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terça-feira, 15 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26692: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (7): Coluna de Reabastecimento a S. João - Coluna a S. João em 08/12/69 e Colunas de reabastecimento a Lala

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


17 - COLUNA DE REABASTECIMENTO A S. JOÃO
Saída de uma coluna
Regresso da coluna
Chegada ao quartel

Sempre que estava presente em Nova Sinta e havia colunas de reabastecimento a S. João, eu fazia todas. As localidades distam cerca de dezoito quilómetros. Era sempre necessário picar a estrada para detetar e levantar minas e foram algumas que se conseguiram. Demorava algumas horas a percorrer a distância.

Numa dessas colunas chegamos a S. João ao final da tarde. Estacionamos as viaturas em local devido e preparamo-nos para comer a ração de combate. O alferes do destacamento veio falar comigo e muito gentilmente propôs para não comermos a ração e ofereceu uma refeição quente, nada mais nada menos que um bacalhau com batatas, com a promessa da minha parte de lhe devolver a quantidade de géneros utilizados. Oferta irrecusável. Lá arranjei dois cozinheiros improvisados e que estiveram à altura da tarefa. Depois da refeição o pessoal preparava-se para ir dormir num colchão muito duro. Nada mais nada menos que o estrado das viaturas, sem cobertores e sem mosquiteiros ficando à mercê dos mosquitos. Só nesse momento me apercebi que os alferes e furriéis do pelotão, tinham ido para Bolama atravessando o rio, bastante largo, num barco de fibra de vidro.

Eu lá fiquei a dormir junto dos soldados, naquele confortável colchão. O batelão que transportava a carga, estava previsto atravessar o rio, de Bolama para S. João, ao raiar da manhã. Creio que devido a questões de maré ou de segurança, a travessia foi antecipada. O alferes do destacamento recebeu uma mensagem de Bolama a informar o facto. Procurou-me e disse o que se estava a passar e que teríamos de ir fazer a segurança ao batelão. Acabou com o nosso repouso. Acordei os 1.ºs Cabos e estes os restantes soldados. Lá fomos para a beira rio montar o perímetro de segurança. Mais ou menos duas horas depois começamos a ouvir o motor do barco. Chegado a S. João mantivemos o plano traçado.

Aos primeiros raios de sol começamos a tarefa de descarga e a carregar as nossas viaturas. Do alferes e dos furriéis nada. Efetuada a tarefa e enquanto esperávamos por eles, a maioria do pessoal aproveitou para se banhar no rio. Depois de ter suado na trasfega da carga, comecei a suar muito mais, desta vez com o nervoso miudinho. Numa viatura sentado em cima dos caixotes, perguntava a mim mesmo o que fazer. Entretanto o alferes do destacamento veio informar, que o motor do barco que os levou para Bolama tinha avariado e que o capitão daquele quartel não autorizava a cedência do barco deles. Enviar uma mensagem para Nova Sintra a informar o que se estava a passar e pedir instruções? Isso iria de certeza criar problemas disciplinares aos fugitivos. Aguentei mais duas horas. Suava por todos os lados, até que ouvi o barulho do motor. Eram eles. Chegados, não houve tempo para conversas e iniciamos o regresso, sem que a estrada fosse novamente picada, o que era um risco muito grande. Chegamos bem ao destino. O alferes teve o bom senso de ir informar o capitão do que se tinha passado e o assunto morreu aí, salvo eventual raspanete.

Mas a história não acabou aqui, é que dois soldados também foram para Bolama e por lá adormeceram numa qualquer tabanca e ficaram. As férias antecipadas custaram-lhes sanções disciplinares


18 - COLUNA A S. JOÃO EM 08/12/69
Estrada Nova Sintra – S. João
Regresso à saída de S. João
Cais de S. João. Do outro lado é Bolama

A determinada altura a coluna parou. Foram verificados vestígios da passagem de elementos do PAIGC, tendo sido de imediato iniciada uma incursão na mata, para ver o que se passava. Ouviu-se um rebentamento. Fora acionada uma mina anti pessoal, por um soldado da CCAV 2482, cujo pelotão estava destacado, temporariamente, em Nova Sintra.

De imediato foi pedida a evacuação e iniciada a preparação para a sua efetivação e na qual participei. Foi encontrada uma clareira na mata, mas mesmo assim foi necessário desmatar à catanada, mais alguma vegetação.

O helicóptero começou a sobrevoar o local e o piloto exigiu que a clareira tinha de ser alargada e devidamente sinalizada. As catanas voltaram à ação. Como sinalização tive uma ideia que foi posta em prática. Coloquei no centro do local de aterragem, duas t-shirts brancas, uma que levava vestida e outra que levava na viatura para servir de pijama, que foram cravadas ao solo com umas pequenas estacas.

Assim o helicóptero pousou em segurança e consumada a evacuação.


19 - COLUNAS DE REABASTECIMENTO A LALA

Lala é um local situado à beira de um rio, sem qualquer tipo de cais de acostagem, onde só iam as LDM que quase escostavam à margem, tendo as descargas de ser feitas rapidamente, conjugadas com as marés, para evitar que na maré baixa ficassem essentes na terra, correndo o risco de serem flageladas.


No final do trabalho toda a malta aproveitava para dar uns mergulhos e braçadas no rio.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 8 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual

Guiné 61/74 - P26691: História de vida (57): o fur mil vagomestre António Fonseca que acabou por ter uma morte trágica no Algarve, em Albufeira, com a toda a família em 2009 (Luís Dias, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > CCAÇ 3491 (1971/74) > Dulombi > "O ex-furriel mil vagomestre Fonseca é o segundo a contar do lado esquerdo (com o seu aprimorado bigode)". (Da esquerda para a direita, furriéis Almeida, Fonseca, Gonçalves, E.Santo, 1º srgt . Gama, cap Pires, alf Luís Dias e Parente,  furriéis Machado (já falecido), Rodrigues e Reis; em pé, da esquerda para a direita,  fur Baptista, os 2 impedidos da messe,  furriéis Nevado e Carvalho.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > CCAÇ 3491 (1971/74) > Dulombi > 1972 > "À porta da messe dos oficiais e sargentos: da equerda para a direita,  fur Fonseca (o nosso vagomestre), fur Batista (com a cara meio tapada), fur Gonçalves (só se vê a cara), fur Rodrigues (o nosso especialissimo mecânico auto rodas) e em primeiro plano o 1º srgt Raul Alves... Foto gentilmente cedida pelo camarada Manuel Rodrigues, ex-fur mil mecânico auto, que mantinha as nossas viaturas sempre operacionais".


