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domingo, 17 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23176: Efemérides (364): Tempo de recordar - Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 50 anos decorridos sobre a tragédia de Quirafo, 17 de Abril de 1972 (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)

A propósito da tragédia de Quirafo que ocorreu faz hoje exactamente 50 anos, transcrevemos, com a devida vénia ao nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), o texto por ele publicado na sua página do facebook:


Tempo de recordar

Guerra Colonial, O Calvário de Uma Geração - 1

Cumpre-se hoje, 17/04/2022, exatamente meio século sobre o dia mais triste da minha vida. Foi no leste da Guiné, numa manhã de sol inclemente, num sítio chamado Quirafo. Éramos vinte, em duas viaturas. Uma emboscada. Um numeroso grupo inimigo que nos metralha com canhões, lança-rockets e metralhadoras. Num minuto, pouco mais, morrem-nos doze homens e seis ficam feridos, alguns dos quais com muita gravidade. Na noite que se segue à tragédia, puxo do meu bloco de notas e escrevo:
Vinte e duas horas. Do dia mais triste da minha vida. Aqui, na desoladora messe de oficiais e sargentos, apenas eu. Nem o responsável pelo bar ficou. Todos recolheram à solidão dos abrigos, possivelmente para meditar. Lá fora, um silêncio de morte. Um silêncio estranho e sepulcral, de que faz parte este maldito e cadenciado martelar que tende a rebentar-me os tímpanos e o sistema nervoso. Já o não suporto mais. Corro para a porta, a fechá-la. E não posso evitar um fugidio olhar. Um fugidio olhar suficiente para que sinta o coração esfrangalhar-se-me e este terrível nó seco na garganta, que me comprime a alma: o cangalheiro, rodeado de urnas por todo o lado, trabalha. Sereno. Indiferente.

Aturdido, encosto a porta com todo o cuidado e venho de novo sentar-me. Sinto-me cansado. Abatido. Gostava de fechar os olhos e adormecer. Mas, não consigo. A certa altura, parece-me ouvir um assobiar baixinho… Mas, o que é isto?!... Apuro o ouvido, e não, não é. Parece mais alguém que trauteia qualquer coisa, uma cantilena qualquer… Volto a correr para a porta, agora intrigado e enraivecido.

Nada. Só o silêncio. E o cangalheiro. Que prossegue no seu trabalho, taque-taque, taque-taque. Com a mesma serenidade. A mesma indiferença.

E o sentimento de revolta apodera-se de mim com mais intensidade. Sinto vontade de lhe cair em cima. De o agredir. De lhe dar dois socos.

Mas, contenho-me. Volto covardemente para o meu canto, como um cão lazarento com o rabo entre as pernas, e ponho-me a pensar. A tentar refletir sobre o que se passa comigo e com a cena macabra que me envolve. E vêm-me à cabeça as lágrimas, os abraços e os lenços brancos das despedidas em Lisboa, lá no cais das não sei quantas. Meu Deus, e os pais?!... Que será dos pobres pais, coitados, quando souberem da triste nova?!... Eles que, cada dia, antes da deita, caem de joelhos aos pés do Cristo, da Virgem, do Anjo da Guarda e de todos os santos protetores e mais alguns, a pedirem a salvação dos seus filhinhos?!... Era tão bom, tão alegre, tão cheio de vida…

É isso que vos espera, camaradas, lá no outro lado do mundo: o choro, o lamento, a recordação.

E nós, por cá… Nós, por cá, todos bem graças a Deus. Beijinhos para os manos, tios e priminhos. Cumprimentos aos vizinhos e amigos. Adeus, até ao meu regresso.

Saltinho, 17 de Abril de 1972
Mário Migueis


"António Ferreira", 1.º Cabo TRMS, morto durante a emboscado do Quirafo
Homenagem do nosso camarada Mário Migueis
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Todos os direitos reservados





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... 
Foram utilizados LGFog e Canhão s/r. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda era visível, em Fevereiro de 2005, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23038: Efemérides (363): Há meio século, nestes dias 26 e 27 de Fevereiro, sábado e domingo, foi levada a cabo a Operação Juventude V na zona Caboiana/Churo (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Cmd, 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17768: Notas de leitura (995): “a sorte de ter medo”, por Gustavo Pimenta, Palimage, 2017 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Desconheço que exista descrição tão minuciosa como a que Gustavo Pimenta faz do período de 1968 até à retirada de Madina de Boé, no início de Fevereiro do ano seguinte. Quando chegam, ao fim da primeira semana, até duvidavam do que lhes tinham dito sobre aquele tão temível local.
Iremos viver uma escalada de flagelações, haverá compassos de espera, até tudo deflagrar em fogo em qualquer hora, o comandante de companhia ainda irá tentar uma série de expedientes para fazer regressar à normalidade a existência daqueles homens permanentemente acossados. Spínola decide ainda em 1968 a retirada de Béli e em Fevereiro retira-se de Madina de Boé.
Iremos seguidamente falar de uma tragédia que marcou indelevelmente quem a ela sobreviveu.

Um abraço do
Mário


Um impressionante relato sobre a retirada de Béli e Madina de Boé (2)

Beja Santos

Em “a sorte de ter medo”, romance de Gustavo Pimenta, Palimage, 2017, temos a rara oportunidade de conhecer o sofrimento de quem combateu no Boé, o autor lá viveu no ano 1968, estará de férias em Fevereiro de 1969, quando ocorrerá o desastre da jangada em direção a Ché-Ché, no rio Corubal, que vitimou 47 militares.

Acompanhámos os antecedentes de um percurso que começa no alto Minho até imprevistamente chegar ao mais temível dos locais, Madina do Boé.

Três grupos de combate vão para Madina, um outro seguirá para Béli. De Ché-Ché faz-se a cambança para a outra margem, sobrevoam os bombardeiros T6, a transferência de toda a coluna demora o dia inteiro, pica-se pormenorizadamente o terreno, a proteção aérea é constante, nas bermas há carcaças de viaturas destroçadas em operações anteriores, ao fim da tarde, sem incidentes, chega-se ao local, no dia seguinte a coluna volta para Nova Lamego, começa a adaptação de Gustavo Pimenta e seus camaradas. Apresenta-nos Madina: “Está num vale, entre pequenas elevações montanhosas, únicas na Guiné. A população é maioritariamente Fula, distribui-se por uma meia centena de habitações tradicionais. No início da atividade de guerrilha fora para lá deslocada uma secção de tropa. Com o evoluir da guerra, passa a ser defendida por um grupo de combate e por um grupo de milícia local. À medida que a situação piora, o efetivo passa para uma companhia, que vem a ficar instalada em abrigos semi-subterrâneos, construído ao redor de todo o perímetro da aldeia. No interior são construídos abrigos idênticos para refúgio da população durante os ataques, população que cultiva pequenas porções de terreno em volta das suas habitações. Com o decorrer do tempo, acaba por se formar um aquartelamento fortificado no vale, em forma de tosco quadrado com cerca de 400 metros de largo, sem nenhuma defensa nas elevações em volta”.

