1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 30 de Junho de 2010:
Camarada Vinhal
Antes do mais, um especial agradecimento, pela forma como me apoiou.
E, registando as "Memórias boas da minha guerra", cá estou a enviar a segunda história: - "Sexualmente falando, tudo continua normal".
Junto uma foto do cais de Cufar. Uma mulher semeando cereal, indiferente ao movimento militar integrado na Op Diabo Negro (23.02.68). Publique, se julgar oportuno.
Espero que o meu tipo de linguagem (básica/popular/nortenha) não agrida ninguém, porque desejo exactamente o contrário.
Um abraço do
Silva da Cart 1689
Memórias boas da minha guerra (2)
Sexualmente falando, tudo continua normal
Cufar é no sul da Guiné, perto do rio Tombali, e fica a uns 12Km de
Catió. Apesar de se encontrar assim perto, estava isolado e a ligação entre Cufar e Catió, fazia-se só em colunas militares, com periodicidade mais ou menos mensal, para seu abastecimento.
De vez em quando servia de base de operações, sempre com muita tropa, por ser zona perigosa. Só para montarmos a segurança às colunas, nuns 8Km, até ao cruzamento de Camaiupa, gastava-se um dia, desde o amanhecer até ao anoitecer. Os que lá estavam aquartelados eram poucos para as necessidades operacionais e de defesa (não passavam de uns 170 homens, incluídos os africanos da milícia) e a sua actividade limitava-se praticamente ao movimento diário no espaço do aquartelamento e à defesa de violentos ataques nocturnos.
Sempre que por lá passávamos, era festa e bebedeira certa. Estavam lá aquartelados desde o início de Maio de 67 os militares da Companhia 1687, que pertencia ao nosso Batalhão 1913, sediado em Catió e de onde saíram só 2 anos depois.
Entre militares, falar de actividade sexual naquela zona era uma utopia, aliás como na maioria da Guiné, porque os guerrilheiros levavam as mulheres logo na sua baixa adolescência (Bajuda com cabaço). As poucas mulheres que lá ficavam eram velhas (mulher grande) e parte delas eram companheiras dos milícias que também viviam dentro do arame farpado, mas com vida independente.
As necessidades sexuais (
tesão, rebarba, apetite ou lá o que lhe queiram chamar), eram o dia a dia dos militares e não só em Cufar. Recordo que era vulgar verem-se alguns militares dirigirem-se para o chuveiro improvisado, feitos pavões, com a toalha pendurada no pénis.
Mas em Cufar, havia uma solução curiosa. A Fati, que era mulher do milícia Jaramba, satisfazia toda a gente, graças às suas capacidades manuais. E então, quando a tropa recebia o seu pré, aquilo era um movimento contínuo, fazendo bicha, para a palhota (tabanca) da Fati.
Ao contrário dos outros indígenas ligados à nossa tropa, este casal pertencia a uma etnia diferente, visto que o Jaramba bebia álcool e os outros não. E era grande o interesse deste africano em seguir o modelo português. Frequentava o Bar, falava razoavelmente o português crioulo, e gostava de saber coisas de Lisboa, do Salazar e de Portugal (afinal éramos todos portugueses).
São mais de 11 horas da manhã, o sol é abrasador, e não há árvores junto da tabanca da Fati, que se situa na orla da parada. A fila dos militares estende-se pela parada dentro. Do outro lado, mesmo de frente, é o Bar e lá de dentro, avista-se a fila dos que fazem bicha de mãos nos bolsos, a assar ao sol. O Jaramba bebe cerveja. Parece um homem orgulhoso e feliz. A tropa vai sendo (patrioticamente) aliviada, ganhando a mulher do Jaramba algum dinheirito e com ele lá vai o Jaramba governando a sua vida e bebendo mais alguma cerveja.
Entretanto, o Furriel Belarmino, um católico fervoroso e bastante militante, não via com bons olhos a actividade constante da mulher do Jaramba e tratou de catequisá-lo. E, ao deparar-se com mais uma fila (militar) para a palhota do Jaramba, entrou pelo Bar adentro e com ar zangado e modos menos amistosos, atirou-lhe:
– Jaramba, não tens vergonha deste espectáculo? – E continuava: – Não sabes que Deus não quer estas vergonhas e que um dia serás castigado? Tu que até pareces evoluído, não vês que os brancos não fazem coisas destas? Como podes dizer que somos todos iguais? Mulher branca que faz isto é prostituta e está condenada pela Igreja e pela sociedade.
