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terça-feira, 18 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2662: Fórum Guileje (8): O nosso património histórico comum (Leopoldo Amado)



Guiné-Bissau > Bissau > Palace Hotel > Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > 4 de Março de 2008 > Painel 1 (Guiledje e a Guerra Colonial / Guerra de Libertação) > Comunicação do Leopoldo Amado (Génese e evolução do sentido estratégico-militar do corredor de Guiledje no contexto da guerra de libertação nacional). Ladeado à esquerda pelo moderador do painel, João José Monteiro, Reitor da Universidade Colinas do Boé; e, à direita, por Maneul Santos (Manecas), guineense, ex-comandante militar do PAIGC.

Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso amigo Leopoldo Amado, lusoguineense, doutorado em História Contemporânea pela Universidade de Lisboa (2007), especialista da história da guerra colonial / luta de libertação na Guiné-Bissau:

Caro Luís Graça,

Para efeitos de publicação, junto envio um texto para a nossa Tabanca Grande. Logo verás se tem ou não interesse ou se é ou não pertinente para o momento vertente, pelo que deixo à tua consideração a possibilidade de o publicar ou não,

Mantenhas di ermondadi,

Leopoldo Amado (****)


2. Fórum Guileje (*) > A ENCRUZILHADA DE GUILEDJE OU O CLIC PARA UMA NOVA DIMENSÃO DE HUMANISMO...
por Leopoldo Amado

Revisão de texto e subtítulos: L.G.

O papel da Tabanca Grande é simplesmente extraordinário. Tão extraordinário é a ponto de, muito provavelmente, apenas disso virmos colectivamente a dar conta, pelo menos na sua verdadeira dimensão e impacto, após muitos anos passados.

Acresce a essa importância o facto de nela não haver, nem processos de intenção e muito menos processos inquisitórios, o que permite que a tertúlia continue a registar opiniões concordantes, mas igualmente dissonantes e até contraditórias (exercício esse louvável, e, por isso, verdadeiramente magnânime e democrático), e que, certamente, adensando-se cumulativamente, à medida que o tempo passa, proporcionará num futuro próximo uma impar visão de conjunto, aliás, tendência essa que já se esboça na Tabanca Grande relativamente à História da guerra colonial e a da guerra de libertação – sintomaticamente, o maior desafio às duas historiografias que, não obstante possuírem de comum o mesmo palco de guerra (o mesmo TO, se se quiser) e, grosso modo, o mesmo objecto de estudo – não privilegiam por vezes as mesmas temáticas e nem as mesmas conclusões (e isso não tem que acontecer forçosamente), pese embora a aliciante perspectiva comparativa que oferece a confrontação da factologia das duas abordagens da mesma guerra.

(i) As limitações da(s) nossa(s) historiografia(s)

Infelizmente, quer dum lado como doutro, a historiografia ainda não está imune às tentações de interpretações exageradas ou às influências dos lugares-comuns cuja permissividade é de alguma maneira facilitada pela inexistência ou a ausência de uma visão de conjunto, situação essa que, quer queiramos, quer não, irá por muito tempo ainda continuar a potenciar situações do género.

Ainda há dias, em pleno Simpósio Internacional de Guiledje, Fernando Delfim da Silva, meu compatriota e amigo e, incontornavelmente, um ilustre intelectual guineense, garantia que tinham sido os mísseis Strella que fizeram desequilibrar definitivamente a correlação de forças em favor do PAIGC, quando, na verdade, desde o começo da guerra foi sempre visível, até para os comandos-chefes portugueses, que o desequilíbrio de forças foi sempre favorável ao PAIGC, mercê da sua permanente melhoria estratégico-táctica e, também, da perfeita combinação de acções de guerrilha com as da guerra convencional, para além de uma manifesta superioridade do PAIGC em termos de arsenal bélico, sem ainda contar com o conhecimento do meio e uma elevada moral combativa que os seus efectivos demonstravam.

(ii) Não foram os Strella, mas o génio político-militar de Amílcar Cabral que levou ao desequilíbrio de forças, a favor do PAIGC

Efectivamente, não foram os mísseis Strella, nem os temíveis morteiros [de 82 ou 120 mm] e nem os foguetões de 122 mm [, o Graad ou jacto do Povo,] ou ainda peça de artilharia 130 mm [, M-46, de origem soviética] (arma de longo alcance capaz de atingir 30 quilómetros e que, com base de fogo a partir da Guiné-Conakry, foi posto à disposição do PAIGC pelas autoridades militares daquele país e utilizada aquando do assalto ao aquartelamento Guiledje, em Maio de 1973) (1), foram decisivos no sentido de configurarem uma alteração marcadamente significativa em termos estratégico-tácticos.

