Foto de capa da página do Facebook do FAAT-Fórum Angolano das Autoridades Tradicionais (com a devida vénia...). A página foi criada em setembro de 2021 mas parece não estar ativa.
"Quimbo", no português de Angola, é o equivalente a tabanca (na Guiné): conjunto de casas que formam uma aglomeração rural (termo que vem do umbundo, kimbo).
1. Angola, a joia da coroa do "império colonial português", merece que o blogue da Tabanca Grande fale dela de vez em quando. Tem, de resto, mais de 600 referências... Afinal, fomos parar à Guiné...por causa de Angola!... E alguns
O tema de hoje, ainda em pleno verão (*), é sobre:
António Rosinha, Patrício Ribeiro, Fernando Ribeiro, Jaime Silva, João Rodrigues Lobo e "outros angolanos" da Tabanca Grande não precisam de ser convidados: a vossa experiência vivida de Angola dá-vos autoridade para "meter a vossa colherada" na discussão deste tema que também interessa aos "amigos e camaradas da Guiné"...
Sobas e Régulos: Autoridades Coloniais Locais, em Angola
António Rosinha, Patrício Ribeiro, Fernando Ribeiro, Jaime Silva, João Rodrigues Lobo e "outros angolanos" da Tabanca Grande não precisam de ser convidados: a vossa experiência vivida de Angola dá-vos autoridade para "meter a vossa colherada" na discussão deste tema que também interessa aos "amigos e camaradas da Guiné"...
É um tema da área da antropologia e da história da administração colonial... Alguns de nós, como eu, gostariam de saber mais. (**)
Havia uma diferença semântica e conceptual entre sobas e régulos, na Angola do tempo colonial. Embora muitas vezes fossem usados indevidamente como se fossem sinónimos. Não são sinónimos.
Na Angola do período colonial, os termos soba e régulo eram frequentemente utilizados para designar as autoridades tradicionais africanas, mas existia uma diferença fundamental entre eles, assente na origem da figura (e do vocábulo ) e na relação com a administração portuguesa.
Portanto, embora na prática um mesmo indivíduo pudesse ser um soba para o seu povo e um régulo para os portugueses, os termos carregam conotações e realidades políticas distintas que refletem a complexa e, muitas vezes, contraditória e tensa relação entre as autoridades tradicionais angolanas e o poder colonial português.
Na Angola do período colonial, os termos soba e régulo eram frequentemente utilizados para designar as autoridades tradicionais africanas, mas existia uma diferença fundamental entre eles, assente na origem da figura (e do vocábulo ) e na relação com a administração portuguesa.
Soba vem do quimbundo "soba"... Essencialmente, soba era a designação endógena e ancestral, enquanto régulo era a terminologia colonial que implicava uma integração no sistema colonial e nap subordinação ao poder português.
O soba era a figura de autoridade tradicional, um chefe que já existia nas estruturas sociais e políticas dos diversos reinos e povos de Angola muito antes da chegada dos portugueses.
O soba era a figura de autoridade tradicional, um chefe que já existia nas estruturas sociais e políticas dos diversos reinos e povos de Angola muito antes da chegada dos portugueses.
O seu poder emanava de linhagens ancestrais, do controlo da terra e de uma legitimidade cultural e espiritual reconhecida pela sua comunidade.
Os sobas desempenhavam um papel crucial na:
- administração da justiça,
- distribuição de terras,
- condução de rituais;
- defesa e segurança do seu povo.
A sua autoridade era intrínseca à organização social local. Existia uma hierarquia entre eles, com a figura do "soba grande", que detinha poder sobre um conjunto de outros sobas e sobados (territórios governados por um soba).
Por outro lado, sabe-se que em determinadas regiões de Angola há (ou havia no passado) um conselho de sobas que escolhe o soba: noutras a sucessão é (ou erra) realizada por linhagem em que o sobrinho, filho de uma irmã, toma(va) o lugar do seu tio por morte deste. Não sabemnos como as coisas se passam hoje, cinquenat anos depois da independência de Angola.
Por outro lado, o termo régulo, que deriva do latim regulu(m) (da palavra regulus, -i, rei jovem, rei de um pequeno estado) era a designação que a administração colonial portuguesa atribuía aos chefes locais que eram incorporados na sua estrutura administrativa.
Ao se referir a um soba como "régulo" (como , de resto, ainda vem nos dicionários portugueses!), o poder colonial não só traduzia a sua função para a sua própria compreensão hierárquica, mas também o diminuía simbolicamente, em termos de estatuto: de líder soberano tradicional, carismático, passava a "pequeno rei" subalterno...
A transformação de um soba em régulo ocorria, na prática, quando este passava a atuar como um intermediário da administração colonial. As suas principais funções enquanto régulos incluíam;
A transformação de um soba em régulo ocorria, na prática, quando este passava a atuar como um intermediário da administração colonial. As suas principais funções enquanto régulos incluíam;
- a cobrança de impostos:
- o recrutamento de mão de obra forçada (o "chibalo") (***):
- e a manutenção da ordem, de acordo com os interesses portugueses.
Em troca, o régulo podia receber certos privilégios ou "honrarias", como uma pequena remuneração, uniformes ou o reconhecimento e apoio militar da administração colonial contra rivais.
Na Guiné, uma das formas de captação das simpatias dos régulos, ainda no tempo do governador, gen Arnaldo Schulz, era a organização de viagens a Meca, a expensas do Estado português: vd. aqui imagens de Lisboa > Aeroporto > 1968 > Partida de régulos da Guiné para a peregrinação a Meca, depois de visita oficial a Portugal. Vídeo da RTP Arquivos (Noticiário Nacional de 1968 > 3 de março de 1968 > Preto e branco, duração 56 segundos. Sem som.)
É importante notar que nem todos os sobas eram régulos ou se tornaram régulos. Muitos resistiram à dominação portuguesa e foram, por isso, combatidos e, por vezes, substituídos por indivíduos mais dóceis à administração colonial, que eram então empossados como régulos.
Em suma, a principal diferença residia na origem e na legitimação do poder:
É importante notar que nem todos os sobas eram régulos ou se tornaram régulos. Muitos resistiram à dominação portuguesa e foram, por isso, combatidos e, por vezes, substituídos por indivíduos mais dóceis à administração colonial, que eram então empossados como régulos.
Em suma, a principal diferença residia na origem e na legitimação do poder:
(i) Soba:
- termo de origem africana, já existente antes da colonização;
- designava um líder com autoridade tradicional e legitimidade interna na sua comunidade ou grupo étnico, anterior e, em muitos casos, independente do poder colonial;
- o cargo era hereditário e estava ligado às tradições, linhagens e rituais locais;
- tinha funções políticas, jurídicas (resolução de conflitos), espirituais e sociais, sendo uma figura central na organização das comunidades.
(ii) Régulo:
- termo de origem portuguesa (também se usava na Guiné e em Moçambique);
- derivado de regulu(m) e usado em contexto colonial para traduzir ou reinterpretar a figura dos chefes locais africanos;
- designava um líder local a quem a administração colonial reconhecia e delegava certas funções, inserindo-o na sua estrutura de poder e tornando-o, na prática, um funcionário subalterno do Estado colonial;
- não era necessariamente o mesmo que o soba, mas no terreno, muitas vezes, os colonizadores usavam o termo para designar esses chefes;
no fundo, era uma categoria administrativa colonial.
o Estado colonial reconhecia oficialmente alguns chefes como régulos e subordinava-os à sua hierarquia, atribuindo-lhes funções de autoridade local no quadro da administração indireta.