Guiné > Região de Quínara > Buba > Rebentamento de granada no Rio Grande de Buba durante um ataque IN (período 1968/1971 – CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892). Foto do ex-alf. Joaquim Rodrigues, in:
http://guine6871.blogspot.pt/ (com a devida vénia).
Infografia: Jorge Araújo (2018)
Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC NO ATAQUE A BUBA [12OUT1969]… E OS OUTROS QUE SE SEGUIRAM (AO TEMPO DA CCAÇ 2382 E DO PEL MORT 2138) - Parte II
por Jorge Araújo
1. INTRODUÇÃO
Este segundo fragmento relacionado com os dois ataques a Buba ocorridos no último trimestre de 1969 - o 1.º em 12 de outubro e o 2.º em 11 de dezembro - reforça o que, no entender dos responsáveis do PAIGC, foram os seus maiores fracassos registados durante o cumprimento do "plano de acções militares", elaborado para a região do Quinara e Tombali, executado com recurso a uma quantidade significativa de equipamentos de artilharia e com mobilização de um numeroso contingente de guerrilheiros de infantaria.
Esse "plano" (ou "programa"), para o qual foi concebido um calendário concreto, contemplava ataques a oito aquartelamentos das NT, que abaixo se identificam, com a primeira acção a iniciar-se em Buba e que, devido aos resultados desfavoráveis deste, foi entendido que se deveria realizar nova acção, com o segundo ataque a ser agendado para o final desta "campanha", a ter lugar no dia 10 de Dezembro de 1969.
Conforme já referido anteriormente (*), a decisão de escrever esta narrativa surge na sequência de uma investigação por nós realizada a propósito de uma foto de um «espaldão de morteiro 81», localizada no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa Comum – Fundação Mário Soares. Aí tivemos acesso, também, a um relatório dactilografado, formato A/4, com um total de vinte e três páginas, sem capa e sem referência ao seu autor, elaborado no seguimento "das operações militares na Frente Sul" [
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40082 (2018-1-20)], onde se referem os aspectos mais importantes anotados antes, durante e depois de cada missão, nomeadamente: efectivos, equipamento, desenvolvimento da acção e avaliação.
2. OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC EM 12OUT1969… E OS SEGUINTES…
Recorda-se que o primeiro ataque a Buba [12 de outubro de 1969] só foi concretizado depois de um longo período de minucioso reconhecimento sobre as melhores condições geográficas para a actuação da artilharia com três posições de fogo distintas. Por outro lado, esse reconhecimento previa também identificar as melhores vias de acesso para a infantaria e locais para a sua disposição, uma vez que iriam estar no terreno um universo superior a três centenas de combatentes, comandados pelo cap Pedro Peralta [cubano] e por 'Nino' Vieira.
Entretanto, durante esse reconhecimento, um grupo de guerrilheiros foi descoberto pelas NT, em 7 de outubro de 1069, quando o sentinela do Pel Mort 2138, colocado no posto de vigia junto à pista de aviação, detectou elemento IN nas imediações da pista. No dia seguinte (dia 8), na continuação do reconhecimento supra, um grupo IN accionou uma mina A/P reforçada implantada pelas NT junto ao cruzamento das estradas de Nhala e Buba (in: História do Pel Mort 2138, p3).
"Esta operação iniciou-se com um atraso de meia hora, devido a dificuldades na instalação dos canhões. Eram 17h30 quando o ataque se iniciou com fogo dos canhões B-10, que falharam os alvos, tendo apenas dois obuses atingido o quartel. O inimigo [NT] respondeu com um nutrido fogo de morteiros [Pel Mort 2138], canhões [2.º Pelotão/BAC], metralhadoras e armas ligeiras [CCAÇ 2382 (já com as 'malas feitas' para o seu regresso à metrópole) + Pel Milícia]. Além disso, unidades inimigas [NT] de infantaria cruzaram o rio [Grande de Buba], pondo sob a ameaça de liquidação do posto de observação, os canhões, em retirada, e os morteiros.
"Nestas condições, abortou a acção da artilharia, que teve que se retirar, sempre debaixo do fogo das [NT]. Como não actuou a artilharia, tampouco actuou a infantaria. Tivemos duas baixas na operação: dois feridos, um dos quais veio a falecer mais tarde. Além disso, temos a lamentar a morte de um camarada de infantaria, por acidente."
3. O SEGUNDO ATAQUE A BUBA EM 10 EM DEZEMBRO DE 1969… QUE PASSOU PARA O DIA 11 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO,
Desenvolvimento da acção: [conclusão]
Como tivemos a oportunidade de dar conta no texto anterior [Parte I – P18346], o início do ataque deveria começar com o disparo dos foguetões das peças GRAD, seguida dos morteiros 120 para permitir o assalto por parte das forças de infantaria [10 de dezembro de 1969]. Para garantir o cumprimento dos objectivos definidos para esta acção, a comunicação entre o posto de observação e a posição de fogo das peças de artilharia far-se-ia, pela primeira vez, através dos rádios [modelo] "104". Aconteceu, porém, que estes não funcionaram no momento em que devia iniciar-se o ataque pelo que foi decido adiá-lo para o dia seguinte [11 de4 dezembro de 1969], optando-se pela substituição dos rádios por telefones.
