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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10084: Antologia (76): Vida e morte da gloriosa LDM 302, a cuja heróica guarnição pertenceu o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, natural da Lourinhã, condecorado com a Cruz de Guerra em 1968 (Manuel Lema Santos / Luís Graça)

A. O lourinhanense Ludgero Henriques de Oliveira morreu recentemente


De morte inesperada, na sequência de um internamento hospitalar. Aos 64 anos. E sem tempo de me poder contar, direito, tim por tim, as suas andanças pelos rios e braços de mar da Guiné, a bordo da heróica LDM 302.

Eu sabia vagamente que ele pertencera à guarnição de uma LDM, que fora atacada no Cacheu, e que desse ataque resultaram baixas, tendo o navio sido afundado. 

Ele vivia na Lourinhã. Era sargento chefe reformado da Armada, com uma brilhante folha de serviços. Via-o com frequência. Éramos vizinhos, e mais do que isso, amigos e colegas de escola. Nascemos no mesmo ano, 1947, com uma diferença de 2 meses, eu em janeiro, a 29, ele em março, a 26...

Fiquei inconsolável ao saber, tardiamente, da sua morte. Há dias passei pelo cemitério local, hábito que não tinha e que agora passei a ter na sequência da morte recente do meu pai, Luís Henriques. Estive na campa do Ludgero, e prometi a mim mesmo que falaria dele no nosso blogue... Ele era a modéstia em pessoa. Nunca me disse, por exemplo, que sido condecorado com a Cruz de Guerra, em 1968... Mas tinha muito orgulho na farda da Marinha...

E que melhor homenagem lhe poderia eu prestar do que reproduzir, com a devida vénia, estes dois postes do nosso camarada Manuel Lema Santos, originalmente publicados na sua página Reserva Naval, um sítio incontornável na Net, onde se honra a nossa marinha e os nossos marinheiros ?

A epopeia da LDM 302 e dos seus bravos marinheiros merece ser melhor conhecida de todos nós. Na altura do ataque de 19 de dezembro de 1968 bem como no de 10 de junho de 1968, o Ludgero fazia parte da sua guarnição como maquinista fogueiro. São factos que eu só agora vim a saber. E quero partilhá-los com os amigos e camaradas da Guiné, que acompanham o nosso blogue,  bem como com os meus conterrâneos e ainda a família do meu amigo, em especial o seu filho e os seus irmãos, bem como a mãe do seu filho, Maria Teresa Henriques, natural da Atalaia, Lourinhã.

Que a terra te seja leve, meu amigo e camarada!... E que a gente da nossa terra saiba cultivar a tua memória e a memória dos nossos antepassados que têm o mar no seu ADN !


Luís Graça
___________________




Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50 mil) > A perigosa passagem do Rio Cacheu, em Porto Coco, frente à clareira de Tancroal, de má memória para os nossos marinheiros.


B. Reserva Naval > 28 de novembro de 2008 > A epopeia da LDM 302 na Guiné

(Parte I) [Excerto]

por Manuel Lema Santos

19 de Dezembro de 1967 – O ataque e afundamento da lancha


A LDM 302, de que apenas o casco veio dos EUA em 1963, foi adaptada nos estaleiros da Argibay, onde permaneceu para esse efeito de 9 de Outubro desse ano a fins de Janeiro do ano seguinte.

Foi aumentada ao efectivo das navios da Armada em 18 de Janeiro de 1964.

Chegou à Guiné, Bissau, a bordo de um navio da Marinha Mercante, na manhã de 23 de Fevereiro desse ano. Era seu patrão de então o marinheiro de manobra n.º 2156, Aristides Lopes.

Após um curto período de adestramento da guarnição, foi atribuída ao Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 2 – DFE 2, ao qual competia a fiscalização da zona do rio Geba,  tendo aí iniciado intensa vida operacional.

Efectuou um primeiro cruzeiro de fiscalização naquele rio, em 18 de Março [de 1964], sem que nada de anormal tivesse ocorrido, o que poderia ser interpretado como bom augúrio naquele teatro de guerra.

De 9 a 11 de Abril, pela primeira vez, em conjunto com a LDM 101, 201, LFG Escorpião, LFP Canopus e os DFE 8 e 9, foi incluída numa missão de apoio de fogo e transporte de fuzileiros, a operação “Tenaz”, levada a cabo no rio Cumbijã.

Em 22 de Abril o baptismo de fogo. Frente a Jabadá quando, em conjunto com mais três LDM, procedia a um desembarque de fuzileiros, o inimigo tentou opor-se com fogo de armas ligeiras mas não conseguiu evitar o desembarque.

No dia 22 de Julho, foi atacada pela segunda vez, desta feita no rio Cacheu, em Porto de Côco. O inimigo, emboscado nas margens, utlizou metralhadoras pesadas e morteiro, sem consequências.

Durante o resto do ano de 1964 tomou parte em várias operações no rio Geba e recolheu ao SAO – Serviço de Assitência Oficinal, onde foi submetida a alterações no poço, procedendo-se à instalação de uma cozinha e alojamentos para a guarnição. Foram também protegidos com chapa balística a casa do leme e o escudo da peça Oerlinkon de 20 mm.

A partir de então ficou com possibilidades de alojar permanentemente a guarnição, como viria a revelar-se indispensável.

1965 veio a revelar-se para a LDM 302 um ano muito duro. Continuando a desempenhar denodadamente missões de fiscalização, escoltas a comboios de barcaças mercantes, transporte de tropas e apoio de fogo, no dia 4 de Fevereiro, em frente de Tambato Mandinga, no rio Cacheu, foi violentamente atacada das margens com morteiros e metralhadoras ligeiras, sofrendo 30 impactos no costado e superestuturas. Não houve baixas na guarnição para o que muito contribuiu, certamente, a sua pronta e valorosa reacção.

No dia 4 de Outubro, no rio Armada, um afluente do Cacheu, em missão de transporte de forças terrestres, foi atacada das margens com metralhadoras ligeiras e granadas de mão, resultando 10 feridos ligeiros entre os militares embarcados.

Novamente, em 28 de Outubro, a leste de Farim, na margem do Cacheu, foi alvejada sem consequências com tiros de espingarda, durante uma operação de desembarque de fuzileiros.

Foi de relativa tranquilidade o ano de 1966 dado que, apesar de ter estado sempre no Cacheu no cumprimento das missões que lhe foram atribuídas, não teve qualquer contacto de fogo directo. Mercê do seu constante vaivém nos rios da zona, tornara-se já perfil conhecido e respeitada pelo inimigo.

Trágico viria a revelar-se o ano de 1967, ainda que pelo escoar do tempo se assemelhasse ao anterior, aparentemente tranquilo. Chegara-se a meados de Dezembro sem qualquer acção hostil e apenas no dia 16, em violenta acção do inimigo contra Binta, auxiliou com eficácia as forças terrestres na defesa daquele aquartelamento.

Não viriam aqueles seis homens de guarnição a terminar assim o ano quando, a 19 de Dezembro, pelas 11:00, a “302” descia o rio Cacheu, em postos de combate, calor já a apertar, margens de tarrafo denso a entranhar-se pelo rio.

No leme, (i) o patrão, marinheiro de manobra Domingos Lopes Medeiros;

(ii) nos seus postos, junto à Oerlinkon, os marinheiros artilheiros Manuel Luís Lourenço e Silva e Manuel Santana Carvalho;

(iii) no posto de fonia, o marinheiro telegrafista Joaquim Claudino da Silva;

(iv) na MG 42 o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira:

(v) e junto aos artilheiros, pronto a acorrer onde necessário fosse, o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, de serviço aos motores, comandados da casa do leme.

A lancha deixara para trás uma das muitas curvas sinuosas do rio e passava frente à clareira do Tancroal [, vd. carta de Binta], com a guarnição em redobrada atenção pelo comprovado perigo que representava, pelo historial anterior de ataques já desferidos contra diversas unidades navais.

Subitamente, observaram-se fumos na margem sul à boca de peças e, quase de seguida, fortes rebentamentos. O navio estremeceu violentamente e os motores pararam. Estavam sob violentíssimo ataque de canhão sem recuo, lança-granadas foguetes e ainda metralhadoras, pesadas e ligeiras.

A lancha atingida e com o patrão gravemente ferido ficou sem leme, entrando pelo tarrafo da margem Norte. Os ramos vergaram de imediato e, de seguida, ao recuperarem a posição normal, projectaram a LDM que recuou, ficando à deriva.

A lancha metia água e afundava-se rapidamente de popa. A inclinação era já muito grande e os artilheiros, com água pelo peito, ainda faziam fogo por cima do tecto da casa do leme com grande dificuldade. O posto de fonia, atingido por um estilhaço de granada, tinha ficado destruído e o patrão, moribundo, jazia caído sem que alguém lhe pudesse sequer acudir no momento.

Sentido, de todo, que o navio estava perdido, os artilheiros viram-se forçados a abandonar a peça tentando então o telegrafista socorrer o patrão. Fez um esforço para o por de pé mas foi-lhe de todo impossível. Atingido em cheio estava quase cortado em dois, pelas costas, com as vísceras de fora.