Esse desequilíbrio a favor do PAIGC era já uma realidade e ela evoluiu no tempo de forma quase inalterável porque Amílcar foi capaz, desde o início da luta armada, de adequar a estratégia militar e a consequente táctica às estruturas logísticas e ao próprio dispositivo, colmatando, aqui acolá as situaçõesque se impunham e fazendo face aos desafios próprios de crescimento que requeriam o confronto das estratégias dos exércitos em presença, aliás, processo esse que foi impondo as FARP uma gradativa subida de patamar em termos organizacionais e uma constante adequação dos desígnios militares aos estritamente políticos, donde a necessidade de, no caso concreto do PAIGC, de se proceder sempre a uma interpretação tripartida e, sempre que possível, fundada a mesma nas vertentes conjugadas dos aspectos militar, diplomático e político, sob pena de não se compreender, no essencial, os objectivos que perseguiam Amílcar Cabral e o PAIGC.

Em todo este xadrez político-militar, a aviação portuguesa era de facto muito importante para o Exército português, mas em nenhum momento a sua superioridade aérea ou a naval foram de molde a aniquilar ou a impedir que a correlação de forças continuasse a desequilibrar favoravelmente ao PAIGC. Da mesma forma, os mísseis Strella não provocaram propriamente uma derrota militar ao Exército português na Guiné e nem sequer o colocaram em situação de cheque mate, tanto é que, apesar da FAP (Força Aérea Portuguesa) ter sido apanhada de surpresa com o surgimento dos Strella, quase imediatamente o Governo português, não obstante o embargo de vendas de armas que lhe era imposto internacionalmente, mesmo junto dos seus tradicionais aliados, tentou, ainda assim, utilizar os privilegiados canais diplomáticos com Espanha para procurar garantir a compra de novas armas que pudesses anular ou minimizar os efeitos dos Strella, os quais, na realidade, restringiam consideravelmente a acção da aviação portuguesa, seja em missões ofensivas, de reconhecimento ou de evacuação dos feridos.

Todavia, durante todo o período que se estende até 1971, a correlação de forças no teatro das operações que pendia favoravelmente às FARP, permitiu ao PAIGC estender o seu controlo por quase toda a região Sul, o que por sua vez criou as condições ideais para o alastramento do conflito para a região Centro-Oeste, apesar das contra-ofensivas de Cantanhez e Quitafine desencadeadas quase em simultâneo pelo Exército português, mas que não conseguiram debelar o ascendente militar do PAIGC que, ainda assim, consegue abrir novos corredores de infiltração e abastecimentos a partir da fronteira Norte, dos quis se destacam os de Sitató, Jumbenbem, Sambuiá e Canja, obrigando por isso o Exército português a uma nova e profunda remodelação do seu dispositivo táctico.


(iii) A aposta (ganha por Amílcar Cabral e pelo PAIGC) da internacionalização do conflito

Entretanto, chega-se a 1971 com a política da Guiné Melhor de Spínola a lograr atingir, pela primeira vez, uma situação de equilíbrio e impasse militares, mercê sobretudo da introdução de um novo conceito operacional, baseado na crescente africanização do conflito, com a formação de unidades de recrutamento local, de espírito marcadamente ofensivo, de pendor atacante e de procura de supremacia, mesmo que transitória, em todas as zonas em disputa, denotando tal alteração estratégica uma profunda percepção por parte de Spínola dos aspectos doutrinários da guerra anti-subversiva, a qual, doravante, era direccionada no sentido da conquista das populações por meio de acções socioeconómicas, a ponto de lograr espalhar, momentaneamente embora, o desanimo nas hostes combatentes do PAIGC.

Apercebendo-se ambos de que havia que tirar partido da situação de equilíbrio e impasse militares, quer Amílcar Cabral, quer António de Spínola, quiseram potenciar positivamente para o seu lado as oportunidades que para tal surgiam, optando claramente o primeiro por uma estratégia global assente na internacionalização do conflito, para cujo fortalecimento era sumamente importante a componente militar, enquanto que o segundo apostava seriamente num trabalho de sapa que visava minar a credibilidade da direcção do PAIGC, visando igualmente forjar uma solução politicamente negociada para o conflito, uma vez que era um dado adquirido que o conflito só podia resolvido pela via política e não pela militar, pelo que através da acção concertada da PIDE-DGS e da APSIC, as autoridades coloniais começaram paralelamente a desenvolver, com um notável sucesso, todo um meticuloso e paciente trabalho de sapa e de infiltração às estruturas intermédias e, em certa medida, a própria cúpula do PAIGC.