Fotos (e legendas): © Luís Dias (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar de: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



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Crachá da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro,  dez 71 - mar 74)




Luís Dias
1. Mensagem de Luís Dias, o nosso especialista em armamentp, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro,  dez 71 - mar 74), inspetor da Polícia Judicionária reformado (tem 107 referências no nosso blogue que integra desde 30/5/2008):


Data - domingo, 13/04/2025, 21:52
Assunto -  O nosso vagomestre António Fonseca 
 

Caro Luís Graça:


Na CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, que esteve na Guiné entre 24 de dezembro de 1971 e 28 de março de 1974, tínhamos como vagomestre o furriel miliciano António Fonseca. 

A CCAÇ 3491 foi colocada no Dulombi, Leste da Guiné, estando:

  •  isolada vários quilómetros da CCS (Galomaro - a cerca de 20km);
  • a sul,  a CCAÇ 3490 - Saltinho (não havia estrada ou picada para este aquartelamento, ida do Dulombi, pelo que a volta para lá chegar era ir através de Bambadinca, Xitole (150 km);
  • a norte,  ficava a CCAÇ 3489, com picada/estrada indo por Galomaro (40 km);
  • à nossa frente ficava o Rio Corubal (40 km), zona para a qual efetuávamos a maior parte das operações. 

Estávamos isolados. A comida não era e nunca foi grande coisa e estávamos sempre a apertar com o vagomestre (*). Ele raramente  participava nas colunas semanais que fazíamos a Bafatá e Bambadinca para ir buscar abastecimentos. 

Certa vez, um dos bidões de azeite, depois de abertos no quartel, estava adulterado por água (alguém "palmara" azeite e completara o bidão com água). Aliás houve também casos de adulteração de garrafas de uísque. Não se sabendo se a adulteração já vinha da metrópole ou era feita em Bissau. 

O capitão reagiu e passou a obrigar o  furriel a ir em todas as colunas de abastecimento para verificar os carregamentos. 

O furriel para se desenrascar teve de pedir alguns litros de fornecimento de azeite às outras companhias do batalhão, com a promessa de os devolver o mais breve possível. 

Houve um período, em 1972, em que devido às chuvas as colunas não conseguiam passar porque a picada ficou intransitável em vários pontos e também não se conseguiu largada de frescos pela aviação, pelo que houve que recorrer a rações de combate e até pagar a caçadores indígenas a compra de caça variada obtida.

Entretanto, a nossa companhia foi transferida praticamente toda para a sede do Batalhão, em Galomaro, isto em 9 de março de 1973 (quando era eu o comandante da mesma, porque o capitão estava de férias), deixando no Dulombi 2 pelotões de milícias e 13 elementos de apoio (1 auxiliar de enfermagem, pessoal de transmissões, cozinheiros, condutores, mecânicos, apontadores de morteiros 81 mm, professor da escola dos miúdos, etc.), comandados por um dos meus furriéis e tendo como adjunto o furriel de transmissões. 

Esta saída inopinada deveu-se a um forte ataque sofrido pela CCS, no dia 1 de dezembro de 1972 e depois de 2 ataques anteriores rechaçados muito bem no Dulombi e ter surgido o general, Comandante-chefe,  e o nosso comandante de Batalhão,  em visita inopinada ao Dulombi, onde tive de explicar a atividade operacional que realizávamos e os resultados obtidos.

Em Galomaro, a situação era diferente e passámos a depender, em termos de comida, da organização já montada para a CCS, pelo que o nosso furriel vagomestre foi enviado para Bissau, para ser o representante do Batalhão na administração de abastecimentos. 

A companhia a 3 grupos de combate (o outro grupo foi reforçar o batalhão de Piche) ficou a efectuar operações na zona de Galomaro e também na zona do Dulombi (ficámos com mais do dobro do território anterior). 

Depois de ser enviado com o meu grupo para Piche (onde se  comia muito bem - oficiais e sargentos, mas muito mal os soldados, o que me levou a ter problemas com o comandante), ainda estive a comandar o CIM de Bambadinca, depois fui para Nova Lamego, onde estava o meu grupo de combate e depois fui para Pirada, onde estive poucos dias, voltando a Nova Lamego. Nestes três últimos locais, em termos de comida, não posso dizer mal.

Em inícios de janeiro de 1974, recebi ordens de regressar ao Dulombi, onde voltei a reunir-me com a companhia (todos os elementos de apoio, onde estava também o furriel vagomestre, entretanto regressado de Bissau), porque os outros grupos de combate estavam 2 em Galomaro e 1 em Nova Lamego. 

Nesta altura fui incumbido de ser o responsável por realizar a parte operacional com os grupos de combate da nova companhia que vinha nos substituir (a 1ª CCAÇ/BCAÇ 4518).

Nessa preparação havia o cuidado de verificar se na nossa zona da frente (lado de onde normalmente partiam os ataques do PAIGC) havia material que tivesse ficado por explodir, para o neutralizar.

Aqui chegado, devo referir que o amigo António Fonseca tinha muito "respeitinho", direi mesmo receio,   de alinhar na parte operacional, o que se compreende, porque não lhe competia. Deste modo, se houvesse uma coluna de abastecimentos de 10 viaturas ele seguia na décima, se fosse de 3 ou 4 viaturas ele seguia sempre na última, com o justo receio de que podia apanhar com alguma mina A/C.

Tinha detetado,  a cerca de 100 metros do nosso arame farpado, uma granada de morteiro 81 mm GEGP que fora disparada num dos ataques que o quartel sofrera e que não explodira. 

Escavei uma defesa de terra, em relação ao quartel, coloquei um petardo de TNT 100g, com detonador eléctrico, junto à granada, sem lhe tocar e estendi o fio até ao quartel e coloquei-me por trás do edifício do comando e avisei as torres de sentinela, bem como o pessoal da companhia para que se protegesse e acionei o detonador. 

