sábado, 22 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

1. Mensagem do Hugo Guerra (ex-Alf Mil, hoje Coronel DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) (1):

Camaradas Tertulianos:

Não queria deixar passar esta oportunidade sem vos contar uma estória que se passou comigo em Bissau, aí por volta do Natal.

Ao longo dos anos que já passaram recordo-a com graça e só tenho pena de não ter sido filmada porque era capaz de ser publicada no Youtube ou outra coisa parecida.

Dezembro 1968 . Tinha vindo a Bissau ao hospital fazer uma desintoxicação de Gandembel.

Com mais dois camaradas descíamos a Avenida que vinha do Palácio do Governo em direcção à baixa ,mais concretamente aos Correios. Eis senão quando, qual emboscada do IN, aparece a Polícia Militar, que no cumprimento da sua espinhosa missão me ataca com todas as armas de que dispunha e me passa um raspanete por eu ter mais botões desabotoados do que os permitidos no RDM. Logo a mim que me considerava um dos poucos da tropa-macaca que tinha experiência in loco do famoso corredor de Guileje...

Fiquei urso, mas os rapazes até tinham razão e lá abotoámos os botões. Chegados aos Correios, no meio da barafunda total estava um esganiçado e aperaltado 1º Cabo, com a camisa desabotoada até ao umbigo.

Depois do que me acontecera pouco antes, aquela situação caía como sopa no mel... Afiando as garras tivemos este diálogo:
- Ó nosso cabo, ouça lá.
- Ó Nosso Cabo não, meu Alferes, sou o Marco Paulo... (Desconhecia em absoluto quem era semelhante personalidade) (2).
- Marco Paulo uma merda, ou abotoa esses botões todos ou temos chatice! - respondi eu.

Claro que o obriguei a estar em sentido até acabar o castigo e comecei a aperceber-me duns sorrisos à socapa dos Camaradas que estavam por ali….

Satisfeito com a minha façanha do dia, viemos para fora e só então fiquei a saber que tive muita sorte por ele não ter dito nada…..senão ainda levava uma porrada e era enviado pra Gandembel, aliás para onde regressei passados 2 ou 3 dias depois.

Ao longo dos anos ainda sorrio quando me lembro desta estória …de Natal.

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Notas de L.G:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(2) Extactos de uma recente entrevista do cantor Parco Paulo (nascido em Mourão, há 62 anos de idade, e com 41 anos de carreira...), ao Correio da Manhã, em 9 de Junho de 2007:

Fez tropa na Guiné durante dois anos. Do que se recorda?
– Recordo-me de ter pedido a todos os santos para não ir, acima de tudo porque eu sabia que se fosse para a Guiné possivelmente quando regressasse já não podia dar seguimento à minha carreira. A minha sorte foi que o meu produtor, Mário Martins, fazia sempre questão que eu viesse de férias. Durante esse período eu gravava, e quando voltava para a Guiné a editora lançava o disco. Por isso nunca caí no esquecimento.

Chegou a sentir medo?

– Quando cheguei à Guiné não foi fácil. Pensei: “Olha, vou para o mato. Levo lá um tiro na cabeça e pronto!” Só que fui para o quartel da Amura, para a secção de Justiça, como escriturário. Ouvia os bombardeamentos, mas não deu propriamente para sentir medo. Depois, como a rádio lá passava muitos discos meus, eu era aproveitado para abrilhantar as festas militares.

Compreendeu, à época, as motivações daquela guerra?

– Eu não estava por dentro dos assuntos da política. Disseram-me que Guiné era Portugal e eu acreditei. Hoje, olhando para trás, vejo que foram dois anos perdidos.


Também nas Selecções do Reader's Digest - Portugal - Revista, pode ler-se uma entrevita com o Marco Paulo, a propósito dos 35 anos de carreira e dos 3 milhões de discos vendidos. Alguns excertos relativos ao tempo que o MP esteve na Guiné:

(...) LO: Voltando um pouco atrás. Onde cumpriu o serviço militar?
MP: Na Guiné. Quando fui para a guerra, já tinha gravado dois ou três discos, discos sem grandes sucesso mas que passavam na rádio e que já vendiam alguma coisa. Ao regressar da guerra, não fazia ideia do que seria a minha vida no futuro, não era líquido que o meu futuro passasse pelas cantigas.


LO: Recorda o dia em que partiu para a guerra?

MP: Muito bem. No fundo, não sabia para onde ia. Foram dias muito inquietantes, mas por sorte acabei por ir parar a Bissau. Os meus pais choraram quando se despediram de mim, choraram tanto como eu. Aliás, lembro-me de ter chorado duas vezes na minha vida: nessa ocasião e quando me deram a notícia de que tinha um cancro. Não é nada fácil alguém me ver chorar, nada fácil mesmo.

LO: O estatuto de cantor beneficiou-o de alguma forma durante a Guerra Colonial?

MP: De forma nenhuma. Por sorte, não estive nos sítios onde se vivia a guerra, limitei-me a estar numa zona mais resguardada. Fui obrigado a ir. Estava numa secção de escritório a fazer cartas, para mim foram quase umas férias. Só me apercebia de que existia guerra quando me convidavam para ir cantar a algum hospital ou à Força Aérea; no sítio onde estava não percebia nada. Deu-me muito prazer cantar na Guiné, os meus camaradas pediam-me e eu nunca recusava. (...)


Também no blogue do Luís de Matos (ex-Fur Mil, da CCAÇ 1590, Os Gazelas, 1966/68), há uma referência ao Marco Paulo, aquando da chegada a Bissau, a 11 de Agosto de 1966:

(...) Findo este trabalho, o capitão deu folga a todo o pessoal para conhecer a cidade. Logo na primeira noite, juntei-me a um pequeno grupo para irmos dar uma volta, para conhecermos um pouco da noite guineense. O furriel miliciano Charneca, que é natural de Beja, ou arredores, não sei bem, pertence à CCS do meu batalhão, o 1894, disse-me que há um nosso camarada, já “velho”, o que equivale a dizer que não é “periquito”, que está no rádio do Quartel-General com o Marco Paulo, um artista da rádio e da TV e também alentejano, de Mourão. Vamos lá ter com eles, para nos mostrarem como é isto. Ou pelo menos, aquele meu amigo vai connosco. Estava uma noite escura como breu. Não me recordo de mais nada. O que sei é que me vi dentro dum táxi, com o Charneca e o tal amigo do QG, por um trilho, em que o capim era bem mais alto que o nosso transporte e fomos parar a uma vivenda onde havia música. Muita música cabo verdiana e dança, frangos no churrasco, cerveja e whisky. Não conseguia deixar de pensar que me podiam cortar a cabeça com uma catana. É que a gente ouvia contar cada estória!. Mas ao mesmo tempo, tinha uma certa confiança no tal camarada mais velho. Se ele estava ali e continuava vivo, é porque o local e as pessoas eram de confiança. Há-de ser o que Deus quiser. Coração ao largo, pensei cá prós meus botões" (...)

Guiné 63/74 - P2373: O meu Natal no mato (9): Embarquei no N/M Niassa a 21 de Dezembro de 1971... Que maldade! (João Lima Rodrigues)





N/M Niassa > 21 de Dezembro de 1971 > O luxuoso paquete em que cerca de 500 militares do BART 3873 foram obrigados a viajar, para a Guiné, nas vésperas de Natal.

Fotos: © João Lima Rodrigues (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem que nos chega através do Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492 (Xitole, 1972/74):

O Lima Rodrigues foi Alferes Miliciano e esteve na Guiné entre 1971 e 1974, integrado no BART 3873: esteve primeiro no Xitole na CART 3492 e posteriormente na CCS do Batalhão em Bambadinca a desempenhar funções nas áreas das operações, juntamente com o então major Jales Moreira.

Actualmente é técnico superior da Portucel, de Viana, continua ser homem dos nossos, bem disposto, aliás basta ler-se-lhe a prosa... Enfim, alguém com quem é facil travar-se amizade. Peca só pela timidez.

Embora ande há muito a insistir com ele, para nos contar as suas estórias que as conheço bem interessantes, não tenho sido muito bem sucedido.. Mas enfim desta vez, por ser Natal lá se dispôs a escrever e eis o resultado.