Guiné-Bissau > Bissau > Palace Hotel > Seminário Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > Painel nº 11 da muito visitada e apreciada exposição sobre a Memória da Luta de Libertação Nacional. Concepção e execução: Fundação Mário Soares / Arquivo Amílcar Cabral.

Aproveito para dar aqui os meus parabéns pelo entusiasmo, paixão, rigor e profissionalismo que mostrou a equipa do Arquivo e Biblioteca da FSM e que partilhou, com os restantes portugueses e demais participantes do Simpósio, uma semana memorável: são eles o Alfredo Caldeira (na foto, à esquerda), a Catarina Santos (na foto, de costas) e o Vitor Ramos (na foto, à direita; ao centro, em segundo plano, vê-se a nossa amiga Diana Andringa, membro da nossa Tabanca Grande, e co-autora, com Flora Gomes, do filme documentário As Duas Faces da Guerra, que será exibido no penúltimo dia do Simpósio, na presença do Chefe de Estado da República da Guiné-Bissau, e demais participantes do Simpósio).

Reproduzimos aqui, com a devida vénia, o painel nº 11. O resto dos painéis (bem como um desdobrável) podem ser vistos em: Fundação Mário Soares > Guiledje, Simpósio Internacional, Bissau, Guiné-Bissau, 1 a 7 de Março de 2008 > Exposição (LG).


Perante tal estado de coisas, Amílcar Cabral responde com uma nova modificação nos aspectos gerais da manobra global do PAIGC, que passa doravante a preocupar-se em manter no teatro das operações, com grande economia de meios e de materiais, um estado de guerra que servisse a sua propaganda interior e exterior, visando especialmente sucessos sobre as tropas portuguesas e a conquista da adesão das populações, tanto é que, em 1971, como já referimos, a acção psicossocial de Spínola e não a situação militar em si, tinha logrado conferir um equilíbrio militar no teatro de operações, portanto, diferentemente do período anterior em que, na verdade, a situação era genericamente favorável ao PAIGC, pelo menos desde de 1965.

Do confronto de duas convicções estratégicas muito claras, resulta, do lado português, a introdução de forte componente política na sua actuação, tanto junto das populações como na procura de uma solução negociada, ao que Amílcar Cabral responde com a uma inusitada acção psicossocial do PAIGC, amplamente realizada pelo PAIGC com o apoio da Suécia e, articulada a mesma, no plano das operações militares, com acções coordenadas, quer atacando as guarnições com possibilidades de apoio simultâneo de artilharia e tirarando o máximo rendimento da sua actividade, quer ameaçando zonas urbanas e os chamados reordenamentos populacionais, organizados pelo Exército português em autodefesa, quer provocando intervenções junto da tropa portuguesa e montando de seguida emboscadas nos itinerários de acesso directo das forças de socorro.


(iv) Op Maimuna: A queda de Guiledje e o seu esperado efeito de dominó...


O Exército português caiu assim numa fase desconcertante e o PAIGC, que já havia adquirido novas e potentes armas, aproveita e coloca os aquartelamentos situados ao longo da fronteira sob permanente fogo de artilharia. Assim, a 22 de Maio de 1973, conseguiu apoderar-se de Guiledje, onde as forças portuguesas deixaram armas, entre as quais três peças de artilharia e outros importantes materiais. Gadamael foi seguidamente atacada, contando a guarnição, entre os dias 13 a 27 de Maio, 38 mortos e 55 feridos.





Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > Pormenor do excelente folheto da exposição, organizada pela Fundação Mário Soares / Arquivo Amílcar Cabral, Memória da Luta de Libertação Nacional.


Na imagem, reproduz-se dois documentos originais, que constam do folheto, um mapa desenhado da Frente Sul, com as posições das NT, nomeadamente de Ponte Balana, Guileje e Gadamael, bem como a primeira página do manuscrito de Amílcar Cabral com o minucioso planeamento da Op Maimuna. O Simpósio e a Exposição contribuiram, em muito, para aumentar a sensibilidade dos antigos combatentes do PAIGC e das autoridades guineenses e as instituições, públicas e privadas, responsáveis pela educação, a ciência e a cultura, para a importância que têm os arquivos documentais bem como a memória dos actores que participaram na guerra colonial / luta de libertação.


O folheto distribuído pode ser visto, na íntegra, em: Fundação Mário Soares > Guiledje, Simpósio Internacional, Bissau, Guiné-Bissau, 1 a 7 de Março de 2008 > Exposição (LG).


Na contra-ofensiva Nô Pintcha, no Norte, o quartel de Guidadje, Bigene e Binta foram violentamente atacados e cercados durante dias, e ali morreram mais de 20 soldados portugueses. Os elementos do Exército português apeados que tentaram acudir aos elementos sitiados, caíram em emboscadas ou foram apanhados pelas minas que os guerrilheiros utilizaram para vedar o acesso nas estradas que ligavam estas localidades às povoações vizinhas. Obedecendo ao ciclo normal da guerra da Guiné, a contra-ofensiva do PAIGC só parou com a chegada da época das chuvas, o que teria poupado o Exército português de mais estragos materiais e humanos.