É cuidadoso no detalhe, na apresentação do quartel. Nos primeiros dias, tudo decorre com serenidade, fazem patrulhamentos, não há a menor novidade nem sinais do inimigo. Passada uma semana, ao anoitecer há três disparos de armas pesadas, o PAIGC apresenta-se, mas tudo parece que irá decorrer normalmente, chega-se mesmo a pôr em dúvida a apregoada perigosidade do local. Os sonhos esmorecem rapidamente, começam os ataques a qualquer hora do dia, os guerrilheiros estão nos montes, gozam de muita impunidade. A tensão vai crescendo, durante 12 dias o inimigo não dá sinal de si, o pessoal já joga à malha e sai descontraído dos abrigos. Depois recomeçam os ataques. Novo período de calma, durante mais de um mês e meio não há flagelações com armas pesadas, passam-se 15 dias sem se estabelecer com qualquer contacto. A 13 de Março, recomeçam as flagelações com canhão sem recuo, não há baixas nem ferimentos. Béli parece viver em amena tranquilidade mas subitamente a situação muda, os ataques sucedem-se às horas mais desencontradas e inesperadas. O mês de Abril de 1968 introduz uma novidade: um ataque a Béli ao nascer do dia e a Madina ao anoitecer, será um mês de enlouquecer, qualquer coluna de reabastecimento é uma terrível operação. A alimentação é diretamente proporcional ao isolamento: massa, arroz e conservas, quando chega Spínola à Guiné, Madina irá receber de vez em quando frutas e legumes. “Seguindo a determinação do capitão, quando acontece a vinda de frescos, é feito o rateio: primeiro para os soldados, depois para os sargentos e só no fim, se der, para os oficiais. Assim se come meia maçã ou um pouco de grelos cozidos”.

Deixou de haver equívocos: Madina, tal como Béli em menor escala, está transformada numa carreia de tiro, as flagelações com armas pesadas passam a ser diárias, menos quando se sai nas proximidades para recolher lenha, o inimigo não dá tréguas. Em Junho, Spínola começa a tomar decisões para o abandono de Béli, que decorre sob a proteção de dois T6 que acompanham um longo comboio de viaturas, um dos aviões acidenta-se, estala o pandemónio, depois de uma áspera discussão a coluna retoma a sua missão e chega a Béli ao cair da noite, sendo recebida pelo fogo inimigo de armas ligeiras. O regresso faz-se sem novidades, com a chegada do grupo de combate e da milícia acantonados em Béli, reorganiza-se a distribuição do efetivo.

Não há descanso em Madina, o pessoal que circula pelo aquartelamento é alvo de tiros isolados e de roquetadas. Chega um grupo de paraquedistas sob o comando de um tenente e com a missão específica de tentar neutralizar os atiradores de armas ligeiras que tornam infernal o quotidiano no quartel. Os Páras travam combate, o tenente é ferido com uma rajada nas coxas. As flagelações com armas pesadas não abrandam, os Páras vão-se embora. Tudo vai perdendo normalidade, o comandante de companhia procura animar as suas tropas, fazem fotografias de todo o pessoal, executam postais de boas festas, a energia elétrica é levada a todos os cantos do quartel, o correio não falta, o aniversário de cada militar é sempre ensejo para festejo. O ano de 1969 anuncia-se com a retirada de Madina de Boé, a retirada acontecerá num só dia, até lá é necessário manter as condições de defesa e a operacionalidade da companhia, o narrador está de férias, tudo quanto irá descrever é contado por outros. Quem comanda a operação é o comandante de agrupamento de Bafatá, a 4 de Fevereiro, uma enorme coluna sai de Nova Lamego enquadrada por duas companhias e assim se chega ao Ché-Ché, faz-se a travessia, há uma nova jangada sustentada em barcaças de engenharia militar. Em 5 de Fevereiro os militares abandonam Madina, a estrada é cuidadosamente picada, chega-se à margem do rio Corubal a meio da tarde. Em cada viagem é levada uma ou duas viaturas, começou-se pela população civil. Na margem do destino, em Ché-Ché, são montados os morteiros 81 retirados de Madina, ficam apontados para as imediações da concentração das tropas e viaturas na outra margem. Com morosidade, a travessia concretiza-se, de vez em quando é necessário despejar a água que com o peso do movimento da jangada se vai acumulando nas barcaças de suporte. Cai a noite, a operação continua. Ao amanhecer são poucas as viaturas e tropa que ainda falta transportar.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17756: Notas de leitura (994): “a sorte de ter medo”, por Gustavo Pimenta, Palimage, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14241: Blogoterapia (265): Ainda a tragédia do Quirafo, apesar do muito que já se disse e escreveu (Juvenal Amado / João Maximiano)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Fevereiro de 2015:

Carlos e Luís
Não é muito mais do que já se sabia sobre o triste acontecimento mas mesmo assim aqui vai.
Seguem também algumas fotos
Juvenal Amado


Em conversa com o João(1) chegámos à conclusão que entrámos no CICA-4 no mesmo dia para fazer a recruta embora em pelotões diferentes. Findo que foi esse período eu rumei ao RI-6 e ele ao RC-6, no Porto, para a especialidade e finda que foi esta, ele foi para a Figueira da Foz, RAL-2, e eu para Abrantes, RI-2.

Quis a roleta dos números mecanográficos que nos voltássemos a encontrar, eu na CCS e ele na 3491 do Batalhão 3872. Mas ao João tinha o destino reservado uma das mais duras e temidas provas que a vida militar nos podia reservar, ao cair numa emboscada e ver a morte bem na frente dos olhos e sentir o seu bafo.

Em 17 de Abril de 1972 caiu na emboscada do Quirafo que vitimou praticamente todos o que seguiam na viatura da frente da coluna. Ele era o condutor da segunda viatura e foi a rapidez do desenrolar dos acontecimentos que impediu de entrar na zona de morte.

Não foi um combate mas sim um massacre que podia ter sido evitado em última instância, quando foram avisados 10 km antes pela população de Sincha Made Bucô que o IN estava à espera algures na picada. O que leva os homens a dissidirem sobre a sorte e o azar numa espécie de roleta russa? Talvez a vontade de sermos superiores aos comuns dos mortais, ou pensarmos que só acontece aos outros.

Ele hoje só se lembra do fogo, das explosões, do som das armas automáticas, do desnorte e do camarada Azevedo que procurou abrigo junto dele, mas que, já estava mortalmente ferido com pelo menos três tiros. Logo de seguida, o abrigo onde se tinha refugiado foi atingido por uma explosão e confessa não saber o que aconteceu ao camarada que estava junto dele. Lembra-se dos Fiat's aparecerem e bombardearem, mas não sabe se foi o transmissões(2) que antes de morrer os chamou, pois garante que o camarada ainda saltou da viatura e se meteu mato dentro.