Inexplicavelmente, o inimigo deixou de fazer fogo. O telegrafista [, Joaquim Claudino da Silva], o mais antigo depois do patrão, assumiu o comando e deu ordem para abandonar a lancha. Arriaram então o bote de borracha, colocaram lá dentro, o patrão, nessa altura já morto, os papéis de bordo e uma G3, dirigiram-se para a margem e esconderam-se no tarrafo. Fora de água, a lancha tinha apenas parte da porta de abater.

Era imperioso alguém ir a Bigene, o aquartelamento do Exército mais próximo, situado a cerca de três quilómetros e regressar com socorros. Sendo os restantes elementos novos na guarnição e o telegrafista o único conhecedor da zona, empunhou a arma e foi ele próprio, conseguindo lá chegar coberto de lama e sem percalços pelo caminho.

Entretanto, a LDM 304, que navegava não longe do local, alertada pelo ruído das explosões e tiros da “302”, dirigiu-se ao local deparando, para espanto da guarnição, com uma lancha totalmente afundada, sem ninguém à vista.

Passaram-lhe um cabo de reboque e seguiram rio abaixo, avistando pouco depois os sobreviventes que embarcaram e relataram o sucedido.

Mas nesse dia a má sorte acompanhava a LDM 302. Ao aportarem a Ganturé, local escolhido para encalhar a lancha, em águas poucos profundas para poder ser recuperada, o artilheiro Carvalho, que saltara do bote para a “302” a fim de manobrar os cabos de reboque, caiu à água e nunca mais foi visto, não obstante os porfiados esforços dos seus camaradas, soldados e nativos de terra que tinham acorrido ao local.

Tudo tinha sido muito rápido, com consequências trágicas em escassos vinte minutos de duração, num combate desigual para a guarnição, que enfrentou o inimigo com perda de vidas mas com exemplar determinação, abnegação e estoicismo.

Foram agraciados com a Cruz de Guerra na cerimónia anual do 10 de Junho, no Terreiro do Paço, estando os já ausentes representados pelas suas famílias.

A LDM 302 seria rapidamente recuperada e voltaria a navegar!

(continua)

mls [Manuel Lema Santos] [...]





Cinco homens da guarnição que sofreu o último ataque [, 18 de fevereiro de 1969,], da esquerda para a direita: Mar CM Paquete, Cabo M Inácio, Mar A Correia, Mar CM Nogueira e Mar CE Martins (o penúltimo estava presente em três ataques à lancha e o último, no segundo e terceiro ataques). 

Foto da Revista da Armada, reproduzida com a devida vénia.




A LDM 302 navegando no Cacheu, junto ao tarrafo da margem. Legenda; A – Poço(resguardado com chapa balística); B – Peça Oerlinkon; C – Tarrafo; D – Casa do leme; E – Bote de borracha; F – Porta de abater; G – WC. Foto da Revista da Armada, reproduzida com a devida vénia.

Fotos: © Manuel Lema Santos (2008). Todos os direitos reservados.


(Parte II) [Excerto]

por Manuel Lema Santos


Novo ataque e incêndio da lancha em 10 de Junho de 1968


No dia seguinte, a 20 de Dezembro [de 1967], equipas do SAO - Serviço de Assistência Oficinal e da secção de mergulhadores sapadores, rumaram para Ganturé embarcadas na LFG “Sagitário” com a finalidade de procederem ao salvamento da LDM 302. Aquela unidade naval, conjuntamente com a LFP Canopus, garantiram apoio próximo e também escolta ao rebocador “Diana".


Reposta a lancha a flutuar e ainda sob escolta da mesma LFG, foi rebocada para Bissau, onde subiu o plano inclinado no dia 23. Os trabalhos de reparação prolongaram-se até 6 de Janeiro do ano seguinte [, 1968].

Dia de alegria e também de orgulho para toda a equipa, foi aquele em que a LDM 302 içou à popa a bandeira nacional e recomeçou a navegar com nova guarnição, pronta para outras missões.

Entendeu o Comando da Esquadrilha de Lanchas que deveria regressar ao rio Cacheu, agora integrada na organização operacional do dispositivo de contra-penetração ali montado, a Operação Via Láctea, que viria a manter-se até final de 1971.

Seis meses depois do primeiro afundamento e exactamente no mesmo local, Porto de Coco, Tancroal, no dia 10 de Junho, descendo também o Cacheu, foi novamente atacada com canhão sem recuo, lança-granadas foguete, morteiros, metralhadoras pesadas e armas ligeiras, numa dura demonstração de poder de fogo do inimigo.

Apesar da reacção imediata da LDM 305, comandada pelo cabo de manobra Lobo que navegava nas suas águas, logo aos primeiros disparos do inimigo foi atingido mortalmente por uma munição de lança-granadas foguete o grumete artilheiro António Manuel. Outro projéctil idêntico atingiu o escudo da Oerlinkon, fragmentando-se em numerosos estilhaços que feriram com gravidade, no tronco e nas pernas, o marinheiro artilheiro Manuel Luís Lourenço da Silva.

Mesmo ferido, continuou o artilheiro a fazer fogo sobre o inimigo, até que uma granada de morteiro deflagrou no poço da lancha, ateando um incêndio que se propagou à cobertura do poço e ao bote de borracha, provocando tal fumarada que o forçou a abandonar o posto da peça.

Ajudado pelo marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, lançou o bote à água, fazendo o mesmo com o depósito de gasolina, pelo perigo que constituía. Colocaram o camarada já sem vida à popa, a salvo das chamas, voltando seguidamente à peça e continuando a fazer fogo até calar o inimigo.

O incêndio já tinha tomado proporções alarmantes estendendo-se a toda a lancha e o patrão, cabo de manobra Francisco Pereira da Silva, resolveu abicar à margem Norte. Saltaram então para a água e nadaram para terra conseguindo atingir o tarrafe.

A LDM 305, que não fora atingida, aproximou-se do local, embarcou todos os elementos e seguiu para Ganturé, onde o patrão da lancha, em estado de choque e o marinheiro artilheiro ferido, foram evacuados de avião juntamente com o corpo do artilheiro morto em combate.

No dia seguinte, a “302” que continuava a arder, foi rebocada pela “305” para Ganturé, onde mais uma vez a equipa SAO e uma equipa de mergulhadores sapadores, com guarda montada por um destacamento de fuzileiros especiais, a conseguiram repor em condições de ser rebocada para Bissau.

Apoio próximo dado pelas LFP Canopus e LFG Orion, tendo esta última procedido ao reboque da lancha até Barro, continuado depois pelo rebocador Diana até Bissau, com escolta daquela LFG.

Além dos elementos referidos, faziam igualmente parte da guarnição da LDM 302 o marinheiro telegrafista António Marques Martins e o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira.


... e novamente recuperada, já não voltou ao Cacheu!


Em 26 de Julho voltou a subir o plano inclinado donde saíra quinze dias antes, mantendo-se ali em reparações até 10 de Novembro [de 1968], data de aprontamento para regressar às habituais fainas.

Sabido que, na generalidade dos casos, os marinheiros são supersticiosos, não seria de estranhar que as guarnições da LDM 302 fossem sedimentando a convicção de que a lancha não se dava bem com os ares do Cacheu.

Compreensivelmente, o Comando da Esquadrilha de Lanchas decidiu-se pelo não regresso da lancha àquele rio, atribuindo-a à TU4*, conjunto de unidades navais encarregadas de manter o dispositivo de contra-penetração no rio Grande de Buba e com as mesmas missões de sempre, ou seja, transporte de forças de desembarque, apoio de fogo em operaçoes militares e escoltas a combóios mercantes além de outras acções.

Já em 1969, pelas 11:30 horas do dia 18 de Fevereiro, quando navegava em missão de fiscalização, frente à foz do rio Uajá, afluente do rio Grande de Buba, foi atacada violentamente da margem esquerda com canhão sem recuo, lança-granadas foguetes e ainda metralhadoras ligeiras e pesadas.

Logo aos primeiros disparos, a cobertura da lancha ficou parcialmente destruída e foi ferido com gravidade o marinheiro artilheiro Dimas de Sousa Correia que, mesmo perdendo muito sangue, se manteve no seu posto de combate, disparando ainda quatro carregadores da Oerlinkon sobre o inimigo.

Talvez o seu sacrifício tenha evitado piores consequências ainda que, mesmo assim, registassem ferimentos ligeiros o marinheiro telegrafista, já mencionado em ocasião anterior, e o marinheiro fogueiro Custódio Mestre Paquete.

Houve igualmente um princípio de incêndio, originado por estilhaços dum projéctil de lança-granadas foguete que atingiu a cobertura do poço, mas foi rapidamente extinto.

O patrão da lancha era o cabo de manobra Manuel António Inácio, e ainda fazia parte da guarnição o marinheiro fogueiro Nogueira, numa prova evidente e confirmando o popular ditado de que não há duas sem três...

