Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 2. maio de 1932, pág. 71
1. A Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro foi fundada a 22 de Maio de 1930.
Este boletim foi um dos primeiros projectos desta associação. O seu objetivo era dar a conhecer aos portugueses do continente americano, e em especial do Brasil, as colónias portuguesas espalhadas pelo mundo. Tinha como subtítulo "Pela Raça, Pela Língua".
(...) "A nossa bandeira cobre umna superfície de mais de dois milhões de quilómetros quadrados, onde gravitam 16.860.000 portugueses", dos quais 8,7 milhões "negros", 7 milhões de "brancos", 550 mil "índios", 450 mil "malaios" e 160 mil "amarelos" (sic).
Na realidade, a Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro era "a única associação dedicada exclusivamente à
propaganda colonial portuguesa no Brasil" (Assunção, 2017, pág. 60) (#). Além disso, " também congregava a especificidade de ser produzido por intelectuais republicanos exilados no Brasil, nostálgicos de um ideário 'republicano' de colonização que detinha como principal modelo as gestões de Norton de Matos em Angola (1912-14 e 1921-1924)." (Assunção, 2017, pág. 59).(#)
Do Boletim publicaram-se 25 números (alguns são números duplos), de maio de 1931 (nº 1) a dezembro de 1939 (nº 25). Diretor: António de Sousa Amorim (um republicano, minhoto de Ponta de Lima, exilado no Brasil).
Velhos africanistas como o nosso camarada António Rosinha vão gostar de o "folhear": está disponivel, em formato pdf e html, na Hemeroteca Digital, sítio da Hemeroteca Municipal de Lisboa (HML).
De entre os colaboradores do Boletim, descortinámos, um pouco ao acaso, e numa leitura rápida de uma amostra, nomes conhecidos como Norton de Matos, Paiva Couceiro, Henrique Galvão, Manuel Teixeira Gomes, Sarmento Pimentel, Augusto Casimiro (1889-1967) (capitão de infantaria, herói da I Grande Guerra, braço direito de Norton de Matos em Angola, cofundador da "Seara Nova"...), e outros (quase todos republicanos, exilados e nostálgicos de um pretenso império que ia "do Minho a Timor", como defenderá mais tarde a propaganda estado-novista )...
A linha político-ideológica é a do "nacionalismo imperial", do "panlusitanismo" e mas também do incipiente "luso-tropicalismo" (teorizado por Gilberto Freire, e rejeitado nos anos 30 e 40 pelo Estado Novo)...
São termos usados por Marcelo Assunção, na sua tese de doutoramento em história pela Universidade Federal de Goiás, para caracterizar a linha editorial do Boletim e a orientação política da Sociedade, cada vez mais em rota de colisão com o Estado Novo e a política colonial de Salazar.
A trajetória do Boletim passa por duas grandes fases, a da crítica velada (1931-1934) à repulsa ao salazarismo (1935-1939) (que são analisados no cap. II, da tese de doutoramento abaixo citada).
(...) No segundo
momento (capítulo III), analisaremos o fenômeno do pan-nacionalismo (da Sociedade Luso-Africana e outras instituições e personagens do período) no quadro mais amplo dos pan-etnicismos, evidenciando as visões sobre o panlusitanismo/luso-brasilidade nas três
primeiras décadas do século XX.
Em seguida, perscrutaremos o panlusitanismo nos
anos 30, sendo o Boletim o principal órgão de reprodução do ideário, seja através da sua
visão do panlusitanismo como resposta a ascenção do imperialismo germânico e
italiano, seja através da 'Cartilha Colonial', de Augusto Casimiro, a principal expressão
da visão de mundo dos republicanos que publicam nesta.
Em um terceiro momento
(capítulo IV), trataremos do “republicanismo nostálgico” no Boletim a partir das
distintas críticas ao modelo de gestão colonial do salazarismo (centralismo, trabalho
forçado, arcaismo economico, etc.).
Por fim, no capítulo V, analisaremos os
“exotismos” construídos sobre o “outro” colonizado a partir da historiografia e dos
estudos africanistas (etnologia e antropologia) publicados no Boletim." (... ) (Assunção, 2017, pág. 59).(#)
Há referências à Guiné, mas as estrelas do império (e as que ocupam mais espaço no Boletim) são, sem dúvida, Angola e Moçambique. Talvez valha a pena, numa próxima oportunidade, explorar essas referências, o que implica percorrer com atenção os 20 exemplares disponíveis. Destaque para já para o número especial do Boletim, dedicado à Exposição Colonial do Porto de 1934 (de que foi diretor Henrique Calvão).
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(#) Vd. ASSUNÇÃO, Marcelo. F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017. Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960
Resumo:
Nosso objetivo principal nessa tese é analisar o projeto colonial da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, tendo como fonte primordial de estudo os vinte volumes do
seu Boletim (1931-1939), como também os livros, cartilhas e outras produções oriundas
dos membros da Sociedade.
Para realizar esse intento, num primeiro momento (capítulo
I) analisamos as condições de emergência do “nacionalismo imperial” do qual o boletim
é somente uma das expressões.
Nos outros quatro capítulos, buscamos entender as
diversas especificidades do Boletim. No capítulo II evidenciamos a trajetória da
Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro em suas duas grandes fases: da crítica
velada ao salazarismo e a busca por uma grande “coalização panlusa” (1931-1934) até a
repulsa ao Estado Novo dos últimos anos (1935-1939), apreendendo essas
transformações a partir de diversas fontes, mas primordialmente através dos editoriais
do Boletim.
No III capítulo buscamos explorar os sentidos políticos do “panlusitanismo” no seio do contexto mais global dos “pan-etnicismos”, abordando também
a partir do boletim e da obra “Cartilha Colonial”, de Augusto Casimiro” o discurso panlusitano. A frente, no capítulo IV, fizemos uma análise do projeto colonial dos gestores militares republicanos e sócio-correspondentes da Sociedade Luso-Africana do Rio de
Janeiro, dando ênfase as críticas que estes faziam às práticas coloniais do salazarismo e
o espelhamento idealizado no “modelo Norton de Matos”.
Por fim, no capítulo V,
perscrutamos as relações entre a historiografia do colonialismo e os estudos africanistas
com um ideário de “vocação imperial” tão presente no saber colonial hegemônico nos
anos 30.
Em suma, o exame destes discursos permitem visualizar no seio do Boletim, e
das publicações da Sociedade, a particularidade do colonialismo republicano em meio à
hegemonia política salazarista nos anos 30. Estes irão ser uma vanguarda do reformismo
colonial que só ganha força nos anos 50. A derrota do seu projeto nos anos 30 é uma
expressão de que em tempos de Estados Novos a retórica “democrática” (mesmo que
restrita ao discurso) não tinha espaço.
Palavras-chave: Colonialismo, Republicanismo, Salazarismo, Panlusitanismo, Relações Luso-Afro-Brasileiras, Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro.
https://repositorio.bc.ufg.br/tedeserver/api/core/bitstreams/082dfd1d-ce90-4507-9e4f-cae7720dc11b/content (Com a devida vénia...)