Todavia, já o dissemos, o PAIGC perseguia objectivos políticos e nunca agendou a possibilidade de derrotar militarmente o Exército português, obedecendo sempre as diferentes estratégias militares e as correspondentes tácticas aos objectivos políticos. Compreende-se assim que, não obstante importantes, os Strella apenas representaram para o PAIGC uma subida de patamar na defesa contra a FAP, ou seja, a única e talvez a mais eficaz das armas contra a qual, até então, o PAIGC se via impossibilitado de ripostar convenientemente.

Nesse sentido, o surgimento dos Strella traduziu-se, isso sim, no reforço da tendência de isolar ainda mais as unidades de quadrícula do Exército português e assim retirar-lhes a mobilidade e a iniciativa combativas, não tanto com a pretensão de apenas lhe subtrair a superioridade aérea que de facto detinha, mas com o objectivo claro de forçar nas instâncias políticas e internacionais uma solução para o conflito, de resto, possibilidade essa que Amílcar Cabral vinha ponderando desde pelo menos 1965, mas que não conseguia pôr em marcha nos anos imediatamente subsequentes, justamente porque, no teatro de operações, era crucial elevar o nível organizacional das FARP e dota-lo gradativamente de um nível de eficiência e eficácia susceptíveis de chamar à atenção da opinião pública mundial e assim colocar o PAIGC na agenda internacional.

No entanto, apesar da introdução dos Strella terem contribuído significativamente para novamente desequilibrar a correlação de forças a favor do PAIGC, os factores decisivos, isto é, aqueles que na realidade geraram uma decisiva viragem no evoluir da guerra foram, por um lado, a substancial melhoria das FARP em termos de organização militar, mormente os aspectos estratégicos e tácticos (sem as quais, os mísseis Strella, por si sós, pouco significariam) e, por outro, a ampla e bem sucedida acção psicossocial que Amílcar Cabral e o PAIGC lograram realizar, com apoio sobretudo da Suécia, e que foi capaz de contrabalançar a inteligente acção psicossocial de Spínola.

(v) A propaganda [do PAIGC] da possível e até iminente derrota militar do Exército Português

A associar a estes dois aspectos, Amílcar Cabral introduz um terceiro, a todos os títulos demolidor, que é a de alimentar permanentemente nos areópagos internacionais a ideia de uma possível e até iminente derrota militar do Exército português, não apenas com o objectivo de assegurar que as questões relativas à justeza da luta do PAIGC se mantivessem em permanência na agenda internacional, mas sobretudo com a finalidade de criar um ambiente internacional favorável à sua intenção de proclamar o Estado da Guiné-Bissau e assim assestar um golpe diplomático fatal ao colonialismo português, pois para ele era ponto assente que o Estado da Guiné-Bissau existia de facto, através de toda uma organização social, política e económica criada nas zonas libertadas, apenas precisando, por isso, de ser formalizada de jure, com a proclamação da independência e a adopção de uma Constituição que criasse os seus órgãos de governo, transformando assim a presença do Exército português na Guiné, à luz do Direito Internacional, como se uma a força invasora se tratasse.

Dentro desta nova concepção militar do PAIGC, Guiledje, ou melhor, o Corredor de Guiledje, voltou novamente a ganhar significativa importância estratégica, aliás, importância essa inequivocamente expressa na Operação Maimuna, uma ordem de batalha não datada, que presumimos ter sido elaborada em 1971, pois enquadra-se perfeitamente no novo conceito global da guerra quo PAIGC adopta a partir dessa altura, tanto é que previa, entre outras acções, um assalto generalizado ao aquartelamento de Guiledje como o mais fortificado aquartelamento do Exército português no Sul, justamente porque Amílcar Cabral estava convencido de que com a queda de Guiledje, cairiam igualmente uma série de outros aquartelamentos portugueses situados ao longo da linha da fronteira Sul.

Assim, reconhecemos a importância de Guiledje não apenas porque para muitos dos soldados portugueses foi um palco de dramáticos e violentos combates, roçando, nalguns casos, é certo, situações de extrema desumanidade a que muitos soldados portugueses souberam heroicamente sobrepor-se (vide à propósito os pungentes relatos de Idálio Reis na Tabanca Grande sobre Gandembel-Balana) (**).

