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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24043: Fauna & flora (22): Algumas boas notícias para os mais de 700 chimpanzés (ou "daris") do Boé, graças ao fantástico trabalho de conservação da Chimbo Fundation&Daridibo, com sede em Béli


Um pequeno documentário baseado em vários vídeos, obtidos por câmaras de vigilância,  de chimpanzés no Boé, Guiné-Bissau.  Narração, em fula, por Bacari Camará, que vive em Béli, e é gestor de projeto. Legendas em inglês.

Vídeo (12' 30''), da Foundation Chimbo, alojado no You Tube.  Aqui reproduzido com a devida vénia.


1. Temos dado aqui  alguma atenção à fauna & flora" da Guiné-Bissau, e em particular aos chimpanzés do Boé e do Cantanhez (temos 11 referências ao nosso "dari"),  

No tempo da guerra, entre 1961 e 1974, provavelmente nenhum de nós, antigos combatentes portugueses, deve ter visto um chimpanzé, a não ser infelizmente em cativeiro. São animais, primatas como nós, territoriais e sociais (e os mais próximos de nós, em termos genéticos e evolutivos) mas de difícil observação na natureza...

Oxalá o visionamento deste vídeo (falado em fula, com legendas em inglês) contribua também para sensibilizar os nossos leitores para a problemática da proteção do chimpanzé e da preservação do seu habitat. O chimpanzé da África Ocide
ntal (Pan troglodytes)  é considerada uma espécie ameaçada, "criticamente em perigo".

Como diz um provérbio fula, uma única árvore não poder fazer uma floresta... Daí ser fundamental trabalhar em rede, envolver outras organizações, regiões, a sociedade civil e  o Estado da Guiné-Bissau, bem como empresas mineiras, parcerias (caso da ASI - Aluminium Stewardship Initiative) e países vizinhos, mas sobretudo a população local, que, no caso do Boé, é maioritariamente fula. A caça ilegal, a pressão demográfica humana, a construção de estradas e os projetos de mineração são alguns dos factores de risco para a preservação desta espécie.

Felizmente, ao que parece, têm  sido bem sucedidos os projetos da Chimbo Foundation and Daridibo no domínio da conservação desta e doutras espécies animais, emblemáticas da Guiné-Bissau, como por exemplo o leopardo (predador do chimpanzé).

Na primavera de 2022, 178 locais sagrados do Boé, que já estavam registados como ICCA (Áreas Indígenas e Comunitárias Conservadas), foram aceites como áreas protegidas de categoria III da IUCN (International Union for Conservation of Nature / União Internacional para a Conservação da Natureza) na WDPA (World Database on Protected Areas / Base de Dados Mundial sobre as Áreas Protegidas) (Ler mais sobre isto, no boletim informativo da Fundação, de maio de 2022.)

Mais de 50 estudantes e cientistas da Holanda, Alemanha, França, Bélgica, Índia, Brasil, Itália, Suíça, Portugal, Espanha, Senegal, Guiné-Bissau e Canadá, já realizaram pesquisas que contribuíram para a conservação do Boé.  


Doações são bem vindas:

Conta bancária

Stichting Chimbo

IBAN: NL05INGB0002734651

BIC: INGBNL2A

Contactos:

Telef +31-6-17280797 (The Netherlands)
E-mail: info@chimbo.org


2. Reprodução de uma notícia da Lusa / Porto Canal, 2/1/2015 (com a devida vénia...)

Câmaras revelam um dos últimos recantos de chimpanzés 
em terras lusófonas

Béli, Guiné-Bissau, 02 dez (Lusa) - Chimpanzés a tomar banho num lago, a encestar pedras como num "afundanço" de basquete entre ramos de uma árvore ou simplesmente em passeio.

São animais em vias de extinção a nível global, mas há horas e horas de vídeo a mostrar a intimidade destes primatas que habitam nas florestas do Boé, sudeste da Guiné-Bissau.