Depois de evacuados e substituídos os elementos da guarnição referidos neste combate, a LDM 302 continuou a cumprir as habituais missões no rio Grande de Buba.

Até ao final da sua vida operacional, nunca mais foi atacada a gloriosa e nobre LDM 302. Passou à situação de desarmamento em 27 de Julho de 1972, tendo sido abatida ao efectivo dos navios da Armada em 30 de Novembro desse mesmo ano.

Notável historial de uma pequena unidade da Marinha de Guerra, a roçar a ficção ou o lendário, não tivessem sido reais os combates travados e as baixas sofridas. Os elementos das sucessivas guarnições, sem excepção, honraram ao mais alto nível um dever pátrio, no cumprimento das missões de que foram incumbidos, pagando alguns deles com a vida, a dedicação, a determinação e o estoicismo.

Estarão sempre presentes na nossa memória! [...]

Fontes:

Arquivo de Marinha,
Revista da Armada nº 129 de Julho 1982,
Setenta e Cinco Anos no Mar, da Comissão Cultural de Marinha,
Anuário da Reserva Naval, de Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado Fuzileiros - Factos e Feitos na Guerra de África. de Luís Sanchez de Baêna

mls [Manuel Lema Santos]
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9000: Antologia (75): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (8): Ilha do Como, 15 de Março de 1964: E Deus desceu à guerra para a paz (Último episódio)...

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9975: Efemérides (101): Ataque ao navio Patrulha Hidra, dia 20 de Maio de 1973 (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma) enviou-nos o seu relato da emboscada perpetrada à LFG Hidra no dia 20 de Maio de 1973, no Norte da Guiné.


Navio Patrulha HIDRA navegando no Tejo
Com a devida vénia ao Blogue da Reserva Naval


ATAQUE AO NAVIO PATRULHA HIDRA

António Dâmaso

No dia 20 de Maio de 1973, depois da CCP 121 participar na Operação ”Ametista Real”, cerca das 19h30, não posso precisar a hora sei que era de noite, embarcámos em Ganturé, juntamente com alguns Comandos Africanos no Navio Patrulha HIDRA com destino a Binta, julgava eu que íamos regressar a Bissau.

Entrei à conversa com um camarada da guarnição 1.º Sarg. Artilheiro Joanás, fomos até uma salinha, depois de uma cervejinha bem fresca e de uma conversa, estávamos sentados e eu deixei-me vencer pelo sono, repentinamente cerca das 24h00, sou acordado com uma série de rebentamentos, o convés do navio tinha sido atingido*, havia granadas a arder (pólvora), tive a sensação que o paiol tinha sido atingido, mais tarde li algures que o que foi atingido foi um reservatório das peças Bofors de um dos canhões que equipavam o navio. O Joanás agarrou imediatamente num extintor, eu passei-lhe outro e com um em cada mão, apagou o incêndio naquele local, fiquei impressionado com a rapidez e destreza dele, não há dúvida que na Marinha, as guarnições dos navios estão muito bem preparadas para combater incêndios a bordo, quando vi as granadas incendiadas, fiquei com receio que estas rebentassem, o que teria acontecido se não tivessem sido extintas atempadamente.

A reacção ao ataque por parte da CCP 121 foi rápida e eficaz, dando origem a que os guerrilheiros do PAIGC tivessem desistido de mandar mais granadas para o convés do navio, porque se tivessem continuado, teriam provocado mais vítimas e estragos de maior monta, como era de noite não me apercebi bem dos efeitos do ataque, quanto à localização julgo ter sido na curva de Jugali.

De cada vez que eu tentava subir as escadas para o convés, aparecia-me um ferido que eu encaminhava para a enfermaria, tarefa dificultada por ser feita no escuro, isto repetiu-se várias vezes, um dos feridos era do meu pelotão, apontador do morteiro e ficou ferido num calcanhar. Recordo que no meio daquela confusão toda, alguém ter dito que faltava um Zebro (barco de borracha), chegamos a Binta na madrugada do dia 21. Pela manhã os feridos foram evacuados e nós lá ficamos, ao meu pelotão coube para alojamento um barracão de madeira junto do cais que ficava do lado esquerdo, Binta tinha sido em tempos um entreposto madeireiro.

Depois de ter desembarcado dei por falta de um rádio (banana), que só podia ter desaparecido no Patrulha, uma vez que tinha feito conferência de material antes de embarcarmos e o militar que o tinha à guarda foi ferido no ataque, como recebiam prémios por armamento ou equipamento, apreendido ou encontrado, mais tarde o rádio apareceu como tendo sido dado como achado por um Comando Africano na zona de Bigene.

À noite, estava a dormir, pelo quarto dia consecutivo, sou acordado com um ataque dirigido aos barracões, com lança granadas de foguete (RPG 2 e 7), vindo do outro lado do rio Cacheu, não ouve baixas mas além de termos ripostado ao ataque, tivemos de apagar um incêndio num dos barracões que ficava em frente ao nosso. Nesse barracão estava uma viatura carregada com caixões com destino a Guidage, os ataques já se tinham tornado uma rotina. Ainda ficamos em Binta mais um dia e uma noite, à espera de uma coluna de viaturas que viria de Farim com destino a Guidage.

Mais tarde quando me encontrei com o Joanás em Cacine, quando este andava a apoiar Gadamael Porto, disse-me que tinha sido louvado que a CCP 121 tinha tido uma citação elogiosa pela sua acção.

Um Ab
A. Dâmaso
____________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9972: Efemérides (66): Guidaje foi há 39 anos... A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando)

(*) Ver poste de 16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)

Em 20 de Maio de 1973 a LFG Hidra, frente à clareira de Jagali, a juzante da foz do rio Buborim, foi emboscada da margem Norte com RPG, armas ligeiras e morteiro 60 mm. O primeiro RPG deflagrou contra os cunhetes de munições da Boffors de vante, provocando rebentamentos e um grave incêndio, tornando a peça inoperativa. Reagiu de imediato e tudo acabou por se compor, não sem alguns estragos.

Foi elogiada a colaboração de elementos da CCP 121 e BCCmds (Baltalhão de Comandos) que, seguindo a bordo, conjuntamente com o navio, reagiram prontamente com o armamento de que dispunham. O resultado foram 3 feridos graves (Comandos) e 6 feridos ligeiros (Comandos, Paras e LFG).

terça-feira, 12 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

1. Segunda história de Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74.


INCÊNDIO NO RIO

Desconheço estatísticas referentes a acidentes ocorridos na Guiné, durante a guerra, nem mesmo o número de mortes que terá tido essa origem. Não sei mesmo se existe esse tipo de estatísticas.

Porém, quem por lá passou, está seguro que o número de acidentes foi significativo.

Se um militar limpa a G3 em posição de fogo e coloca a ponta do cano no sovaco é provável que, na melhor das hipóteses, nos meses seguintes, apenas consiga transportar a arma no ombro do sovaco oposto…

Se um operacional está de sentinela à porta de armas, dispõe de uma mesa para jogar sueca com os amigos, encosta ao pé da mesa a FBP (Fábrica Braço de Prata – extraordinária pistola metralhadora portuguesa que mesmo em posição de tiro a tiro constitui uma verdadeira surpresa, pois nunca se sabe se de lá vem uma rajada…) e vem um cão que a deita ao chão… aí está a referida rajada, que tem, na melhor das hipóteses, o efeito de fazer saltar das cadeiras os quatro parceiros de sueca para que possam dançar uma versão improvisada do kuduro

Se um atirador de infantaria está na praia a fazer treino de tiro, dispara um dilagrama (adaptação que permite lançar longe uma granada defensiva através da espingarda G3) a uma distância de três metros, é provável que todos os camaradas mergulhem para trás das três canoas gentílicas que estão por perto… a granada, na melhor das hipóteses, não rebenta… e não rebentou mesmo!... (às vezes os defeitos de fabrico até dão jeito!).

Negligência, distracção, inconsciência da juventude, factores incontroláveis, são, entre outras, razões justificativas.

Pesca artesanal no Rio Cacine


01 JANEIRO 1973

Dia de Ano Novo! Seria um dia igual a tantos outros passados no mato! Mas não o foi!

A tarde estava quente e húmida, como era habitual nesta altura do ano, a pele mantinha-se permanentemente pegajosa e a melhor solução era estar na água ou muito perto dela!

Cacine era frequentemente visitada pela Marinha, que patrulhava o rio, permanecendo vários dias e ancorando ao largo, mesmo em frente do aquartelamento!

Eram dias que permitiam também algum convívio Exército - Marinha, com jogos de futebol em que a discussão e rivalidade Sporting - Benfica pouco tinham de comparável, tal era o entusiasmo gerado!

Os almoços, ora no exército, ora nos barcos da Marinha, ocorriam, pelo menos uma vez em cada visita!

Uma amizade forte caracterizava esta relação!