Reconhecemos ainda a sua importância não porque quisemos com uma espécie de triunfalismo pacóvio evocar o seu infortúnio (o mesmo, aliás, aconteceu aos combatentes do PAIGC em muitas ocasiões, nomeadamente aquando das operações de reocupação de Cantanhez em Cadique e Cafine). Reconhecemos Guiledje, isso sim, porque praticamente, desde o início da guerra, o Corredor de Guiledje representou, intermitentemente embora, uma área fulcral de intervenção na estratégia global e evolutiva do PAIGC, apesar de reconhecermos que isso só podia tornar-se sustentável se se tiver em consideração a historicidade própria de outros Guiledjes que, à sua semelhança, aliás, não se explicam por si sós, pelo menos autonomamente, senão adentro da concepção global das estratégias dos contendores que se confrontaram numa perspectiva dinâmica e evolutiva e que, como tal, elas próprias se apresentam com processos internos entrecortados de roturas e continuidades, condicionados estes, nas suas diversas fases de evolução, por uma série de factores que de alguma forma o Simpósio Internacional de Guiledje quis trazer à luz do dia, em prol de uma maior e mais profícua interpretação dos meandros da guerra colonial e/ou guerra de libertação, e não apenas de Guiledje como à priori parece.


(vi) Simpósio Internacional de Guiledje: para além do sucesso extraordinário da iniciativa, há um património histórico comum...

Neste sentido, caro Lema Santos, corroboro com a indignação com que se insurge contra as abordagens históricas que tendem a subvalorizar o importante papel desempenhado pela marinha portuguesa na guerra colonial da Guiné, mas há-de igualmente convir que não é menos lamentável a forma como a emergente historiografia da guerra colonial da Guiné e, paradoxalmente, a da luta de libertação (incipiente, por isso compreensível), vêm remetendo para um plano secundário o imprescindível estudo evolutivo da organização militar do PAIGC (como se de um apêndice se tratasse), bem como das estratégias e tácticas que evolutivamente as condicionaram, no qual sobressai, sem margem para dúvidas, a gigantesca e complexa rede logística (sem dúvida, a maior do PAIGC) que, estendendo-se desde Conakry e perpassando por outras cidades da República da Guiné como Boké, Kandiafara, Simbel e Tarsaia, prolongava-se depois pela então Guiné Portuguesa adentro pelo Corredor de Guiledje, a partir do qual, sintomaticamente, se despachavam o maior volume (dir-se-ia mesmo a esmagadora maioria) do armamento e munições e ainda os víveres imprescindíveis ao esforço de guerra do PAIGC.

Para concluir este já longo texto, concorde-se com Lema Santos de que, para a elaboração histórica da guerra colonial da Guiné urge ter em consideração “uma perspectiva global integrada dos três ramos das Forças Armadas portuguesas”, mas eu acrescentaria que essa mesma perspectiva integrada pode e deve ser alargada à produção historiográfica contemporânea que, na Guiné-Bissau, vem sendo esboçada, embora ainda de forma embrionária, pois, ainda assim, ela é igualmente enriquecedora para a nossa História comum, assim como para a História da Guerra colonial de Portugal na Guiné, para além, obviamente, de se afigurar igualmente importante para o incremento do estado actual de conhecimento da História Contemporânea universal e o processo em curso de apropriação pelos guineense da sua própria História.

Não creio não estar longe da verdade se afirmar que o Simpósio Internacional de Guiledje foi um extraordinário sucesso e que simbolizou e simboliza a amizade, o reencontro, para além da redescoberta, por todos, de uma nova dimensão do humanismo, até mesmo por parte dos que, desavindos outrora, tiveram com armas nas mãos em lados opostos da barricada e que, obviamente, eivados de um profundo sentido de partilha da História de uma guerra que todos experimentaram (a de toda a Guiné e não apenas de Guiledje), a qual, afinal, é (foi e certamente será), por maioria de razão, um património da nossa História comum.

Leopoldo Amado

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes desta série:

12 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

13 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

14 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2638: Fórum Guileje (4): Minas aquáticas em Bedanda (Ayala Botto)

15 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2642: Fórum Guileje (5): Que sentido dar a esta vaga de fundo ? Da guinefobia à guinefilia (Hélder de Sousa / Luís Graça)

15 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2645: Fórum Guileje (6): Antes que se esgote... Gandembel (Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70)

16 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2649: Fórum Guileje (7): A importância do Caminho do Povo (Paulo Santiago)

(**) Vd. poste de 18 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1672: Guileje: a artilharia do PAIGC (Nuno Rubim) Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

(****) Historiador, orador no
Simpósio Internacional de Guiledje



(i) Nota curricular:

Nasceu no Sul da Guiné-Bissau e licenciou-se desde 1985 em História pela Universidade de Lisboa. Doutorou-se recentemente pela mesma Universidade em História Contemporânea, com uma tese sobre a guerra de libertação da Guiné-Bissau. É autor de inúmeras publicações de natureza científica e literária.

