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sábado, 9 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25252: Historiografia da presença portuguesa em África (413): O luso-colonialismo nunca existiu: para África, só desterrado ou com "carta de chamada" (António Rosinha / Valdemar Queiroz)


Cartaz (detalhe) do filme de Marta Pessoa, "Rosinha e Outros Bichos do Mato" (Documentário, 101 m, Portugal, 2023, Produção "Três Vinténs"):

(...) "Em 1934, o Estado Novo apresenta-se ao mundo com uma Exposição Colonial onde o viril Império português exibe como símbolo máximo Rosinha, uma nativa guineense. 'Rosinha e Outros Bichos do Mato'  revisita este acontecimento para entender o que nele se construiu e como ainda hoje pode ecoar no pretenso 'racismo suave' dos portugueses." (...)  (Fonte: Três Vinténs)


1. Comentários do António Rosinha e Valdemar Queiroz ao poste P25244 (*);

(i) Antº Rosinha:

Estes luso-cariocas de 1930, de colonialistas não tinham nada. (Colonialismo = A exploração desenfreada dos recursos dos territórios ocupados.)

Imaginemos a felicidade e a paixão destes luso-cariocas embasbacados com as riquezas da autossuficiência da mancarra, da cachaça de cana e do coconote e com aquelas descomunais estradas da Guiné, isto em 1930, quando desde 1880 os outros só já pensavam nas minas do ouro e diamantes

Aliás, havia em todas as gerações de "portugueses ultramarinos", uma determinada classe de pessoas que de colonialistas não tinham nada, eram simplesmente e apenas uns sonhadores "tropicalistas" acomodados aqueles paraísos tropicais, Bolama, Ilha de Luanda, Lourenço Marques, Rio de Janeiro e as terras de Jorge Amado.

Tropicalista é uma alcunha que inventei para gente que gostava de chabéu, mas tenho outros nomes, colonialista eram os exploradores europeus que dividiram África e deixaram os Bijagós para a gente.

E ainda obrigaram a gente a mandar para lá o Teixeira Pinto.

Ás vezes dá para pensar se não seria esta geração de apaixonados tropicalistas, contemporâneos de Salazar, e também de Henrique Galvão e Norton de Matos, etc. se não teriam inspirado Salazar a dar o grito "para Angola e em força" em 1961.

7 de março de 2024 às 11:41 

(ii) Valdemar Silva:

Antº. Rosinha essa das colónias e do colonialismo é sempre a mesma coisa para quem quer avaliar a "habilidade de chico-esperto",  transferindo de um dia pra outro o ministro das colónias para ministro do ultramar, mas não desfazendo a ideia de "Império" bem a maneira do salazarismo.

Em 1940 não se colocava esta questão, havia colónias e prontus.

No Cartaz da grande Exposição do Mundo Português, na Secção Colonial havia "GinKana de Negros - com várias provas originais". Não sei se havia algum com o cantar à desgarrada de brancos na Secção de Minhotos.

Saúde da boa
 

(iii) Antº Rosinha:

Valdemar, tens razão, devia de haver na exposição minhotos a cantar à desgarrada, pois que o império era do Minho a Timor.

Mas aí talvez a imaginação dos apaixonados pelo ultramar não chegasse a tanto.

Mas nas colónias havia minhotos e malta do Norte suficiente para não deixar morrer o vira do Minho e os pauliteiros de Miranda.

(iv) Valdemar Silva:

Pois, pois Rosinha, mas eram todos patrões e não estavam virados para essas brincadeiras.

Em Bissau, não me lembro o Restaurante, encontrei um meu conhecido empregado da mesa da Portugália (Arroios) a servir, também, às mesas, e como já não estava na tropa fiquei admirado.

Explicou-me que ele e outro tinham comprado o trespasse do Restaurante e um ficava ao balcão e outro servia às mesas.

Julgo que era difícil encontrar um empregado de mesa minhoto a servir num restaurante em Luanda ou Lourenço Marques, ou noutras cidades de Angola ou Moçambique.


(v) Antº Rosinha:

Valdemar, restauração, comes e bebes, do bom e do melhor, em Luanda, em São Paulo e Rio de Janeiro, era ou foi domínio de Minhotos e transmontanos.