Neste 1.º de Janeiro de 1973, uma LFG (Lancha de Fiscalização Grande) - não querem que seja capaz de dizer o nome, 36 anos depois, pois não? Ainda bem!... - Ou seria uma LDG (Lancha de Desembarque Grande)? Talvez a “Montante”!... Talvez a “Bombarda”!... Seja, portanto, a LFG que terminava a missão em Cacine e voltava a Bissau!

Uma boa oportunidade para uma despedida adequada!

Coincidência das coincidências!... Nesse mesmo dia estava planeada uma patrulha fluvial, pelo que alguns voluntários prepararam o respectivo sintex.

Importa dizer que a Companhia de Caçadores 3520 estava equipada com dois sintex, barcos em fibra de vidro, com motor fora de bordo, que dispunham de dois bancos longitudinais com capacidade para não mais de 10 pessoas.

Barco preparado, entraram a bordo, para além do necessário operador de sintex, três operacionais, devidamente fardados de calção e T-shirt e óculos escuros!

Transportavam, naturalmente, material de guerra diverso, nomeadamente, duas espingardas G3 (chegava e sobrava!), um depósito de combustível de reserva (não fosse a operação prolongar-se!), uma máquina fotográfica (imprescindível numa perigosa operação de patrulhamento!), cigarros SG Filtro e um isqueiro Ronson!

O material foi distribuído, depósito de combustível no chão, restante nos bancos, já que a lotação estava longe de esgotada!

Importa, contudo, e antes de mais, dizer que o território da Guiné é bastante plano, pelo que, na maré cheia, o mar entra pelos rios, provocando a inundação das margens pantanosas, submergindo uma significativa parcela do território – cerca de 8000 Km2 dos 36.000 Km2 que constituem a superfície da Guiné.

O Rio Cacine, bastante extenso e largo, obedece a esta realidade, com fortes correntes e margens pantanosas repletas de árvores anfíbias – o tarrafo.

O rio proporciona às populações ribeirinhas o enriquecimento da sua dieta com peixe (desconheço os correspondentes em português para as denominações em dialecto local, mas destaco uma espécie de tubarão, inofensivo, que, qual golfinho, costuma acompanhar os barcos!) e marisco (ostras e camarão).

Constitui ainda uma óptima via de comunicação, num território em que as estradas, no interior, eram, praticamente inexistentes.

Foi nesta importante via de comunicação que iniciámos o nosso patrulhamento, que deveria levar-nos a um dos seus inúmeros afluentes!

Mas antes disso, havia que acompanhar, por algum tempo, a LFG, rumo a jusante, o que constituía a nossa despedida!

Com quase todo o pessoal da Marinha no convés, e depois de algumas acelerações, abandonámos a LFG, que continuou a ser acompanhada pelos tubarões, e tomámos o caminho de montante, para procurarmos o afluente, objectivo da nossa patrulha.

Na confluência dos rios, e porque os preliminares haviam consumido bastante combustível, decidiu-se transferir alguma gasolina do depósito de reserva para o depósito do motor.

Operação complicada que provocou o transbordo de combustível para o fundo do barco!

Nem todos, porém, estavam atentos ao transvase, preocupando-se mais com as fotografias!

E se ao passatempo da fotografia associarmos o vício de fumar, que nem sempre mata, mas pode provocar prejuízos colaterais, temos os ingredientes suficientes para uma grande confusão!

Foi o que aconteceu!... O fotógrafo retira um SG, dispensa a utilização do Ronson, acende o cigarro com os seus fósforos - típico do crava – e atira o fósforo aceso para o fundo do barco. O calor e a ausência de qualquer aragem, provoca o imediato incêndio da gasolina que tinha transbordado para o fundo do barco!

Homens ao mar, melhor, ao rio, verifica-se então que o operador de sintex… não sabe nadar – como é possível! – um outro, nada apenas o suficiente para não se afogar e – haja Deus! – há dois bons nadadores!

A cena imediata é trágica e caricata, com o operador de sintex a agarrar-se a quem pouco sabia nadar até que, finalmente, os bons nadadores colocam alguma ordem na questão, fazendo agarrar os maus, ao próprio barco e à corda de atracagem!

O plano seguinte passava por fazer chegar o barco ao tarrafo, onde nos agarraríamos às árvores e esperaríamos que alguém fosse em nosso socorro!

Não estava fácil! Por muito que nadássemos, a corrente não permitia a mínima deslocação!

As chamas eram cada vez maiores! A gasolina dos depósitos, deixados abertos, começara já a arder! As munições da G3, por acção do fogo, rebentavam por todo o lado!

O receio de explosão dos depósitos – provavelmente, abertos não poderiam explodir – começou a pairar!

As chamas dificultavam já mantermo-nos agarrados ao barco!

Que iria acontecer?

De repente, vindos do nada, surgem dois zebros dos fuzileiros, que nos içam em peso, lá para dentro, que as forças já não davam para entrar de outro modo!

Salvos!

As chamas tinham sido vistas do quartel e, rapidamente, os fuzileiros, que tinham, nessa altura, aquartelamento em Cacine, colocaram os barcos no rio, e foram em nosso socorro!

Desta estávamos safos! Mas como iríamos justificar tanto material danificado ao Exército? O tio Jaime – amigo com influência em Bissau – resolveria mais essa situação!

Não houve apoio psicológico! O trauma foi grande e persistiu! Ainda hoje há quem não aprecie um calmo passeio à beira-rio.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde (1972/74)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia

terça-feira, 18 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2659: Histórias da Marinha (1): Um ataque à LFG Lira em 1967, em Cadique, no Rio Cumbijã (Manuel Lema Santos)


O NRP Lira - P 361, foi a terceira de seis LFG - Lanchas de Fiscalização Grandes, a ser construída nos Estaleiros Navais do Alfeite e a sétima de 10 idênticas, pertencentes à mesma classe Argos. Foi aumentada ao efectivo dos navios da Armada em 19 de Junho de 1964.
Montou chapa balística de protecção, de 1/4 de polegada, na ponte e no costado, na zona da casa das máquinas. A LFG Lira deixou Lisboa em 1 de Outubro com destino a Bissau onde chegou a 13 do mesmo mês, depois de ter escalado os portos do Funchal, S. Vicente de Cabo Verde e Praia. Na Guiné, desempenhou missões de simples cruzeiro, patrulha, fiscalização, transporte de fuzileiros e de militares de outros ramos das FA, incluindo feridos e prisioneiros, tendo participado em diversas operações naquele teatro de guerra. Esteve iualmente empenhada em escoltas à navegação comercial e transportes de tropas, apoio à oceanografia com colocação de bóias e reparação de marcas. Foi abatida ao efectido dos navios da Armada em 30 de Setembro de 1975, em Luanda. Efectuou na totalidade, entre 1964 e 1975, cerca de 7.817 horas de navegação.
Fonte: Foto e legenda > Blogue do Manuel Lema Santos, 8º CEORN - 1965 > Reserva Naval > 30 de Setembro de 2006 > NRP Lira (com a devida vénia...)

1. Mensagem do Manuel Lema Santos,

Assunto - As LFG da Classe Argos e os Comboios do Cumbijã


A todos os tertulianos,

Não resisto a enviar um apontamento do que foi a vida das LFG da classe Argos, desde finais de 1963 e até meados de 1968, nas temíveis passagens mensais do rio Cumbijã, frente ao Cantanhez. Com periodicidade mensal, rara era a vez em que os comboios não eram atacados, de forma mais ou menos intensa, em toda a frente compreendida entre a foz do rio Cobade e o porto-cais de Impungueda que servia Cufar, especialmente nas zonas de Catesse, Darsalame, Cafine, Cafal Nalu, Cafal Balanta e Cadique (1).

No pequeno exemplo inserido no blogue [ Reserva Naval] [...] , pretendi incutir apenas uma ideia facilmente compreendida por quem os visita, omitindo voluntariamente alguns pormenores da estratégia naval global que tornariam pesada a apresentação. Todas as LFG passaram por situações idênticas no Cantanhez e algumas - não sei exactamente quais - chegaram mesmo a aportar a Bedanda, caso da LFG Orion.

Blogue Reserva Naval > 15 de Março de 2008 > Guiné, 1967 - Rio Cumbijã: Um ataque à LFG Lira em 4 de Abril de 1967

(....) "Estas linhas são editadas como uma singela homenagem a todos as guarnições de LFG’s, LDG’s, LFP’s, LDM’s, DFE’s, CF’s, que durante anos, nunca deixaram de abastecer os aquartelamentos que disso dependiam ainda que para isso fosse necessário enfrentar o temível Cantanhez. Em todas aquelas unidades a Reserva Naval da Marinha de Guerra esteve sempre presente.