Nestes filmes há também leopardos a desfilar como numa passarela, imagens de búfalos, gazelas, javalis e o que parece ser a cauda de um leão - do qual já foram encontradas pegadas.

Os membros da fundação Chimbo ficam ansiosos de cada vez que penetram na densa vegetação para ler os cartões de memória das câmaras de vigilância: sabe-se lá que animais vão ver.

Alguns, como o leão, eram dados como extintos na Guiné-Bissau desde a guerra pela independência, na década de 60 e até 1974.

Há que aguçar os sentidos: "os chimpanzés gritam quando se deitam e quanto se levantam", explica Piet Wit, ecologista, especialista em Agronomia e Gestão de Recursos Naturais, um dos responsáveis pela Chimbo.

Assim, quando a noite cai é possível saber aproximadamente em que árvores fazem os ninhos para dormir, para de manhã a busca avançar até perto desses locais e esperar que acordem.

A sede da Chimbo está montada na aldeia de Béli e dali parte a maioria das saídas de campo, mas é difícil deitar olho aos chimpanzés.

"Aqui no Boé, por cada cinco saídas, há talvez duas em que os consigo observar. E por vezes só ao longe", descreve Piet.

Daí a extrema utilidade da rede de câmaras de vigilância. A rede foi montada há cinco anos, primeiro em dez locais, hoje abrange 25 e com outras tantas câmaras prontas a entrar em ação, se necessário.

"Não as usamos todas em simultâneo porque não teríamos capacidade para as gerir", explica. Só com o conjunto que está ativo "já há muitas centenas de horas de vídeos acumuladas para ver".

Esta história de observação e preservação da natureza começa com um momento trágico na vida de Piet e da esposa, Annemarie Goedmakers.

David, filho do casal holandês, faleceu inesperadamente em 2006, aos 18 anos, devido a um problema vascular na aorta. Juntos já tinham passado férias na Guiné-Bissau. Annemarie, presidente da Chimbo, bioquímica e ecologista, ainda hoje mostra a foto de David a dormir num ninho de chimpanzé quando tinha 10 anos.

"Já tínhamos a ideia de fazer algo pelo Boé, mas depois de ele morrer, isso ganhou outra força".

Um dos primeiros trabalhos da Chimbo, com financiamento da MAVA -- Fundação para a Natureza, e outros doadores, consistiu num levantamento que permitiu chegar à estimativa de que haja cerca de 700 chimpanzés no Boé.

Nos últimos dois anos, o trabalho tem sido financiado por um dos institutos Max Planck, no caso, o Instituto Para a Matemática nas Ciências, com sede em Leipzig, Alemanha.

A Chimbo está incluída no grupo de pesquisa dedicado exclusivamente aos chimpanzés. "O nosso foco é o chimpanzé. Vemo-lo como uma espécie que é o símbolo de todo um meio-ambiente importante e com benefícios para as pessoas que aqui vivem", conclui Piet.

LFO // EL
Lusa/fim

[ Seleção / revisão e fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23965: Notas de leitura (1541): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a estas histórias e memórias com que Luís Cadete nos mimoseou, tudo decorreu naqueles vastos pontos da região Sul por onde ele terá andarilhado, diz ter passado 8 meses e meio em Mejo, todo o aliciante desta narrativa passa pelo rigor com que ele apresenta os diferentes locais, o modo como entremeia risos e lágrimas, dores e alegrias, felizes acasos e momentos funestos. Excelente contador, lamentarei se este livro não vier a conhecer uma reedição e divulgação que permita, a quem gosta de boa leitura que a literatura de guerra permite, esta oferenda de memórias que vêm enriquecer o que há de melhor na literatura memorial da Guiné.