Uma coisa é certa, os Fiats apareceram e bombardearam, embora também não saiba quem os orientou para eles fazerem o seu trabalho. O resto, ficamos a saber pelos PelRec que no dia seguinte arrancaram de Galomaro ainda a tempo de levantar uma mina que possivelmente foi lá posta depois.

Aquele dia ficou assim marcado num misto de terror e zona cinzenta na sua memória, talvez como mecanismo de autodefesa, mas com o passar dos anos essa proteção abriu fendas e de lá saíram qual monstros, as insónias e os pesadelos onde revive noite após noite aquela manhã de má memória.

Felizmente está já a ser ajudado com consultas psiquiátricas em Coimbra, após pedido de ajuda no Núcleo da Liga dos Combatentes da Batalha, concelho a que pertence.

Por seu intermédio estou a tentar contactar o Moniz que era o condutor da GMC da qual só ele e o António Baptista(3) escaparam com vida. O Moniz é natural de Reguengo do Fetal mas não está a ser fácil encontrá-lo.

Junto envio umas fotografias cedidas pelo João Maximiano.

Um abraço para todos meu e do João que não tem computador nem sabe mexer-lhe.
Juvenal Amado


S/legenda

Monumento aos mortos da CCAÇ 2406

Ponte do Saltinho

Canhão s/recuo

Condutores: Granja; Gilberto; Maximiano e Moniz, que conduzia a primeira viatura na coluna emboscada e o Mec Auto Joaquim.

S/Legenda

Viatura do Maximiano
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Notas do editor

(1) - Vd. poste de 22 DE NOVEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13927: Ser solidário (174): Vamos ajudar o nosso camarada João Maximiano, que encontrei em Leiria, ex-sold cond auto da CCAÇ 3490 (Saltinho), que continua a sofrer com as recordações da terrível emboscada de que foi vítima no Quirafo, em 17/4/1972... (Juvenal Amado, ex-1º cabo cond auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

(2) - António Ferreira, 1.º Cabo TRMS da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972

(3) - António da Silva Batista (o morto-vivo), ex-Soldado At da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, dado como morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972. Viria a ser libertado pelo PAIGC em Setembro de 1974.

Vd. último poste da série de 22 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14069: Blogoterapia (264): Infelizmente para mim e para quem me é mais próximo, este Natal não será como dantes (Joaquim Cardoso)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9763: In Memoriam (117): Recordando o dia 17 de Abril de 1972 e a trágica emboscada de Quirafo (Juvenal Amado)

 

1. Em mensagem do dia 4 de Abril de 2012, o nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este texto de homenagem aos camaradas da CCAÇ 3490 que morreram na emboscada de Quirafo, no dia 17 de Abril de 1972:





Pintura de autoria de Juvenal Amado para oferecer à Tabanca do Centro a fim de ser leiloada e assim ajudar alguém através daquela Tabanca.

"António Ferreira"

Homenagem do nosso camarada Mário Migueis ao 1.º Cabo TRMS António Ferreira morto durante a emboscado do Quirafo
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Direitos reservados


COMO SE FOSSE UM FILME

Hoje nas suas fotos parados no tempo, olham-nos com uma censura muda. Os olhos parece que nos seguem. Perguntam-nos porque não aproveitamos para criar algo mais justo, mais fraterno, quando tivemos a oportunidade, que lhes foi negada a eles na flor da idade.

Se fosse nos States far-se-ia um filme, talvez um épico. Nunca podia ser com o John Wayne como actor principal, pois ele nunca morria nas fitas. Normalmente ele era o herói, que namorava a dona do Saloon e dava porrada em todos “maus”. No fim partia sempre rumo ao Sol poente, deixando a pobre com água na boca.
Por outras palavras ela casava com o cavalo, dizíamos nós a brincar.

Bem segundo parece, nunca esteve em combate de verdade, só usava a sua “bravura” para a propaganda militar, dando assim azo à fanfarronice e egocentrismo tão americano.

Uma bela imagem do Rio Corubal, no Saltinho. 

Foto retirada da página Encore de L'audace do nosso camarada Paulo Santiago, com a devida vénia

Escolhemos uma data?
Talvez 17 de Abril de 1972, numa picada repleta de sol numa Segunda-Feira.

Vão-se recomeçar os trabalhos interrompidos na Sexta-Feira na abertura da estrada, que talvez não fosse dar a lado algum, a não ser à sede de protagonismo de chefes militares.

Para que seria aquela estrada que ia na direção de locais em que nós não éramos visita desejada há muito tempo? Tinham-nos mandado fazer aquele serviço, para o qual talvez não tivessem sido devidamente avisados dos perigos, que era “cutucar a onça com vara curta”, como é uso agora dizer-se, que temos o português das telenovelas brasileiras, a assaltar-nos os sofás várias vezes ao dia. Depreciar o perigo resulta na sua duplicação como se viu.

Mas se fosse um filme nós sairíamos para a rua no final da sessão com os ouvidos cheios de tiros, explosões, a visão cheia actos heróicos e muitos mortos. Embora não tivéssemos visto, os “mortos” no fim de cada cena levantam-se, retocam o “sangue das feridas”, ajeitam os buracos nas fardas, pois talvez seja preciso repetir as filmagens naquela ou na outra cena de matança, quanto mais realista melhor para o êxito da fita.

Sabemos nós que há 40 ou 50 anos provámos da nossa própria angústia, que não se passa assim, que os mortos ficam mesmo mortos e o sofrimento é real para além do intolerável.

As viaturas roncam carregadas com soldados, trabalhadores, granadas, motosserras, gasolina e farnéis. A curva feita e desfeita tanta vez, desta vez albergava uma mortal surpresa.

A bocarra da morte estava ali à espera deles, como quem ri com escárnio da sua juventude, porque não se era jovem demais para morrer naquelas terras vermelhas e de sol impiedoso.

Apanhados de surpresa, as balas e canhoada atingem viaturas e rasgam as carnes, só escapa quem foge, quem se tenta refugiar é apanhado à mão. Sorte incerta para ele, certa para quem ficou estendido varado pelos tiros e metralha. A gasolina arde numa enorme fogueira, onde se mistura viatura e corpos sem vida.

Que sabemos nós dos seus últimos pensamentos?
Ter-se-ão apercebido da grande tragédia em que foram o actores principais?

As notícias do desastre chegam longe.
Quantos caixões?
Muitos!
Nem todos são brancos mas quais? E quem são?
Perguntámos nós.

Mais a cima as preocupações eram outras e perguntou-se “quantas viaturas”? Os homens substituem-se o equipamento compra-se.

Só muito mais tarde, se soube quem era quem, no desenlear as teias tecidas pela morte daquele dia. Mês de Abril das flores dos dias claros e pujantes, em que a natureza morta pelos rigores do Inverno, revive num ciclo imparável de Séculos. É a diferença, os homens que nos deixam, só regressam na nossa memória.

As romagens às suas campas, normalmente de exaltação patriota em data previamente marcada, não de introspecção, só servem alguns fins para o qual, nem eles nem as famílias foram tidos nem achados.