"Homenagem extensiva aos aquartelamentos de Catió, Bedanda, Cufar, Cabedu, Cacine e Gadamael que sempre nos apoiaram e receberam com Camaradagem e Amizade, sem esquecer igualmente a Força Aérea que representou, muitas vezes, a diferença decisiva entre o combóio passar ou não" (...). (2)


Um abraço para todos,

Manuel Lema Santos

_________________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)


(2) Excerto do artigo do nosso camarada Manuela Lema Santos, com a devida vénia (recomenda-se a leitura do original, enriquecido com fotos e um ficheiro de som):


(...) "Naquele dia, 4 de Abril de 1967, cumprida a rota de ida sem incidentes, iniciou-se então a viagem para juzante, em postos de combate, com o apoio da aviação, rumo à confluência dos rios Cumbijã e Cobade, comboiando duas embarcações civis carregadas com arroz proveniente de Bedanda.

"Tanto embarcações civis como unidades navais navegavam estrategicamente em coluna com uma LDM na testa e a outra na cauda, aproveitando a maré na vazante com os batelões encaixados a meio da coluna. Cada uma das embarcações civis levava uma guarda de fuzileiros constituída por 4 elementos. Comunicações em cima.

"A LFG 'Lira', em cruzeiro na área e vinda do rio Cacine para o Cumbijã para apoio e escolta ao comboio, mantinha-se interposta entre a cauda do comboio e a margem, ligeiramente caída para ré. Com cerca de um quarto de hora de navegação, para jusante, ouviu-se fogo de rajada de metralhadoras ligeiras da margem esquerda.

"A LDM da frente informou serem de flagelação inimiga pela amura de BB, sem que fosse possível localizar correctamente a origem. Foram dadas instruções para manter o silêncio de fogo para que, visualmente, fossem melhor localizadas as armas, pela chama à boca, evitando manobras de diversão do inimigo com o intuito de desviar a atenção do centro de fogo principal, instalado mais a montante. O desenrolar dos acontecimentos veio corroborar a hipótese.

"Pelas características hidrográficas do rio Cumbijã, na curva frente a Cadique, delimitando um estreito canal de navegação existente, o comboio via-se forçado a navegar a uma distância de 30 a 40 metros da margem.

"Precisamente nessa zona, numa extensão de cerca de milha e meia, foi desencadeado violento ataque. Quando a zona provável de origem da flagelação se encontrava no enfiamento do través do navio testa, toda a margem, numa vasta extensão de cerca de 600 metros que abarcava todo o comboio, irrompeu num fogo intenso de armas, com metralhadora pesada e ligeira, pistolas-metralhadoras e bazucas visando, sem distinção, todas as unidades do comboio.

"Quase de seguida, foi desencadeado ataque de morteiro com salvas contínuas de projecteis, algumas com o tiro bem regulado, outras com enquadramento sistematicamente longo, com as granadas a deflagrar para lá de meio do rio.

"As unidades navais reagiram instantaneamente e, em conjunto, bateram sistematicamente com Bofors, Oerlinkon e MG 42 toda a área de ataque apoiadas pelos aviões T-6 que sobrevoavam a zona, picando em sucessão e metralhando o local de ataque. A LFG, com máquinas a vante, toda a força, interpôs-se entre o comboio e o fogo, protegendo a coluna e batendo cadenciadamente a margem com as peças Bofors de 40 mm apoiadas pelas MG 42 montadas nas asas da ponte, pelo fogo das LDM’s reforçadas pelos fuzileiros.

"A cadência de fogo de barragem provocava um ruído ensurdecedor e obrigava a arrefecer os canos das anti-aéreas Boffors com as mangueiras de água ligadas. Os invólucros de latão espalhavam-se pelo convés junto ás peças de vante e de ré.

"Com alguma certeza e à medida que a navegação prosseguia, puderam contar-se diversas bocas de fogo de bazuca postadas ao longo do percurso, possivelmente actuadas por atiradores colocados em abrigos, bem como atiradores com armamento portátil.

"A intensidade de fogo e a extensão da frente inimiga permitiu estimar o grupo em mais de uma centena de homens, todos colocados junto à margem, deitados na bolanha ou em abrigos cavados. Observaram-se mesmo movimentação de alguns, dada a curta distância.

"De Cafal, quase simultaneamente, foi feito fogo de canhão sem recuo, embora apenas três ou quatro disparos e mal direccionados. O campo de tiro a partir daquela zona, não era tão afectado pela limitação natural provocada pela diferença de altura das marés. Seria possível vir a enquadrar, no mesmo enfiamento, todas as unidades que navegassem no local, para montante ou para juzante, oferecendo ao inimigo condições quase ideais para interditar a passagem à navegação.

"Provavelmente posicionado a cerca de 400 metros do comboio porquanto se ouvia distintamente o disparo, sentia-se o sopro do projécteis passando sobre as unidades para, decorrido tempo sensivelmente igual, rebentarem na margem oposta junto à agua, na bolanha.

"Na foz do rio Macobum, o comboio inflectiu o rumo para a margem contrária continuando a ser batido intensamente do lado de Cadique, sobretudo com metralhadora pesada e armas ligeiras, enquanto de Cafine rompia também fogo com armas automáticas e morteiro.

"Entretanto a LFG, ao chegar àquela zona inverteu o rumo e manteve-se frente a Cafine, a efectuar a cobertura de protecção do comboio, voltando a fechar a cauda da coluna, batendo sistematicamente as posições do ataque e calando o inimigo pouco depois.

"Tinha decorrido uma longa hora e um quarto, sem quaisquer baixas mas com diversos impates nas embarcações e nas LDM’s. Baixas prováveis no inimigo mas carecendo de confirmação".

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)

Guiné > Bissau > 1967 > Edifício do Comando de Defesa Marítima da Guiné, no final do T da ponte-cais, em Bissau.

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.



Texto de Manuel Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972), que serviu como Imediato no NRP Orion (Guiné, 1966/68)(1).

O editor do blogue publica o documento da íntegra, incluindo a segunda parte, constituída pelo relatório (oficial) da Operação Larga Agora: embora extenso, é um exemplo ilustrativo do estilo (burocrático) dos nossos relatórios militares. A II parte será publicada, à parte.

A I primeira parte resulta da apaixonada e apaixonante pequisa documental que o nosso camarada Lema Santos tem vindo a fazer feito sobre a actividade operacional, ou melhor, a epopeia das LFG - Lanchas de Fiscalização Grande, no TO da Guiné. Mais uma vez lhe agradeço, em nome de todos nós, este trabalho altamente profissional.

Recordo ainda que a Operação Larga Agora, na mítica região do Tancroal, foi superiormente comandado pelo Coronel Paraquedista Durão, Rafael Durão, que na Guiné, no tempo de Spínola, fez jus ao apelido. O Coronel D. é uma figura omnipresente, evocada com um misto de temor e de admiração no Diário da Guiné, escrito recentemente pelo nosso camarada António da Graça Abreu, o qual teve a gentileza de me enviar um exemplar autografado (Em breve farei uma recensão detalhada do livro) . O Coronel Durão era o Comandante do CAOP1 (originalmente sedeado em Teixeira Pinto), a que pertenceu o Alf Mil Abreu (1972/74)...(LG)


Caros ex- Camaradas e Amigos,

Comprometi-me, perdi (ou encontrei ?) um fim de semana e aqui vai o texto, bem longo, que se inicia no Cacheu, Tancroal (local amaldiçoado para a Marinha) e o regresso ao relatório final da Operação Larga Agora, inteiramente batido. Espero que corresponda aos mínimos exigidos aí pela equipa. Cortem e emendem o que entenderem.

Um abraço,
Manuel Lema Santos


Texto enviado em 11 de Março de 2007, pelo Manuel Lema Santos

Operação Larga Agora, apenas uma entre tantas! (Parte I)
por Lema Santos

...O juízo que cada um faça de si próprio perde-se na primazia do julgamento que outros lhe outorgarem... (Vice-Almirante Ferrer Caeiro, 1976).


Introdução

Permitam-me que inicie este texto complementar com a referência filosófica acima, extracto de um texto escrito pelo punho do homem e militar que, de 1964 a 1967, conduziu os destinos da
Marinha de Guerra na Guiné.

Acreditando, ele próprio, estar a desempenhar da melhor forma o que lhe era pedido e exigido, ao serviço da Marinha e do País, como homem e como militar e, neste caso pessoal invulgar, também como aviador, que escolheu ser. E fê-lo muito bem, em minha opinião. Com dignidade, determinação, competência e bom senso. Também com muita autonomia e responsabilidade assumida. Era assim necessário...

Não me alongarei em apreciações sobre estratégias e competências militares, individuais ou concertadas, porque mestre e juiz da arte militar não sou. Deixarei essa tarefa à Instituição Militar competente para o efeito, no caso dos militares dos quadros permanentes que optaram, pessoalmente, por essa carreira profissional.

Tão pouco me dispersarei em divagações económicas e político-sociais que apoiem ou justifiquem juizos de valor históricos desajustados, invariavelmente precoces, tentando correlacionar indevidamente o que não é relacionável no tempo. Acontecimentos históricos de contexto social, político e económico profundamente dispares resultam em conclusões sofismadas.

