Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70] > Foto nº 11 > Legenda: 1 – Estrada para Bambadinca, logo a seguir à rotunda; 2 – A minha casa; 3 – A casa e restaurante do Sr. Teófilo.
Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.
1. Texto do Manuel Mata, com data de 29/3/2006, publicado na I Série (*):
Caro Luís Graça:
Volto à questão do Teófilo ser ou não um presumível informador... da PIDE/DGS (**). Não creio!... Com o devido respeito, e que me perdoe a família por estar a referir o seu nome e passagens do meu convívio com o seu familiar, mas são memórias de uma época que gosto de partilhar embora com alguma imprecisão, já que vão decorridos 36 anos, e os neurónios por vezes já não respondem a 100%.
O Esq Rec Fox 2640 [, Bafatá, 1969/71] tinha um sistema rotativo do serviço de vagomestre, à messe de Oficiais e de Sargentos. No mês que coube ao 1º Srgt Mecânico (já falecido), as refeições ao longo das primeiras semanas foram quase sempre à base de peixe do rio, pescado na zona de Sonaco, a nordeste de Contuboel.
Eu levava granadas defensivas ou ofensivas que eram posteriormente justificadas em combate, questão que o 1º Sargento resolvia para que eu não tivesse problemas com o Comandante do Esquadrão. Lá seguíamos nós (ele, a esposa, o filho de 3 a 4 anos de idade e eu por vezes), numa Peugeot de caixa aberta e, chegados a Sonaco, dois Guineenses com canoas conduziam-nos pelo Rio...Granada aqui, granada acolá, lá vinha o peixe à tona da água, mergulhava um dos guias para apanhar o peixe...
Um certo dia, o pessoal do Esquadrão já estava saturado... O Comandante, Capitão Fernando Vouga, mandou que se atirasse tudo ao lixo e exigiu cabrito para o almoço. E assim foi! Nesse mesmo dia, passei pelo café do Teófilo, fez-me logo o comentário:
– Então, o mecânico não se contenta só com o que rouba ao civis na reparação das viaturas!? Vai pagar tudo!
O Esquadrão teve em determinada altura algumas armas de caça automáticas, de cinco tiros, que o pessoal podia requisitar para os seus tempos de lazer. O 1º Srgt mecânico era um dos elementos que as utilizava para a caça nocturna.
Uma noite, em que por casualidade o não acompanhei, foi coadjuvado pelo 1º Cabo Cozinheiro, cerca das 24 h, ao tentar regressar à viatura com o carregamento de lebres, o guia diz estar desorientado e não saber onde se encontrava a carrinha. O sargento deu-lhe algum tempo para se orientar na mata. Este continuou a dizer que não conseguia ir ter à carrinha. O sargento apontou-lhe a espingarda à cabeça e disse:
– Ou encontras já o transporte ou disparo!
Uma noite, em que por casualidade o não acompanhei, foi coadjuvado pelo 1º Cabo Cozinheiro, cerca das 24 h, ao tentar regressar à viatura com o carregamento de lebres, o guia diz estar desorientado e não saber onde se encontrava a carrinha. O sargento deu-lhe algum tempo para se orientar na mata. Este continuou a dizer que não conseguia ir ter à carrinha. O sargento apontou-lhe a espingarda à cabeça e disse:
– Ou encontras já o transporte ou disparo!
O rapaz lá seguiu e, mal dada uma meia dúzia de passos, eis a carrinha à sua frente.
Guiné > Zona leste > Sonaco > Rio Geba > Bafatá > 1970 > Foto nº 1 > A pesca à granada... Na foto o Manuel Mata (à esquerda)
Foto (e legenda): © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona leste > Bafatá > 1970 > Foto nº 2 O milagre dos peixes...
Foto (e legenda): © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados
Posteriormente, passo pelo Café do Sr. Teófilo (parece que o estou a ver de bengala na mão, sentado na sua cadeira de braços, do lado esquerdo da porta do café)... Quando pus o pé no patamar, disse-me logo em voz baixa:
– Então o teu amigo mecânico ontem à noite ia ficando na caça?
Observei no mesmo tom:
– Como sabe? – Respondeu:
– Já te disse que sei tudo – e acrescentou:
– Então o teu amigo mecânico ontem à noite ia ficando na caça?
Observei no mesmo tom:
– Como sabe? – Respondeu:
– Já te disse que sei tudo – e acrescentou:
– Não perde pela demora!
Semanas mais tarde, estando o 1º Sargento em casa, entre as 21 e as 23 horas, de um determinado dia, bateram-lhe à porta dizendo:
– Foge com a mulher e o menino, eles vêm para te matar!.
– Foge com a mulher e o menino, eles vêm para te matar!.
Não foi por o Teófilo ser um presumível informador da PIDE/DGS, como se dizia, mas por haver fortes duvidas, quanto à sua ligação ao PAIGC, e ao mesmo tempo viver num bairro [, a Tabanca da Rocha,] onde viviam elementos do IN, que chegou a estar tudo de prevenção em Bafatá, com o material bélico apontado para a zona, incluíndo o Pelotão de morteiros sediado no Batalhão, para queimarem a área... Felizmente imperou o bom senso.