Deu-se a explosão e pronto, estava feito. De repente, reparo que,  em frente à messe de oficiais e sargentos, estava o nosso amigo vagomestre com a mão na cabeça e olhar incrédulo. Então não é que o furriel, em vez de se esconder por trás do edifício, ficou, sem proteção,  a ver a explosão, não tendo ligado às instruções que eu dera ?!...

O furriel António Fonseca, um recatado militar, que punha todos os cuidados quando era obrigado a sair em coluna, ficou de peito feito a ver o que acontecia. 

A sorte protege os audazes e foi o que aconteceu. A cabeça da granada de morteiro veio de lá, e caiu a cerca de 2 metros dos seus pés. Passado quase uma hora ainda estava quente, um pouco mais e tinha atingido o nosso vagomestre, e podia-lhe ter tirado a vida.

Os anos passaram e a companhia voltou a reunir-se em convívios, 25 anos após a nossa chegada à metrópole. Contávamos histórias, episódios acontecidos e lá vinha sempre à memória o que podia ter acontecido ao furriel vagomestre e dizíamos que "sorte tiveste". 

Contudo, uma horrível notícia, referia uns anos depois, que na Praia da D. Luísa, um grupo de pessoas tinha ficado debaixo de uma arriba que desabou. O infortúnio tinha acontecido, o nosso amigo e companheiro furriel António Fonseca, juntamente com a sua esposa e filhas,   eram algumas das vítimas do funesto desastre (**).

Que possam as almas desta família estar no eterno descanso.
Abraço
Luís Dias

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Notas do editor LG:

(*) Último poster da série > 13 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26681: Histórias de vida (56): Berta de Oliveira Bento, a Dona Berta da Pensão Central, Bissau (1924 -2012)

(**) Vd. poste de Blogue > Histórias da Guiné 71-74: A CCAQÇ 3491, Dulombi > Sábado, 29 de agosto de 2009 > Morte trágica de um camarada

(...) Caros Camaradas: cumpre-me a dolorosa missão de vos informar da morte trágica do camarada José Batista Mota Fonseca,  o nosso ex-furriel vagomestre. O Fonseca perdeu a vida juntamente com a sua esposa e as duas filhas, na derrocada que se deu no passado dia 21, na Praia da Maria Luisa, em Albufeira, onde se encontrava a passar férias.

Este triste acontecimento foi-nos participado pelo nosso camarada ex-furrriel Carvalho.
À família enlutada as nossas sentidas condolências.
Descansa em paz,  querido amigo.

Luís Dias (...)
 

Guiné 61/74 - P26690: Parabéns a você (2367): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf da CCS/BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70)

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Nota do editor

Último post da série de 11 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26673: Parabéns a você (2366): Jorge Picado, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885 e da CART 2732 (Mansoa, Mansabá e Teixeira Pinto (CAOP 1), 1970/72)

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26689: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte I



Foto nº 1 e 1A > O hastear da bandeira, logo pela manhã... Reconhecemos o alf mil Jorge Loureiro Pinto, na ponta esquerda, em farda nº 2... Pensamos que o autor das fotos, o Armando Oliveira, é quem está a hastear a nossa bandeira...




Foto nº 2 e 2A > O autor junto ao obus 10.5 cm





Foto nº 3 e 3A  > Sentado no monumento erigido pela CCAV 2492, "Boinas Negras" (Fulacunda, 1968/70). Foto nº 3A: A foto do guião dos "Boinas Negras" é uma cortesia de Carlos Coutinho (2009)




Fotos nº 4 e 5 > Junto ao monumento da CCAÇ 1624, que teve dois mortos, o sold Saliu Djassi (13-1-67) e o  sold Guilherme Moreira (21-1-68). A CCAÇ 1624 (1966/68) esteve em Fulacunda, Catió, Fulacunda, Bolama, Mejo, Porto Gole, Fulacunda, entre novembro de 1966 e agosto de 1968.


Foto nº  6 > Pose no jipe


Foto nº 7  > Junto à metralhadora pesada Breda, de que o Armando era o apontador,  montada no alto do fortim.
 

Foto nº 8 > Na LDG que levou os "Serrotes" a Fulacunda


Foto nº 9 > Montando segurança na foz do rio Fulacunda, afluente do rio Geba, a dois km do quartel e tabanca. 

Foto nº 10 >  Uma mascote (macaco-cão) numa  GMC, MG-04-82 (a famosa viatura do tempo da guerra da Coreia, dizia-se, que  "gastava 100 aos 100")...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Fotos do álbum do Armandfo Oliveira, natural do Juncal, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses; vive no Porto.


Fotos (e legendas): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complemerntar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  O Armando Oliveira, ex-1º cabo,  3ª C/BART 6520/72, "Os Serrotes" (Fulacunda, 1972/74), pertencia  ao 3º Pelotão, comandado pelo nosso amigo, camaradada e grão-tabanqueiro  Jorge Pinto, e passou há dias a sentar-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 901. 


A esta companhia também pertenceu o José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, tal como o ex-alf mil Fernando Carolino, de rendição individual.

É meu  conterrâneo,  da minha segunda terra, Marco de Canaveses, embora viva no Porto.  Trabalhou 37 anos, como civil,  no Hospital Militar Dom Pedro V, Porto.

Tem uma bela coleção de "slides" da Guiné, que mandou digitalizar. Uma parte dessas imagens já foram publicadas em postes do José Claudino da Silva, e nomeadamente na série "Ai, Dino, o que te fizeram"...

 Voltou  â Guiné-Bissau 4 vezes, tendo sempre passado por Fulacunda. Mandou-me pelo correio uma "pen"  com o seu espólio fotográfico, que só vou ver depois de regressar ao Sul, em passando a Páscoa. Estou "de férias em Candoz"...
 
As fotos que publico hoje são retiradas, com a devida vénia, da sua página do Facebook  (temos 24 amigos em comum).

Guiné 61/74 - P26688: S(C)em Comentários (64): o blogue da Tabanca Grande, segundo Carlos Matos Gomes (1946-2025)


Carlos Matos Gomes (1946-2025)
Foto de José Morais
(com a devida vénia...)

1. Excerto do poste P26683 (*):


(...) Penso, sem qualquer lisonja, para a qual tenho espinha demasiado rígida e a boca demasiado dura, que este blogue é algo de extraordinário. Um daqueles casos que nos aquecem a esperança e nos incham a alma.