Um abraço do
Mário



Muita atenção, há aqui páginas que passarão à posteridade, temos Mejo na literatura! (3)

Mário Beja Santos

Coronel Luís Carlos Loureiro Cadete, ontem e hoje

A obra intitula-se "Noites de Mejo", o autor assina Luís Cadete, viremos a saber que de seu nome completo é Luís Carlos Loureiro Cadete, foi comandante da CCAÇ 1591, a quem também dedicou o livro, conjuntamente com os seus soldados guineenses. Escreveu estas histórias em 2016 e publicou-as em 2022, edição de autor com produção da Âncora Editora. Deu algum trabalho chegar ao livro, que não está no circuito comercial, o que é profundamente de lamentar, há aqui páginas admiráveis, não faltam tiradas bem urdidas de tragicomédia, revelando ternuras da aculturação, a vida dura num dos pontos mais ásperos que a guerra da Guiné ofereceu aos militares portugueses. Como já se referiu, Luís Cadete dá-nos quadros muito precisos sobre a situação dos destacamentos, fala dos militares e dos civis, veja-se o que diz de Gadamael Porto, poderá estar relacionado este episódio com a ida da sua Companhia para Mejo. Fala na implantação de Gadamael Porto à beira de um dos braços do rio Cacine, tão à beira estava que, quando a maré subia as águas entravam, pacifica e parcialmente pelo destacamento adentro, de tal modo que as barcaças encalhavam dentro do recinto. Foram muito bem recebidos, houve direito a almoço, e lá se conta a história de que apareceu um novo comandante de Companhia que pouco tempo depois de ter chegado verificou um dado insólito: faltavam 177 capacetes de aço modelo 940, rebuscou-se a papelada, ficou-se a saber que era um artigo que fazia parte da carga da primeira Companhia que ali assentara arraiais nos idos de 1963. Consultou-se Bissau, não havia dúvidas, a Companhia tinha os capacetes em carga e por eles teria de responder quando terminasse a comissão. Andou-se à procura da melhor solução, talvez um auto de ruína prematura alegando que tinham sido roídos pelo baga-baga. Assim se procedeu, o comandante militar despachou: “Concordo com o proposto. A Companhia elabora o respetivo auto de abate.”

Mudemos de localidade, vamos agora às colunas de reabastecimento a Madina de Boé, do Gabu até à transposição do Corubal eram 60 quilómetros de mais estrada, a transposição do rio era um quebra-cabeças. “A cerca de 5 quilómetros do Ché-Ché a estrada bifurca-se: para a esquerda segue a picada para Béli, cerca de 40 quilómetros de poeira e buracos; para a direita, segue a estrada para Madina a mais de 25 quilómetros de distância. Madina de Boé era nessa altura uma tabanca reduzida à sua expressão mais simples, dominada a norte, Leste e Oeste – a não mais de 300/400 metros da tabanca – por duas linhas de alturas com cerca de 112 metros de altitude e cerca de 1500 de comprimento no sentido dos meridianos. A Sul, afastada mais ou menos 1000 metros, fica uma outra linha de alturas com cerca de 171 metros de altitude e cerca de 2600 metros de extensão, correndo no sentido Leste-Oeste e 1300 no sentido Norte-Sul que, qual triângulo isósceles, dá pelo pomposo nome de Dongol Dandum, de topo plano, careca, amplo e juncado de gravilha. Com a fronteira a pouco mais de 8 quilómetros, em linha reta, Madina passou a ser flagelada e atacada quase diariamente – quando não sucedia sê-lo várias vezes por dia – e, do alto das colinas que a enquadravam, o inimigo fazia tiro ao alvo, segundo se dizia".