Mas em Angola, Nova Lisboa, Sá da Bandeira e localidades mais pequenas, era gente do Norte donos de restaurantes, hoteis pensões etc.

Metia um ou outro beirão, mas muito pouco.

Em São Paulo, (10 Lisboas?) em cada esquina um minhoto ou um transmontano.

Mas ainda havia grandes supermercados de gente do Norte, acima do Douro, principalmente.

Em Angola vi gente começar do zero e irem longe, e outros darem com os burrinhos na água.

Vou-te contar uma de um retornado de Barcelos, que me serviu muitas imperiais de bandeja na mão em Luanda na Ilha, simples empregado, que se deslocava numa motorizada daquelas que faziam imenso barulho que me acordava de manhã, era meu vizinho, e me acordava às duas da manhã quando largava a cervejaria.

Pois com o 25 de Abril veio para Portugal e não largou a bandeja., Largou apenas a tal motorizada e encostava um bruto BMW à porta de um bar restaurante que explorava por conta própria, bem junto à estação de comboio movimentadíssima, de Vila Franca de Xira.

Eu,  que tinha vindo recentemente do Brasil, para onde tinha emigrado com o 25 de Abril, fiquei boquiaberto, quando precisei de apanhar aquele comboio, vou tomar a minha bica, e dou de caras, na caixa registadora,  com o meu antigo vizinho de Luanda, e perguntei-lhe pela motorizada.

Como havia mais de 5 anos que não nos viamos, foi aquele surpresa e eu já não apanhei o comboio, ele entregou a caixa registadora à mulher e contou-me entre outras coisas como de motorizada velha foi parar ao BMW novinho, à porta do bar, café, restaurante.

Bastante mais novo que eu, sei que numa das minhas vindas da Guiné, fui visitá-lo, já tinha passado o negócio...imagina se tiver saúde!

Tive colegas minhotos, de profissão, retornados, todos com golpe de vista.

Gente do Norte é que povoou por toda a parte.

8 de março de 2024 às 19:50 

(vi) Valdemar Silva

Rosinha, tudo o que explicas não me faz confusão ou sequer duvidar da grande valia dos minhotos, transmontanos ou beirões.

A minha dúvida é ter-lhes passado pela cabeça ir trabalhar para África para patrões como por cá devia acontecer. As suas ideias eram de ir ou ficavam depois da tropa como patrões de qualquer actividade.

Contaram-me que a falada "carta de chamada" era exigida a quem queria ir trabalhar,  por ex., para Angola desde que apresentasse o que ia fazer, dado não haver lugar para brancos, além do Estado, em profissões por conta de outrem. E depois sem trabalho viviam de quê, diziam os exigentes.

8 de março de 2024 às 23:12 

(vii) Antº Rosinha:

Carta de chamada era um documento de uma pessoa estabelecida, comerciante, fazendeiro, proprietário em que se responsabilizava durante um período (tenho na ideia que era meio ano) pela estadia do emigrante, e caso este não se adaptasse responsabilizava-se em "devolvê-lo" â procedência.

Foram muitos menores, tipo sobrinhos para casa de tios, ou irmãos, em que estes faziam o tal documento de responsabilidade.

Também se podia emigrar para as colónias, sem carta de chamada, mas tinha que deixar como caução dinheiro para viagem de regresso, caso não se adaptasse, ou as autoridades achassem inconveniente a sua presença, penso que era ao fim de meio ano que podia levantar a caução.

Eu tinha lá um irmão, foi fácil.

Para ir para o Brasil havia uma coisa semelhante.

Valdemar, só estranha essa da carta de chamada, que já vem essa norma desde tempos "dos reis" quem nunca esteve perdido num deserto, sozinho sem bússula.

Até quem ia das nossas aldeias para Lisboa, ia dirigido a algum parente ou conterrâneo.

Com uma cartinha com a morada e o nome da pessoa.

Mas havia ainda a história dos colonos, mas isso é outra história em que ultrapassa o próprio Salazar.