É extraordinário a vários títulos: pela ideia de reunir antigos combatentes num espaço democrático (o que quer dizer de livre expressão de cada um e de obrigatório respeito por todos e cada um dos outros), onde relatassem as suas experiências de há 30/40 anos, revivessem a sua grande aventura dos 20 anos, restabelecessem contactos, amizades e camaradagens, recordassem através da escrita e da imagem os lugares, os acontecimentos e as pessoas com quem partilharam os seus tempos da guerra, que servisse até de veículo de ajuda.

É extraordinário porque tem mantido o diálogo entre pessoas com diferentes visões da guerra e das situações num elevado nível de tolerância, mesmo quando o calor provoca reacções mais ásperas.

É extraordinário porque o colectivo do blogue conseguiu criar um "espírito de corpo" entre os tabanqueiros, que se reveem nas histórias, nos convívios que se vão multiplicando, nas acções que se desenvolvem, seja de solidariedade e ajuda ao povo da Guiné, seja a camaradas em dificuldades, seja ainda a familiares que procuram reconstituir as histórias de parentes seus na guerra.

O bloque e a Tabanca são um espaço de pureza e generosidade.

A pureza do blogue e dos seus tabanqueiros tem a ver com aquilo que é a sua matriz, a sua característica fundadora, o seu ADN: o blogue serve para relatar, contar, descrever, para transmitir emoções, para despejar pesos acumulados.

O blogue é a camaradagem, o que desaconselha grandes reflexões, análises e explicações. Deve continuar assim. É a sua força. (...) (**)
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Nota do editor:


(**) Último poste da série > 13 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26682: S(C)em Comentários (63): Era o que faltava um miliciano, como o Rui Alexandrino Ferreira, com uma Torre e Espada! (Antº Rosinha)

Guiné 61/74 - P26687: Convívios (1019): 33.º Almoço Comemorativo da CCAÇ 1684, "Panteras", a realizar-se no próximo dia 17 de Maio de 2025 em Alcoutim


1.
Mensagem de Cristina Ramos Marques com data de 13 de Abril de 2025:

Bom dia,

O meu nome é Cristina Marques, sou filha de um Ex-Combatente, António Guilherme Afonso Marques - Nome de tropa AFONSO, que esteve na Guiné de 1967/69 - CCaç 1684 - Panteras.

Gostaria de participar o Almoço-convívio que se irá realizar no próximo mês de Maio de 2025, dia 17, e pelo menos tentar juntar os Ex-Combatentes desta Companhia.

Junto anexo, embora sem o logotipo dos Panteras,  a cópia da carta enviada aos elementos de que dispomos de endereços/moradas.

Agradeço desde já a atenção dispensada
Att e ao dispor
Cristina Ramos Marques


********************

Exmos. Senhores,

Como é do vosso conhecimento e já tem vindo a acontecer nestes últimos anos, e este não será exceção.

Irá realizar-se no próximo dia 17 de maio de 2025 o 33.º Almoço Comemorativo da Companhia 1684 – Guiné e contamos com a vossa presença.

  • Ponto de encontro às 11:00 horas junto à estátua dos Combatentes, Paços do Concelho em Alcoutim;
  • Missa na Igreja Matriz de São Salvador às 12:00 horas;
  • Almoço no Castelo de Alcoutim com vista sob o Rio Guadiana e Sanlúcar de Guadiana (Espanha) às 13:00 horas.

Agradecemos que confirmem a vossa presença e acompanhantes até ao próximo dia 2 de maio de 2025.

As reservas devem ser confirmadas através dos seguintes números:

  • Cristina Marques (filha) 926 163 349
  • Afonso Marques 966 216 210

Com os melhores cumprimentos,
Cristina Ramos Marques | cristinaramos200802@gmail.com

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Nota do editor

Último post da série de 14 de Abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26685: Convívios (1018): 52.º Almoço de confraternização da CCAÇ 12, Pelotões Daimler e Caçadores Africanos, dia 31 de Maio de 2025, na cidade do Porto (Jaime Pereira)

Guiné 61/74 - P26686: Notas de leitura (1789): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Há algo de emocionante nos depoimentos de um punhado de convocados para falar de Rui Alexandrino Ferreira, da vida no Quebo, daquelas emboscadas duríssimas no chamado corredor de Guileje e suas variantes, nos patrulhamentos ininterruptos junto da fronteira; trata-se de gente de dois batalhões, de companhias de intervenção que conviveram com a CCAÇ 18, que jamais esqueceram que para além dos riscos de toda aquela operacionalidade chamada contrapenetração havia a vida na tabanca militar, alugaram-se junto da população civil habitações onde houve introduzir algum conforto, desviou-se cimento, tirou-se uma baixada de eletricidade, ninguém esqueceu o quarto do então capitão Rui Alexandrino que tinha um ambiente de casa de diversão noturna, não faltavam fotografias da Playboy, três ventoinhas, um gira-discos, uma pequena geleira, encontrou-se algum mobiliário de quarto, fez-se uma zona de balneário, instalou-se uma sanita, todos recordam aquele quarto como ponto turístico da Aldeia Formosa, uma vulgar e mísera palhota tornou-se um lugar de refúgio para muitos, ninguém esqueceu este ousado capitão que, como escreveu Pezarat Correia, aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom-senso.

Um abraço do
Mário



Memórias do Quebo, da CCAÇ 18, o testemunho de amigos (2)

Mário Beja Santos

"Quebo, Nos confins da Guiné", Palimage (palimage@palimage.pt), 2014, é o segundo livro de Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022) que fez duas comissões na Guiné. 

A primeira deu origem a uma obra de consulta obrigatória para quem estuda a literatura da guerra colonial, "Rumo a Fulacunda", Palimage, 2000; a segunda é "Quebo" que nos leva à sua segunda comissão, é já capitão e comanda uma companhia de tropa guineense, a CCAÇ 18. Começa por justificar as razões que o levaram, já na disponibilidade, em dezembro de 1967, e tendo regressado a Sá da Bandeira, onde pensa que iria encontrar readaptação, veio a descobrir que não era numa repartição de fazenda pública que sonhava viver, e decidiu então regressar à vida militar. 

Na primeira comissão recebera a condecoração da Cruz de Guerra de 1.ª Classe, descobrira o sentido da liderança e a vocação para comandar homens.