Resisto a olhar os olhos das fotos para sempre jovens, pois aquele olhar corta.

O silêncio, as flores, algumas de plástico, dão um ar de desolação e a certeza, de que há um fim até para saudade presente e dolorosa, porque a vida tem que seguir em frente para os ficam.

Despeço-me parafraseando aqui o titulo do poema do canto-autor Geraldo Vandré que "É P´ra Não Dizer Que Não Falei das Flores".

Dedicado aos camaradas da Companhia de Caçadores 3490,  mortos naquele dia fatídico de 17 de Abril de 1972, Saltinho.

Alferes Miliciano Armandino Silva Ribeiro - Magueija / Lamego
Furriel Miliciano Francisco de Oliveira Santos - Ovar
1.º Cabo Sérgio da Costa Pinto Rebelo - Vila Chã de São Roque / Oliveira de Azemeis
1.º Cabo António Ferreira [da Cunha] - Cedofeita / Porto
Soldado Bernardino Ramos de Oliveira - Pedroso / V. N. Gaia
Soldado António Marques Pereira - Fátima /  Ourém
Soldado António de Moura Moreira - S. Cosme  / Gondomar
Soldado Zózimo de Azevedo - Alpendurada / Marco de Canaveses
Soldado António Oliveira Azevedo - Moreira  / Maia (**)
Milícia Demba Jau - Cossé / Bafatá
Milícia Adulai Bari - Pate Gibel / Bafatá
Trabalhador Serifo Baldé - Saltinho / Bafatá
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9716: In Memoriam (116): O senhor Luís Henriques (pai do nosso editor Luís Graça), faleceu hoje, dia 8 de Abril de 2012, aos 91 anos, na Lourinhã (Tertúlia)

Sobre a emboscada de Quirafo, entre outros, vd. postes de:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

(**) Originalmente dado como "desaparecido em combate", confundido com o António da Silva Batista (dado como morte)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8933: Memória dos lugares (158): Cufar e o porto do rio Manterunga, extensão do inferno na terra : 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)



Guiné > Região de Tombali > Cufar >   Sábado, dia 2 de Março de 1974, "dia do diabo"   

Entre Cufar e o porto do rio Manterunga, afluente do Rio Cumbijã, numa picada que não teria mais de cem metros, batida milhares de vezes pelos jipes e demais viaturas militares,  o IN deixou lá  uma potente brinquedo de morte: uma vulgar mina anti-carro, reforçada por uma bomba de um Fiat que não tinha explodido...

Um jipe do pelotão da Intendência, o PINT 9288, anteriormente comandado pelo Alf Mil João Lourenço (membro da nossa Tabanca Grande), acionou o engenho, a meio da tarde. Os cinco ocupantes, dois militares, brancos (o Fur Mil Pita e o Sold Santos, de alcunha O Jeová), e três civis, estivadores, guineenses, encontraram aqui a morte...

Mais à frente, outra mina, enterrada no lodo do rio, provocou ao fim da tarde a explosão, em cadeia, de batelões atracados ao cais e carregados de bidões de gasolina... 

Mais dezasseis estivadores guineenses,  civis, perderam a vida, num cenário dantesco de horror..."Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver", escreveu o António Graça de Abreu no seu Diário da Guiné...

(...) "O rio Cumbijã passa a dois quilómetros de Cufar, mas existe o rio Manterunga, um pequeno afluente, melhor um braço de rio que chega quase até à nossa povoação. A quinhentos metros daqui construiu-se um pequeno pontão, um cais de abicagem noManterunga.

"É aquilo a que chamamos o 'porto interior', utilizado por barcos de pouco calado que chegam carregados de Bissau e descarregam neste porto. Quando a maré está cheia, os batelões sobem o rio e ficam ancorados lá em baixo. A maré desce e os barcos pousam em cima do lodo do leito do rio que é mole e não lhes danifica o casco. Voltam a aproveitar uma maré-cheia para regressar a Bissau. São batelões pequenos, uma espécie de barcaças com motor que trazem para aqui muitos produtos de que necessitamos todos os dias, sobretudo gasolina para abastecer os aviões e helicópteros.

"Entre Cufar e o porto do rio Manterunga existe uma picada de terra batida com umas centenas de metros. Até ontem circulava-se nessa estradinha com o maior à vontade, considerava-se a estrada como fazendo parte dos caminhos de Cufar. Já passei por lá dezenas de vezes conduzindo os jipes e é um dos trajectos que costumo utilizar nos meus crosses" (...).


Fotos: © António Graça de Abreu (2011). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de Outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8925: Memória dos lugares (157): Empada, região de Quínara, by air (António Graça de Abreu)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6215: In memoriam (41): O Sem Sentido das Guerras - Relembrando António Ferreira (Mário Migueis)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis(1) (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72) com data de 15 de Abril de 2010:

Caro Vinhal,
De longe em longe, dá-me para te escrever. Uma vezes - as mais das vezes -, para me rir um bocado da tropa contigo e com os nossos camaradas e/ou amigos. Outras vezes – que, francamente, quereria não fossem tantas -, para recordar coisas menos agradáveis e, no limite, como é hoje o caso, de acontecimentos, que, na derradeira fase dessa nossa experiência castrense, nos abalaram profundamente, deixando-nos uma marca bem cavada de tristeza e, por vezes, revolta, cuja evidência todos os dias demonstramos neste blogue, que tão bem nos compreende.

Passaram-se doze meses – como o tempo voa! -, desde que escrevi algumas linhas sobre a “Tragédia do Quirafo”. Fi-lo, na altura, com um objectivo muito concreto – esclarecer o rol de dúvidas que se colocavam e que eu estava em posição de esclarecer -, e uma preocupação primeira - que considerei mesmo um imperativo ético -, que era sossegar o espírito da viúva do nosso camarada António Ferreira, uma das vítimas mortais naquele dia de verdadeiro terror. Senti - aqui sim! -, a satisfação do dever cumprido, tanto mais que toda a acção desenvolvida pelo blogue culminou com uma singela, mas cheia de significado, homenagem ao nosso saudoso camarada no cemitério de Águas Santas, concelho da Maia, onde está sepultado.

Sobre a acção militar em si, contudo, ficaram alguns pormenores por relatar, não por esquecimento, mas apenas porque, tratando-se, do meu ponto de vista, de elementos acessórios, não tinham o carácter urgente dos restantes. Não deixando, porém, de os reputar de interessantes para publicação no blogue, uma vez que, se por outra razão não for, quanto mais informação, melhor, propus-me dá-los a conhecer na melhor oportunidade. Todavia, como era preciso rebuscar uns papéis esquecidos e coisa e tal, passaram-se os tais doze meses - e, agora, repito: “como o tempo voa!” – sem que eu nada tivesse acrescentado ao essencial, isto é, aos factos já narrados.