– Ma Furiel, mim mulher inhcá puta, inhcá parte catota, és bom pessoal – dizia o Jaramba que acrescentava:
–
Fati faz bom no tropa, és brincadera, tudo ficar contente e Fati vai ganha patacão.
O Furriel, que bebia um sumo, ofereceu-lhe mais uma cerveja e lá insistiu de novo nos seus conselhos cristãos e modos europeus.
No dia seguinte, mais ou menos à mesma hora, o Bar estava mais movimentado. A fila dos carentes fora desmobilizada, porque a Fati não estava a trabalhar e a porta da tabanca fechada.
Interrogavam-se uns, preocupavam-se outros.
– Que se terá passado?
Ninguém sabia. Apareceu, então, o Cabo Enfermeiro Alijó que informou o pessoal que o Jaramba partiu o braço direito à Fati, depois de uma grande discussão. Tinha estado a ligar-lhe o braço e não podia fazer esforços com ele.
– Ora foda-se lá a taça, logo hoje que estava com os colhões cheios – observou o Gondomar.
Ao que prontamente lhe respondeu o Matosinhos:
– E os outros, não?
– E o Jaramba, onde está? – perguntou o Nogueira.
– Estava ali há bocado com o beato do Furriel Belarmino, junto ao embondeiro grande – testemunhou o Costa de Vila Real.
– Então foi-se confessar, o filho da puta – observou logo o Guimarães.
Os dias passavam, o fim do mês ainda vinha longe, e o Jaramba foi rareando as suas visitas ao Bar. E agora, quando se aproximava não havia ninguém que lhe oferecesse uma cerveja. Por seu turno, o Belarmino, o guia espiritual, que não era homem de Bar, também não via necessidade de passar por lá, para compensá-lo da sua nobre atitude.
Mais uns dias depois, o Jaramba atravessa a parada, com o filhito pela mão. Entra no Bar, pede uma cerveja e um Sumol. O Cantineiro admira-se, olha para a parada e volta a ver os militares a formar fila. Pergunta, então, ao Jaramba:
– Tua mulher já está bem?
E ele:
–
Sim, tudo bem na mão squerda.
Silva da Cart 1689
Guiné > Postais ilustrados da "Guiné Portuguesa" > "2A. Bajuda balanta no arrozal, Mansoa" > Edição Casa Mendes, Bissau > Execução Foto Lisboa > Feito em Portugal... Cortesia do
Agostinho Gaspar
(ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria... Ainda não descobri o making of, a história da produção desta série de beldades guineenses, em poses usadas para a época, e que fazia as delícias dos tugas... Quem não tinha (e não trouxe para a metrópole) a colecçãozinha completa ?... Um pormenor curioso é que alguns dos modelos (belíssimos, a pedir meças às louras suecas que afixávamos nas paredes dos bunkers...) que se deixaram fotografar em trajes muito reduzidos, trazem ao peito fios com crucifixos, sugerindo serem raparigas cristãs...
Qualquer semelhança com a genial, divertida e pícara história contada pelo Silva, tendo como heroína a Fati e o azeiteiro (termo do calão nortenho) do Jaramba, fica por aqui, até por que não queremos ferir as susceptibilidades de ninguém, nem muito menos ofender os seus valores morais... O texto do Silva vai já para a futura antologia do blogue, para a secção do... humor em tempo de guerra. Anima-te, Jorge Cabral, que já não estás sozinho!
Só um reparo sócio-linguístico: "Partir punho" era uma expressão que faz(ia) parte do nosso calão de caserna, pelo menos no "chão fula", na zona leste... Aparentemente, não se usava em Cufar, o termo, claro, não a prática... (LG)
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Nota de CV:
Vd. primeira história da série no poste de 8 de Julho de 2010 >
Guiné 63/74 - P6696: Tabanca Grande (227): José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913 (Guiné, 1967/69)