2. Texto do João Lima Rodrigues (1):

Meus caros:

Estão a cumprir-se 36 anos sobre a data de embarque para o cruzeiro memorável para a Guiné, em que a maior parte de nós teve o privilégio de participar. O paquete Niassa, de seu nome, foi equipado a preceito, como bem se recordam, com camaratas tipo andaime num porão, onde mais de 500 jovens partilhavam essa inovação tipo open space - embora praticamente não houvesse escotilhas (?) para o exterior - e que só agora está na moda, para transporte de clandestinos no sentido inverso!

A carga de melaço com que o outro porão foi carregado, só por maldade ou manifesto mau gosto, alguns disseram ter um cheiro horrorosamente enjoativo (a maledicência é realmente uma característica dos portugueses...). A data, que foi alvo das mais elaboradas cogitações pelos altos cérebros (?) das forças Armadas da altura, não poderia ter sido melhor escolhida.

Como seria possível aos mais de 500 ex-militares, respectivas famílias e amigos, ainda hoje terem esta recordação tão viva e forte desse evento ? Todos temos garantidamente inumeras recordações desse memorável cruzeiro, mas permito-me recordar as que ainda hoje sinto como mais marcantes:

Aquela sessão de cinema ao ar livre com a projecção do filme A Batalha das Ardenas - escolhido garantidamente pelos tais cérebros (?) brilhantes). Sim, quem tem dúvidas sobre o enorme efeito moralizador que um filme de guerra teria sobre aqule enorme grupo de jovens ansiosos por saber como era a guerra? (Os tais maledicentes lá vieram com o argumento de que se tratava de uma batalha mais adequada para a cavalaria, porque quase só metia tanques, e que nós eramos tropa de artilharia. Mentira e má vontade, porque toda a gente sabe que nenhum de nós sabia raspas de peças de artilharia (seriam o morteiro 60 ou a bazooka peças de artilharia? Agora fiquei um pouco baralhado , mas como eu era um generalista de operações especiais e com a ajuda da idade posso estar a fazer algumas confusões...).

Mas, e os jogos de ping-pong que invariavelmente terminavam por falta de bolas, pois ao longo do jogo iam voando borda fora... ?! E para os mais privilegiados, o grupo musical, a que o Mexia já se referiu (2), e cujo repertório de músicas românticas abalava mesmo os mais machões!

E só por pudor termino este evocar de recordações, em que o cinismo apenas serviu para atenuar toda a revolta que ainda hoje sinto por tamanha estupidez, que é mandar mais de 500 jovens para a guerra na véspera de Natal, quando nada justificava essa decisão, pois ainda havia para cumprir um mês de IAO.

Felizmente para todos nós, poderemos festejar este Natal com aqueles que para nós são importantes e recordar todos aqueles com quem, infelizmente, já não podemos partilhar esta alegria.

A todos desejo que passem um Santo Natal e um óptimo 2008!!!

João Lima Rodrigues

3. Comentário de L.G.:

João, cumpriste todas as formalidades para poderes entrar na Tabanca Grande... O privilégio é teu, mas a honra é toda nossa... Arranja p'ra aí um lugar confortável. Espero que te sintas bem por cá, muito melhor do que a outra vez, quando andaste pelo Xitole e por Bambadinca, nos já idos anos de 1972/74... Só te falta um endereço de e-mail... Presumo que o tenhas, mas o Álvaro não mo mandou...

De facto, foi um sacanice o que te fizeram, mandarem-te para a Guiné, ainda por cima em 1971, em tempo de guerra, e mais grave ainda na véspera de Natal... Mas, olha, gostei da tua prosa... Ao menos vingaste-te, este Natal, dos Filhos da Mãe que te tramaram da outa vez...contando a história da sua sacanice... Escrever faz bem, a ti, a todos nós... Obrigado também ao Álvaro por, delicadamente, te trazer até à porta da nossa Tabanca. É um camaradão, esse Álvaro. Até à próxima. Luís

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior desta série: 21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - 2372: O meu Natal no mato (8): Bissorã, 1964 (João Parreira, CART 730)


(2) Vd. post de 12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2372: O meu Natal no mato (8): Bissorã, 1964 (João Parreira, CART 730)



Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes >O João Parreira, à esquerda, e o Miranda, à direita: dois veteranos dos velhos comandos de Brá. O Miranda, do Grupo Os Panteras, foi instrutor do Parreira, do Grupo Os Fantasmas. O Parreira, voluntário nos Comandos, veio da CART 730/BART 733 (Bissorá, 1964/65).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006). Direitos reservados.


Mensagem do João S. Parreira, ex-Fur Mil da CART 730/BART 733, ex-Comando (Guiné, 1964/66):


Caros Luís, Carlos e Virgínio,

FELIZ NATAL e PRÓSPERO ANO NOVO
extensivos aos vossos familiares
são os sinceros votos do
amigo e ex-camarada de armas
João

Caros Camaradas Editores Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote,


Sob o tema dos Natais passados na Guiné durante a nossa comissão tenho uma vaga recordação, tal como a de outros camaradas com quem contactei, de que o Natal de 1964, da CART 730, do BART 733 foi passado normalmente no aquartelamento de Bissorã onde não tinhamos nada que celebrar, ou antes, jovens como eramos tinha apenas que agradecer ao Poder Divino o facto de ainda nos encontrarmos vivos.

Por outro lado os nossos chefes, que estavam pomposamente instalados nos seus gabinetes, pouco ou nada se ralavam com a forma como passavamos as épocas natalícias, ou quaisquer outras.

Pensar muito na família nessa quadra natalícia também não ajudava muito pois embora estivessem a sofrer em silêncio com ausência de um dos seus, tentariam por certo gozá-la da melhor maneira.

Dois dias antes tinhamos regressado de uma nomadização de dois dias em que já no regresso e bastante fatigados pois tinhamos percorrido cerca de 40 kms nos encontrávamos com uma escassa energia para chegar ao ponto de irradiação quando sofremos uma emboscada na estrada de Barro que nos causou 3 feridos.

Para mitigar um pouco o clima em que se vivia, principalmente naquela quadra, talvez contribuisse a convivência com as duas inocentes bajudas que por aquela altura apareceram no aquartelamento. O fim do ano de 1964 passou-se igualmente com uma nomadização de dois dias.

Em Bissajar o IN reagiu com fogo ao cerco a uma casa de mato, e na bolanha de Marecunda fomos emboscados.


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Natal – Ano Novo 2007/2008
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Os verdadeiros camaradas são como as estrelas.
Nem sempre as vês, mas estão sempre lá.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo

para todos os nossos camaradas e familiares
são os votos do João Parreira

Um abraço.

João Parreira

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Nota dos editores:



(1) Vd. posts de:









Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)


Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa.

A notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: "Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CArt 3492 (Xitole, 1971/1973), com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago.
Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.


A troca de prisioneiros de Guerra (PG)


Relatório da 2ª Rep. /Pág. 67/QG/CTIG

- (…) Presentes ainda: Maj Inf Hugo dos Santos, 1º Ten. Marinha Brandão, Cap. Cav. Sousa Pinto, Cap Cav Ramalho Ortigão e duas praças da PM. Todos estes elementos foram transportados num Nord-Atlas (Cmdt Cap Pil Av Carvalho) que fez duas viagens entre Bissau e Aldeia Formosa e que levou igualmente um representante do PAIGC, Cmdt Lamine Sissé, e cerca de vinte jornalistas nacionais e estrangeiros que se propunham fazer a cobertura do acontecimento.

- A permuta de PG não chegou a efectuar-se em 09Set, em virtude do PAIGC não ter apresentado os PG/NT, retidos em seu poder, nessa data. Como consequência, os elementos das NT e jornalistas regressaram pelas 16h00 a Bissau, tendo ficado em Aldeia Formosa o Cap. Ten. Patrício com os 35 PG/PAIGC, que aí aguardariam até à chegada dos PG/NT. Nesse mesmo dia, o Encarregado do Governo da PU telegrafaria à Direcção do PAIGC, manifestando a sua estranheza pela não apresentação dos PG por parte do PAIGC. Em resposta, Luís Cabral apresentaria desculpas, esclarecendo que a demora tinha sido devida ao mau estado das estradas, não tendo sido possível, por isso, transportar os PG como fora planeado.