No dia seguinte, nova decisão de suspender o ataque devido a uma série de falhas nas instalações telefónicas e, mais tarde desistir da utilização da artilharia, dada a actuação independente da infantaria, com a qual, por falta de meios de comunicação, não foi possível combinar um outro plano em substituição do que estava previsto.
Deste modo, este ataque contou, exclusivamente, com o desempenho da infantaria, que teve o seguinte desenvolvimento:
Actuação da Infantaria
"A infantaria, que não actuou no dia anterior devido à suspensão da operação, seguindo novo itinerário, ocupou as suas posições para a acção do dia 11 [Dez'69]. Duas horas depois da hora estabelecida para a actuação da artilharia (que não actuou), a infantaria atacou com todas as forças de que dispunha: 4 bi-grupos com 6 RPG-7 cada, com 5 obuses cada, tendo o 5.º bi-grupo ficado de reserva. Não obstante a pronta e dura reacção inimiga [NT = CCAÇ 2616/BCAÇ 2892, companhia "piriquita" que havia chegado a Buba em 10NOV69, ou seja, um mês antes + Pel Mort 2138, cujas esquadras eram já muito experientes], com fogo de infantaria, canhões e morteiros, a nossa infantaria permaneceu durante 45 minutos colada ao solo, realizando 5 vagas de ataque durante esse tempo.
"Desconhece-se o número de baixas sofridas pelo inimigo [NT]. Várias casernas foram destruídas. Do nosso lado houve um ferido ligeiro."
Infografia: Jorge Araújo (2018)
4. AVALIAÇÃO (CONCLUSÕES)
Impressões Finais
A páginas 19 e 20 deste "relatório" do PAIGC encontramos uma avaliação ao modo como foram acontecendo os vários ataques previstos no "plano", e os diferentes factores que influenciaram o desenrolar das "operações".
Assim, quanto ao reconhecimento dos quarteis, é referido o seguinte:
1. O reconhecimento aos quarteis inimigos (NT) demorou bastante, já que teve de ser feito completamente novo. Em quase todos os sectores, nunca se tinha levado a cabo um trabalho do género, e portanto não se dispunha de dados concretos sobre as vias de penetração nos campos inimigos (para infiltração da infantaria) e sobre possíveis posições de fogo com as respectivas distâncias (para a artilharia), já que dispomos de poucos mapas.
2. Quanto à questão do equipamento.
Fez-se sentir bastante agudamente a falta de farda e, especialmente, de botas. Para ilustrar bem este caso, basta dizer o seguinte: quando a bataria de artilharia que vinha de Cubucaré, depois do ataque a Cabedu [5.º - 6NOV69], chegou a Tombali, de 72 homens que tinha, só podemos conseguir para o ataque a Empada [7.º - 14NOV69] 5 peças de morteiros 82 (20 homens), porque grande parte dos camaradas estavam com os pés feridos por terem andado descalços e à noite.
3. Quanto à questão da alimentação.
Sujeitos a um grande esforço físico, com pouca alimentação (às vezes nenhuma), os camaradas "adoeciam" muito, dando como resultado uma grande falta de pessoal e enfraquecimento da disciplina.
4. Quanto à questão das comunicações.
Assinalamos as grandes dificuldades e por vezes a total impossibilidade em estabelecer comunicação entre o posto de observação e a posição de fogo e para uma coordenação efectiva entre a artilharia e a infantaria. Em todas as acções em que foram usados telefones ou os rádios de que dispomos actualmente, houve grandes problemas com esses equipamentos.
O "relatório" acrescenta ainda que:
1. O funcionamento do corpo de exército estava melhorando dia-a-dia, quer isoladamente, artilharia dum lado e infantaria doutro lado, quer a coordenação entre as duas armas, e, o que é importante, a infantaria já estava confiando um pouco mais na precisão da artilharia.
2. A actuação da artilharia melhorou sensivelmente. Tanto os canhões sem recuo, morteiros de 82 mm, e particularmente a arma especial (GRAD), demonstraram isso na operação de Cufar [8.º - 24NOV69] (a [pen]última que realizámos).
3. A actuação da infantaria estava melhorando também sensivelmente:
- aproximação rápida e silenciosa dos quarteis inimigos;
- disciplina de fogo;
- grande segurança na ocupação das posições e progressão durante o combate. Basta assinalar que durante todas as operações só tivemos 3 mortos, todos no primeiro ataque a Buba (a nossa primeira operação) – um por mina, durante o reconhecimento, outro por acidente com arma de fogo e o terceiro por estilhaço de morteiro na resposta inimiga [NT] ao ataque de artilharia – e oito feridos ligeiros.
4. Apesar de todas as dificuldades materiais, e do grande esforço físico exigido no transporte dos materiais pesados, o moral dos nossos combatentes esteve sempre elevado.
5. O uso das armas antiaéreas durante as operações, pelo seu peso com a respectiva munição, revelou-se uma carga demasiado pesada para as nossas unidades (para transportar com relativa facilidade uma peça DCK com a sua munição são necessários uns 10 homens). Além disso, à excepção de Cacine [4.º - 4NOV69] (1ª operação iniciada às 16h45) todas as outras operações foram desencadeadas a horas em que a aviação e os helicópteros não podem já agir com eficácia.
Iremos continuar a desenvolver este tema com a apresentação dos principais factos ocorridos em cada um dos restantes ataques.
Com forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.
22FEV2018.
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Nota do editor: