me enganei na identificação da CCAV 8530, as minhas desculpas, mas a memória já não é a mesma.

Agora fica a promessa de me sentar na nossa Tabanca Grande e assim poder falar dos meus fantamas, um até breve.

Manuel Ribeiro, ex-furriel mil, CART 6552


Plano de retração das guarnições militares portuguesas, no pós-25 de abril. Guiné, Região sul >  Cameconde desativados no mesmo dia, 19 de julho de 1974, do que Gadamael. Cacine, uns dias mais tarde, a 12 de agosto. Cabedu, a 19... Cufar, em 7 de setembro.  Reprodução (parcial) da página 54 (de um total de 74) do relatório da 2ª rep/CC/FAG, publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto".

[Digitalização do documento: Luís Gonçalves Vaz (2012) / Edição das imagens: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)]

3. F
ichas de unidades >  Companhia de Artilharia n.º 6552/72

 
Identificação: CArt 6552/72
Unidade Mob: RAL 5 - Penafiel
Cmdt: Cap Mil Inf Fernando Manuel Vilalobos Filipe
Divisa: "Honra e Dever"
Partida: Embarque em 26Mai73; desembarque em 26Mai73 | Regresso: Embarque em 05Set74

Síntese da Actividade Operacional

Após realização de um curto período, acelerado, de IAO no CMI, em Cumeré, seguiu em 12Jun73 para Cameconde, então alvo de fortes e frequentes ataques e flagelações. 

Foi incluída na zona de acção do subsector de Cacine, tendo rendido dois pelotões da CCaç 3520 e ficado integrada no dispositivo e manobra do COP 5.

Em 20Ju174, após desactivação e entrega do aquartelamento de Cameconde ao PAIGC, foi deslocada para Cabedu, onde substituíu a CArt 6251/72, ficando então na dependência do BArt 6520/73.

Em 19Ago74, após a desactivação e entrega do aquartelamento de Cabedu ao PAIGC, recolheu a Cufar até 30Ago74 e depois a Cumeré, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações. Tem História da Unidade (Caixa n.º 119 - 2.ª Div/4.ª Sec. do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 487. 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22056: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (36): Um levantamento de rancho servido com uma bofetada


1. Em mensagem de hoje, 1 de Abril de 2021, o nosso camarada José Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), envia-nos um recorte de uma carta enviada à então sua madrinha de guerra, hoje esposa, onde relata um acontecimento raro na tropa, um levantamento de rancho, assegurando que não é uma "peta" do 1.º de Abril.


Um levantamento de rancho servido com uma bofetada

Amigos,

Todos nós, uns mais que outros, que tivemos a responsabilidade de conduzir homens, fomos confrontados com situações que bem preferíamos não tivessem acontecido. Foi o que me aconteceu no dia 31 de Março, no AGRBIS, em Brá, Guiné. Nesse quartel estava sediada a minha companhia e outras forças militares de Serviços e Comando.

Naquele dia, a pedido do comandante da minha companhia, Sr. Cap. Rogério Rebocho Alves, estive de Sargento de Dia. Isso obrigou-me a 72 horas de serviço seguido, nada a que os militares da nossa companhia não estivessem habituados, excepto para os três furriéis que desempenhavam as suas funções de Sargento da Guarda no Palácio do Governador que, devido às suas funções, tinham descanso entre serviços. Eu era um desses felizardos.

Naquele dia 31 de Março, quando entrei no refeitório apercebi-me que iria haver borrasca, um levantamento de rancho. Para além de um distraído da minha companhia, que ao aperceber-se do seu erro tentou disfarçar, ninguém tocara no que estava sobre as mesas. O Sr. Oficial de Dia, um Capitão de Cavalaria, de quem esqueci o nome, também se apercebeu de que o militar da minha companhia havia tocado no prato, melhor, sujado o prato, e perguntou-lhe porque não comia. Não ouvi a resposta daquele militar, um 1.° Cabo (sinto não ser necessário a publicação do seu nome para esta história) mas o Sr. Oficial de Dia virou o prato e de imediato esbofeteou aquele militar. O silêncio que se fazia sentir tornou-se sepulcral.

Sem outra alternativa os soldados começaram a comer e não houve mais incidentes. Ao fim da refeição, quando me preparava para sair, o Sr. Oficial de Dia chamou-me e ordenou-me que participasse de todos os militares da companhia presentes na refeição. Confesso que fiquei estarrecido e perguntei-lhe o motivo. Insubordinação foi a resposta dele. Na verdade, um preço muito alto a pagar pela bofetada que ele dera num militar da nossa companhia e foi isso mesmo que lhe disse.

Foram 27 participações que tive que escrever e que coloquei sobre a secretária do comandante da minha companhia. Ainda estou a ouvir o Sr. Capitão Alves, um homem de inefáveis qualidades humanas, com ele seu típico, “mas que chatice!”. Havia que haver uma saída para aquela situação, uma saída que de alguma forma se enquadrasse no Regulamento de Disciplina Militar. E assim foi. Naquela altura já se sabia que a companhia iria sair de Bissau. O Capitão reconhecia que eu tinha entregue as participações e ele tinha 30 dias para actuar sobre elas. No mato, num acampamento, quem se iria lembrar das referidas participações?

O Sr. Oficial de Dia esteve muito mal na sua actuação, mas sempre me perguntei porquê? Ele, julgo que em fim de comissão, certamente iria sofrer algumas consequências se o levantamento de rancho tivesse ido por diante. Para além disso, ele não fora o vagomestre e muito menos o cozinheiro. A sua responsabilidade, que era muita, esteve em não ter actuado sobre a qualidade da refeição. Não sei até que ponto ele o poderia ter feito num quartel que tinha como comandante o Cor. Santos Costa, na altura conhecido como o “Onze”.

As participações, passados os trinta dias, passaram ao álbum da neblina das minhas memórias.

Sobre esse assunto, no dia 1 de Abril de 1971, o último dia que estive de Sargento de Guarda ao Palácio, escrevi uma carta há minha madrinha de guerra, da qual publico o que importa para esta pequena história.

Um abraço amigo e a certeza que estou com todos vós e vossos familiares nesta hora difícil que o mundo atravessa.

José Câmara


Extracto da carta que escrevi à minha madrinha de guerra no dia 1 de Abril, a última que escrevi no Palácio do Governador
Foto tirada nos jardins do Palácio do Governador, em Bissau
Um dos meus passeios preferidos no AGRBIS ao longo da plantação de papaeiras
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20488: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (35): Canção de Natal