- A troca dos 35 PG/PAIGC, pelos 07 PG/NT, retidos pelo PAIGC no Boé, só veio finalmente a concretizar-se em 14 Set. 74, às 11h00, no aquartelamento de Aldeia Formosa.

Estiveram presentes pelas NT:

Maj Inf Tito Capela
Maj Art Aragão
Cap Ten Patrício
Cap Inf Manarte
Fur Elias (2ª Rep/QG/CTIG)

O PAIGC esteve representado pelos seguintes elementos:

Manuel dos Santos (Sub-Secretário Informaçõ e Turismo/GB)
Carmen Pereira (membro do Conselho de Estado/GB)
Iafai Camará (Cmdt Aquartelamento de Aldeia Formosa)

- Recebidos os PG/NT, estes foram identificados imediatamente, tendo-se constatado que dos 07 PG entregues, 01 deles – Sold 109980-71, António da Silva Baptista/BCAÇ 3872 – não constava dos ficheiros de retidos pelo IN ou desaparecidos existente na 2ª REP/QG/CCFAG, pelo que foi imediatamente elaborada uma ficha, que foi entregue na 1ª Rep/QG, a fim de que fosse pesquisada a situação do referido elemento.

Feita a pesquisa, verificou-se que o Soldado mencionado tinha sido dado como morto, em 17Abr72, durante uma acção de emboscada em Madina-Buco, na qual as NT sofreram 01 desaparecidos e 10 mortos, 06 dos quais queimados por explosão na viatura em que seguiam. Este facto levou a confundir um dos corpos queimados com o elemento desaparecido, que veio a verificar-se agora ser o PG entregue pelo PAIGC, Sold Nº 10998071, António da Silva Baptista.

- Imediatamente após a identificação, os PG e comitiva regressaram, por via aérea, a Bissau onde desembarcaram cerca das 12h30 de 14 de Set 74. Ficaram instalados no HM Bissau, data em que seguiram por via aérea para Lisboa (1).

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Nota de vb:

1) vd posts de:


24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)

3 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P2370: O meu Natal no mato (7): Destacamento do Rio Udunduma, 1969, Pel Caç Nat 52 (Beja Santos)

Guiné Sector L1 > Bambadinca > Pel Caç Nat 52 (1968/70) > Destacamento (!) da Ponte do Rio Udunduma, na estrada Bambadinca- Xime. Natal de 1969. Destacamento, é favor: uns bidões de areia, umas valas, umas chapas ... como tecto. Este rio era uma fluente do grande Geba...

Foto : © Beja Santos (2007). Direitos reservados.






Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > CART 2339 (1968/69) > 1969 > Pôr do sol.

Foto: © Carlos Marques Santos (2005). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Udunduma. Tudo (ou quase...) como dantes... Em 1969/71, no nosso tempo (CART 2339, do Torcato Menodnça e do Carlos Marques dos Santos, do Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, da CCAÇ 12, do Henriques, do Reis, do Levezinho...) a segurança desta ponte, construída em 1952, era de importância vital para toda a zona leste (regiões de Bafatá e Nova Lamego). Ficava a 4 km de Bambadinca e a 7 do Xime. No ataque em força, a Bambadinca, em 28 de Maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC tentaram dinamitá-la. Embora parcialmente destruída (era de bom cimento armado...), continuou operacional (até à construção da nova estrada. já inaugurada em 1971), e por cima dela continuaram a passar inúmeros batalhões, viaturas blindadas, Matadores rebocando peças de artilharia, auto-gruas da engenharia, camiões civis e militares...

Já sabemos que a partir daí passou a ser defendida permanentemente por uma força a nível de pelotão, a cargo das unidades do BCAÇ 2852, como foi o caso por exemplo da CART 2339 (Mansambo) . A partir de 16 de Dezembro de 1969 a segurança permanente passou a ser feita pelos Gr Comb da CCAÇ 12 e pelo Pel Caç Nat 52 (Bambadinca) .

Havia apenas abrigos individuais, extremamente precários: bidões de areia com cobertura de chapa de zinco, e valas em zê comunicando entre os precários abrigos individuais. O destacamento (!) assentava sobre uma elevação de terreno, sobranceira ao rio e à ponte. (LG)

Foto: © Humberto Reis (2005) . Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > O Tony (Levezinho) e o Humberto sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio... Os nossos soldados africanos, desarranchados, tinham que cozinhar a sua própria bianda e arranjar o mafé (conduto) ... Caricato: andavam com o saco de arroz às costas... O rio era rico em peixe, que se pescava à granada de sopro... Durante o dia, brincavam como putos, dando saltos para o rio e andando de canoa... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


Série O meu Natal no Mato > Destacamento do Rio Udunduma, 1969, Pel Caç Nat 52

O texto aseguir é do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70). Por razões que se prendem com o stresse de Natal, não nos é possível publicar o episódio semanal da série Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos).
Ao nosso bom amigo e camarada Mário, e a todos os visitante deste blogue, as nossas amáveis desculpas e votos de boa continuação desta quadra festiva que, na Guiné, em tempo de guerra, tinha uma termendo significado para nós... Em geral, para muitos de nós, operacionais, a noite de 24 para 25 de Dezembro era passada no mato, ao frio e aos mosquitos... E, Dezembro, a temperatura atingia, à noite, valores (cerca de 15º!) que nos fazia bater o queixo, tornando ainda mais insuportável a solidão, a distância, a saudade... (2) (LG)


Tudo aquilo era horrível na ponte [o Rio Udunduma ] que protegia Bambadinca, mas estou rodeado de camaradas inesquecíveis, com quem partilhei as broas, os sonhos, os bolos e até os frutos secos, tão bem recebidos.

Podia dissertar sobre qualquer um desses camaradões, escolho o Mamadu Djau, o primeiro à esquerda, de pé, o nosso bazuqueiro de elite, Cruz de Guerra de 3ª classe. Destemido nas flagelações de Missirá, devo-lhe o governo das tropas depois da mina anticarro, em Canturé, Outubro de 1969.

Irei visitá-lo em 1991 ,será o reencontro mais comovente de todos. Recebeu-me vestido à europeia, em Amedalai, a caminho do Xime. Tirámos fotografias com todos os familiares.Quando julgava que a nossa despedida fosse simples, ele marcou-me para o resto da vida:
- Tu não me vieste buscar? Tenho tudo pronto para partir contigo. Depois do que sofri pela nossa bandeira, tinha essa esperança de que me vinhas buscar depois do que vivemos juntos.

Beja Santos (3)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série, Um Natal no mato:
16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2355: O meu Natal no mato (1): Jumbembem, 1965: Os homens às vezes também choram... (Artur Conceição)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras da Cruz Vermelha (Fernando Chapouto)

18 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

19 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2366: O meu Natal no Mato (6): Peluda, 1969: a Fátria, Manel (Torcato Mendonça)

(2) Vd. outros posts sobre o nosso Natal em tempo de guerra: série Feliz Natal, Próspero Ano Novo e Até ao Meu Regresso:

17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1373: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (1): As Nossas Festas... Quentes e Boas (Luís Graça / José Martins)
17 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1374: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (2): Seguindo a Estrela, de Missirá a Belém (Beja Santos)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1375: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (3): A LFG Sagitário no Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1379: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (4): Mansambá, 1970 (Carlos Vinhal, CART 2732)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1380: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (5): Poema: Missirá, 1970 (Jorge Cabral)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1382: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (7): No longínquo ano de 1968 em Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis)
20 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1383: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (8): CART 2732, Mansabá, 1971 (Carlos Vinhal)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1387: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (9): Catió, 1967 (Victor Condeço)
22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1390: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (10): Os Maiorais de Empada, 1969 (Zé Teixeira)
2 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1396: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (11): 1969, na Missão do Sono, em Bambadincazinho (Luís Graça)

(3) Outros textos do Beja Santos e de outros camaradas sobre o Natal:
26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2216: Os nossos vídeos (1): Feliz Natal e até ao meu regresso (Tino Neves)
22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1392: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (26): Missirá, 1968, um Natal (ecuménico)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1376: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (25): O presépio de Chicri

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P2369: Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Missirá > Pel Caç Nat 63 > 1970 ou 1971 > O Alf Mil Art Cabral mais o seu amigo Malan.

Foto: © Jorge Cabral (2005). Direitos reservados.


1. Mensagem do Jorge Cabral:

Querido Amigo,

Para ti e todos os Tertulianos, o Bom, o Melhor, o Óptimo!

Estar vivo é já celebrar o Natal!

Abraço Grande
Jorge

PS - Junto Foto. Regressado de uma operação, tinha sempre à minha espera o meu Amigo Malan.


2. Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro
por Jorge Cabral


Amanheceu igual, só mais um dia em Missirá. Para o Mato Cão, vai o Alferes, uma secção, e o maqueiro Alpiarça. É lá chegar, esperar, ver o barco e voltar. Não há tempo para o sonho – do outro lado nem Gaia, nem Almada…

Já estamos de regresso, ouvimos restolhar. Vem aí gente. Neste lugar só podem ser os turras. Claro que, como sempre, o Alferes empunha apenas o seu pingalim e, em vez do camuflado, enverga camisa branca e calções de banho.

Paramos, agachamos, aguardamos. Porra, e se são muitos? Apanhado à mão, assim vestido, pensa o Alferes… Mas não, são três mulheres e um bebé. Doente, muito doente, informa a jovem mãe. Quem são, de onde vêm, ninguém pergunta.

Monta-se segurança, rodeando a mãe, o filho e o Alpiarça. O bebé está muito mal, quase não respira.
- Dá-lhe soro, aspira o muco, alivia-lhe os brônquios – grita o Alferes, subitamente médico.

Arrebita o bebé, elas agradecem e partem. Não perguntou o Alferes para onde, mas não era difícil adivinhar…

Foi em Novembro, estava calor, o Menino era Braima e não Jesus, nenhuma estrela iluminava o céu, e o Alferes não se parecia com os Reis Magos. Porém ainda hoje, ele acredita, que ali no meio do mato, naquela tarde, aconteceu Natal.

Jorge Cabral

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P2368: Direito de resposta (1): Do Ex-Capitão Carlos Matos de Oliveira, ao Ex-Fur Henrique Cerqueira, da CCAÇ 13 (Bissorã, 1972/74)

1. Texto do ex-Cap Carlos Matos de Oliveira, comandante da CCAÇ 13


Camaradas de Armas,

Li as declarações de ex-Furriel Henrique Cerqueira (1), da CCAÇ 13, e, como todos os relatos pessoais de guerra, são subjectivas e como tal não discutidas. Porém há imprecisões que como Capitão da CCAÇ 13 na época, tenho que repõr, com alguns comentários, para bem da história da Companhia.

(i) Tanto quanto me recordo ninguém passava férias no Natal na metrópole. Era regra do Com-Chefe segundo todos se lembram. A CCAÇ 13 não era excepção.

(ii) Confirmo que foi negado a todos que tinham lá Família ficar no Quartel. Era compreensível que por questões de segurança nessas datas toda a gente fosse para fora do quartel até à meia noite ou uma hora.

(iii) Quero rectificar que não me sinti vítima de qualquer Governo da altura. Tenho documentos que provam que as razões que me motivaram na continuação nas fileiras não foram de cariz político nem económico. Não cobro nada de ninguém e sinto-me recompensado com o afecto que todos os que tive o privilégio de comandar ainda hoje me demonstram. Estou disponível para responder a todos em tribunal ou na praça pública pelas minhas acções quer como militar quer como homem nesse período.

(iv) Lamento muito que, ao ex Furriel Cerqueira, não tenha conseguido, como seu comandante, impregná-lo dos Valores mais altos que encontrei até hoje, os de ser SOLDADO.

A todos desejo Boas festas e um Novo Ano sempre melhor.

Sinceramente, do sempre disponível soldado e amigo

Carlos Matos de Oliveira
Rua de St Justa 86
Porto
Telf 22 6099200 (escritório) / 22 5498698 (casa)

2. Comentário de L.G.:

Deve-se esclarecer que o Henrique Cerqueira fez questão de não identificar nenhum dos protagonistas desta cena, a começar pelo seu comandante (1). Naturalmente que todos os camaradas que se sintam, directa ou indirectamente visados por textos publciados no blogue, têm direito de resposta. Obrigado ao Carlos Matos de Oliveira pelos esclarecimentos que entendeu dever dar-nos.


_____________

Nota de L.G:

(1) Vd. post de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

(...) Omito nomes para que só seja entendida a história,se achares que como história não vale nada,não há problemas porque me fez muito bem escrever hoje fim de tarde friorento e até te digo estou aliviado e feliz, e seja o que Deus quiser.(...).

(...) Capitão, Alferes, Médico... não se sintam culpados, vocês foram vítimas da BESTA e com a vossa atitude permitiram o meu "Milagre de Natal", daí esta minha introdução que só os protagonistas entenderão. (...).

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2367: Parabéns a você (1): Humberto Reis, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71): born in Portugal, December 19th, 1946 (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > O famoso e imponente bagabaga, existente nas imediações de Bambadinca. No topo vê-se o Humberto Reis. O júri do Concurso O Melhor Bagabaga nunca se reuniu, mas eu por mim dava o prémio a esta foto (1).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 , deslocando-se numa bolanha em zona controlada pela guerrilha do PAIGC... O primeiro tuga que se vê na foto é o Humberto Reis, ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71. Na época teria 23 aninhos, mas já com uma careca a denunciar mais idade... De qualquer modo, o cabelo que lhe tinha a cair, caiu na Guiné...

Guiné > Zona Leste > Geba > O Humberto Reis na ponte sobre o Rio Geba, a noroeste de Bafatá... Sempre revelou uma atenção precoce por ponte e estruturas similares... Talvez isso explique a opção, mais tarde, pelas engenharias...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > Destacamento da CCAÇ 12, 2º Grupo de Combate > 1970 > Passados largos meses, após o ataque a Bambadinca (Maio de 1969), ainda eram visíveis os sinais da tentativa de destruição da ponte... na estrada Xime-Bambadinca que era vital para o abastecimento da Zona Leste... Em que é que pensaria o nosso Humberto ? Talvez na ementa do jantar: arroz de peixe, apanhado à granada no rio (1)...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Três tugas do 2º Gr Comb, com ara de desalento ou de cansaço, no regresso de mais uma operação: da eswquerda para a direita, o 1º Cabo Alves (mais conhecido por Alfredo) e os Fur Mil Reis e Levezinho...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 > Sinchã Mamajai > Janeiro de 1970 > A secção do Humberto Reis (2º Gr Comb) na tabanca em autodefesa da Sinchã Mamajai. Em primeiro plano, o 1º cabo Alves (mais conhecido pela sua alcunha, Alfredo, sempre bem disposto e prestável).

Para a posteridade aqui fica, a composição da 2ª secção do 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (3):

Fur Mil Op Esp 05293061 Humberto Simões dos Reis; º Cabo 17626068 José Marques Alves; Soldado Arvorado 82116569 Mamadu Baldé (Fula); Soldado 82101469 Udi Baldé (Futa-fula)Sold 82101069 Sajo Candé (Fula); Sold 82108069 Alfa Jaló (Fula); Sold 82116469 Iéro Juma Camará (Ap Mort 60) (Futa-fula); Sold 82111969 Mamadú Jaló (Mun Mort 60) (Fula); Sold 82111069 Adulai Baldé (Fula); Sold 82117269 Adulai Bal (Fula).

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Xime-Bambadinca > 1970 > Montando segurana a uma coluna em trânsito ou aos trabalhos da Tecnil (comnstrução da nova estrada)... O Humberto Reis apanhado num momento de grande comunhão com a natureza (luxuriosa) da Guiné... Uma faceta contemplativa, menos conhecida, do nosso ranger...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > Coluna logística ao Xitole... Pergunta o Humberto Reis: "Zé Vacas de Carvalho: Conheces este rapazinho de lencinho ao pescoço no Xitole? À tua direita, estou eu e à esquerda - penso eu, se a memória me não falha - o furriel enfermeiro Godinho da CCS do BART 2917 que foi connosco, à turista... À direita, temos o nosso amigo e camarada da CCAÇ 12, o furriel miliciano T. Roda". O Alf Mil Cav Vacas de Carvalho era o comandante do Pelotão Daimler, estaccionado tal como a CCAÇ 12 em Bambadinca (1969/71). Era um pouco mais novo que nós...

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

1. Uma explicação do editor L.G.:

O Humberto Reis, ex-furriel miliciano de operações especiais (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) - na vida civil, engenheiro, empresário, ligado à concepção de sistemas de ar condicionado - é um dos mais antigos membros da nossa tertúlia. Um tertuliano da primeira hora.

Foi meu camarada na CCAÇ 12, camarada de quarto e de operações... Conhecemo-nos no Campo Militar de Santa Margarida, depois de sabermos que o nosso destino era a Guiné, onde viríamos a formar, em Contuboel, uma companhia africana, independente, de intervenção... Magníficos os 50 dias que passámos nesse paraíso que se chamava Contuboel, a formar uma companhia, pau para toda a obra, com soldados africanos, fuals, que não falavam português... Bom, o resto a seguir, e até ao final da nossa comissão (Março de 1971), já não foi tão divertido...

O Humberto é também apresentado no nosso blogue como "o nosso primeiro e até agora único mecenas". Temos com ele uma dívida de gratidão, mesmo que ele o negue. De facto, pagou do seu bolso todas as cartas militares da antiga Guiné Portuguesa, cartas essas que são consideradas uma obra-prima da nossa cartografia militar eque continuam a ser-nos muito úteis.... O Humberto pagou ainda do seu bolso a digitalização desssas cartas na Rank Xerox. Andamos a prometer há tempos que, em breve, todas as cartas militares da Guiné estarão disponíveis em linha, incluindo as ilhas.

O Humberto é/foi também, um dos nossos fotógrafos de serviço.

Logo no início do nosso blogue, escrrevi o seguinte (4):

(...) O Pai Natal do Humberto Reis fez-me chegar mais umas cartas (militares) da 'nossa' Guiné... com alta resolução, de modo a permitir localizar os sítios por onde andámos no mato... No cabaz de Natal vinham as seguintes cartas: Mansoa (que inclui também Bissorã), Cadoca/Gadamael, Guileje, Binta, Bula, Pelundo...

(...) Divirtam-se, sobretudo aqueles de vós que aprenderam na tropa a orientar-se só com bússola e mapa... Deixem-me dizer-vos que, apesar dos nossos excelentes mapas (chegámos a ser os melhores cartógrafos do mundo, na épcoa dos Descobrimentos!), nunca vi comandante de operação, no meu tempo, dispensar o guia das milícias...


A resposta do Humberto Reis aparceu nestes termos singelos:

(...) Se vocês soubessem o prazer que me dá olhar para aquelas cartas compreendiam o gosto que tenho em as partilhar convosco. Imagino a cara de alguns de vocês a recordarem as picadas e os trilhos que lá estão assinalados e a recuarem 30, 35 e 40 anos atrás. A mim não me faz sentir velho, mas apenas saudoso de alguns tempos bons que passei naquela terra, apesar dos muito maus. Se não fossem esses tempos estaríamos agora aqui a conversar uns com os outros? (...)

O editor do blogue confidenciou, logo na altura, o seguinte:

(...) Pessoalmente confesso que, com estas cartas militares (que temos vindo a disponibilizar no nosso blogue) e com as estórias que vocês têm contado (para não falar do valiosíssimo álbum de fotografias e de outros documentos...), conheço melhor hoje a Guiné de 1969/71 do que naquela época, quando eu lá estava...


O Humberto tem sido um discretíssimo, amável, solidário e generoso tertuliano. Tenho, temos, para com ele, uma dívida de gratidaão... Lembrei-me, por isso, de fazer hoje uma pequena homenagem ao meu amigo (e vizinho) Humberto e ao nosso camarada Reis, a pretexto dos seus 61... aninhos, feitos ontem. Já lhe telefonei ontem, estava com uns amigos na ANA, a almoçar... Sabe sempre bem sabermos que os nossos amigos se lembram de nós no dia de anos, mesmo que a gente diga a todo o mundo que já não tem idade para ligar a essas coisas...

Humberto, não fiques zangado com a surpresa (e a inconfidência): daqui até ao quilómetro 100, ainda tens/temos muito que palmilhar... E já que tem que ser, que estejamos juntos, como velhos e bons camaradas e amigos. Com a tua Teresa e as tuas meninas.

Aquele abraço tabancal... da rapaziada toda, da CCAÇ 12 e do resto das Companhias, que formaram em parada, nesta imensa blogosfera, só para te dizer: Ranger YYYYAAAAAAAAAAA... Ranger YYYYAAAAAAAAAAA... Ranger YYYYAAAAAAAAAAA...

Luís Graça




Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Reunião da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > Videoclipe: Guiné > O Grito do Ranger (duração 7 ss).

Texto e videoclipe: © Luís Graça (2006). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

No encontro na Ameira, em 14 de Outubro, descobriu-se quem era ranger e quem não era... O Magalhães Ribeiro que veio do Norte, juntamente como seu inseparável amigo, o ranger Casimiro, quis brindar-nos com o célebre Grito do Ranger.... Enquanto o diabo esfregava um olho, já ele tinha pronta a sua equipa, tudo gente formada e treinada no célebre Centro de Operações Especiais de Nova Lamego.

Neste videoclipe, temos por ordem, da esquerda para a direita, os rangers Capitão Sampedro, e os Furriéis Chapouto, Ribeiro, Reis e Casimiro... Foi o momento guerreiro da tarde. Obrigado, rangers. Agora percebo por que é que um ranger não se pode desfardar: por debaixo da farda, tem pele de ranger, é-se ranger para toda a vida...

Na bela e ensolarada tarde alentejana, a fazer lembrar as tardes calmas da Guiné, calou fundo este Grito de Guerra dos Rangers Portugueses, ecoando pela planíce alentejana... (LG) (5).

__________

Notas de L.G.:

(1) 7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1347: Concurso O Melhor Bagabaga (1): Bambadinca (Humberto Reis / Luís Graça)

(2) 30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)

(3) 21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia) (Luís Graça)

(4) 13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIV: Chicorações para o nosso Pai Natal (Luís Graça)

(5) 16 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1182: Ameira: O Grito de Guerra dos Rangers ecoando na planície alentejana (Luís Graça)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2366: O meu Natal no Mato (6): Peluda, 1969: a Fátria, Manel (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça (o segundo da esquerda), sentado, junto a malta do seu Grupo de Combate, no exterior do respectivo abrigo. Foi em aquartelamentos, como este, forticados, com abrigos subterrâneos, cercados de mato por todos os lados, e pelo IN (ou o seu fantasma), que os tugas aprenderam o sentido da palavra Fátria, mesmo que ela não constasse, na época, do seu vocabulário (LG).

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Torcato Mendonça:

Meus Caros: de facto o Natal, nesta sociedade de consumo está esquisito. Mas é natural. Contudo é Natal, sinónimo de dia de maior dádiva, maior tolerância… Tenho a minha maneira de sentir o dia. Respeito outros que o sentem e comemoram de diferentes maneiras.

O meu Natal da Guiné, Post 1892 foi em Junho de 2007 (1). Falei dos mortos do meu Grupo. Mórbido? Talvez.

Hoje envio um anexo. Terá a ver com o Natal?! Não sei. Tem a ver com amizade, com o ser tramado pela Pátria ou Mátria (lembro-me sempre da Natália Correia) e pode, além de não ter préstimo, de estar muito cortado, mesmo assim ferir, em sítios como este, algumas susceptibilidades. Mas quando estiver com o Manel, prometo dizer-lhe: Ensinaram-me uma palavra nova; FÁTRIA e digo-lhe o que é… vamos sorrir e certamente aceitar. Aceitamos! Devia ser mais sentida… porque não, seguida…

Aproveito para mandar para vocês e, através de vós, a toda esta enorme Tertúlia: Votos de Boas Festas.

Um Santo e Feliz Natal.