Com o decorrer do tempo, investigadores, historiadores e sociólogos iniciarão a tarefa que prevejo ser bem longa. Acredito sim, piamente, que a História não se esgota em embalagens hermeticamente fechadas, por época ou acontecimento. Há sempre lugar para mais um aditamento.

Pessoalmente, limitei-me, como oficial da Marinha de Guerra da Reserva Naval, a desempenhar como melhor pude e sabia, as funções que me foram cometidas e para as quais fui formado.
A imagem que dessa época guardo foi indelevelmente esboçada e gravada no meu espírito e sentir, pelos locais que percorri, acontecimentos que vivi e em que participei. Também, em grande parte, pela arte de comandar de quem me dirigiu e a minha própria sabedoria de o transmitir correcta e ajustadamente, nas decisões que tive de tomar, aos colaboradores que tive a honra de dirigir.

1. O Tancroal em Amostras

Para quem navegava na Guiné, em LFG como a Orion, o rio Cacheu, lá muito para montante, a juzante de Binta, significava pouco mais do que 60 a 80 m de largo, um misticismo sereno, água e muito tarrafo, mesmo muito, alto e frondoso.

A navegar de montante para juzante, depois de deixar para trás a foz do rio Olossato, o tarrafo que, enquanto alto e espesso, oferecia protecção natural, primeiro estreitava a largura da faixa de vegetação larga e densa mas depois acabava mesmo se interromper totalmente, deixando a descoberto lalas e palmeirais, numa extensão apreciável e sempre ameaçadora.

Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > A LFG Orion navega no Cacheu, entre a foz dos rios Talicó e Sambuiá, a montante de Ganturé.

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


Atingia-se assim, na região de Tancroal, em terra correspondente a Porto Batu, uma enorme clareira a bombordo para, ainda mais a juzante encontrar a Ponta do Pau e o respectivo porto.

A vulnerabilidade nestas condições era extremamente elevada, transformando o navio e outras embarcações que cruzassem aquela zona em alvos potencialmente fáceis de ser atingidos em emboscadas, muitas vezes ardilosamente montadas.

A passagem no local fazia-se sempre em postos de combate, o que significava cada elemento da guarnição no seu posto pré-definido, peças a fazer o varrimento da margem, concentração plena e dedos nos mecanismos de disparo. Quase sempre, alguns tiros de reconhecimento, na tentativa de prevenir e dissuadir alguma ameaça.

Reconheço que se fosse elemento IN e visse, próximo de mim, a pavonear-se à minha frente, mesmo nas minhas barbas, a transar, uma qualquer LFG com 42 m de comprimento e cerca de 10 m de altura a partir da linha de água, a tentação talvez fosse demasiado grande. A probabilidade de acertar era convidativa e, bom, se tivesse um RPG comigo...

Foi isto mesmo que sucedeu muitas vezes ao logo de 12 anos de guerra com ou sem operações Larga Agora. E volta que não volta, mesmo sabendo que as LFG navegavam com as anti-aéreas de 40 mm, as MG 42 e as ALG prontas a disparar e em companhia ou sós, com fuzileiros embarcados ou sem eles, candidatavam-se na mesma.

O prémio devia ser atractivo e, infelizmente para nós, foram várias vezes bem sucedidos, em alguns casos com perda de vidas e, noutros casos, com feridos graves, outras vezes ligeiros e ainda, em casos mais felizes, só sustos.

Por detrás de cada transporte civil, militar, fiscalização silenciosa, dia e noite, apoio a operações, escoltas a transportes, abastecimentos, evacuações e até partilha do que de bom havia num simples convívio, esteve sempre uma unidade da Marinha: LFG (Lancha de Fiscalização Grande), LDG (Lancha de Desembarque Grande), LFP (Lancha de Fiscalização Pequena), LDM (Lancha de Desembarque Média) ou LDP (Lancha de Desembarque Pequena) e, claro, os Fuzileiros.



Guiné > Bissau > LFG Orion atracada em Bissau. Visíveis na ponte, além de uma placa de honra do rio Cumbijã, o registo actualizado na altura, de ataques, impates e feridos
Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


De forma sucinta e discreta, prefiro-o, dou abaixo alguns exemplos da vida das gentes da Marinha que, muitas vezes na sombra e no isolamento de uma gaiola metálica, como as LFG e as LDG, ou em alguns casos autênticas caixas de sardinhas, as LFP e as LDM, silenciosamente, mas com determinação e eficácia cumpriram, até final, as missões para que foram nomeados:

– Em 27 de Abril de 1965, a LFG Orion, com a guarnição anterior à minha, foi a primeira a ser carimbada, com armamento ligeiro e metralhadora pesada. O resultado foi quase surpreendente pois 83 buracos de bala em todo o navio, sem acertar nos chocolates, foi obra! Mesmo assim, um marinheiro fogueiro, em dia de azar, ao subir para a ponte, acabou por ser atingido por uma bala de pesada num pé, na zona acima do artelho. Teve de ser evacuado.

– Em 4 de Agosto de 1966, novamente a LFG Orion foi atacada no mesmo local do Tancroal com armamento ligeiro e também com metralhadora pesada. Em resposta pronta e eficaz o navio silenciou o IN.

– Em 13 de Janeiro de 1968, a LFG Lira que escoltava a LDG Alfange, depois de ter transportado 3 companhias de FT de S. Vicente para Binta, foi violentamente atacada no Tancroal com RPG, sendo atindida na ponte e no rufo (cobertura) da casa das máquinas. O resultado, além dos estragos materiais, foi dramático: 1 morto e 8 feridos, alguns deles em estado grave, sendo 2 evacuados de helicóptero e 3 de Dornier.
Guiné > Bissau > A LFG Lira, já atracada em Bissau, ao lado da Orion, sendo bem visíveis, na ponte, os estragos provocados pelo rebentamento da granada de RPG, em chapa balística de 0.25 .

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.



– Em 2 de Março de 1970, a LFG Cassiopeia que acompanhava a LDM 305, foi atacada com morteiro, metralhadora pesada e bazooka, mais a juzante, próximo de Canja (Barro), junto à foz do rio Baião, numa pequena clareira. Inverteu a marcha e efectuou mais duas passagens, detectando as bocas de fogo e ripostando com as Boffors. Apenas alguns estilhaços atingiram o convés, nos rebentamentos junto à LFG.

– Em 20 de Maio de 1973 a LFG Hidra, frente à clareira de Jagali, a juzante da foz do rio Buborim, foi emboscada da margem Norte com RPG, armas ligeiras e morteiro 60 mm. O primeiro RPG deflagrou contra os cunhetes de munições da Boffors de vante, provocando rebentamentos e um grave incêndio, tornando a peça inoperativa. Reagiu de imediato e tudo acabou por se compor, não sem alguns estragos.
Foi elogiada a colaboração de elementos da CCP 121 e BCCmds (Baltalhão de Comandos) que, seguindo a bordo, conjuntamente com o navio, reagiram prontamente com o armamento de que dispunham. O resultado foram 3 feridos graves (Comandos) e 6 feridos ligeiros (Comandos, Paras e LFG).

- Em 5 de Agosto de 1973 as LDM 113 e 412, navegando em comboio de Ganturé para Farim, foram emboscadas violentamente no Tancroal com armamento diverso incluindo RPG. A LDM 113, que ocupava a 2ª posição na coluna, foi atingida por RPG em cheio no sector de ré, zona da cabine, toldo e convés. O patrão, Cabo M, teve morte quase imediata e o Mar C (telegrafista), gravemente ferido, veio a falecer no Hospital Militar de Bissau. Depois de reagirem aportaram a Bigene.

- Em 5 de Janeiro de 1974, a LFG Dragão, com as LDM 107 e 113, de braço dado, foram atacadas da clareira do Tancroal durante alguns minutos. A LDM 107, atingida com uma granada de RPG7 acima do convés, foi totalmente atravessada que ainda perfurou o costado da LFG. Mais 2 granadas de RPG atingiram a ponte da LFG e um terceiro destruiu as antenas de todas as unidades. Tiros de arma ligeira furaram a antena do radar. Estragos materiais enormes, 1 ferido grave (LDM 107) e 4 feridos ligeiros (LFG Dragão).

Guiné > Bissau > A LGF Lira > Os danos no convés, no rufo da casa das máquinas e nos botes de borracha dos FZ .

Foto: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


Os acontecimentos referidos têm como base relatórios oficiais e são resultado da pesquisa que tenho vindo a efectuar há cerca de dois anos sobre a vida operacional das 10 LFG da Classe Argos. Obviamente, limitei o número de relatos a alguns casos notáveis. Simplifiquei cada relato, reduzindo-o a uma curta descrição e apenas naquela zona.

De 1963 e quase até 1975, o dispositivo naval foi alterado por diversas vezes e relativamente ampliado. Grosseiramente, seria um exercício aparentemente simples extrapolar dos exemplos citados para toda a hidrografia da Guiné e para um dispositivo naval que nos anos 70 chegou a incluir 7 LFG, 8 LFP, 3 LDG, 8 LDP, 24 LDM, 5 DFE e 2 CF. Haverá, com certeza, muitos factos e acontecimentos para pesquisar e citar historicamente.