9 de março de 2024 às 11:13
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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25098: Historiografia da presença portuguesa em África (405): voyeurismo, exotismo, sexismo e racismo na exposição colonial do Porto de 1934: uma reportagem do jornalista de "O Comércio do Porto", Hugo Rocha (1907-1993), publicada no "Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro"


Porto > Exposição Colonial Portuguesa > 1934 > O Palácio de Cristal renomeado Palácio das Colónias.


(Cortesia da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa)

Título da reportagem de Hugo Rocha, sobre a Exposição Colonial do Porto, publicada possivelmente  no "Ultramar . Órgão Oficial d I Exposição Colonail", e depois reproduzida no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, n.º 9, Abril a Julho de 1934. Número Especial comemorativo da Primeira Exposição Colonial realizada no Porto, 1934, pp. 153-155


1. A Exposição Colonial Portuguesa, que decorreu no Porto, no  Palácio de Cristal (renomeado para o efeito "Palácio das Colónias"), no verão de 1934 (de 16 de junho de a 30 de setembro). Teve como comissário Henrique Galvão. E foi talvez a primeira grande realização mediática do Estado Novo, com a apologia do império colonial português. (*)

Teve grande destaque a "representação" da Guiné: a figura de régulo Mamadu Sissé, "um dos heróis das campanhas de pacificação", colaborador próximo do capitão Teixeira Pinto (o "capitão-diabo") (de que o pintor Eduardo Malta fez um soberbo retrato, a ele e ao seu filho, Abdullah); e a figura da Rosinha, balanta, imortalizada pelo fotógrafo Domingos Alvão.

Temos no nosso blogue dez referências a este evento que, de resto,  seguiu o paradigma de outras exposições congéneres, realizadas  por outras potências coloniais da época, em cidades como  Marselha (1922), Antuérpia (1930) e Paris (1931).

(...) "No recinto da exposição reproduziram-se aldeias indígenas das várias colónias, construiu-se um parque zoológico com animais exóticos, edificaram-se réplicas de monumentos ultramarinos, divulgou-se a gastronomia, enquanto centenas de expositores da metrópole e das colónias atestavam o dinamismo empresarial do Império." (...) (Fonte: Hemeroteca Municipal de Lisboa >  Exposição Colonial Portuguesa).

2. Sobre a peça, que selecionámos hoje, assinada por Hugo Rocha (**)... O título e subtítulo, extensíssimos, dizem tudo: "Antes de abrir a Exposição...Da Guiné a Timor, sem sair do Palácio de Cristal: sessenta e três pretos e pretas da mais próxima e nove pardos da mais afastada das colónias de Portugal já dão ao recinto do grande certame o tom colorido e exótico da vida tropical"

Hugo Rocha (1907-1993)  foi um jornalista e escritor do Porto: entrou aos 18 anos para a redação de  "O Comércio do Porto" (fundado em 1854, extinto em 2005), e do o qual será diretor durante muitos anos. Já antes, em 1933, escrevera uams crónicas sobre o ultramar português. 

Fez parte do corpo redatorial do quinzenário "Ultrarmar - Ógão Oficial da I Exposição Colonial", de que se publicaram 18 números,entre 1 de fevereiro e 15 de outubro de 1934, números1 , O direteor da publiação era o Henrique Galvão.

Teve, talvez por isso,  o privilégio de ser um dos primeiros a visitar a exposição, na fase ainda do seu "making of", antes da sua abertura oficial. O texto que escreveu, há 90 anos merece ser lido ou relido com atenção e precaução. Tem observações e expressões que hoje nos chocam. Tem de ser contextualizado. Estamos nos anos 20/30,  a época da consagração do racismo nas suas diversas vertentes (biológico, cultural, etc.) e da subida ao poder dos nazifascismos e demais ditaduras. (Em boa verdade também não sabemos  como daqui a 90 anos os nossos vindouros irão  ler o que aqui escrevemos, e olhar para as nossas fotos...)