Arribou à Guiné, andou no Pelundo, recebeu ordem de ir formar uma companhia de caçadores africanos, a 18. E partiu para Aldeia Formosa, conviveu com dois batalhões, resolveu passar ao papel as recordações da segunda comissão, o relato tem singularidade de convocar amigos e camaradas desta segunda comissão, é o caso do capitão Horácio Malheiro, comandante da CCAÇ 3399, estacionada no Quebo entre agosto de 1971 e agosto de 1973, por curiosidade já tinham ambos feito comissão em 1967 e casualmente percorreram as mesmas estradas e trilhos. Lembra que os oficiais não tinham residência dentro do aquartelamento, alugavam na tabanca casas dos indígenas, punham algum conforto como telhados de chapa de zinco, portas e janelas, a luz vinha do gerador do quartel, fizeram-se latrinas e balneário. 

Não esqueceu os acontecimentos da noite de 24 de dezembro de 1971, houve tiroteio entre tropa metropolitana e guineense, tudo nasceu de um desacato, os guineenses puxaram pelas armas, houve um morto e feridos, Spínola apareceu prontamente, arengou, quis conhecer os autores do desacato, houve expressões azedas entre Spínola e Rui Alexandrino, Spínola deu umas bofetadas e mandou conduzir sob prisão para o avião um conjunto de militares, aplicando uma pesada pena ao comandante do batalhão, foi automaticamente removido do cargo.

Recorda as atividades da CCAÇ 18 e os seus sucessos nas emboscadas; dá especial ênfase à Operação Muralha Quimérica, previa-se a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de zonas libertadas, a CCAÇ 3399 e a CCAÇ 18, bem como os paraquedistas, os comandos africanos e o grupo especial do Marcelino da Mata percorreram a região do Cantanhez, foi uma operação que durou 12 dias, não houve encontro com as forças do PAIGC e os visitantes. 

Refere Horácio Malheiro que comandou a companhia operacional que esteve mais tempo em intervenção em toda a guerra da Guiné, com missões no corredor de Guileje, em múltiplos patrulhamentos na fronteira, oito meses de proteção à abertura de uma estrada alcatroada dirigida a uma das principais bases do PAIGC no Sul, Unal-Salancaur e colunas de reabastecimento entre Aldeia Formosa e Buba. A guerra tinha evoluído, abrira-se uma nova frente de atividades com a construção de uma nova estrada, Mampatá-Colibuia-Cumbijã-Nhacobá, e de três novos quartéis em Colibuia, Cumbijã e Nhacobá, foi um período de atividade muito intensa e desgastante. Diz-se que o quartel de Nhacobá foi ocupado em 21 de maio de 1973 e abandonado a 25 de maio, por não oferecer condições de segurança mínimas e ter ataques contínuos com duração de horas.

O autor recorda a morte de Virgolino Ribeiro Spencer na já referida noite de 24 de dezembro de 1971 e dá a palavra a um conjunto de intervenções de amigos e camaradas, como Alexandre Valente, Aristóteles Tomé Pires Nunes, Carlos Naia, Carlos Santos, Eduardo Roseiro, Hélder Vaz Pereira, João Manuel Marcelino e Joaquim dos Reis Martins, há neste acervo observações muito curiosas, dão para perceber como ia evoluindo a guerra, Aldeia Formosa passou a ser flagelada, conta-se a história do sargento Hélder Vaz Pereira que foi graduado em alferes dada as suas qualidades de combatente e chefe, traz-nos um belo depoimento, dizendo a dada altura: 

“Com a partida do capitão Rui, em setembro de 1972, a tabanca da 18 perdeu todo o encanto que tinha e foi desativada.” 

E despede-se com agradecimentos: 

“Aos que comigo se alegraram nos bons momentos e aos que me ajudaram a suportar e superar as dores dos maus momentos, as angústias, os temores, as incertezas, os medos, os pesadelos e as desilusões que muito me ensinaram, a todos manifesto o meu mais profundo reconhecimento, do capitão Rui Ferreira ao último dos soldados, a todos, fico devedor para toda a vida.”

Rui Alexandrino despede-se rememorando histórias rocambolescas da guerra que escaparam ao seu primeiro livro "Rumo a Fulacunda", recorda a sua participação na Operação Muralha Quimérica, guarda muitas perguntas sem resposta, tais como: 

  • Estaria a Guiné em condições de se tornar independente? 
  • Quem mandou matar Amílcar Cabral? 
  • Foi apurada a responsabilidade de alguém sobre a tragédia do Corubal onde morreram 47 militares portugueses? 
  • Por que não se realizou, relativamente ao abandono de Guileje, o julgamento de Coutinho e Lima? 
  • Por que não prosseguiu o julgamento todo o caminho que lhe faltava?

 Pedro Pezarat Correia tece um grande elogio ao autor no seu depoimento:

“Há uma característica da liderança que considero o tempero decisivo capaz de se conferir virtude a determinados atributos de comando que, sem ela, podem tornar-se excessivos e transformar-se em defeitos perversos. Refiro-me ao bom-senso, o equilíbrio moderador que impede que a coragem resvale para temeridade gratuita empurrando os seus homens para riscos desnecessários, que evita o culto da disciplina pelo lugar ao autoritarismo desumano, que a tolerância resvale para o laxismo, que o gosto pela decisão rápida caia na precipitação, que o excesso de ponderação conduza à hesitação. O bom-senso confere sangue-frio a situações de pressão emocional, presença de espírito quando à volta se instala a ansiedade. É uma virtude que, normalmente, se adquire com a idade, com a experiência, com a dimensão da responsabilidade. Apesar da sua juventude, o capitão Rui Alexandrino Ferreira aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom-senso, o que lhe permitiu aplicar a usa coragem, o seu sentido de disciplina, o seu gosto pela decisão, na medida e no sentido convenientes.”

Que fique a boa memória do coronel Rui Alexandrino Ferreira.