Também não esquece de contar aqueles achados ditados pela boa sorte, caso daquela operação lá para os lados de Empada, um soldado ao aliviar a bexiga, reparou em algo que brilhava por baixo da cobertura. Meteu a mão àquilo que brilhava, apareceu-lhe uma espingarda AK, chamou os camaradas, tinha sido descoberto um depósito de armamento, dali saíram espingardas, metralhadoras, pistolas, minas e granadas de mão. Não esconde que terá sido um erro não se ter ocupado Salancaur, decisão tomada por Arnaldo Schulz, depois da ocupação de Mejo, aquele ponto era uma pedra no sapato das nossas tropas, e ele explica o porquê:
“Com cerca 400 metros no sentido Este-Oeste e o topo careca em forma de tampo de mesa, ligeiramente inclinado para Leste, Salancaur dominava uma vasta área em redor, nomeadamente o corredor de Guileje. É óbvio que a ocupação de Salancaur não impediria, em definitivo, as infiltrações do PAIGC, mas permitiria um melhor controlo da zona e forçaria o Inimigo a diligenciar itinerário alternativo. De encostas íngremes, exceto na ponta Leste, inçadas de matagal e de enormes poilões de tronco pregueado que davam proteção a ambos os contendores, Salancaur obrigava a nossas tropas a atacar a subir, coisa pouco agradável e que conferia vantagem manifesta às gentes do PAIGC.”

Tenho vindo a desenvolver estas pequenas histórias de Luís Cadete por as considerar muitíssimo bem elaboradas, por iluminarem a atividade militar desenvolvida nesta região Sul entre 1966 e 1968, tempos de Mejo, de Sangonhá e de Cameconde, posições que Spínola deliberou abandonar. Histórias de afetos, de dramas de guerra onde não falta a mina bailarina, o fornecimento de peixe e carne por expeditos nativos na pesca e na caça, as penosidades do abastecimento, havia que comer sem remissão o pãozinho com gorgulho; é manifestamente crítico com o abandono de certas posições, descreve a importância de Contabane, que depois de um ataque devastador, foi abandonada. As histórias multiplicam-se, andaremos entre Fulacunda-Buba-Catió, Aldeia Formosa, de Guileje a Gadamael, tudo enroupado com apreciações nem sempre positivas à burocracia militar, há notas soltas sobre obsessões de gente que só bebia água engarrafada, infidelidades conjugais, porventura com caráter autobiográfico será mencionada a aventura do cultivo de abacaxis que não surtiu efeito porque as cabras encontraram ali alimento. Sempre dentro desta linha que houve abandono de posições que se tornaram verdadeiras vitórias militares do PAIGC, volta-se a falar em Madina do Boé, e conta-se a história que havia para lá um corneteiro destemido que se punha em campo aberto a executar o toque de silêncio.

A última história que nos presenteia Luís Cadete é seguramente fidedigna, passou-se em Mejo e em 1966. Ouviu-se roncar motor de helicóptero, voava a Sul da estrada Guileje-Bedanda, notificou-se superiormente, e meses depois apareceu um outro helicóptero e ali aterrou, o piloto desfez-se em desculpas, confundira aquela pista com a de Boke. “Comunicado o facto superiormente, com o grau de prioridade máxima que a situação aconselhava, foi a Companhia informada de que a FAP iria tomar conta da situação. E cerca de quinze minutos depois havia dois T-6 sobre a pista e pouco depois um helicóptero.” Era um Antonov An-2, soviético. O aparelho levantou voo escoltado pelos T-6 e terá seguido para Bissalanca. Lá na Companhia não se soube mais nada, abateu-se um manto de silêncio. “Uma aeronave estrangeira, oriunda de um país apoiantes ostensivo do PAIGC, sobrevoara parte considerável do território português em guerra e dera-se ao desplante de nele aterrar sem que ninguém o referenciasse nem a FAP o intercetasse. E isto em pleno dia, com excelentes condições atmosféricas e não menos excelentes e extensa visibilidade!”

Insista-se que se trata de leitura imperdível.