O meu sentido respeito e homenagem a todos os que lá foram caindo inutilmente, de um lado ou de outro, mas também aos que, acreditando poder modificar os acontecimentos, se bateram sempre por esse objectivo ainda que não o tenham conseguido. Uma referência especial, em nome do Vitor Junqueira, a todos os militares que participaram directa ou indirectamente na operação abaixo relatada (3), exemplo de muitas outras.
(Continua)

_____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
(3) Vd. posts de:

7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753 (Vitor Junqueira)

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1511: Uma lição de... marinha (Manuel Lema Santos)

Dois esclarecimentos do Manuel Lema Santos que, para nós, infantes, ignorantes dos outros ramos das Forças Armadas, são uma lição... Também aqui o saber não ocupa lugar. Obrigado, camarada!

1. Caro Luis Graça,

Será possível efectuares uma correcção simples?

No texto, quando escrevi "Chegou a estar prevista a montagem de MP na ponte mas não chegou a ser efectuada" escreveste Morteiro Pesado em vez de Metralhadora Pesada, o verdadeiro significado da nossa abreviatura.

Ainda foram efectuadas algumas experiências com morteiro 60 mm e até houve quem pedisse 82 mm mas a resistência da estrutura não era suficiente e a ideia foi abandonada.
Um abraço e um bom fim de semana.
Manuel Lema Santos


2. Meu Caro Luis Graça,

Começo por te responder à tua pequena chamada, não percebendo muito bem se o teu código de página ou o Outlook Express está com dificuldades digestivas...

Dentro de todos aqueles palavrões, usuais à época, avultavam os sonantes Ordop (Ordens de Operações), Perintrep , Sitrep (Relatórios de Situação) , Relins, Relabs (Relatórios Abreviados), etc. e mais um inumerável rol de palavras sonantes utilizados a nível de Estados-Maiores e que suponho terem como função simplificarem as comunicações. Alguns, eu próprio não os sei retroverter para qualquer coisa mais compreensível mas confesso-me despreocupado com a ignorância.

Nesses mesmos relatórios, mensagens e todo o tipo de comunicações abreviadas era usual o ML (metralhadora ligeira), o MP (metralhadora pesada), o LGF (lança-granadas foguete), a ALG (suponho que arma lança-granadas) e todo um inumerável conjunto de abreviaturas para o qual nem sei se existem algumas regras estabelecidas.

Mesmo em anexos de comunicações de operações era muito vulgar a atribuição de abreviaturas que simplificava a extensão das comunicações efectuadas. Suponho que seria idêntico em todos os ramos das FA (cá está outra abreviatura em que até já fui corrigido para FFA para não se confundir com Força Aérea) pois se assim não fosse teríamos a Torre de Babel. Não tens essa sensibilidade adquirida?

No caso da ALG, não corresponderia este nome aos dilagramas utilizados pelo exército?

Na prática e numa LFG, correspondia a uma G3 fixa num suporte próprio (reparo) ao lado da MG 42 da ponte, reparo esse dispondo de uma mola bastante forte para suportar o recuo provocado pela munição de salva. O dispositivo, com um sistema de guiamento tipo morteiro, encaixava no cano da G3 e na ponta estava fixa uma granada defensiva a que era previamente retirada a cavilha de segurança depois de presa no encaixe do dispositivo, próprio para o efeito. Ao efectuar-se o disparo - com um atilho próprio para protecção do dedo - a munição de salva projectava a granada à distância, já com a cavilha solta e com os efeitos posteriores óbvios.
Esta era sim, uma arma de tiro curvo para as margens mas com algumas precauções obrigatórias na utilização.

Quanto aos aspectos específicos que focas, respeitantes a navios, vou tentar ajudar numa perspectiva simplificada:

1 - Todos os navios de guerra ostentam no costado (casco) e nas amuras de bombordo e estibordo (os guarda-lamas da frente esquerdo e direito) uma letra (correspondente ao tipo de navio) e normalmente também no painel de popa (parte de trás ou ré) seguida de um número correspondente atribuído essa unidade fabricada.

Assim poderemos dar alguns exemplos: F de Fragata, P de Patrulha, M de Draga-minas, U de Submarino (U boat), CV de Porta-Aviões (aircraft carrier), A de Auxiliar (abastecimento, hidrográfico, etc.) LDG de lancha de desembarque grande, LDM de lancha de desembarque média e LDP de lancha de desembarque pequena.

Claro que na origem está a língua inglesa e, mais especificamente, a nomenclatura NATO.

Ainda outros menos frequentes, por exemplo os Couraçados - BB (Battle ships), os Cruzadores - CV (designando navios mais poderosos que as Fragatas) e os DD - Destroyers que nesta altura não fazem parte dos tipos de navios que integram a nossa Marinha de Guerra.

Há ainda mais tipos de navios mas referi os mais frequentes. Apenas a observação de que no caso das nossas LFG's eram todas P (as LFP's ainda com mais sentido por terem quase metade do comprimento) por pertencerem efectivamente à classe dos Patrulhas mas designadas Lanchas pela tonelagem não atingir as 250 t.

Já agora, completando o ramalhete das oito que passaram pela Guiné foram a Argos - P372, Dragão - P374, Escorpião - P375, Cassiopeia - P373, Hidra - P376, Lira - P361, Orion - P362, Sagitário - P1131.

Quanto a fotos pessoais, referes-te a Marinha ou vida civil? Tenho alguma coisa que terei todo o gosto em enviar-te.

Tenho algumas coisas em carteira para o blo9gue mas terei que as trabalhar alguma coisa primeiro.

Um abraço e um bom fim de semana para ti e família!

Manuel Lema Santos

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1509: Marinha: As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo (Manuel Lema Santos)

Guiné > 1966 > A LFG Cassiopeia entrando a barra do Rio Cacheu .

Foto: Lema Santos (2007) / Museu da Marinha

O Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972) serviu como Imediato no NRP Orio (Guiné, 1966/68) .

Fotos: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.



Mensagem do nosso querido amigo e camarada Manuel Lema Santos (1), o primeiro ex-oficial da Marinha a contactar-nos e a pedir-nos licença para entrar na nossa caserna (que era, até então, só de infantes). Nós recebêmo-lo de braços abertos e sempre concordámos com ele quando diz que história da guerra da Guiné (e do Ultramar, em geral) só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas. Pessoalmente tenho aprendido muito, com ele, sobre a Marinha, a nossa Marinha, e o seu papel durante a guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram). Aprecio nele o rigor do engenheiro, a determinação do investigador, a sua grande paixão pela Marinha e a sua sensibilidade humana e cultural, como pessoa, em relação aos outros. Consulte-se, por exemplo, a sua página pessoal na Net > Reserva Naval. É um privilégio tê-lo entre nós. (LG)


Caro Luis Graça,

Submeter-me-ei sempre aos teus ensinamentos como Sociólogo, área em que sou um leigo confesso e, complementarmente, seria impensável alhear-me do apreço e reconhecimento devidos à enormidade do tamanho dos teus ombros.

O simples facto de te lembrares permanentemente da Marinha é um sinal de algo e, de forma mais abrangente, um bom sinal de muita coisa possível, a esboçar mesmo um início de qualquer coisa inovadora que rasgue novos horizontes para a construção de uma mais articulada História da Guiné.

Pela parte do apelo que me toca, fico sensibilizado mas, considerando apenas a Marinha, a dimensão do trabalho de pesquisa e recolha que envolve a tua gigantesca tarefa, tem de passar muito para lá de colaborações fortuitas, ainda que grasse entre todos os tertulianos marinheiros, e estes são tão poucos, a maior boa vontade em conhecer, participar e relatar de formas interessantes, diferentemente personalizadas e com alguma exactidão factos em que directa ou indirectamente participaram.

Como repetidamente tenho afirmado e, fá-lo-ei sempre com a mesma convicção, não acredito ser possível interpretar e compreender política, económica e socialmente aquela dúzia alargada de massacrantes anos - e será alguma vez possível? - enquanto não se iniciar a articulação sistemática da participação dos três ramos das Forças Armadas nos principais acontecimentos ajudando a lembrar e reconstruir a memória de cada um deles de forma individualizada e como parte de um todo.

E digo de um todo que vai levar muitos anos a construir, muito para lá da nossa efémera opinião e até existência.

Se assim não for, será superficial e passaremos a dispor de um interessante conjunto de relatos de jogos diferentes, com equipas diferentes e em que até o resultado final também será diferente.

Enquanto estiver convencido da necessidade de disponibilizar alguma da minha capacidade na ajuda a esclarecimentos de facto, ainda que aos poucos de cada vez, terei de me cingir a seguir os caminhos óbvios que a minha sensibilidade e conhecimento apontam: pesquisar, documentar e ilustrar se possível sobre determinado acontecimento e, só então, relatar e divulgar.

Nunca de forma definitiva porque o própio conceito de História o não permite mas, cometendo erros da mesma forma, terei efectuado um percurso mais correcto no sentido de os evitar ou minimizar a sua importância.