Aldeia Formosa, 1973, fotografia de José Mota Veiga já publicada no nosso blogue
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Nota do editor

Último post da série de 11 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26678: Notas de leitura (1788): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26685: Convívios (1018): 52.º Almoço de confraternização da CCAÇ 12, Pelotões Daimler e Caçadores Africanos, dia 31 de Maio de 2025, na cidade do Porto (Jaime Pereira)

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Nota do editor

Último post da série de 6 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26658: Convívios (1017): 61º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, em Algés, dia 29 de maio, quinta, com a presença dos nova-iorquinos Vilma e João Crisóstomo (Manuel Resende, régulo)

Guiné 61/74 - P26684: In Memoriam (543): Carlos Matos Gomes (1946-2025): velório, dia 15, terça, a partir das 19h, na Capela da Academia Militar, funeral no Alto de São João, quarta, pelas 11h


Foto nº 1


Foto nº 2

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Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 > Amura: um lugar repleto de história(s)

Fotos e legenda: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008), no último dia do evento. Na foto nº 1, o cor cav 'cmd' na situação de reforma, Carlos Matos Gomes (1945-2025), um homem do MFA da Guiné e um conhecido e talantoso autor de romances de guerra como Nó Cego, Soldadó ou Fala-me de África (que assina sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz)... É também não menoso notável historiógrafo da guerra do ultramar / guerra colonial, coautor, juntamente com Aniceto Afonso, de diversas publicações.

 Na foto, por detrás do Matos Gomes, vê-se o edifício, em ruína, da antiga 2ª Rep do QG/CCFAG, a famosa Rep Apsico, onde trabalhou Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes... e que tutelava o popular PIFAS (Programa de Informação das Forças Armadas) que fazia concorrênmcia a não menos famosa "Maria Turra" (a Rádio Libertação, do PAIGC; que emitia a partir de Conacri).

Nas fotos nºs 2, 3 e 4 , vemos o Matos Gomes a servir de cicerone ao Paulo Santiago e a mim próprio. Entre os edifícios históricos, há o do antigo Com-Chefe (foto nº 4). Foi aí que um grupo de conspiradores entrou de rompante no gabinete do Com-Chefe, e deu voz de prisão ao General Bettencourt Rodrigues, na manhã de 26 de Aril de 1974, o chamado golpe de Estado do MFA na Guiné. Portanto, foi na Amura e não no palácio do Governador que tudo aconteceu...

Desse grupo de oficiais revoltosos faziam parte: ten-cor eng trms Mateus da Silva, ten cor eng trms Maia e Costa, maj 'comd' Raul Folques,  maj pqdt Mensurado, cap art  Simões da Silva, cap enf trms Sales Golias, cap 'cmd' Carlos Matos Gomes, cap 'cmd0 Batista da Silva, Cap 'cmd' graduado Zacarias Saiegh, cap ten Pessoa Brandão (Armada ) e cap mil José Manuel Barroso.

O Carlos Matos Gomes, na altura capitão do Batalhão de Comandos da Guiné (a par do maj Raul Folques e do cap grad Zacarias Saiegh) foi um dos protagonistas do 25 de Abril neste palco da história recente dos nossos dois países.. Voltaria lá, à Amura, 34 anos depois...

Hoje, na Amura, repousam os restos mortais de Amílcar Cabral e de outros "combatentes da liberdade da pátria", como Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Tina Silá, Pansau Na Isna, 'Nino' Vieira e Rui Djassi.
 

1. Mensagem da filha do nosso camarada, Carla Lickfold Matos Gomes (que tem mais informação sobre o pai, na sua página pessoal no Facebook):

Aos amigos que nos quiserem acompanhar nas despedidas do meu pai, algumas informações: 

  • O velório estará aberto ao público em geral, terça-feira, a partir das 19h e até às 23 na Capela da Academia Militar. 
  • As cerimónias fúnebres serão na quarta-feira pelas 11h, com missa de corpo presente, de onde partirá para o Cemitério do Alto de São João para ser cremado.
 
Grata a todos pelas vossas mensagens, bem sei do privilégio de ter tido este pai. Foi para mim uma honra acompanhá-lo na doença até esta fase final que encarou com a bravura, humor inteligente e força que lhe era tão característica até ao último minuto. Falámos de política até ao fim. Vamos ter muitas saudades dele.

Fonte: Página do Facebook de Carlos Matos Gomes, domingo, 13 de abril de 2025, 19:48

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26683: In Memoriam (542): Carlos Matos Gomes (1946-2025), membro do MFA no CTIG, cor cav 'cmd', ref, escritor e historiógrafo, e grande amigo da Tabanca Grande

domingo, 13 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26683: In Memoriam (542): Carlos Matos Gomes (1946-2025), membro do MFA no CTIG, cor cav 'cmd', ref, escritor e historiógrafo, e grande amigo da Tabanca Grande



Carlos Matos Gomes, cor cav 'cmd', ref; capitão de Abril; escritor, historiógrafo (Vila Nova da Barquinha, 1946 - Lisboa, 2025). Ia completar 79 anos em 24 de julho. Do seu CV militar destaque-se: fez part do curso de cadetes de 1963 na Academia Militar; oficial dos 'comandos', passou pelos 3 TO, com destaque para  Moçambique, onde participou na operação “Nó Górdio” (1970); esteve no CTIG  de julho de 1972 a fins de junho de 1974, participando em diversas operações com o Batalhão de Comandos da Guiné (por ex., a Op Ametista Real, 1973);  pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné; foi membro da Assembleia do MFA em 1975;


Guiné-Bissau > Bissau > 7 de Março de 2008 > Simpósito Internacionald e Guileje (Bussau,. 1-7 de março de 2008) > Visita à Fortaleza da Amura > Amura: um lugar repleto de história e de histórias... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guileje, no último dia do evento. Na foto, o coronel de cavalaria do Exército Português, Carlos Matos Gomes, na situação de reforma, um homem do MFA da Guiné e um celebrado autor de romances de guerra como "Nó Cego", "Soldadó" ou "Fala-me de África" (que assina sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz); a seu lado, o catalão Josep Sánchez Cervelló (n. 1958), professor universitário, em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa...

Por detrás, o edifício, em ruína, da antiga 2ª Rep do Comando-Chefe, a famosa Rep Apsico, onde trabalhou Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes. Matos Gomes, na altura capitão dos comandos, foi um dos protagonistas do 25 de Abril neste palco da história... Recorde-se que a Amura é hoje o panteão nacional da Guiné-Bissau, onde repousam os restos mortais de Amílcar Cabral e de outros heróis da pátria guineense, como Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Tina Silá, Pansau Na Isna ou Rui Djassi.