Pois, caro amigo, tenho a comunicar-te – grande surpresa! - que ainda não é desta que te faculto o tal material acessório, porque – lá estou eu a forjar desculpas para novo adiamento - , depois de matutar um pouco, cheguei à conclusão de que isto de andar a contar as coisas a conta-gotas não será exercício de que a gente se possa orgulhar, nem, se calhar, trabalho com que deva incomodar-te (confesso-te, porém, que o meu esforço reflexivo não chegou tão longe). Por isso, fica para daqui a algum tempo, quando eu tiver tudo arrumadinho.

E, agora, atenção, Vinhal! É aqui que tu, fingindo que concordas com estas justificações esfarrapadas e me perdoas o desleixo, lanças a superior pergunta:

- Mas, assim sendo, o que é que tu pretendes afinal, meu caro Migueis?!...

E eu, esfregando as mãos de contentamento pela oportunidade que me dás, respondo:

- Ainda bem que me fazes essa pergunta, meu caro amigo. Era precisamente por aqui que eu queria, deveria e não soubera começar.

E pronto, meu bom Carlos Vinhal, deixa o resto comigo. A partir de agora, podes sentar-te e descansar um bocadinho que eu, se me permites, passo a dirigir-me directamente a todos os tertulianos e amigos do “luísgraça&camaradasdaguiné”, ficando para ti, entre textos, o meu abraço muito amigo.

Mário Migueis


"António Ferreira"
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Direitos reservados


2. O Sem Sentido das Guerras

Em 02/04/2009, a propósito da emboscada do Quirafo, verificada 37 anos atrás, publicava este blogue (P4117(2)), pela primeira vez, uma foto tipo passe do saudoso António Ferreira, que, como vários outros camaradas, ali perdeu a vida durante o terrível recontro.

A 18 do mesmo mês, na introdução do P4205(3), referia o Carlos Vinhal a certa altura, a propósito da mesma foto, de novo publicada: “…aparece um militar com a mesma pose altiva…”

Pois, caros camaradas e amigos, na altura, o conjunto dessas palavras e da imagem que lhes dera sentido transportou-me imediatamente para um dos poemas - chamem-lhes o que quiserem! - que eu tinha rabiscado nos dias de enorme tensão que se seguiram aos acontecimentos. Mentiria, se dissesse que o poema em causa foi dedicado especificamente ao António Ferreira, já que, na verdade, quando deixei a caneta escrever, à sua livre vontade, o que lhe ia na alma, pensava em todos aqueles rapazes - alegres meninos -, que, na inocência dos seus vinte anos, acabavam de ser vítimas – também eles - de uma “morte cruel e impiedosa”(*). Acontece é que, perante aquela imagem do António Ferreira, vi na altivez do seu porte, na expressividade do seu rosto, aquilo que parecia ter sido talhado para ilustrar aqueles meus momentos de revolta perante um mundo asqueroso que insistia em alimentar situações como a presente, em que jovens inocentes eram subtraídos do aconchego dos seus lares e lançados autenticamente às feras.

Na verdade, naqueles momentos de verdadeiro pesadelo, a minha indignação, que não poupava os que, como cães raivosos, se nos atiravam ao caminho, retalhando ou reduzindo a cinzas os meus próprios semelhantes, dirigia-se, porém, muito especialmente aos senhores dos nossos destinos, que, do alto dos seus pedestais e protegidos pela segurança das distâncias, “determinavam e mandavam publicar” - como é fácil mandar os outros lutar até à morte! - , independentemente da sorte reservada àqueles inocentes, que, como cordeirinhos, haveriam de ser sacrificados ao deus da guerra, esse vampiro infame que, desde as mais remotas eras, alimenta com sangue humano as suas negociatas e interesses pessoais.

Este último ponto parágrafo livrou-me da tentação de fazer – e quem sou eu?... - aprofundadas análises ao “sem sentido “ das guerras - aquelas que enlouquecem, desgraçam, estropiam, matam -, as quais hão-de continuar a massacrar a Humanidade, sem que, incompreensivelmente, as levemos muito a sério. Deixo esse trabalho para os estudiosos e especialistas da matéria, mas, pelo menos, agora que, a pretexto do centenário do nascimento de António de Spínola, se tem falado por todo o país um pouco mais sobre homenagens e honrarias, cuja validade não discuto, quero exortar-vos a não esquecerdes os Antónios Ferreiras - os nossos queridos e verdadeiros heróis, tão ingénuos quanto valentes -, os quais, correndo mil perigos e sofrendo privações de toda a espécie, se aventuravam, dia após dia, nas picadas fartas de minas e armadilhas e nos rios e matas traiçoeiras, uns acabando por sucumbir perante tanta adversidade, outros continuando a suportar estoicamente até ao fim aqueles anos de tortura e pesadelo a que foram condenados. E é bom não ignorarmos que muitos deles, se não a sua esmagadora maioria, tudo fez e suportou na convicção de estar a lutar por uma causa justa e defensora dos princípios sagrados de uma pátria multirracial, una e indivisível, tal fora a doutrina das nossas escolas e igrejas desde a sua mais tenra idade.

A trinta e oito anos de distância temporal dos acontecimentos que lhe deram sentido e forma, deixo-vos, em anexo, com um grande abraço, o pequeno poema que me trouxe até vós, o qual tomo a liberdade de ilustrar com um acrílico da minha autoria, feito a partir da fotografia do António Ferreira, publicada um ano atrás no blogue.

Esposende, 17 de Abril de 2010
Mário Migueis Ferreira da Silva


3. Rosto de Menino

Rosto de menino
Criança traquina
E mataram-te

Vampiros
Filhos da puta
Bando de abutres
Sacanas
Corja de carrascos assassinos!

Corpo chisnado
Em putrefacção
Réstia de pó
Montículo de cinza
E eras vida



Saltinho, 19 de Abril de 1972
Mário Migueis
__________

Notas de CV:

(1) Vd. último poste de Mário Migueis de poste de27 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6057: Parabéns a você (93): Os novos Notáveis do Reino, Sir Charles Vinhal & Sir Edward Mc Ribeiro, armados Cavaleiros da Tabanca Redonda (Mário Miguéis)

(2) Vd. poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

(3) Vd. poste de 18 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4205: In Memoriam (19): António Ferreira, 1.º Cabo TRMS da CCAÇ 3490, morto em combate no dia 17 de Abril de 1972 (Cátia Félix)

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6211: In memoriam (40): Pequena Homenagem ao Piu, da CCaç 3520/Cacine (Daniel Matos)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5998: Parabéns a você (87): Uma salva de palmas, de homenagem, para o António Baptista, que faz hoje 60 anos, teve uma vida sofrida e conheceu o inferno na terra (Os Editores)




O regresso do "morto-vivo" do Quirafo, conforme notícia do Comércio do Porto, de 18/9/1974. Hoje o António da Silva Baptista faz 60 anos!... Outro jornal do Porto, o Jornal de Notícias, acompanhou-o também na visita à sua própria campa, no cemitério da sua freguesia, no concelho da Maia...