Um 2008 com SAÚDE e que os Vossos Desejos se concretizem.

Segui o teu conselho, Luis Graça, ofereci a mim mesmo o DVD do filme [sobre a Guiné, As Duas Faces da Guerra, lançado hoje]. Espero que o Midas o envie. Pedi-o hoje. Certamente o vou emprestar…

Um abraço,
Torcato Mendonça

2. O meu Natal no mato (6): Meninos no Natal de 69,
por Torcato Mendonça


Chuva miudinha, caindo leve e docemente, entristecendo mais o fim da tarde fria de Dezembro, em vésperas de Natal.

Dois homens, dirigem-se para o Café – Restaurante, cabeça baixa, passo apressado em fuga ao frio e chuva.

Um levanta olhar. Pára. Tenta chamar o outro e nada diz. Sai só um eh pá. Olham-se. Empurrados por mola invisível, dão passos mais largos e abraçam-se. Abraço longo, forte, sentido, indiferente à chuva e frio. Palmadas nas costas e, pouco depois mãos nos ombros. Olham-se. O calor do abraço, seca a leve chuva e mesmo alguma lágrima, atrevida, que lhes escorre pelas faces.
- Então pá?
- Tudo bem, tudo bem. Já cá estamos.

Olham-se e nada mais dizem. Palavras para quê? O pensamento, esse volta atrás e pára rápido, como só ele é capaz, indo até ao tempo em que ambos eram meninos. Menino mais, menino menos. Meninos!

Entraram na Escola no mesmo dia. Na mão direita um levava uma sacola de pano, o outro uma mala de cartão pintado. Na mão esquerda eram iguais. Davam-na aos pais que, naquele primeiro dia de aulas, os acompanhavam.

Partilharam a mesma sala, a mesma carteira. Fizeram copianços em cumplicidade matreira, longe do olhar ríspido da professora.

No final da 3ª classe separaram-se. Um ficou na escola, o outro foi para o colégio. Mais tarde, um foi aprender a arte da mecânica auto e o outro prosseguiu os estudos.

Nunca perderam o contacto, a amizade forte, as conversas em partilha de desejos, de segredos e de ideias. Ambos sabiam o País triste onde viviam e que amavam. Sabiam que Ele gostava mais de uns do que de outros. Sabiam e detestavam certa gente feliz e emproada, própria da sua mediocridade de vida. Os felizes, sossegados, alinhados. Eles preferiam, preferem, o desassossego.

Foram às sortes, ou melhor, à inspecção militar juntos. Vexatório. O chefe daquela gente ditou a sentença: Apurados.

Um ano e pouco depois, nem tanto, primeiro um depois outro foram chamados a servir a Pátria. Saiu um mecânico – auto e um oficial miliciano, atirador de qualquer coisa. A ambos foi dado o mesmo destino: Guiné. Só diferiram nas datas da partida. Mantiveram o contacto, mesmo lá, enviando bate-estradas, azulados ou amarelados, animando-se mutuamente.

Por mero acaso encontraram-se em Bissau. Festejaram o encontro numa tasca próximo da Amura. O Manuel sabia haverem lá petiscos alentejanos. Até torresmos, dizia ele ao José. Confraternizavam comendo, bebendo, rindo, pensamento longe dali, a sentirem-se novamente meninos.

Hoje, ali estavam, em regresso ao País deles, sentados à mesa do café – restaurante, beberricando tinto alentejano, petiscando, alegres como meninos a trocarem berlindes, piões ou outros brinquedos. Trocavam, agora, palavras e risos, sentindo a felicidade do encontro e o regresso.
- Conseguiste vir passar o Natal.
- Consegui. Cheguei há poucos dias. E tu, continuas por Lisboa?
- Não, porra, não é Lisboa. Fica perto. Periferia, dizem eles. O que interessa é ter vindo até cá. Os meus Velhotes já desesperavam. Temos tempo para conversar nestes dias. Que pensas fazer agora, Zé?
- Não sei. Estudar não me apetece. A cabeça está baralhada. Arrumo ideias. Preciso disso, de pôr muitos assuntos em ordem e depois logo se vê.
- Isso passa, vais ver. Nos primeiros tempos sonhava com aquilo. Passaste lá só um Natal, não foi?
- Só o de 68. Parti de cá em Janeiro desse ano e vim agora. Tu passaste dois, não foi?
- Foi. Um no mato, outro já em Bissau. Natais esquisitos com aquele calor, as saudades a apertarem, a tristeza. Não quero recordar. O teu Natal como foi?
- Dia praticamente igual aos outros. Normal e felizmente sem porrada. Recordo os pensamentos que enviei para cá. Certamente os de cá fizeram o mesmo. Olha encontraram-se a meio caminho, no deserto. Nesse dia choveu por lá finalmente. Recebi do Movimento Nacional Feminino um pequeno estojo de barba. Eu que tinha uma barba enorme. Barba de estimação. Acabei por dar o presente aos Milícias.

Sorriam felizes pelo encontro e tristes pelas recordações.
- Que presentes recebeste nos teus Natais?
- Eh, pá, não quero recordar. Desculpa, esquece. Não dá.

Param, olham-se em silêncio e agarram os copos. Indiferentes a quem os rodeia, fazem uma saudação e, em uníssono dizem:
- Cabrões, filhos de puta… bota abaixo.




Enchem de novo os copos, em silêncio. Mudam de tema de conversa e voltam a sorrir.

Encontram-se hoje, mais em troca de palavras pelo telefone. De quando em vez um abraço, uma conversa sobre assuntos diversos. Raramente falam da Guiné e dos Natais lá passados.

Meninos felizes que foram, jovens de juventude perdida, porque roubada e hoje estão em velhice, por isso mesmo, apressada…

Ficção? Realidade? Que interessa isso se ambos, como tantos, foram tramados…

Natal!
__________

Nota dos editores:
(1) Vd. post de 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos

Guiné 63/74 - P2365: O Cap Cav Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim foi o único comandante da CCAV 1484 (Benito Neves)

1. Mensagem do Benito Neves (1):



Assunto - P2360 - A CCAÇ 726 - A primeira Companhia a ocupar Guilege





Meu caro Virgílio

Não por vício mas por mero prazer, sou um frequentador quase permanente da nossa caserna virtual. E digo quase permanente porque é a primeira coisa que faço quando me levanto e também a última do dia, antes de me deitar.

Foi o que agora aconteceu e li as andanças da CCAÇ 726.Porém, no 8º parágrafo da história da CCAÇ 726, é referido que "em 16 de Julho foi substituída pela CCAV 1484 (Cap Cav Coutinho e Lima), seguindo para Catió onde se manteve até à chegada da CCAÇ 1587.".

Ora bem, há aqui uma correcção a fazer no que se refere a o comandante da CCAV 1484 que foi sempre o Cap Cav Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim. Desde a constituição da CCAV 1484 no RC 7, até à sua desmobilização na mesma Unidade. O Cap Cav Pessoa de Amorim apenas não esteve no comando da Companhia nos períodos das suas férias.

Eu estive nesta rendição no Cachil e o Cap Pessoa de Amorim também lá esteve. Desconheço em absoluto quem terá sido o Cap Cav Coutinho e Lima (3).

A rendição no Cachil da CCAV 1484 pela CCAÇ 1587, foi feita por fases, Gr Comb a Gr Comb, iniciada em 07/07/66.

Que me seja perdoada a intervenção, mas o rigor não me deixou ficar indiferente.

Votos de Boas Festas ao editor, co-editores, tertulianos e respectivas famílias.



Benito Neves

___________


Nota dos editores:


(1) Ex-Furriel Mil Atirador de Cavalaria, Companhia de Cavalaria 1484, Guiné 1965/67 (Nhacra e intervenção ao Sector de Catió de 8/6/66 a finais de Julho/67). Mora em Abrantes.

Vd. post de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

(2) Vd. post de 17 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2360: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (2): 10 mortos e mais de metade do pessoal ferido em combate (Virgínio Briote)

(3) Não deve ser (ou será ?) o Coutinho e Lima, major, comandante do COP 5 que em 22 de Maio de 1973 deu orderns para abondar Guileje: vd. post de 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2364: O meu Natal no mato (5): Mato Cão, 1972: Com calor, muito calor, e longe, muito longe do meu clã (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex- Alf Mil Op Esp, Guiné, Dez 1971 / Dez 1973, CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa):

Caros Luís, Carlos, Virgínio e Pessoal da Pesada

Antes de tudo o mais, desejo a todos um Santo Natal e um Feliz Ano Novo.