Repescámos, da reportagem do Hugo Rocha, alguns destes "estereótipos sociais" de que é feito o racismo, de ontem  e de hoje, e o desconhecimento do outro, da sua cultura, da sua história, da sua terra. (Estranhamente o jornalista não chegou a pôr os olhos na Rosinha, balanta, "o  animal mais belo daquele zoo humano"... e que se virá   a tornar a coqueluche da exposição. )

  • Ontem, a meio da tarde, para matar saudades, fui ao Palácio para ver os pretos (...)
  • A aldeia da Guiné, que é a mais típica do certame , porque é lacustre, como grande  parte das aldeias da Guiné (...)
  • Vinte negros - dezoito homens e duas mulheres . da raça fula (..:)
  • Arde  uma fogueira no centro da sanzala (..:)
  • Não sabe o que é ciúme, sior (...)
  • Algarávia gentílica em todas as bocas (...)
  • O cheiro é perfeitmente colonial (...)
  • A preguiça equatorial domina todos os repentes (...)
  • Henrique Galvão (...) não quer que os indígenas da Guiné estejam ociosos (...)
  • (...) aqueles corpos nus e besuntados (...)
  • Olha, aquilo é o cheiro da carne preta
  • E o leão, enquanto as negras não lhe desaparecem da vista, parece devorá-las com os olhos (...)
  • Pretos da Guiné. Pardos de Timor. Portugueses de outras cores e doutras raças (...)  (Citações de Hugo Rocha)

 





(Seleção, recortes,  introdução: LG)


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Notas do editor:


(**) Hugo Rocha, de seu nome completo Hugo Amílcar de Freitas Rocha (Porto, 11 de novembro de 1906 - Porto, 24 de fevereiro de 1993) foi  jornalista e escritor (e também espirita).

(...) Fez os estudos na sua cidade-natal. Empregou-se numa firma comercial, ao mesmo tempo que exercia o professorado no ensino livre. A sua vocação, porém, havia de orientá-lo para o jornalismo e assim, aos 18 anos de idade, principia a colaborar na edição de "O Comércio do Porto" (1924).

Em 1929 ingressou definitivamente para o quadro redactorial daquele diário portuense, e anos depois foi escolhido para chefe de redacção, lugar que ocupava em 1952.

Em paralelo ao trabalho absorvente no jornal, desenvolve projetos próprios, como o demonstram as diversas obras literárias que deixou, tendo ganho vários prémios literários e jornalísticos.

De 1949 a 1951 foi o diretor do "Actualidade", jornal semanal cultural e associativo, de propriedade da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. (...)

Apaixonado pela Música, dirigiu durante anos o mensário de canto coral "Orfeu" e foi crítico musical de "O Comércio do Porto". (...) (Fonte: Wikipedia)

(...) Em 1933 publicou seu primeiro livro, de crónicas africanas, intitulado Bayete,  e um volume de poemas intitulado Rapsódia Africana. Logo no ano seguinte publicou um ensaio intitulado Espiritualismo e a novela O homem que morreu no deserto.

Ao longo das décadas seguintes publicou numerosas obras, incluindo relatos de viagens de carácter impressionista aos Açores, à ilha da Madeira, à Índia Portuguesa e à Galiza. Também publicou alguns romances e várias obres sobre temas do esoterismo (...)  e do espiritismo.

A sua obra de viagens mais notável é um relato de um périplo pela Galiza, intituladas Itinerário na Galiza, obra complementada em 1961 e 1963 com os dois volumes intitulados Encontros da Galiza. A obra mereceu excelente colhimento à época. (...) (Fonte: Wikipedia)

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24893: Notas de leitura (1639): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte I: a voz dos colonialistas republicanos nostálgicos e exilados




Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 2. maio de 1932,  pág. 71


1. A Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro foi fundada a 22 de Maio de 1930.

Este boletim foi um dos primeiros projectos desta associação. O seu objetivo era   dar a conhecer aos portugueses do continente americano, e em especial do Brasil, as colónias portuguesas espalhadas pelo mundo. Tinha como subtítulo "Pela Raça, Pela Língua". 

(...) "A nossa bandeira cobre umna superfície de mais de dois milhões de quilómetros quadrados, onde gravitam 16.860.000  portugueses", dos quais 8,7 milhões "negros", 7 milhões de "brancos", 550 mil "índios", 450 mil "malaios" e 160 mil "amarelos" (sic).