Guileje, 1973
Numa vala no quartel de Guileje, CCAV 8350 ‘Os Piratas de Guileje’, imagem retirado do Correio da Manhã, com a devida vénia
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Notas do editor:

Postes anteriores de:

26 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

2 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23427: (Ex)citações (411): O calor e alguma ociosidade inerente levou-me a andar aqui pelo blogue a passear pela infinita quantidade de publicações que por cá há, com destaque para a região do Boé onde, em 1987, fui abrir uma missão com hospital de campanha, no âmbito dos Médicos Sem Fronteira (Ramiro Figueira, ex-Alf Mil Op Esp da 2.ª CART/BART 6520/72)

1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Alves de Carvalho Figueira, médico na situação de reforma, ex-Alf Mil Op Especiais da 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74), com data de 12 de Julho de 2022:

Boa tarde.

O calor e alguma ociosidade inerente levou-me a andar aqui pelo blog a passear pela infinita quantidade de publicações que por cá há. Chamou-me a atenção uma série de publicações sobre o local onde foi declarada a independência da Guiné, em 24 de Setembro de 1973. De entre estas publicações, a de uma antropóloga alemã de seu nome Tina Kramer que andou a percorrer a Guiné praticamente de lés-a-lés e que dedica uma referência a Lugadjole onde terá sido declarada a independência em 1973.

Ora acontece que nas minhas andanças pelas medicinas estive ligado aos Médicos Sem Fronteiras e, em 1987, coube-me ir abrir uma missão com hospital de campanha, na Guiné-Bissau, no sector do Boé. Confesso que senti algum entusiasmo, o Boé era para todos quantos estiveram na Guiné durante a guerra um local mítico e penso que não havia ninguém, pelo menos no meu tempo, que não soubesse da retirada de Madina do Boé e do desastre do Che Che.

Partimos de Lisboa num dia que não recordo em Setembro de 1987 com uma equipa de 4 médicos, um enfermeiro e um encarregado da logística. Não tinha regressado nunca mais à Guiné desde o fim da comissão em 1974, mas depressa me ambientei, desde logo à chegada com aquele calor intenso que nos subia pelas pernas acima a recordar o desembarque no mesmo local em 1972. 

Poucos dias depois a partida para Gabú (Nova Lamego) onde dormimos um dia e fomos recebidos pelo governador local, o Paulo (não me recordo do nome todo dele), homem que andou na luta e tinha uma recordação perene dela, uma prótese numa perna.

No dia seguinte partimos para Lugadjole, local destinado para a missão. A estrada era uma velha picada daquelas que todos nos recordamos com os seus buracos e saltos inopinados. Parámos em Canjadude, uma tabanca com ar arrumado e limpo, mas que logo a seguir tinha ainda as marcas da guerra, uma viatura blindada e uma camioneta, completamente calcinados jaziam à beira da estrada. 

Finalmente o Che Che e a jangada. Íamos num jipe cedido pelo governo,  seguidos por uma camioneta onde carregávamos todo o material para a montagem do hospital, a entrada na jangada foi uma habilidade de equilibrismo complicada, mas depois a saída, à chegada do Che Che, foi mesmo um prodígio de equilíbrio que o condutor do jipe, de seu nome Domingos, e o condutor da camioneta executaram quase que por milagre.

Reiniciámos a viagem a caminho de Béli onde chegámos ao fim de umas horas muito difíceis de trajecto. Em Béli estava uma missão de alemãs que nos acolheu muito bem e nos deram uma refeição deliciosa de cabrito (disseram-nos que era…) acompanhadas de vinho branco fresquíssimo delicioso, de tal forma delicioso que um dos colegas que me acompanhava apanhou uma enorme bebedeira e acabou por fazer o resto do caminho a dormir quase não se apercebendo dos tremendos saltos que o jipe dava. 

Chegámos a Lugadjole já ao anoitecer e ainda tivemos de descarregar a camioneta para termos camas onde dormir dado que a casa onde fomos alojados nada mais tinha do que paredes, eram casas construídas pelos soviéticos quando tentaram explorar bauxite naquele local, o que acabou por não se revelar rentável e o local foi abandonado.