Podia escrever mais umas coisas nestes votos de Boas Festas, mas parece-me sempre que não acrescentam nada!

Bem, quem me conhece sabe que eu sou um gajo maníaco da família! Sou o nono e mais novo filho de uma família que neste momento já deve rondar, (descendentes dos meus pais), assim umas 140 pessoas, incluindo os aderentes, claro!

Isto para dizer que o Natal sempre representou muito para mim e que foi preciso vir a tropa para me tirar o Natal em família.

Como já escrevi anteriormente e foi publicado aqui na Tabanca, o primeiro Natal fora de casa, foi passado a bordo do Niassa, já no Golfo da Guiné (1). Foi uma coisa irreal, da qual eu não me apercebi bem!

Mas o Natal de 1972 foi passado no Mato de Cão! (2) Vês, Beja Santos, eu passei lá o Natal! Não sabes o que perdeste! Estou a gozar, claro!

Longe da família, longe dos meus camaradas que tinham ido comigo, para a Guiné, da CART 3492 e a adaptar-me ainda às minhas novas funções de comandante do Pel Caç Nat 52, a coisa não foi fácil.

Não tínhamos luz eléctrica, mas tínhamos uma arca frigorifica a petróleo. Vivíamos debaixo do chão, mas tínhamos um tecto de estrelas. Não tínhamos a família connosco, mas tínhamos a amizade, a camaradagem que nos unia.

E tínhamos outra coisa, que foi a que me fez mais confusão: calor, muito calor.Por muito que eu quisesse pensar em Natal, o raio do calor desmentia que fosse Natal.

Habituados à Europa e ao Natal da neve, (embora em Portugal não a tivéssemos), aquela coisa do calor estragava qualquer Natal!

Foi assim difícil entrar no espírito de Natal, o que apesar de tudo acabou por ser bom, pois amenizou as saudades e a tristeza

Lembro-me que fiz um qualquer cartaz para colocar na, (nem sei como lhe chamar), sala de refeições (?), que devo ainda ter guardado em qualquer lado, e que o mesmo era muito infantil, talvez a chamar as reminiscências dos Natais em criança, o regresso às origens!

Bebeu-se o que havia e não havia, houve algumas lágrimas e o Natal passou!

Recordo-me, ou talvez não, que ao princípio da noite de 24 para 25, houve um qualquer ameaço de sarrafusca, mas que se veio a revelar falso.

Como hoje em dia se diz, e que não quer dizer nada: Foi o Natal possível!

Bom Natal para todos, sobretudo para aqueles em quem as marcas da guerra, sejam elas quais forem, permanecem marcadas.


Abraço camarigo do

Joaquim Mexia Alves
Termas de Monte Real
Monte Real, Leiria
Tel: +351 244 619 020
fax: +351 244 619 029
_____________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de:

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

Vd. também o post de 15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

(2) Sobre o Mato Cão:

25 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1997: Álbum das Glórias (22): O Alf Mil Pires, cmdt do Pel Caç Nat 63, em Mato Cão, na festa do meus 24 anos (Joaquim Mexia Alves)

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 3 > Barro > 1968> Um prisioneiro do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Obus 14

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Canhão s/r 5,7

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Pista aviação de Cufar

Fotos: © Hugo Moura Ferreira (2007). Direitos reservados. (Com a devida vénia... Do sítio do Moura Ferreira > Fotografias Fotografais cedidas ao HMF pelo pessoal da CCAÇ 1621).


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112




Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726 : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.


Parte V - Pami é sujeita ao primeiro interrogatório dos Lassas e sofre com a sua separação de Malan (pp. 40-47) (1)




© Mário Fitas / 2007). Direitos reservados.

Resumo do episódio anterior (2):

Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal recinhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinbta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite
.




(i) Os olhos de águia da prisioneira



Aos poucos, a prisioneira começa a sentir o incómodo da situação em que se encontra. Mostra o pano empapado em sangue a uma companheira, e esta, não tendo em atenção o que se passa, mas julgando tratar-se de auto agressão, grita. Imediatamente por entre o pano que servia de porta à improvisada prisão, aparece uma cara escura de G3 em punho. Troca de palavras entre as mulheres, e a situação é clarificada e explicada ao vigilante. Passados poucos minutos, aparece um militar. Pami reconhece nele, um dos que muito se tinha movimentado junto do Leão de Cufar.
- Que aconteceu Amadu? - Pergunta o branco.

O carcereiro informa em crioulo meio português o que se passa. O militar ouve, e ordena:
- Diz à tua mulher que vá com a prisioneira junto do poço para que ela se lave!
- Eh... Arferes Palmeiro, e se mulher foge? - Pergunta aflito, o guarda das prisioneiras.
- Não foge! - Responde o que Pami fica a conhecer como alferes Palmeiro.

Aparece, então, uma mulher já de certa idade, que tenta falar crioulo. Mas em vão, pois tudo se mantém mudo. Começa então, a dirigir-se em balanta, às mulheres, pelo que Pami se levanta, e segue a mulher velha. Passam pela frente da casa principal da Quinta. Observando tudo, a professora verifica tratar-se da casa onde estaria instalado todo o comando. Olhos de águia observadora, Pami vai vendo onde ficam as transmissões e a enfermaria. Passando a estrada, contornam o edifício que mais tarde fica a saber tratar-se da messe de sargentos. Por detrás deste, situa-se um poço que abastece os soldados, para tudo quanto é lavagens. Param, e a velha sorridente dirige-se a um soldado que sobre a parede do poço se abastece:
- É, pessoal, parte água, para pessoal ali lavar catota!

O soldado dá uma gargalhada e returque:
- Só tiro água, se partires catota comigo!

- Chi! Minino, a mim belho! Esse pessoal lá é pisoneiro! Não pode faze esse cumbersa! Capitão num deixa!
- Olha! Mas ela é maneta!... Mas com a mão direita ainda tocava uma punheta! Toma lá a água, e se ela quiser mais, chama pessoal ali do abrigo!

O soldado, tirando a pulso uma lata de dez litros de água, entrega-a à velha e desaparece em direcção a um abrigo que Pami verifica ser colectivo. Paredes de adobos, com dois metros de terra pela frente. Por cima, troncos de palmeira e chapas de bidões cobertos com cerca de cinquenta centímetros de terra. Uma cobertura de colmo faz a protecção da chuva e do sol..

Pami retira o pano que lhe cobria o corpo, e coloca-o no chão. Flecte-se, dobrando os joelhos, e com uma pequena concha - feita de meia cabaça -, vai tirando água da lata, fazendo a sua higiene pessoal. Após as ablações feitas, pega no pano, colocando-o sobre uma pedra, e deita-lhe por cima o resto da água. Com uma mão apenas ajudada pelo coto esquerdo vai lavando até as manchas desaparecerem. Enrola ao corpo o pano molhado, e faz sinal que está pronta à mulher do milícia. Em silêncio, regressam ao improvisado cárcere.

Ao atravessar o arruamento que dividia o Aquartelamento, Pami olha para a esquerda e vê surgir da porta de armas um grupo de nativos acompanhado de dois militares armados. Fica a saber que se trata de pessoal das tabancas a Sul, que vêm convidar os militares para estarem presentes no Choro. Tempos mais tarde analisa este acto e confirma tratar-se de técnica de efeito psicológico, feita pelos militares junto dos moradores a Sul. Seria honra convidar os militares, que se tornavam pródigos, carregando uma viatura, com rações de combate e alguns garrafões de vinho, água de Lisboa, que depois eram distribuídos pelos homens grandes e família do morto. Oportunamente, aproveitavam todos os pormenores para conquistar a confiança das populações.

