1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Janeiro de 2022
Queridos amigos,
É hora da despedida, deambula-se à volta das muralhas, espreitam-se portas e postigos, entra-se no núcleo histórico, revê-se património já conhecido, insatisfeito fico com a incursão, na verdade Trancoso merece visita mais cuidada e tem nos arrabaldes motivos para itinerância maior, basta pensar no Campo Militar da Batalha de Trancoso e Moreira de Rei. Só nos fica a consolação do que o que não se vê no inverno aguçar o apetite para vir no verão. Oxalá tal aconteça.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (46):
Trancoso é muito mais do que o seu núcleo histórico
Mário Beja Santos
Convém advertir o leitor que o programa das Aldeias Históricas de Portugal fala de Trancoso com o seu núcleo dentro das muralhas, releva esse belo espaço chamado o Campo da Feira (foi ali que se fez a apresentação do livro que aqui me trouxe, um belo espaço conventual recuperado, ali perto faz-se a feira, surpreendeu-me ver no chão uma quantidade impressionante de pilhas abandonadas a envenenar os solos, que negligência ambiental tão violenta); destaca também o campo militar da batalha de Trancoso, tem a ver com os acontecimentos de 29 de maio de 1395, castelhanos rechaçados, há o riquíssimo património de Moreira de Rei e as paisagens envolventes de Trancoso. Itinerância para outro dia, ou mais dias. Vamos completar o festim, temos pela frente a Casa do Bandarra, é um espaço que recorda alguém de nome Gonçalo Anes, o sapateiro, talvez visionário e talvez profeta, de quem pouco se sabe e muito se especula, deixou premonições e trovas onde alude à vinda do Messias, ao sebastianismo e ao Quinto Império, daí a sua importância na cultura portuguesa. Esta casa abriu portas recentemente, em 2017. E segundo a brochura oferecida ao visitante, “pretende ser um espaço capaz de transmitir ao visitante alguns dados biográficos relevantes, caracterizado por Fernando Pessoa como sendo não português, mas Portugal. Neste Centro Interpretativo será possível encontrar várias aplicações multimédia e surpresas, uma curta-metragem sobre a vida e a obra de Bandarra e, ainda, um documentário acerca das reminiscências antropológicas e sociais recolhidas a partir da sabedoria popular”. Visita-se com imenso agrado.
Bem perto da casa do Bandarra dei com algumas inscrições atribuídas a judeus convertidos, os cristãos-novos, principais vítimas da Inquisição, estão ali bem perto do Centro de Interpretação Isaac Cardoso, para quem gosta de estudar o judaísmo em Portugal tem aqui provavelmente uma esclarecedora viagem guiada de um mundo de sofrimento e esperança, de crença inabalável gravada nas pedras, mesmo com o risco de ser assado nas fogueiras.
Pormenor do Centro Interpretativo Isaac Cardoso, projeto do atelier de Gonçalo Byrne
Estas muralhas de Trancoso dão muito que falar. Já se fez referência aos sucessivos restauros e aditamentos, as últimas e bastantes importantes benfeitorias concluíram-se em 1940, há fotografias da época que mostram os casebres que entram os séculos XVIII e XIX se tinham construído, foram então demolidas e há também notícia que em 1933 se tinham colocado a meias na fortaleza. Porque castelo e muralhas são o prato substância do centro histórico, com 15 torres e cubelos, 4 portas e 3 postigos. Ao longo do tempo fizeram-se uns retalhos nas muralhas, que é o que se procura aqui mostrar, hoje seria impensável, não parariam as manifestações, ninguém aceitaria esfaquear aquelas que são talvez as mais impressionantes muralhas de castelo em Portugal.Outro pormenor da muralha, destaca a sua monumentalidade
O Boeirinho é um postigo aberto nas muralhas, perto das Portas do Prado, tem cerca de 1,5 m de altura. Como as portas da vila fechavam ao anoitecer, este postigo servia para os retardatários. Em 1916, a autarquia pretendeu prolongar a rua do Boeirinho, rasgando a muralha naquele sítio, e pediu autorização ao Ministério da Guerra. O povo não aceitou, o escritor Antero de Figueiredo veio em defesa do curioso e pequeno postigo, enfatizou que esta porta era um documento único na defesa da vila. Enfim, a ideia de o taparem não foi por diante. Há também o Olhinho do Sol e outras portas, são aberturas nas muralhas exteriores de forma a proporcionarem o acesso dos moradores aos terrenos agrícolas.Outra perspetiva do Boeirinho
Esta é a fachada do chamado Palácio Ducal, trata-se de um palacete que pertenceu, por casamento à Duquesa de Pozen, filha do herdeiro do trono da Polónia. Sobre a varanda central ostenta o bração da família, cujo titular mais importante foi o fidalgo D. António da Costa Coutinho Lopes Tavares e Ornelas. Prevê-se para breve a construção do Museu de Trancoso neste espaço.É pena, está na hora de partir, vou amesendar-me em Rio de Mel, daqui seguirei para a região da Lourinhã, despeço-me com mágoa, bem gostaria de ter ido a necrópole de Moreira de Rei, ver com mais cuidado as Portas do Prado e da Traição e tanta coisa mais. Fica-me a quase segurança de qualquer dia regresso e que Trancoso me dará o seu xi coração. Sem reservas, até à próxima.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23155: Os nossos seres, saberes e lazeres (500): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (45): Trancoso castelo e muralhas, uma manhã de neblina, a presença judaica (Mário Beja Santos)