Na realidade, a Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro era "a única associação dedicada exclusivamente à propaganda colonial portuguesa no Brasil" (Assunção, 2017, pág. 60) (#).  Além disso, " também congregava a especificidade de ser produzido por intelectuais republicanos exilados no Brasil, nostálgicos de um ideário 'republicano' de colonização que detinha como principal modelo as gestões de Norton de Matos em Angola (1912-14 e 1921-1924)." (Assunção, 2017,  pág. 59).(#)

Do Boletim publicaram-se 25 números  (alguns são números duplos),  de maio de 1931  (nº 1) a dezembro de 1939 (nº 25). Diretor: António de Sousa Amorim (um republicano, minhoto de Ponta de Lima, exilado no Brasil).

Velhos africanistas como o nosso camarada António Rosinha vão gostar de  o "folhear": está disponivel, em formato pdf e html, na Hemeroteca Digital, sítio da Hemeroteca Municipal de Lisboa (HML).

De entre os  colaboradores do Boletim, descortinámos, um pouco ao acaso, e numa leitura rápida de uma amostra, nomes conhecidos como Norton de Matos, Paiva Couceiro, Henrique Galvão, Manuel Teixeira Gomes, Sarmento Pimentel, Augusto Casimiro (1889-1967) (capitão de infantaria, herói da I Grande Guerra,  braço direito de Norton de Matos em Angola, cofundador da "Seara Nova"...), e outros (quase todos republicanos,  exilados e nostálgicos de um pretenso império que ia "do Minho a Timor", como defenderá mais tarde a propaganda estado-novista )... 

A linha político-ideológica é a do "nacionalismo imperial",  do "panlusitanismo"  e mas também do incipiente "luso-tropicalismo" (teorizado por Gilberto Freire, e rejeitado nos anos 30 e 40 pelo Estado Novo)... 

São termos usados por Marcelo Assunção, na sua tese de doutoramento em história pela Universidade Federal de Goiás, para caracterizar a linha editorial do Boletim e a orientação política da Sociedade,  cada vez mais em rota de colisão com o Estado Novo e a política colonial de Salazar.

A trajetória do Boletim passa por duas grandes fases, a da crítica velada (1931-1934) à repulsa ao salazarismo (1935-1939) (que são analisados no cap. II, da tese de doutoramento abaixo citada).

(...) No segundo momento (capítulo III), analisaremos o fenômeno do pan-nacionalismo (da Sociedade Luso-Africana e outras instituições e personagens do período) no quadro mais amplo dos pan-etnicismos, evidenciando as visões sobre o panlusitanismo/luso-brasilidade nas três primeiras décadas do século XX. 

Em seguida, perscrutaremos o panlusitanismo nos anos 30, sendo o Boletim o principal órgão de reprodução do ideário, seja através da sua visão do panlusitanismo como resposta a ascenção do imperialismo germânico e italiano, seja através da 'Cartilha Colonial', de Augusto Casimiro, a principal expressão da visão de mundo dos republicanos que publicam nesta. 

Em um terceiro momento (capítulo IV), trataremos do “republicanismo nostálgico” no Boletim a partir das distintas críticas ao modelo de gestão colonial do salazarismo (centralismo, trabalho forçado, arcaismo economico, etc.). 

Por fim, no capítulo V, analisaremos os “exotismos” construídos sobre o “outro” colonizado a partir da historiografia e dos estudos africanistas (etnologia e antropologia) publicados no Boletim." (... ) (Assunção, 2017, pág. 59).(#)

Há referências à Guiné, mas as estrelas do império (e as   que ocupam mais espaço no Boletim)  são, sem dúvida, Angola e Moçambique. Talvez valha a pena, numa próxima oportunidade, explorar essas referências, o que implica percorrer com atenção os 20 exemplares disponíveis. Destaque para já para o número especial do Boletim, dedicado à Exposição Colonial do Porto de 1934 (de que foi diretor Henrique Calvão).


Capa do nº especial dedicado à exposição colonial do Porto (1934). Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 9, abril-julho de 1934.
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(#) Vd. ASSUNÇÃO, Marcelo. F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017. Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960 

Resumo:

Nosso objetivo principal nessa tese é analisar o projeto colonial da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, tendo como fonte primordial de estudo os vinte volumes do seu Boletim (1931-1939), como também os livros, cartilhas e outras produções oriundas dos membros da Sociedade. 

Para realizar esse intento, num primeiro momento (capítulo I) analisamos as condições de emergência do “nacionalismo imperial” do qual o boletim é somente uma das expressões. 

Nos outros quatro capítulos, buscamos entender as diversas especificidades do Boletim. No capítulo II evidenciamos a trajetória da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro em suas duas grandes fases: da crítica velada ao salazarismo e a busca por uma grande “coalização panlusa” (1931-1934) até a repulsa ao Estado Novo dos últimos anos (1935-1939), apreendendo essas transformações a partir de diversas fontes, mas primordialmente através dos editoriais do Boletim. 

No III capítulo buscamos explorar os sentidos políticos do “panlusitanismo” no seio do contexto mais global dos “pan-etnicismos”, abordando também a partir do boletim e da obra “Cartilha Colonial”, de Augusto Casimiro” o discurso panlusitano. A frente, no capítulo IV, fizemos uma análise do projeto colonial dos gestores militares republicanos e sócio-correspondentes da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, dando ênfase as críticas que estes faziam às práticas coloniais do salazarismo e o espelhamento idealizado no “modelo Norton de Matos”. 

Por fim, no capítulo V, perscrutamos as relações entre a historiografia do colonialismo e os estudos africanistas com um ideário de “vocação imperial” tão presente no saber colonial hegemônico nos anos 30. 

Em suma, o exame destes discursos permitem visualizar no seio do Boletim, e das publicações da Sociedade, a particularidade do colonialismo republicano em meio à hegemonia política salazarista nos anos 30. Estes irão ser uma vanguarda do reformismo colonial que só ganha força nos anos 50. A derrota do seu projeto nos anos 30 é uma expressão de que em tempos de Estados Novos a retórica “democrática” (mesmo que restrita ao discurso) não tinha espaço. 

Palavras-chave: Colonialismo, Republicanismo, Salazarismo, Panlusitanismo, Relações Luso-Afro-Brasileiras, Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro.

 https://repositorio.bc.ufg.br/tedeserver/api/core/bitstreams/082dfd1d-ce90-4507-9e4f-cae7720dc11b/content (Com a devida vénia...)

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24557: Historiografia da presença portuguesa em África (381): 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Quem quiser conhecer o talento artístico do fotógrafo Domingos Alvão, veja algumas destas imagens que aqui se reproduzem alusivas à 1.ª Exposição Colonial Portuguesa. O evento permitiu um conjunto de publicações de que destaco o álbum fotográfico de Alvão. A par da exposição, houve um conjunto de conferências sobre matérias imperiais, não encontrei nada de verdadeiramente expressivo. Peço a vossa atenção para aquele parágrafo de Castro Fernandes, virá a ser administrado do BNU e grande conhecedor das realidades guineenses, figura grada do regime, ele acentua a importância em torno da exposição de que se estava a levantar o Terceiro Império, perdera-se o segundo devido às malfadadas ideias liberais que pareciam condenar a nação ao apoucamento, interessante este pensamento nacioanlista que acompanha a ascensão do Estado Novo.

Um abraço do
Mário



1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão

Mário Beja Santos

O Álbum Fotográfico da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa reúne 101 clichés fotográficos de Domingos Alvão, que foi o fotógrafo oficial do evento. É uma recolha soberba de imagens, que exemplifico: o Padrão de Diogo Cão (escrevendo-se que se trata do autêntico), o monumento ao esforço colonizador português, a representação das missões religiosas portuguesas, belíssimas cabeças de Benim, a réplica do Arco dos Vice-Reis. E a Guiné mereceu a melhor atenção do grande mestre da fotografia do Porto, caso da aldeia lacustre Bijagó, a postura soberana do régulo Mamadu Sissé, balantas, destaque para a “Rosinha”, a fotografia do menino Bijagó, o Augusto, que irá aparecer numa publicidade a cigarros, a criança com o cigarro na boca, mulheres e homens, e escusado é dizer que todas estas mulheres e homens mais desnudados que vestidos foram motivo de escândalo, queixaram-se ao governo do sr. capitão Henrique Galvão, como é que era possível permitir-se, contra os bons costumes portugueses, mostrar tanto primitivismo atentado à moral?

Palácio de Cristal transformado em Palácio das Colónias, 1934
Um aspeto da Sala de Exposições
Mapa concebido por Henrique Galvão para a Exposição
Revista Ilustração, Lisboa n.º 205, 1934, aspetos da aldeia indígena guineense
“Rosinha”, a menina balanta que ganhou prémios de beleza, as senhoras do Norte andavam escandalizadas com tanto peito ao léu, pediram decoro, mas as excursões para verem a falta de decoro não tinham conto…
Aspeto de uma aldeia bijagó
A missionária a ensinar a indígena com rendas e bordados
Painel pintado por Eduardo Malta, destaque para o régulo Mamadu Sissé, companheiro de armas do Capitão Teixeira Pinto
Régulo Mamadu Sissé, desenho de Eduardo Malta
Padrão de Diogo Cão

Importa chamar a atenção do leitor para a qualidade de outras publicações à volta desta Exposição Colonial. É o caso do álbum-catálogo onde há textos credores da nossa reflexão. Veja-se este a apontamento de um membro do Governo responsável pelas colónias, Júlio Castro Fernandes:
“Num vale escuro da História, invadidos nas organizações políticas e nas almas, pelas ideologias de 1789, alheados do sentido da nossa grandeza e da nossa missão pelo falso esplendor de novas ideias, perdemos o Brasil e o rumo imperial da nossa nação nas colónias.”

Mais adiante, um texto sobre a Guiné, assinado por Machado Saldanha, intitulado A colónia das terras vermelhas:

“A Guiné portuguesa é um repositório de valiosos subsídios étnicos e morais das raças que descreveram do Oriente as suas linhas migratórias para a África. Xadrez de raças, todas elas cheias de inusitado e de usos e costumes típicos, definem psiquicamente o maravilhosismo dos seus aborígenes, embora a sua vida de hoje se espraie adentro dos preceitos da civilização, que as nossas autoridades têm pouco a pouco introduzindo.

A cerimónia do fanado, as festas do Ramadão, o regime matriarcal dos Bijagós, são notas expressivas da vida dos vários povos que habitam a Guiné portuguesa.

A colónia é, por assim dizer, uma extensa planura lacustre serpenteada por ótimas estradas e por braços de mar, com os contrafortes das ilhas repletos de palmeiras que formam o arquipélago dos Bijagós.

As condições do seu clima incorporam a Guiné portuguesa como colónia de exploração, isto não obstante a permanência dos europeus. A densidade da sua população cria no país condições excecionais de facilidade de mão de obra. O território da Guiné portuguesa confina, caracteristicamente, o verde-escuro dos seus campos de flora com a nota vermelha do desenrolar das suas estradas, pelo que se define bem o país designando-o como a Colónia das terras vermelhas.”


Faz-se ao longo deste álbum-catálogo uma súmula da situação climática, da população (fala-se em pouco mais de 340 mil habitantes), divisão administrativa, estradas, vias fluviais, principais portos de comércio, comunicações telegráficas e telefónicas, linhas de navegação, movimento comercial, agricultura e indústrias.

Imagem espetacular de um dos eventos que acompanharam a Exposição do Mundo Português, em 1940, onde existiu uma expressiva participação guineense
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24542: Historiografia da presença portuguesa em África (380): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (6) (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20399: Historiografia da Presença Portuguesa em África (189): I Exposição Colonial, Porto, junho/setembro de 1934: fotogaleria do encerramento...









"Vários aspetos dessa memorável jornada de fé e vibração patrióticas: em cima, Irmãs Missionárias e Combatentes das campanhas das colónias; a seguir, D. João de Castro, conduzido sob o pálio e o carro da cidade do Porto; a frente do cortejo com figuração histórica; no disco, tocadores de marimbas; campinos do Ribatejo junto do sr. capitão Henrique Galvão, que concebeu, organizou e dirigiu o cortejo; o carro dedicado à província de Angola. Fotos ALVÃO.