 Fonte:
29 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4262: Recortes de imprensa (16): O Morto-vivo no Jornal de Notícias e em O Comércio do Porto (Mário Migueis)

1. Comentário do Manuel Reis (*):

Caros amigos:

A tragédia, em si, constitui um acontecimento tão traumatizante, que todos preferem não falar dele.
É espantoso que não surja alguém, com ligações aos intervenientes na tragédia [, de Fajonquito,] e que, presencialmente, tivessem detectado algum mal estar entre eles.

As testemunhas, que não o são, contradizem-se. Soube pelo Blogue deste acontecimento, que constitui um autêntico enigma.

Um abraço amigo.
Manuel Reis

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Manuel Reis:

Não é caso virgem, este silêncio quase tumular à volta da tragédia desencadeada pelo Sold Almeida, em Fajonquito, na Páscoa Sangrenta de 1972 ... Não temos ninguém da CART 2742 (comandada pelo Cap Figueiredo), como não temos ninguém da CCAÇ 1790 (comandada pelo Cap Aparício) que sofreu quase três dezenas de mortos no desastre no Cheche, na travessia do Rio Corubal, em 6 de Fevereiro de 1969, depois da retirada de Madina do Boé...

Parece haver um grande pudor em falar destas tragédias... Os nossos camaradas fizeram o luto patológico, de tal modo que ao fim destes anos há uma espécie de pacto de silêncio à volta deste "pathos"... Acontece nas famílias, nas comunidades, nos povos... A hístória está cheia destes silêncios, individuais e colectivos...


Temos aí outras tragédias, já evocadas no blogue: estou-me a lembrar, por exemplo, da terrível emboscada do Quirafo..



Tirando o pobre do António Baptista [, foto à esquerda], não tenho ideia de ter aparecido alguém da CCAÇ 3490 (comandada pelo Cap Lourenço), unidade de quadrícula do Saltinho, que pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), a falar deste brutal massacre... Os próprios militantes do PAIGC sempre tiveram (e continuam a ter, aqueles que ainda estão vivos), dificuldade em verbalizar as suas emoções ou desfiar as suas memórias face a tragédias como a morte dos "três majores portugueses", íntimos de Spínola, no Chão Manjaco, ou a luta fatricida que levou ao miserável assassinato de Amílcar Cabral.


E a propósito, lembrei-me, agora, de repente, que o nosso "morto-vivo do Quirafo" faz hoje anos, 60 anos!!! Eu sei que ele não nos lê, mas através do administrador do blogue da Tabanca de Matosinhos, o Álvaro Basto que tem sido para ele mais do que camarada e amigo, um pai e um irmão... daqui vai uma salva de palmas para o Baptista que teve uma vida sofrida e conheceu o inferno na terra....Ele é bem merecedor de todo o nosso carinho e solidariedade.
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)

quinta-feira, 27 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P994: Ecos da emboscada no Quirafo

1. Mensagem (algo enigmática) do Joaquim Guimarães, o único elemento da nossa tertúlia, até à data, que pertenceu à infortunada CCAÇ 3490... Pergunto-lhe: Eles, quem ? O Capitão Lourenço, o Alferes Armandino ?...

Eu estava lá... O mais triste é o rumo de como a notícia se está a desenrolar ...

Ficção, narratismo...Cowboy ? Incompatibilidade...

O Quirafo aconteceu e eu sabia que tarde ou cedo ELES iriam ser mencionados.

Um abraço
Guimarães


2. Mensagem do Sousa de Castro:


© Foto: Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)


Recordo perfeitamente este episódio que o Paulo conta. Falou-se muito no Xime sobre este caso ocorrido no Saltinho, em Abril de 72. Dizia-se na época que tinham ido buscar água a uma fonte quando foram emboscados.

Não me recordo do nome do Trms apanhado à mão, mas falava-se num indivíduo que frequentou comigo o curso de Trms em Arca d'Água, no Porto, e que era natural do Porto. Na altura, pelas indicações que me deram fiquei com uma imagem de um fulano que conheci no RTm (Porto) (não sei até que ponto isto é verdade).

Após o 25 de Abril de 1974 ouvi também falar que o Trms afinal apareceu vivo. Era bom encontrá-lo.

Sousa de Castro (ex-1º cabo Trms Guiné - Xime/Mansambo)

3. Mensagem do António Santos (ex-soldado de transmissões, Pelotão de Morteiros 4574/72, Nova Lamego, 1972/74):


Fotos: © António Santos (2006)

Amigos tertulianos:

Quando cheguei a Nova Lamego, em Julho de 72, um dos assuntos mais falado era precisamente este, mas não liguei muito porque pensava na altura que eram das costumadas bocas da velhice, bocas que por serem tantas acabavam por ter um efeito contrário: não acreditarmos à primeira... Afinal, foram precisos estes anos todos para acreditar que aquilo não foi história.

Na época referenciavam só Galomaro, não se falava em coordenadas, e que o Batalhão era pira e que fora descuido e/ou inexpereência dos nossos camaradas... O que parece bater certo (após ler esta notícia no blogue) foi o número de baixas. Na altura, falava-se contudo em 3 apanhados à unha.

Um abração
António Santos

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P993: A tragédia do Quirafo ainda dói muito (Joaquim Mexia Alves)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Undunduma. Por aqui também passou o Joaquim Mexia Alves, comandante em 1972 do Pel Caç Nat 52. Acabou por ir comandar a CCAÇ 15, sedeada em Mansoa.

Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá)

Texto Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão) , CCAÇ 15 (Mansoa ).

Caro Luis Graça:

Acabei de ler o último post do Paulo Santiago, que me causou obviamente recordações amargas, não só pela perda de vidas que é o mais importante, mas também pela perda de vidas sem sentido, ou apenas para satisfazer o ego de alguém ou de alguens perfeitamente identificados.
Como disse, o Armandino foi meu camarada de curso nos Ranger's e como tal tínhamos uma ligação mais forte e até tínhamos estado a almoçar em casa do Jamil Nasser poucos dias antes (1). Assim que tiver a foto digitalizada, envia-ta.
Pergunta o Paulo Santiago: "Qual a razão que levou o Alf Armandino a não acreditar ?Porque quis prosseguir, utilizando até algumas ameaças para obrigar os civis a subirem para a GMC ? Não tenho uma explicação racional para esta atitude".
Ele sabe a resposta, tal como eu: O Armandino era um tipo generoso e cumpridor. Erámos periquitos e o raio do curso dos Ranger's tinha-nos imbuído daquele espírito de cumprir e obedecer.

Não sabemos o que o proveta lhe terá dito, mas com certeza terá colocado a ordem como vinda do Comandante de Batalhão, à qual ele, proveta, obviamente não disse que não, visto que se calhar até teria sido a fazer a proposta para mostrar serviço.

O Armandino não disse que não e sabemos o que se passou.

Faz-me mais impressão é porque é que o Armandino facilitou, deixando ir o pessoal na GMC de costas voltadas para as bermas, tal como a versão que de imediato chegou ao Xitole.

Tenho a certeza que, se tudo se tivesse passado uns meses mais para diante na comissão, o Armandino provavelmente teria dito ao proveta (2):
- Vai tu sozinho, que nós ficamos aqui a tomar conta.