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Paulo Santiago deu-me a desoladora notícia, esta manhã: morreu o Matos Gomes. E confirmei, de imediato,  na sua página do Facebook:
 
"A todos os amigos e seguidores do meu pai, Carlos Matos Gomes, é com profunda tristeza que informo que faleceu hoje, 13 de Abril, no Hospital Cuf Tejo. Partiu sereno e com músicas de Abril. Direi por aqui todos os pormenores sobre as cerimónias que se seguem. Grata a todos pelo carinho e admiração que tinham por ele."


2. Comentário do editor LG: 

Morreu o Matos Gomes, um amigo e camarada da Guiné que tinha na Tabanca Grande muitos e bons amigos. Fico desolado por mais esta perda da nossa comunidade de antigos combatentes. (*)

Já não o via há largos anos, mas também nunca fomos íntimos. Propus o seu nome, como participante, ao Pepito, organizador do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de março de 2008) (**). Viajámos juntos e estivemos juntos nesse evento. Estive também com ele nalgumas sessões de lançamentos de livros e conferências.

Não, não fazia parte da Tabanca Grande, pelas razões que ele próprio, em vida, apresentou. Nem eu agora, à revelia da sua vontade, vou "dar-lhe honras de Tabanca Grande"... Tem mais de 100 reeferências no nosso blogue.  Foi uma "espécie de marginal-secante", interagindo connosco sempre que entendia oportuno ou que nós o solicitávamos...

Era um espírito muito livre,  independente, rebelde, culto e crítico. E um combatente com uma grande folha de serviço. Capitão de Abril, escritor, historiógrafo, "influencer"...  Confesso que não o seguia no Facebook,  como de resto não sigo ninguém em especial.

Li, dele, para além das obras de  historiografia militar, dois livros que considero incontornáveis para quem quiser conhecer melhor a nossa geração a quem coube fazer a(s) guerra(s) da descolonização, mas também a paz e o 25 de  Abril: "Nó Cego" (1983), romance, escrito sob o pseudónimo Carlos Vale Ferraz  e "Geração D: da Ditadura à Democracia" (2024).  O "Nó Cego" é já uma clássico da literatura portuguesa. E a "Geração D" também a li de um fôlego...

Deixemos, porém, aos nossos leitores, e sobretudo aos camaradas que o conheceram melhor do que eu, a honra (e o dever...) de o lembrar aqui.

Como fundador, administrador e editor deste blogue (que já tem mais de 20 anos)), recordo dois apontamentos da autoria do Carlos Matos Gomes que sempre nos deu força e motivação para continuar a manter vivo, ativo, proativo, produtivo e saudável o nosso blogue. Temos para com ele mais esta dívida, a de gratidão.


(i) Mensagem enviada aos editor Luís Graça e Carlos Vinhal:

Data - segunda, 23/04/2012, 18:32
Assunto -Parabéns

Meus caros amigos, estive a ver as fotos da festa da Tabanca (Grande) (**). Queria deixar aqui os meus parabéns, mas também expressar a admiração pelo convívio e pela sã troca de afetos e memórias entre aqueles que passaram pela Guiné no cumprimento do serviço militar. 

Todos ficamos enriquecidos ao visitar esta Tabanca. Em especial ao Luís Graça e aos editores, o meu bem hajam e o estímulo para que continuem. Para todos os que aqui partilham os seus segredos, os seus pensamentos, os seus sentimentos vai o meu obrigado pelo que me têm ensinado. 

Um grande abraço para todos do Carlos Matos Gomes

(ii)  Mensagem, de 17 de janeiro de 2010,  do cor cav ref Carlos Matos Gomes, conhecido estudioso e analista da guerra colonial, investigador e também romancista e argumentista (autor de, entre outras obras, sob o pseudónimo, do romance "Nó Górdio", 1983). (***)


Meu caro Luís, a propósito de uma resposta minha ao post do Jorge Félix relativo ao vídeo da viagem pelo Rio Cacheu Acima , fizeste-me uma proposta de integrar esta Tabanca, que me fez reflectir com serenidade antes de ter responder.

A primeira reacção foi: é claro que sim!... Preencho todos os requisitos, tenho ali (na Tabanca) tantos amigos, conhecidos. O local é bem frequentado, isto é, a frequência é de boa gente, são boas as intenções e a finalidade dos que frequentam a Tabanca. 

Une-me aos que aqui se reúnem recordações de lugares e de tempos e ainda o afecto pela terra da Guiné e das suas gentes. Nada a obstar, antes pelo contrário, tudo me levaria a sentir-me, além de honrado, disponível para integrar este grupo como membro de pleno direito.

Mas… vamos aos mas…

Sou leitor e frequentador assíduo e muito interessado da Tabanca. Tenho um juízo sobre esta Obra. Penso, sem qualquer lisonja, para a qual tenho espinha demasiado rígida e a boca demasiado dura, que este blogue é algo de extraordinário. Um daqueles casos que nos aquecem a esperança e nos incham a alma.

É extraordinário a vários títulos: pela ideia de reunir antigos combatentes num espaço democrático (o que quer dizer de livre expressão de cada um e de obrigatório respeito por todos e cada um dos outros), onde relatassem as suas experiências de há 30/40 anos, revivessem a sua grande aventura dos 20 anos, restabelecessem contactos, amizades e camaradagens, recordassem através da escrita e da imagem os lugares, os acontecimentos e as pessoas com quem partilharam os seus tempos da guerra, que servisse até de veículo de ajuda.

É extraordinário porque tem mantido o diálogo entre pessoas com diferentes visões da guerra e das situações num elevado nível de tolerância, mesmo quando o calor provoca reacções mais ásperas.

É extraordinário porque o colectivo do blogue conseguiu criar um "espírito de corpo" entre os tabanqueiros, que se reveem nas histórias, nos convívios que se vão multiplicando, nas acções que se desenvolvem, seja de solidariedade e ajuda ao povo da Guiné, seja a camaradas em dificuldades, seja ainda a familiares que procuram reconstituir as histórias de parentes seus na guerra.

O bloque e a Tabanca são um espaço de pureza e generosidade.

A pureza do blogue e dos seus tabanqueiros tem a ver com aquilo que é a sua matriz, a sua característica fundadora, o seu ADN: o blogue serve para relatar, contar, descrever, para transmitir emoções, para despejar pesos acumulados.

O blogue é a camaradagem, o que desaconselha grandes reflexões, análises e explicações. Deve continuar assim. É a sua força.