Dificuldades em situar, com precisão, os acontecimentos no tempo


Não consigo uma ajuda imediata na questão que me colocaste por vários motivos (2):

– Antes de me abalançar a efectuar considerações sobre os acontecimentos relatados tive o cuidado de ler todos os posts anteriores do camarada Mendes Gomes que, com alguma fluidez de escrita, procede a relatos diversos e interessantes de acontecimentos havidos com a CCAÇ 728 que, só no final do tempo de comissão, tem alguma coincidência com o meu tempo de permanêmcia na Guiné.

– Senti claras dificuldades em situar os relatos no período de tempo referido - 1964 a 1966 - sobretudo no que diz respeito à referenciação no tempo. Notei alguma ausência de datas, dias e meses que permitam a localização de alguns dados importantes. Sabemos todos da dificuldade de retenção deste tipo de dados na memória mas algum elemento perdido com algum esforço adicional ajudaria ao esclarecimento de um percurso.

– Nestas situações há que voltar voltar criticamente ao desernrolar dos relatos e que me seja desculpada a minha ausência de coragem para, nesta altura do campeonato, estar a passar o corrector sobre passagens de artigos de alguns camaradas que com maior ou menor dificuldade aqui vêm expor relatos, opiniões e muitas vezes, afectividade e sentimentos.

– Confesso que me foi impossível nas tentativas efectuadas qualquer relacionamento directo entre os factos relatados e o meu tempo de permanência na Guiné de Maio de 1966 a Abril de 1968 como imediato da LGF Orion. Mesmo relativamente a um trabalho de investigação e pesquisa que mantenho em curso sobre todas as LFG e de 1963 a 1975, o tempo de vida ao activo daquelas unidades navais, nada consegui apurar.

– Na época referida e reporto-me a 1966, encontravam-se na Guiné as LFG (Lanchas de Fiscalização Grandes) Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário e das LFP (Lanchas de Fiscalização Pequenas], a Bellatrix, a Canopus e a Deneb. Ainda a considerar as LDG (Lanchas de Desembraque Grandes) Alfange Montante e, de maior porte, a FF Nuno Tristão (que anteriormente tinha participado na célebre Operação Tridente) e o NH Pedro Nunes (navio em Missão Hidrográfica) (3).

– As bacias hidrográficas dos Rios Cacine e Cumbijã tinham permanentemente uma LFG em cruzeiro e por períodos de 10 a 15 dias, tempo de autonomia aceitável para o conjunto de condições a satisfazer. Durante esse cruzeiro era quase certa uma ou duas deslocações ao rio Cumbijã, a Norte do rio Cacine, para apoio aos comboios de LDM e batelões das casas comerciais que efectuavam o abastecimento e transporte de pessoas e bens para Catió, Bedanda, Cabedú e Cacine. No percurso inverso efectuavam, do mesmo modo, o escoamento de produtos agrícolas, essencialmente o arroz e mancarra.

As especificidades e limitações dos nossos meios navais

- A protrecção e escolta no percurso do Rio Cumbijã fazia-se em condições de notável dificuldade e de elevado risco. As flagelações hostis por parte do IN à época eram quase sistemáticas e com diverso tipo de armamento. Faziam-no da Mata do Cantanhez no percurso entre a marca Almirante, início da formação do combóio, na foz do rio Cumbijã e a foz do rio Macobum depois de deixar para trás a foz do Cobade. As LFG's em conjunto com a LFP e as LDM ripostavam com o armamento disponível e já largamente referenciado em posts anteriores. Esta situação, manteve-se até ao 2º semestre de 1968, altura a partir da qual alguns aspectos estratégicos sofreram profunda alterações.

– As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo; apenas pontualmente foram efectuadas experiências com Morteiro e com ALG. Esse facto sempre constituiu um problema porque sendo as Boffors de 40 mm, peças de fogo anti-aéreo, apenas efectuavam tiro tenso, em linha recta que auto-deflagravam por gravidade quando iniciavam a trajectória descendente, mas nunca em tiro próximo. Chegou a estar prevista a montagem de MP [Metralhadoras Pesadas] na ponte mas não chegou a ser efectuada.

– Não tenho conhecimento de qualquer acção como a referida mas, com elementos mais precisos, é possível uma pesquisa mais pormenorizada em que colaborarei depois de me serem facultadas algumas informações suplementares, sobretudo datas.

– Admito ainda ser possível, com alguma facilidade e a alguém menos conhecedor de navios de guerra, confundir perfis de unidades navais a alguma distância.

– Nesta altura já procedi à leitura do articulado enviado pelo Pedro Lauret (2) que reputo de inteiramente correcto.

Um abraço,
Manuel Lema Santos
Ex 1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion 66/68

_________________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

Vd. também o seu último post: 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

(2) Vd. posts de

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha


(3) Vd. posts:

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > O Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73), a navegar no Cacine. Em segundo plano, o comandante Rita.

Depois de ter completado o Curso de Marinha na Escola Naval (1967/71), o Pedro Lauret foi promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971, tendo embarcado para a Guiné, em Setembro de 1971. Aí exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion. Na sua comissão na Guiné (1971/73) exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós).

Foto: © Pedro Lauret (2006).Direitos reservados.

1. A propósito da última crónica do nosso Palmeirim de Catió (1), mandei aos nossos dois marinheiros, Manuel Lema Santos e Pedro Lauret, o seguinte SOS, com pedido de esclarecimento:

Queridos marinheiros: Peço para darem uma vista de olhos a esta crónica… O nosso Palmeirim troca o Cumbijã pelo Geba e as LGF pelas corvetas… Fiz a devida correcção… Mas queria a vossa douta opinião… E depois a Marinha a matar os nossos infantes, também não é coisa que se faça… Aconteceu, podia acontecer… (?). Saudações, com água doce e salgada. Luís

2. A resposta do Pedro Lauret (2) foi gentilíssima e célere. Aqui fica:

Caro Luís,

Não tenho conhecimento do episódio que é narrado, nem sequer tal assunto foi ventilado no tempo da minha comissão. De qualquer forma vou tentar investigar o que aconteceu para depois vos comunicar. Talvez o Lema Santos, que fez a sua comissão antes de mim, tenha ouvido falar no incidente.

Tenho alguma dificuldade em perceber a situação operacional que poderia estar por detrás de tão grave incidente. As LFG estavam armadas com duas peças Bofors de 40 mm, peças anti-aéreas, de ritmo de fogo de 120 munições por minuto. Como peças anti-aérea estavam preparadas para efectuar tiro tenso, ou seja, para aproveitar utilmente a parte rectilinea inicial da trajectória. O tiro contra-costa fazia-se sobretudo tudo em situações defensivas, com o IN à vista - tiro contra as margens ou para o orla da mata em clareiras.

Não possuíamos mecanismos de tiro contra alvos fora da visão directa dos apontadores. Ou seja, não havia condições para, de forma útil, efectuar tiro contra alvos fora do alcance visual, ou seja, tiro curvo. Nem as peças estavam vocacionadas para tal fim. Só seria possível se dispusesemos de uma direcção de tiro que permitisse posicionar as peças relacionando o movimento do navio, as coordenadas do alvo e os elementos de tiro.

Tanto quanto sei, quando foi necessário efectuar tiro contra costa foram utilizadas as peças de fragatas, no início da guerra, por exemplo na Operação Tridente [, na Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964] ou posteriormente e raramente a peça de 120 mm do Navio Hidrográfico Pedro Nunes.

Acidentes numa guerra como foi a da Guiné existiram e não é de admirar, a proximidade dos combatentes era grande e as comunicações nas nossas FA nunca foram o seu forte!!! Numa operação em que estão envolvidos muitos meios, a coordenação deve ser perfeita, caso contrário os acidentes são inevitáveis. Todos estamos lembrados do Vietname e mesmo agora no Iraque.

Basta por vezes um conjunto de circunstâncias se conjugarem para o acidente ocorrer, por exemplo, o meu navio [, a LFG Orion,] foi uma vez flagelado pela artilharia de Binta.

Recebemos uma mensagem, ao fim do dia, para apoiar Binta que estava a ser flagelada com grande intensidade. Subimos o rio e um pouco a montante da clareira do Tancroal, vimos claramente as saídas do IN. Abrimos fogo intenso tendo calado aquele grupo atacante.

Em Binta o pessoal ouviu rajadas e uma chuva de tracejantes pouco habitual que presumiu ser do IN e abriu fogo. Fomos contemplados com uma salva de obus (salvo erro, de 14), que rebentaram na margem muito próximo de nós, com uma imponência de pôr em sentido o mais valente marinheiro. Suspendemos o tiro continuamos a subir o rio em direcção a Binta sem mais qualquer incidente.

Um abraço
Pedro Lauret
Capitão de Mar e Guerra, na reforma,
antigo imediato do NRP Orion,
Guiné (1971/73)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

(2) Vd. também o último post do Pedro Lauret: 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)