Tenho quase a certeza que esse Batalhão do Galomaro fez a viagem connosco no Niassa, mas ainda ninguém me confirmou isso.

Quando tiver as fotografias contarei umas histórias, algumas sobre a incompetência de mandar fazer coisas que não serviam para nada, mas que felizmente não tiveram o desfecho que esta teve.

Soubesse ao menos o nosso País homenagear verdadeiramente aqueles que deram a vida por ele, independentemente da política!!!

Tudo isto ainda dói muito!!!

Abraço
Joaquim Mexia Alves
___________________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

(2) Referência ao capitão miliciano Lourenço, da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74): vd. post de 23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P991: A tragédia do Quirafo e os 'básicos' que não tiveram 'cunha' para ficar na 'guerra do ar condicionado' (Manuel Pereira)

Mensagem do nosso camarada Manuel Oliveira Pereira, ex-Fur Mil da CCAÇ 3547/BCAÇ 3884:

Bom dia Luis, bom dia a todos.

Sobre o assunto - emboscada na picada - recordo-me de ouvir relatos do acontecimento. Entre algumas das minhas funções enquanto membro do BCAÇ 3884, uma delas foi ter sido também delegado de Batalhão que me obrigava a deslocações constantes entre o mato e Bissau, no caso, o corredor Bambadinca-Xime-Bissau.

Tive por companheiros delegados de outros Batalhões, um deles o Joaquim Catana de Galomaro. Poderei trazê-lo aqui para que pela sua mão e voz relate o acontecimento, mas do que eu sei, sem de momento poder precisar o número de baixas - mas foram muitas -, é que se tratoum da aparente paz e inexistência de ataques naquele corredor. (Digo aparente porque, tal como o leopardo na espera da presa, também o IN foi sempre paciente).

A balda instalou-se nas colunas e, ao que parece, com a conivência do seu comando, ao ponto de se simularem armas com paus e coisas afins. As colunas, segundo se dizia, eram autênticas passeatas até ao dia da grande emboscada.

Gostaria de ressalvar que, da minha experiência enquanto residente em Bissau, muitos dos relatos apresentavam uma realidade desfocada da realidade vivida no mato. Os comentários no Clube (QG Santa Luzia) - muitos nunca saíram do perímetro da COMBIS -, eram (quase) sempre atribuídas à irresponsabilidade dos básicos que não tiveram cunha para ficar em Bissau.

Como é óbvio, não partilho desta opinião até porque alinhei no duro e, como já há muito referi, muitos foram os locais onde permaneci como operacional e comandante de pelotão (Contuboel, Sonaco, Bafatá, Bambadinca tabanca, Sare Bacar, Nova Lamego, Medina Mandinga, Galomaro e Dulombi - aqui só com o meu grupo, a Companhia deste Batalão tinha abandonado a posição, o Curobal estava perto e com este número de homens o coração esteve sempre a bater) .

Refiro ainda as muitas viagens no Geba em comboio de batelões, para reabastecimento das unidades no interior - a malta do Xime e Bambadinca sabem a que me refiro -, bem assim como as de Dakota, Nord'atlas e DO por todo o território e muito em particular as levas in extremis de munições por esta via a Nova Lamego e Aldeia Formosa no período quente de 1973, já que a via fluvial, marítima e terrestre, era morosa para as necessidades.

Lembro inclusivé a leva de 36 urnas para esta última localidade por o stock se ter esgotado, tantas eram as baixas nas nossas forças...

Tudo este relato para quê? Para vos dizer que sei, vivi e sofri a martirizarão do mato e a boa vida dos guerrilheiros do ar condicionado.

Vou procurar o Catana para que faça o relato da emboscada. Eu estarei por aqui.

Um abraço a todos,
M. Oliveira Pereira
(ex-Fur Mil CCAÇ 3547)

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1970 > Vista aérea do aquartelamento e da tabanca do Xime

Foto: © Humberto Reis (2006)


Texto do António Duarte (ex-furriel miliciano, CART 3493, e CCAÇ 12, Mansambo e Xime, 1972/74)

Caro Luís Graça,

Ao tempo desta emboscada [na picada do Quirafo] (1), eu estava em Mansambo, ainda muito pira, na CART 3493. Como a companhia do Saltinho era do batalhão de Galomaro, a notícia chegou tarde e a más horas e provavelmente filtrada.

Por infeliz coincidência tivemos no Batalhão 3873 a primeira baixa na Ponta Coli, 5 dias depois (2). No entanto gostaria de referir que quando se soube dos contornos desta desgraça, ocorrida aos camaradas do Saltinho, a moral das NT por Mansambo veio abaixo.

Há no entanto um aspecto, também dramático, associado à emboscada referida, que gostaria de partilhar. Daquilo que me lembro, houve dois ou três companheiros, vítimas da emboscada, que foram dados como desaparecidos.

Já após o 25 de Abril e com a conclusão das negociações com o PAIGC, houve libertação de prisioneiros e pasme-se... um dos mortos, que estava sepultado, salvo erro em S. Martinho do Bispo (Coimbra), apareceu, e com ele os dramas associados. O primeiro, para família do desaparecido, a qual porventura, sempre teria alimentado a esperança de o seu ente querido aparecer, que afinal estava morto e para a do morto que estava vivo.

No momento que a TV estava a passar as imagens do drama, só me recordei do Frei Luís de Sousa, do Garrett.

Não sei se alguém do nosso blogue se recorda do tema (3).

Um abraço fraterno,
António Duarte
__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

(2) Vd. posts sobre esta e outras emboscadas em na Ponta Coli, entre o Xime e Amedalai:
26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVII: Coragem, sangue-frio e desprezo pelo perigo em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)(...)

"Perguntei há dias ao Sousa de Castro se tinha cópia da história da companhia dele, na sequência da publicação do episódio da emboscada sofrida pelos seus camaradas na Ponta Coli, na estrada (já então alcatroada) Xime-Bambadinca, às 6 da manhã do dia 22 de Abril de 1972, e de resultaram pesadas baixas para as NT: 1 morto (furriel), 7 feridos graves e 12 feridos ligeiros". (...)

24 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXII: A morte, às 6 da manhã, em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá

(3) Antes de inserir este post no blogue, perguntaei ao resto da tertúlia se me era capaz de identificar a famigerada companhia do capitão-proveta Lourenço, que o Paulo Santiago descreve como um cow-boy, companhia essa que estava no Saltinho e apanhou uma das maiores emboscadas da guerra da Guiné, em 17 de Abril de 1972... A companhia pertencia ao batalhão de Galomaro...
Por outro lado, o António Duarte fala aqui de um morto (dos 11 dados como mortos) que foi enterrado na sua terra (São Martinho do Bispo, Coimbra ?) e que depois do 25 de Abril apareceu na lista dos prisioneiros do PAIGC... Esta história é fantástica, digna como diz o Duarte, de uma peça de teatro como o Frei Luís de Sousa, do Almeida Garrett, e merece ser investigada... Será que aguém terá mais pormenores ?

domingo, 23 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P981: Tabanca Grande: Martins Julião, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)



Guiné > Zona Leste >Ector L1 >Xitole > 1970 > O Alf Mil J. L. Vacas de Carvalho, de lencinho ao pescoço no Xitole, sentado em cima de uma das suas Daimler... À sua direita, o Fur Mil Humberto Reis, o nosso fotógrafo... À direita, o Fur Mil Roda, ambos da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Atrás do Roda, o furriel enfermeiro Godinho da CCS do BART 2917

Foto: © Humberto Reis (2006)


Caro companheiro Luis Graça,

Só há pouco tempo conheci este espaço de encontro. O Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53, Saltinho), foi o camarada responsável pela minha apresentação aos camaradas de tertúlia.