Ora eu, pelos rumos que a minha vida tomou, se ainda mantenho a minha generosidade, perdi a pureza de reviver a guerra colonial. Isto é, eu bebo do blogue, leio o que os homens da minha idade e da minha geração que passaram pelos locais por onde eu passei escrevem sobre ela, tento perceber como, em termos coletivos, a minha geração viveu este período da nossa História. Cada pequena descrição, ou relato, ou fotografia, ou filme, que cada um coloca é para mim um objecto de análise. 

Não tenho, pois, a pureza indispensável para me intrometer neste ambiente, não me sentiria confortável a fazer de mais um, quando afinal eu era e sou o que está a observar.

Um dos muitos factores de interesse do blogue é ser, além de um extraordinário local de convívio para os antigos combatentes da Guiné, uma futura fonte de conhecimento para a História da guerra colonial. 

E este conhecimento assenta em informações, por vezes únicas, sobre determinados acontecimentos e só isso já seria muito e bom serviço, mas o mais importante é que este blogue vai permitir aos historiadores e aos interessados do futuro pela História de Portugal, pela história colonial, pela história das forças armadas portuguesas e pela História da Guiné uma visão muito real sobre os actores que estiveram no terreno.

Raramente, na história em geral e na história militar em particular, é possível aceder ao sentimento, ao pensamento dos homens comuns que a fizeram. Este blogue dota os futuros estudiosos desse precioso elemento que é o de lhes fornecer o relato em primeira mão do soldado, do sargento, do subalterno, do capitão que estavam no mato, a bordo de navios, nos aviões.

Eu, pelo facto de ter enveredado muito cedo pelo trabalho de análise da guerra colonial, sou alguém que polui essa fonte.

 Se aceitasse pertencer à Tabanca e aceder ao teu convite, estava a seguir o meu instinto e a fazer o que eu gostaria, mas não estava a prestar um bom serviço à Tabanca (tenderia a apresentar análises e a fazer interpretações que gerariam tensões e desviariam a atenção dos puros tabanqueiros), nem estava a prestar um bom serviço ao futuro estudo da guerra colonial, pois introduziria factores de distorção na análise. Estava a fazer o que gostava, mas não o que devo,

É por tudo isto que aqui tentei resumir e sem ter a certeza de ter sido claro que, meu caro Luís, te peço para me deixares neste lugar de entreportas, a vaguear pela Tabanca como um estrangeiro adotado, respeitando os usos e os costumes, falando quando me autorizarem, ou quando me pedirem, saudando os que assumem a responsabilidade de manter o fogo aceso, o gado alimentado, os fracos protegidos. Sendo agradecido pelo muito que o vosso labor me proporciona, pelo que aprendo e pelas amizades que criei.

Um grande abraço

Carlos Matos Gomes.

NB: Desculpa a extensão da resposta, mas não consegui resumir e devia-te, e a todos os membros da Tabanca, uma explicação séria, sem falsas humildades, mas principalmente sem deixar qualquer mal-entendido sobre a recusa a partilhar um espaço como este que, reafirmo, honra todos os que a ele pertencem e me honraria a mim também, se não fossem as razões que tentei expressar.

[ Revisão / fixação de texto, título: L.G.]

 
(iii) Comentário de L.G., com data de 24/1/2010:

Carlos:

Em meu nome e dos demais editores, o Carlos, o Eduardo e o Virgínio, bem como de todos os demais amigos e camaradas da Guiné que se reconhecem neste blogue, agradeço as palavras que dizes a nosso respeito e que são um estímulo, público, para continuar...

Às vezes, as nossas forças também fraquejam e a gente tem dúvidas, legítimas, sobre o caminho a seguir... Tu bem sabes, da longa e dura experiência dos três TO por onde passaste, a começar pela Guiné, como as picadas pareciam não ter fim... As tuas palavras são um doce bálsamo para as dores do caminho e um bom tónico para prosseguir, apesar de alguns conflitos, incompreensões e escaramuças que, inevitavelmente - e por que não, saudavelmente - surgem neste percurso comum...

E queremos prosseguir, não exactamente por sentido de "missão" (não somos heróis nem iluminados, somos apenas 'common people'), mas pela simples razão de termos criado, quase sem o querer, uma comunidade de desvairadas gentes que têm, como menor denominador comum, uma experiência de guerra e o conhecimento, vivido, de uma terra...

A guerra colonial e a Guiné-Bissau (ou o discurso sobre) não são monopólio de ninguém, nem sequer mesmo dos guineenses... Este período da história comum de portugueses e guineenses está longe de estar encerrado. Vamos continuar a esforçarmo-nos por manter este espaço plural e aberto, e cultivar nosso espírito de partilha, de tolerância e de discrição.

Dito isto, entendo inteiramente as razões por que gostarias de, mas não podes nem deves, aceitar o meu/nosso convite para integrar a Tabanca Grande. 

És uma figura pública, um autor com obra feita sobre a história e a ficção da guerra colonial, não queres com a tua presença inquinar ou enviesar as fontes subterrâneas que alimentam este blogue... É de um grande honestidade intelectual: tu não queres ser o eucalipto que seca tudo em seu redor, os poilões, os bissilões, as cabaceiras, o mangal... da nossa Tabanca Grande.

Em contrapartida, deixa-me aceitar a tua proposta de seres uma espécie de marginal-secante, alguém que está fora e está dentro, que intersecta dois sistemas... Não propriamente esse "estrangeiro adotado" de que falas, mas sim alguém que ocupa esse "lugar de entre.portas, a vaguear pela Tabanca (...), respeitando os usos e os costumes, falando quando me autorizarem, ou quando me pedirem, saudando os que assumem a responsabilidade de manter o fogo aceso, o gado alimentado, os fracos protegidos"...

Carlos, aparece sempre que te der na real gana, entra e sai: não precisas de bater à porta...

Como bem sabes, nesta Tabanca Grande não há moranças com portas nem janelas, não há bunkers nem abrigos, não há portas de armas nem cavalos de frisa, não há cercas de arame farpado, nem muito menos campos de minas e armadilhas... No dia em que nos impuserem tal, serei eu o primeiro a escolher a picada do exílio...


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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 25 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9800: Tabanca Grande: oito anos a blogar (10): Parabéns! (Carlos Matos Gomes / António Vaz)