Desempenhou no país várias funções directivas em instituições de ensino e em projectos de investigação histórica e, igualmente, como funcionário e consultor junto de inúmeras instituições da sociedade civil, designadamente, nos de desenvolvimento, dos Direitos Humanos e dos Direitos das Crianças, para além de experiências como consultor de várias organizações e organismos internacionais na Guiné-Bissau, a saber: Plan International, Radda-Barnen, Unicef, Fnuap e Pnud.

No exterior (Cabo Verde, Portugal e França), trabalhou em diversos projectos de investigação e foi consultor da Unesco, Amnistia Internacional, Editora Nathan e CPLP, desempenhando actualmente as funções de Secretário da Guineáspora (Portugal), investigador associado do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Guiné-Bissau), investigador auxiliar do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (Portugal) e Professor convidado da Faculdade de Jornalismo da Universidade do Porto (Portugal).

(ii) Título da comunicação: Génese e evolução do sentido estratégico-militar do corredor de Guiledje no contexto da guerra de libertação nacional

(iii) Sinopse da comunicação:

Do ponto de vista militar e por razões diversas e até diferenciadas – entre as quais sobressaem as de ordem política, estratégica e táctica – o Sul da Guiné-Bissau afigurou-se para os contendores, tanto o Exército português como o Exército Popular, como área fulcral de intervenção.

A esta ambivalência dicotómica, que decorre da substantiva diferenciação do sentido táctico-estratégica de cada um dos contendores, sobrepuseram-se também, no decorrer da guerra, diferenciadas percepções e opções estratégicas, em cujo confronto e justaposição, procurar-se-á dissecar os contornos que alavancaram a sua perspectiva evolutiva e, tanto quanto possível, estabelecer parâmetros teóricos e conceituais susceptíveis de melhorar o estado actual do conhecimento com relação às circunstâncias e condicionamentos vários que, ao longo do conflito, determinaram as opções estratégicas por que se pautou a intervenção militar do PAIGC e, na qual, indubitavelmente, o chamado corredor de Guiledje assume particular significação histórica.

sábado, 15 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2642: Fórum Guileje (5): Que sentido dar a esta vaga de fundo ? Da guinefobia à guinefilia (Hélder de Sousa / Luís Graça)

Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Simpósio Internacional de Guiledje > 7 de Março de 2008 > Piquete de dia, prestando homenagem aos grandes Combatentes, já falecidos, da Liberdade da Pátria, junto ao mausoléu de Amílcar Cabral... (LG)

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados

1. Mensagem do Helder Sousa , ex-Fur Mil de Transmissões TSF (Bissau e Piche 1970/72), que me foi enviada há já algum tempo, ainda antes da minha partida para a Guiné, como participante do Simpósio Internacional de Guileje...

Nota do editor:

Sinto que há uma certa oportunidade editorial em publicar esta mensagem neste momento (1). Espero que isso nos ajude a gerir melhor as nossas emoções e gerar mais e melhores ideias para o futuro... O Hélder Sousa, que vive em Setúbal e que nunca mais voltou à Guiné (nem sei se tem vontade de lá voltar), toca aqui, com sabedoria e serenidade, nalguns pontos sensíveis, em que facilmente nos revemos. Por exemplo, a nossa amizade para com a Guiné e a população guineense pode (e deve) ser mais proactiva, mais solidária ? Seria bom reflectirmos sobre isso... LG

Luís:

Em anexo remeto um pequeno texto que tinha a pretensão de ser o início das histórias que queria enviar para o Blogue.

Como tem o aspecto de ser mais um texto de reflexão do que descritivo, acabei por não o desenvolver e não o utilizar.

Entretanto, ao reler o que lá está, e tendo em conta o Simpósio [Internacional de Guileje] e a viagem de inúmeros camaradas à Guiné e particularmente a Guiledje, decidi partilhá-lo porque me parece que estão lá dois ou três aspectos relevantes e que têm a ver com o momento e a envolvência do evento que irá ocorrer.

Trata-se de avançar com possíveis explicações para o rememorar da guerra em geral e da Guiné em particular, do efeito que o Simpósio pode ter no lançamento de novas e consistentes iniciativas e também do ricochete que toda esta dinâmica e este envolvimento não deixarão de fazer no Blogue.

Um abraço


Hélder Sousa


2. Contributo: Alguns antecendentes,
por Hélder Sousa:


Antes de relatar a minha passagem pela Guiné devo fazer algumas considerações sobre um conjunto de questões e circunstâncias que acho que têm relevância para o enquadramento, tanto mais que alguns desses aspectos são, de vez em quando, abordados no Blogue, nomeadamente as questões da consciência política dos militares nossos contemporâneos e o problema dos refractários e desertores.