Os dias foram-se passando entre as consultas e trabalhos para nos instalarmos e um belo dia conseguimos convencer o responsável local, um homem de poucas falas, chamado Kassifo N’Cabo, a levar-nos ao local onde fora declarada a independência. 

No jipe dele e ainda no jipe que nos tinha sido cedido pelo governo guineense, saímos a caminho da fronteira com a Guiné Conakri e, pouco antes da tabanca de Vendu Leidi subimos a um ponto um pouco mais alto, que na crónica da Tina Kramer fiquei a saber que se chamava Orre Fello, onde uma estrutura meio abandonada nos foi indicada como tendo sido o local da declaração da independência. 

Na verdade, não sei se realmente terá sido ali que se deu o acontecimento, mas dada a proximidade da fronteira (Vendu Leidi situa-se práticamente nela) e o local meio perdido nos confins do Boé, admito que terá sido esse o tal local.

Por agora é só, as descrições do trabalho em Lugadjole são longas e provavelmente fastidiosas. Resta dizer que montámos o hospital de campanha que tinha bloco operatório e que esteve a funcionar creio que cinco ou seis anos.

1 – Mapa da região, onde marcado com uma estrela se pode ver o local de Orre Fello
2 – Guiné-Bissau >Região de Gabu > Sector do  Boé > Médicos Sem Fronteira > 1987 > Fotografia minha acompanhado por um dos médicos, o Dr. João Luís Baptista, no Che Che
3 –Guiné-Bissau >Região de Gabu > Sector do  Boé > Médicos Sem Fronteira > 1987 > Baga Baga junto de Béli
4 - Guiné-Bissau >Região de Gabu > Sector do  Boé > Médicos Sem Fronteira > 1987 > Vendu Leidi > Orre Fello > Local da declaração de independência
5 –Guiné-Bissau >Região de Gabu > Sector do  Boé > Médicos Sem Fronteira > 1987 >  Vendu Leidi > Orre Fello >  Casa que se dizia ter sido de Amílcar Cabral
6 – Guiné-Bissau >Região de Gabu > Sector do  Boé > Médicos Sem Fronteira > 1987 >  Jangada do Che Che

Fotos (e legendas): © Ramiro Figueira (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Abraço
Ramiro Figueira

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22126: Fotos à procura de... uma legenda (148): acidente com a jangada do Cheche, no passado dia 21... (Patrício Ribeiro, Impar Lda, Bissau)












Guiné-Bissau > Região de Gabu > Rio Corubal > Cheche  [ou Ché-Ché] > 21 de abril de 2021 > Acidente com a jangada: queda de um camião ao rio, ao entrar na jangada, do lado de Béli.  Trânsito interrompido dos dois lados.


Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Português, natural de Águeda (1947), criado e casado em Angola, com família no Huambo, antiga Nova Lisboa, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.

Tem também uma "ponta", junto ao rio Vouga, Agueda, onde se refugiou agora, fugindo da pandemia de Covid-19: é o português que melhor conhece a Guiné e os guineenses, o último dos nossos africanistas: tem mais de uma centena de referências o nosso blogue; "irreformável"!, está à espera de receber a 2ª dose da vacina anti-Covid para voltar àquela terra verde-rubra que tem sido a sua paixão de uma vida.




1. Mensagem de Patrício Ribeiro:

Date: quinta, 22/04/2021 à(s) 20:13
Subject: Jangada do Ché che

Luís:

Só para informar que desde ontem, dia 21 de abril, a jangada do Ché Ché, não funciona. Caiu um camião ao rio, ao entrar na jangada, do lado de Béli. E como sabemos, a jangada continua a ter um cabo único, que a liga entre as margens.

Vão tentar rebocar o camião que está dentro do rio Corubal, com um camião mais forte e cabo de aço, para o lado de Canjadude [, a Norte]. Do lado do Boé [,a Sul], não há camiões com capacidade para o reboque, a fim de a jangada poder encostar à rampa do lado de Beli, e retirar as diversas viaturas, que se encontram retidas no Boé, para Nova Lamego.