Voltando ao cárcere, verifica que apenas a bajuda e outra mulher de meia-idade - a qual não lhe era desconhecida - se encontram no interior. As outras duas companheiras tinham-se ausentado. Uma hora depois, aproximadamente, as ausentes regressam. Pela troca de olhares e pelas meias palavras, pronunciadas muito baixinho, verificam que tinham começado os interrogatórios. Quem se seguiria?



(ii) O Alferes Telmo e o Furriel Mamadu interrogam Pami


Pami Na Dondo segue-se na lista. Um soldado milícia faz-lhe sinal para que o acompanhe. Pelo curto caminho até onde funcionam os interrogatórios, Pami decide-se por mentir e, mentalmente, vai gizando um estratagema para não cair em nenhuma cilada ou, de forma alguma, denunciar Malan.

Contornando pela parte de trás o edifício do comando, é introduzida num quarto onde se encontra o sujeito milícia que parecia conhecer de Catió. Os de nome Telmo e Mamadu - este último apresentava-se de farda amarela, com a boina preta, mas sem lenço e, pendia-lhe à cintura um cinturão de lona de onde caía um coldre com uma pistola de grande calibre -, também estão presentes.

Virando-se para o milícia, Telmo começa:
- Quêba! Pergunta-lhe lá o nome?

O milícia Quêba olha para Pami e pergunta-lhe o nome em crioulo. Pami já tinha delineado manter-se firme e responder só na língua balanta, fazendo-se ignorante a qualquer outra. Pelo que não responde. Quêba torna a insistir, sem resultado.

Virando-se para Telmo informa:
- Este gaja só fala balanta, arferes Telmo!
- Está bem! Então fala em balanta! Qual o nome dela?

Quêba volta à carga, agora em Balanta. Pami hesita um pouco, olha o milícia e responde:
- Sanhá Na Cunhema.

O ora identificado alferes Telmo continua, fazendo perguntas e escrevendo:
- Idade?
- Num sabe! Mas deve ter vinte anos!
- Onde nasceu?
- Num sabe! Pai e mãe morreu quando rebentou guerra!
- Onde?
- Na Ilha do Como.
- O que é que ela fazia em Cobumba?
- Nada!

O da boina preta, mete a mão no punho da pistola, e retirando-a diz:
- Pergunta-lhe lá se sabe o que é isto, e para que serve?
- Diz que é coisa com que militar mata!

Quêba suava por todos os poros, e irritado, disse para o da boina preta:
- Furriel Mamadu este gaja está a enganar pessoal!

Pami confirmou assim a identificação do boina preta, mas não devia ser este o seu verdadeiro nome. Deveria ser nome de guerra. Não havia branco com nome de preto.

Telmo, desculpa lá! Deixa ver a reacção dela!

Pegou na pistola, e enfiando o cano no ouvido de Pami, ordenou ao milícia:
- Pergunta-lhe lá onde é que ficou a mão esquerda dela?

Pami sentiu o frio do aço da arma no ouvido e, com um gesto brusco, fugiu ao contacto. Estremeceu, pela primeira vez começou a ter medo. Este militar, com olhos fundos, não deve ser bom. A barba dele e o olhar faz medo. Um pouco trémula, a professora respondeu ao milícia e este traduziu:
- Não sabe! Quando era minino pequinina, cobra mordeu nela, e pai teve de cortar mão a ela!

O furriel Mamadu meteu a arma no coldre e sorriu para o alferes dizendo:
- Parecia fácil, não era? Aí está uma gaja que sabe muito e se está a armar em parva, ou então é mesmo louca.

O alferes olhou para o furriel e disse-lhe:
- Rafael, vamos utilizar outra forma, põe-na lá a rir!

Ficou desvendada a alcunha, Rafael era o verdadeiro nome de Mamadu.

Mamadu sentou-se no chão, puxou do bolso um maço de cigarros, tirou um e acendendo-o, de imediato ofereceu à prisioneira. Esta olhou e fez negação com a cabeça. Rafael olhando para ela, sorriu de uma forma aberta e descontraída e disse para Quêba:
- Diz-lhe lá que eu gosto do nome dela! Se ela quiser eu caso com ela!

O intérprete repetiu em balanta, e Pami descontraiu um pouco. Rafael voltou de novo ao ataque, enquanto o alferes começava a fumar também.
- Então a gaja não diz nada?

O intérprete insistiu.
- Diz que não, furriel. Branco não gosta de preta!
- Ah, sim? Mas diz-lhe lá, que aqui não há mulher branca! Espera!... Diz-lhe que os soldados brancos dizem que ao fim de quinze dias na Guiné as pretas começam a ficar brancas!

O à vontade do furriel e a forma engraçada como disse aquilo iam traindo a prisioneira, que quase esboçou um sorriso. O interprete como sempre voltou a repetir as palavras do furriel. Nestes momentos a mente de Pami trabalhou e pensou seguir um caminho que, embora perigoso, poderia transformar as coisas, e respondeu. O interprete começou a rir e voltando-se para o alferes disse:
-Ai! Arferes Telmo! Este gaja é mesmo maluco! Diz que não casa, mas que faz muito conversa giro!
- Queres ver que nos saiu uma puta na rifa! Estamos fodidos com esta merda! - Exclamou o furriel.
- Não! Espera! Vamos explorar esta situação!

Diz Telmo:
- Quêba, pergunta-lhe com quem é que ela faz conversa giro?
- Com homem! Diz ela!

Retorquiu Quêba.
- Certo! Então diz-lhe, que vai fazer conversa giro com os Militares todos do Quartel!

Pami viu que tinha ido longe demais, não se sentiu com capacidade para resistir. Pensou em Malan, e começou a chorar.

Telmo e Rafael olharam um para o outro e os seus olhares entenderam-se. Enquanto Quêba ria e ia dizendo:
- Gaja mesmo maluco! Cá tem cabeça!
- Quêba, leva a mulher para junto das outras, amanhã vamos explorar isto melhor. OK, Rafael?
- Certo! Se for uma puta para serviço da guerrilha, pode ser uma boa fonte!

O alferes e o furriel saíram, enquanto o milícia levava a prisioneira para junto das suas companheiras.


(iii) Pami não quer trair os ideais de seu pai e de Malan


Pami estava exausta, a cabeça fervilhante, não a deixava coordenar o pensamento. Sentia que tinha embrulhado tudo, e que os militares não tinham acreditado em nada do que dissera. Coisa horrível! Como seria com Malan? Tinha de saber, havia que fazer qualquer coisa para tentar no mínimo saber o que lhe estava acontecendo. Ouviu vozes fora da palhota prisão, e por entre as frestas do capim, verificou que vários soldados conversavam na varanda da casa da Quinta, agora Comando. A prisão distava uns quinze metros da varanda, e as conversas poderiam ser perfeitamente audíveis. Com extremo cuidado afastou um pouco mais o capim, e ficou com um ângulo visual mais alongado. Desta forma, poderia não só ouvir, como também ver os soldados. Lá estavam o Leão, os alferes Telmo e Palmeiro, e mais quatro. Dos restantes quatro, observou que dois tinham nos ombros a graduação, a qual tinha aprendido em Simbele, na República da Guiné. Um, já de idade mais avançada que os outros, tinha as divisas de sargento; o outro, pequenino, vestindo calções e camisa de farda amarela, tinha os galões de tenente.

Estes momentos de espionagem, acalmaram-na um pouco. Mas... logo voltou à preocupação por Malan. Fechou os olhos e recostou a cabeça no tronco do canto que servia de prumo e sustentação do cárcere. O pensamento voou e pensou em seu pai, e como tinha tido coragem de trocar o seu nome pelo de sua saudosa mãe. No amolecimento da dor e do calor, adormeceu naquele silêncio de meio do dia.

Antes de anoitecer, os milícias trouxeram mais arroz com carne. Já pela noite dentro, chegaram dois milícias que levaram a Bajuda. Pami receou o pior, concerteza iriam violá-la, e chorou de novo. Embrenhando-se nos pensamentos de lama desta guerra, sentiu que estava a fraquejar. Não!... Não poderia ser, tinha de criar forças, nunca poderia trair os ideais de seu pai e de Malan.

(Continua)

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. episódios anteriores:

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)


(...) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.(...)



28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)


(...) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher. (...).



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964). Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.

A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) (3) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.


(2) Vd. último post desta série > 10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)