Por outro lado há um outro fenómeno que muito me tem interessado. Trata-se da aparente vaga de fundo que a questão da guerra colonial tem conhecido recentemente, nos seus vários aspectos, traumáticos, saudosistas, gloriosos, heróicos, altruístas, generosos, solidários, etc., de que o nosso Blogue (e não só) tem feito eco.

É claro que o efeito Guiné é fortemente aglutinador pois aquele pequeno território teve (tem) o condão de não permitir que quem lá esteve, viveu, lutou e sofreu, lhe seja indiferente. Marcou muito profundamente todos os que por lá passaram, fossem quais fossem as suas circunstâncias, pelo que, mais do que qualquer outro lugar por onde os jovens portugueses foram chamados a cumprir o serviço militar, a Guiné une, e o seu apelo faz com que muitos dos que até aqui optaram pelo silêncio, por tentar esquecer, por evitar falar daquilo que se viveu no nosso vietnamezinho, venham agora relatar em apontamentos autênticos, sofridos, em livros, em memórias, etc., aquilo que finalmente pode constituir o verdadeiro levantamento da História da Campanha da Guiné, no Século XX.

O facto do território ser relativamente pequeno, das acções abrangerem praticamente toda a sua extensão, de ser facilmente do conhecimento geral os problemas, dificuldades, desaires e êxitos, passados em qualquer um desses lugares, principalmente dos mais badalados cujos nomes eram sempre pronunciados com respeito (Morés... Oio... Guileje... Guidaje... Gandembel... Aldeia Formosa... e tantos outros), faz com todos se sintam fraternamente unidos, para além dos limites das suas próprias Unidades, e daí o êxito do nosso Blogue que teve a feliz ideia de criar a Tabanca Grande onde todos podem caber.

Essa é uma das razões pelas quais o Blogue terá que perspectivar, mais cedo ou mais tarde, o sentido que todo este entusiasmo, este querer, esta maneira de dizer presente, irá tomar.

Sabemos que não devemos, não podemos nem queremos imiscuir-nos nas questões internas de outros povos (além disso, temos também muita coisa para fazer por cá, certamente), mas lá que talvez se possa contribuir para dar um novo impulso àquela terra isso certamente também haverá muita vontade, e acho que o famoso Projecto Guiledje poderá ser a porta de entrada para o caminho a percorrer.

Entrando agora nas questões mais pessoais devo dizer que, quando fui para a tropa, já a guerra ia com os anos suficientes para que várias fornadas de jovens tivessem passado por lá, já se conheciam bem os efeitos que isso ia fazendo nas famílias, já tinha passado o entusiasmo com que alguns responderam ao apelo de para Angola, já, e em força!... Por altura do Verão de 1969, quando ingressei em Santarém para o 1º Ciclo do CSM, a palavra Guiné era pronunciada com toda a reverência e era sinónimo de local de grande sofrimento e de temor por parte das famílias.

Em Santarém, na minha recruta, a preparação parecia ser feita de modo orientado para a actuação na Guiné, disso mesmo os oficiais que nos instruíam faziam alarde, quando passávamos o tempo enfiados nos charcos à beira-Tejo da Quinta das Ómnias, nos lameiros e mesmo nos paúis, sempre nos iam dizendo que era para não estranharmos quando chegássemos à Guiné, que seria certamente o nosso destino mais provável. Neste aspecto devo confessar que, do ponto de vista militar, psicológico e preparatório, e mesmo operacional, quem fez a 3ª incorporação de 69 do CSM em Santarém teve uma preparação bastante mais adequada do que sei que foi ministrada noutros locais e em outras ocasiões.

3. Comentário de L.G.:

Tens faro de sociólogo, camarada!... De facto, como interpretar esta tendência, esta aparente vaga de fundo, como tu lhe chamas ? Será que a Guiné passou a estar na moda ? Redescobrimos a Guiné, 500 anos depois ou 50 anos depois ? Passámos da guinefobia (com a guerra colonial ou guerra do ultramar) para a guinefilia (com o desencanto dos guineenses, e de nós próprios, com os últimos trinta anos da Guiné-Bissau como país independente) ? Guinefilia ou paixão serôdia, extemporânea, quiçá patológica... ? O que leva alguns de nós a voltar à Guiné, uma, duas, três e até mais vezes ?