Fonte: Ultramar - Órgão Oficial da I Exposição Colonial, (Porto),  nº 17, 1 de outubro de 1934, p. 8 (Diretor: Henrique Galvão). 

[Cortesia de Hemeroteca Digital, Câmara Municipal de Lisboa]



1. Temos já meia dúzia de referências no nosso blogue à Exposição Colonial do Porto (junho-setembro de 1934). Recorde-se aqui um excerto de um poste de um camarada nosso, portuense, o [ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAC 3880  (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74),  membro nº 780 da Tabanca Grande: 


(...) A grandiosa Exposição Colonial do Porto, ocorrida no Palácio de Cristal em 1934, deverá ter sido um ensaio geral para a (ainda mais grandiosa) Exposição do Mundo Português de 1940, em Lisboa. Ainda Salazar não tinha vergonha de chamar colónias às colónias.


Feita à imagem e semelhança de outras exposições coloniais realizadas em França, Inglaterra, Alemanha, etc., a Exposição Colonial do Porto de 1934 foi organizada por Henrique Galvão, esse mesmo, o do assalto ao paquete Santa Maria, que antes de ser um feroz opositor de Salazar tinha sido um seu fervoroso admirador.

A Exposição Colonial do Porto teve como finalidade, como facilmente se compreende, exaltar o orgulho imperial dos portugueses, supostamente portadores de um mandato divino de civilizar os povos primitivos sob seu domínio, e ao mesmo tempo consolidar o regime do Estado Novo, comandado pelo pulso de ferro de António de Oliveira Salazar. A exposição teve características idênticas às das exposições coloniais estrangeiras, a começar pela redução dos povos colonizados à condição de indígenas atrasados, cujo exotismo se procurava sublinhar. Para tanto, mostraram-se seres humanos trazidos das colónias ao público visitante, como se de animais do jardim zoológico se tratasse.

No caso da Exposição Colonial do Porto de 1934, a Guiné teve um papel de particular relevo, não necessariamente pelas melhores razões. Foi instalada uma "tabanca" de bijagós numa ilha de um pequeno lago existente nas imediações do Palácio de Cristal, onde pessoas seminuas eram exibidas ao público como se estivessem no seu ambiente natural. Ora o clima do Porto é consideravelmente mais frio do que o da Guiné. Nem quero pensar no frio que essas pessoas terão passado. (...) (*)


Portugal (continental, insular e ultramarino) tinha uma superfície superior a 2,168 milhões de km2, ultrapando o conjunto europeu formado pela Espanha (continental), a França, A Alemanha, a Inglaterra e a Itália (que não chegava aos 2,097 milhões de km2). Mapa organizado por Henrique Galvão (1895-1970) que, passadas duas décadas, começa a desiludir-se com o Estado Novo e entra em rota de colisão com Salazar. Ficaria mundialmente famoso pelo inédito assalto, em 21 de janeiro de 1961, ao paquete "Santa Maria". Terá sido o primeiro ou um dos primeiros atos de pirataria naval com motivação política, no séc. XX. Henrique Galvão e o seu comando renderam-se às autoridades brasileiras, no porto de Recife, em 2/2/1961, na véspera do início da guerra colonial em Angola.


Sobre a I Exposição Colonial Portuguesa, ver mais informação disponível na Hemeroteca Municipal de Lisboa (, dossiê digital organizado em 2014 para comemorar os 80 anos deste evento; destaque na introdução para o seguinte excerto:  

(...) "Discursando no Palácio da Bolsa (então Palácio das Colónias), [Henrique] Galvão terá afirmado: 'os homens da minha geração vieram ao Mundo dentro de um país pequeno. Felizmente vê-se que pretendem morrer dentro dum império'. 

"Esta ideia, de resto, serviu de mote ao famoso mapa 'Portugal não é um país pequeno', (ver aqui) concebido por Galvão no âmbito da Exposição e amplamente divulgado pelo Secretariado de Propaganda Nacional nos anos seguintes." (...)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 27 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20389: Historiografia da presença portuguesa em África (188): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4): "Portugueses e Espanhóis na Oceânia", por René Pélissier (Mário Beja Santos)