Chamo-me Martins Julião, fui Alferes Miliciano de Infantaria da CCAÇ 2701 (Saltinho, Abril de 1970/Abril de 72).

Hoje sou um pequeno empresário e gerente de uma unidade industrial, após mais de 20 anos como professor do Ensino Secundário.

Tocou-me profundamente aquele recordar, in sitio, da emboscada do Quirafo (1). O Alf Armandino, que era o Alferes mais velho da companhia que me rendeu (eu era na CCAÇ 2701 o Alferes mais velho), tornou-se de imediato, até pela sua imensa simpatia e gentileza, o meu protegido e confidente.

Lembro-me da minha ansiedade em lhe passar toda a minha experiência do terreno e de lhe dizer aquilo que eu considerava nunca se poder fazer em termos operacionais. O seu comandante de companhia era um incompetente perigoso.

O Armandino deu-me umas lembranças típicas da Guiné para entregar à mãe, que morava no concelho de Castro Daire. Nunca reuni coragem para lhas entregar.

Em Dezembro próximo vou à Guiné, provalmente com o Paulo Santiago e outros camaradas da CCAÇ 2701. Prometo trazer notícias.

Um abraço para ti e para todos os nossos camaradas.

Obrigado por teres tomado esta iniciativa de nos juntares de novo.


Martins Julião


PS - Se vires por aí o Vacas de Carvalho dá-lhe um abraço apertado meu e que se deixe de fazer avarias naquelas socatas das Daimler.

Comentário de L.G.:

É sempre uma alegria encontrar camaradas da Guiné, ainda por cima do nosso tempo e da nossa região... És, naturalmente, bem vindo, por estas duas razões. Um abraço... L.G.

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P813: A tragédia da ponte sobre o Rio Balana (José M. Samouco)

Guiné > Gandembel > Ponte Balana > Novembro de 1968 > Passagem de uma coluna logística Aldeia Formosa/ Gandembel.

Texto e foto: © José manuel Samouco (2006)

Aldeia Formosa - Ponte Balana - Gandembel

Depois de uma ausência mais ou menos prolongada, não do acompanhamento do blogue, mas da minha participação, volto hoje na expectativa de obter alguns esclarecimentos.Como elemento da CAÇÇ 2381, Os Maiorais, e durante a permanência em Aldeia Formosa (Quebo) participei em algumas colunas de reabastecimento a Gandembel.

Colunas de má memória! Em 22 de Agosto de 1968, já no regresso entre Chamarra e Aldeia Formosa fomos surpreendidos com uma violenta emboscada, que nos causou alguns feridos graves e outros menos graves nos quais me incluí.

Evacuado para o Hospital Militar em Bissau, regressei após o tratamento de novo a Aldeia Formosa e vá de continuar com as colunas auto de reabastecimento. Numa das idas a Gandembel veio em sentido contrário, ao nosso encontro, um grupo de Paraquedistas, comandados, se não estou em erro, pelo Tenente Terras Marques, que aproveitaram para levantar um sem número de minas que se encontravam montadas ao longo da estrada (picada) e que o Furriel José Manuel Pedro, com o curso de minas e armadilhas, ia rebentando melhor ou pior.

Chegados a Ponte Balana, momentos de descontracção e de convivência com o pessoal do pelotão aí deslocado (2). Viaturas de novo em movimento e toca a saltar para aproveitar a curta boleia até Gandembel. Curiosamente eu tinha deixado a minha G3 na cabine da última viatura e para aí saltei quando da sua passagem. Um soldado que ainda se encontrava apeado, diz-me:
- Furriel saia daí, já viu como a viatura vai carregada?

Não pensei duas vezes e rapidamente saltei indo apanhar boleia na auto-metralhadora que fechava a coluna. Segundos depois dá-se a tragédia. A viatura carregada de bidons de combustível e com inúmeros paraquedistas rebentou com a ponte. Gritos de dor do pessoal que ficou preso entre os bidons, gritos de pânico, gritos de impotência e a viatura caída no fosso em plano inclinado com a cabine bem lá no fundo.

O pessoal de Ponte Balana (2) começou aos tiros para avisar os de Gandembel que havia problemas. Nós, da CCAÇ 2381, desconhecíamos esse procedimento, pelo que devem imaginar o pandemónio que se seguiu.

Depois desta conversa toda chegam as minhas dúvidas e o pedido de esclarecimento se é que é possível. Foi-me dito na altura que, depois de destruída a ponte sobre o Rio Balana, a Engenharia se encarregou de construir um novo tabuleiro. Como se tratava de uma zona altamente perigosa, o engenheiro militar fez-se deslocar de helicóptero e, sem se apear, calculou o tamanho do tabuleiro a construir.

Tempos depois e aquando da montagem da estrutura, verificou-se que o vão da ponte era maior que o calculado. Solução? Colocar sacos de cimento em cada uma das margens do rio, encurtando o vão da ponte de modo a que a estrutura ali assentasse convenientemente. Molhado o cimento, aí está uma ponte pronta a ser utilizada. Realmente foi utilizada até que se deu a tragédia que acabei de descrever. Será verdade? Quem me esclarece esta dúvida?

Em anexo envio uma foto (em mau estado), de Novembro de 1968, no decorrer de uma coluna Aldeia Formosa/ Gandembel. Transportávamos uma estrutura necessária para a travessia de um riacho, que era montada na ida, levantada e de novo montada no regresso.

José Manuel Samouco
(Ex-Furriel Miliciano,
CCAÇ 2381- Os Maiorais)
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 4 de Abril de 20096 > Guine 63/74 - DCLXVIII: O major Fabião e o furriel Samouco, da CCAÇ 2381 (1968/70)

(...) "Apresenta-se o ex-furriel miliciano José Manuel Samouco, pertencente à Companhia de Caçadores 2381, Os Maiorais, que passou pela Guiné entre Maio de 1968 e Abril de 1970. Sou camarada de guerra do Zé Teixeira e por ele viciado no blogue" (...)

(2) Vd. post de 18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

A CCAÇ 2317, aquartelada em Gandembel, tinha um grupo de combate a defender a Ponte Balana (de Abril de 1968 a Março de 1969). Estas duas posições foram abandonadas pelas NT.