Não creio que o Teófilo fosse um informador [da PIDE/DGS] mas socorria-se desse subterfúgio para camuflar outras facetas.
Falando em PIDE/DGS, recordo um elemento que estava em Bafatá, muito activo, de quem não me recordo o nome, mas penso ser da área de Castelo Branco: conseguiu descobrir (sempre andando na sua bicicleta) onde o pessoal do IN se reunia numa tabanca próximo da Ponte Salazar, no Rio Geba. Várias vezes o vi fazer o percurso da pista de aviação com destino a essa tabanca. Certo dia comentei com o Teófilo esta situação. Resposta curta e directa:
– Esse não sai de cá com vida!
Algum tempo depois, na referida tabanca, o pessoal reunido, lá aparece o elemento da PIDE/DGS, deram-lhe tanta pancada que foi evacuado de helicóptero...Por sorte, passava nesse momento o jipe da patrulha, o que levou os agressores a fugir e a aparecer gente para socorrer a vítima.
Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
– Eu não te disse? Já pagou! – Acrescentei eu:
Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
– Eu não te disse? Já pagou! – Acrescentei eu:
– Sabe que o indivíduo já me tinha convidado para ingressar na PIDE/DGS, ele fazia-me o requerimento ao Director Rosa Casaco e eu quando regressase a Lisboa entrava logo ao serviço (claro não era serviço que se coadunasse com a minha forma de ser e de estar na sociedade)...
O Teófilo ficou furioso e fez o seguinte comentário:
– Esse porco já teve o que merecia!
Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
– A coluna que se realiza no dia x vai ser emboscada...
E era fatal como o destino. Quando foi o ataque a Bafatá, ele já o tinha previsto, umas semanas antes.
Manuel Mata [ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71]
2. Comentário de L.G.:
Manuel Mata: este teu testemunho é precioso... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS (ou que colaborasse com o PAIGC)... Além disso, o senhor já morreu e merece o nosso respeito.
Manuel Mata [ex-1º cabo, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71]
2. Comentário de L.G.:
Manuel Mata: este teu testemunho é precioso... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS (ou que colaborasse com o PAIGC)... Além disso, o senhor já morreu e merece o nosso respeito.
Ele, muito possivelmente, como outros velhos colons (na Guiné, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe...) deveria ser contra a situação (ou seja, o regime político então vigente desde 1926)... Só assim se explica que ele tivesse sido deportado para a Guiné no princípio dos anos 30, conforme a tua versão (e a versão que corria em Bafatá, no meu tempo)...
Nalguns sítios (como Bambadinca, que eu conheci melhor) havia a suspeita de os comerciantes locais serem também informadores da PIDE/DGS ou jogarem com um pau de dois bicos... Podemos perguntar hoje se, em contexto de guerra, ou contexto daquela guerra, eles tinham alternativa...
Eu penso que, aos olhos da tropa, isso deverá ter acontecido não só em Bafatá e em Bambadinca como noutras circunscrições e postos administrativos, naquelas ocalidades de maior ou menor importância onde ainda houvesse comerciantes (independentemente da sua origem, portugueses, caboverdianos ou libaneses)... Muitos dos nossos miliatares tinham esse preconceito ou estereótipo: comerciante ou era turra ou era informador da PIDE...ou até uma coisa e outra. Muitos de nós, em contrapartida, nunca puseram essa hipótese em relação a alguns dos oficiais que nos comandavam ou dos sargentos do quadro que comiam à mesa connosco e até acamaradavam connosco...
Quanto a esse história do agente da PIDE/DGS que levou porrada numa tabanca... .Ouvia-a eu, ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana (ou foi no café do Teófilo ?, não posso jurar): iam-lhe cortando o nariz, à dentada... Lembro-me de ouvir a conversa dele (eu, algo incomodado, com a presença dele e doutro agente, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)... O fulano – que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido imigrante, com os pais, na Alemanha – estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) não se podia fazer justiça por mãos próprias... Enfim, ainda bem que havia leis, havia tribunais, e estava em curso a política da "Guiné Melhor"...
Quanto a esse história do agente da PIDE/DGS que levou porrada numa tabanca... .Ouvia-a eu, ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana (ou foi no café do Teófilo ?, não posso jurar): iam-lhe cortando o nariz, à dentada... Lembro-me de ouvir a conversa dele (eu, algo incomodado, com a presença dele e doutro agente, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)... O fulano – que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido imigrante, com os pais, na Alemanha – estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) não se podia fazer justiça por mãos próprias... Enfim, ainda bem que havia leis, havia tribunais, e estava em curso a política da "Guiné Melhor"...
De qualquer modo, nunca cheguei a saber onde era a delegação da PIDE/DGS em Bafatá... Por outro lado, a sua colaboração com as NT (e vice-versa) era considerada, mais ou menos, como uma coisa normal...
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Notas do editor:
(*) Vd. I Série,poste de 29 de março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)
(**) Vd. último poste da série > 29 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12358: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (5): O café do sr. Teófilo (I Parte): um homem reservado, de poucas falas, e com um passado mal conhecido (Manuel Mata / Luís Graça / Humberto Reis / Maltez da Costa)