Eu tenho a minha teoria, mas não quero estragar o efeito surpresa, não quero, com a minha opinião, enviesar o debate, não quero que me interpretem como sendo politicamente correcto, cinzentão, asséptico... Não quero muito simplesmente ser ideólogo de coisa nenhum... Não quero sobretudo desencantar os que nutrem pela Guiné e pelo seu povo uma genuína amizade, uma grande compaixão, a par de uma crescente preocupação pelo seu futuro como país independente, respeitável e respeitado, no seio das Nações...

Continuo, de resto, a fazer votos para que a nossa Tabanca Grande seja isso mesmo: uma aldeia suficientemente grande, onde todos nós (ou quase todos nós) possamos caber e sentirmo-nos relativamente confortáveis, na presença uns com os outros... Como aconteceu na semana de 29/2 a 7/3/2008, em Bissau e em Iemberém (um verdadeiro oásis no deserto!), a umas largas dezenas de portugueses e outros estrangeiros convidados por guineenses... Ao terceiro dia, e antes do galo cantar, eu já estava a lembrar ao Pepito:
- Há um provérbio português que diz Ao fim de três dias, o peixe e o hóspede fedem... E há outro que acrescenta, mais sibilamente: Duas alegrias os hóspedes nos dão: quando chegam e quando se vão...

Pois os nossos amigos guineenses, que têm um elevado sentido da hospitalidade africana, quase ficaram ofendidos... Mas eu sei que a AD, a ONG do Pepito que arcou com a principal responsabilidade da organização do Simpósio, praticamente ficou paralizada, nas últimas semanas, com a mobilização total dos seus quadros, colaboradores e funcionários e a sua afectação ao planeamento, organização e realização do Simpósio...

Agora é a altura de fazer o balanço e voltar à normalidade. Para uns e para outros... Da nossa parte, ficam responsabilidades acrescidas... Para alguns, quiçá mais pessismistas e agoirentos, não é bom libertar as abelhas selvagens no mato: podem cair-nos em cima... Ou, continuando a falar em termos metafóricos, senhores ex-combatentes, não brinquem com o fogo, não abram a caixa de Pandora, que os mortos estão enterrados, as feridas saradas e os vivos já arrumaram... as botas...

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Nota de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2638: Fórum Guileje (4): Minas aquáticas em Bedanda (Ayala Botto)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Três homens (solitários) de Guileje. Da esquerda para a direita: o ex-major Coutinho e Lima (que em 22 de Maio de 1973, era o comandante do COP 5, sendo hoje coronel na reforma); Abílio Delgado (ex-Capitão dos Gringos de Guileje, a CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972); e Nuno Rubim, (que comandou duas companhias, em Guileje, a CCAÇ 726, e a CCAÇ 1424, no período de 1965/66).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Texto do Mário Fitas (1):

Caro Manuel Lema Santos,

Li, e senti a profundidade do seu texto Ainda sobre o 'Simpósio de Guilege' (2).

Fui um simples Fur Mil de Operações Especiais, em Cufar, de Março de 1965 a 1966, fazendo parte da CCAÇ 763 comandada na altura pelo então Capitão Carlos da Costa Campos, já não existente entre nós, mas cuja urna entrou na sua última morada, pelas mãos de elementos da CCAÇ 763, e que no seu regresso à Guiné para outra comissão, onde foi promovido a Coronel, comandadou o COP3, na altura das operações em Guidaje.

A empatia gerada entre mim e o Cor Costa Campos levou-nos a falar, e analisar pormenorizadamente, muita coisa sobre a Guerra da Guiné.

Já tive oportunidade de falar na nossa Tabanca Grande, não só sobre a colaboração da Armada bem como da Força Aérea Portuguesas, nos teatros da referida Guerra. E que reafirmo o meu grande reconhecimento, por tudo o que por nós fizesteis. Tenho a certeza que este reconhecimento seria subscrito em absoluto, por todos os elementos da CCAÇ 763.

Tenho plena consciência que determinados tabus ainda se encontram instaurados entre nós, mas que teremos de ter a capacidade de nos ouvirmos, e debater com clarividência, para que seja a verdade da Guerra na Guiné contada na primeira pessoa.

Muitos foram de facto os que sofreram e sofrem. Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha!

Tenhamos a capacidade de ultrapassar todas as barreiras, e deixemos ao Povo Português o que foi uma Guerra de facto e não uma batalha. Dum lado e do outro que as mãos se unam, e façam a História dos seus Povos.

Tudo isto, para lhe demonstrar a minha admiração, pela clarividência e honestidade do seu texto.

Há momentos tristes, mas a verdade tem de ser nosso apanágio. Estou consigo! Estas suas palavras devem fazer parte do legado da Nossa Tertúlia!

Já que, de certeza, muitas vezes subiu e desceu o mítico Cumbijã, um abraço do tamanho desse maravilhoso rio.

Mário Fitas

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

(2) Vd. poste de 12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)