Entre essas viaturas, está a da nossa equipa [, da Impar Lda,] , que vai dormir por alguns dias, na margem do rio ... Como estamos no "Jejum", só há comida à noite. Eles não levaram água, nem há rede de telefone, no Boé ... e como são todos balantas, lidam mal com a falta de bianda, durante o dia.

Se não for possível nos próximos dias a jangada funcionar, vão ter de dar a volta por Madina do Boé e Contabane, pela picada com muitos quilómetros , que se encontra em muito mau estado, e que eu conheço bem.

Não é necessário mandar nenhuma TV, porque já têm a notícia ... Ver a foto acima.

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com

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Nota do editor:

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22122: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte II: Missão a Gaoual (Jorge Araújo)


Foto 1 > fonte: Citação:
 (1973), "II Congresso do PAIGC, na Frente Leste" [18 a 23 de Junho de 1973], Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44115, com a devida vénia.

 


Imagem de satélite do itinerário entre Boké e Gaoual, com 151 kms (google.com; hoje), localidades da República da Guiné, sinalizando-se, ainda, algumas das povoações da região do Boé (Boé, Béli e Lugajole) situadas no Sudeste do território da Guiné [GB].





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Tem cerca de 290 referências no nosso blogue.


 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

UM OUTRO OLHAR SOBRE O "LOCAL MISTERIOSO" DA PROCLAMAÇÃO SOLENE DO ESTADO DA GUINÉ-BISSAU, EM SETEMBRO DE 1973, EM PLENA ÉPOCA DAS CHUVAS

PARTE II

- AS PRIMEIRAS "ACÇÕES" E O ESTUDO DAS ACESSIBILIDADES ('CORREDORES') NA FRONTEIRA DO BOÉ, EM JUNHO DE 1964 -

 


► Continuação do P22106 (I) (15.04.21) (*)


1.   - INTRODUÇÃO


Conforme ficou expresso no P22106 (15Abr21), que serviu de lançamento do projecto de "reconstrução historiográfica do puzzle do Boé" e zonas limítrofes (a que for possível…), seria interessante poder encontrar provas factuais sobre a incógnita, a misteriosa, a obscura ou a enigmática localização onde decorreu a «I Assembleia Nacional Popular», durante a qual teve lugar a «Proclamação Solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973», assim como o da realização do «II Congresso», que legitimou o evento anterior. 


Enquanto tal não acontecer, estes dois factos continuam a ser considerados como "embustes históricos", por fazerem parte do "imaginário político e maquiavélico do PAIGC".


Porque nos documentos consultados, relativos ao desenrolar das duas cerimónias, não existem quaisquer referências à variável "clima" (ventos e chuva), o mesmo acontecendo nas imagens das curtíssimas e cirúrgicas reportagens fotográficas a que tivemos acesso, as suspeitas manter-se-ão inalteráveis, uma vez que ambas foram organizadas em "plena época das chuvas".



Por outro lado, ainda que tenhamos procedido à leitura das narrativas que constituem o vasto espólio existente no Blogue, com início no P3911, de 18Fev2009 (já lá vão doze anos!), o objectivo não é repeti-las, embora a elas possamos recorrer, sempre que necessário, como fonte primária de informação. 


O que está implícito neste "desafio de resiliência" é percorrer "outros (novos) caminhos, trilhos ou picadas da Região do Boé", ou com eles relacionados, sinalizados na análise hermenêutica dos documentos disponíveis nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), aos quais se adicionam algumas "peças jornalísticas" apoiadas em factos relevantes, e na sua triangulação, por serem as únicas hipóteses que hoje dispomos, pois as outras, as do "terreno", já não são exequíveis.


Como primeiro exemplo do que acabámos de descrever, está o facto de no âmbito das "Comemorações do 42.º Aniversário da Independência da Guiné-Bissau" (1973-2015), o jornalista guineense (creio) Lassana Cassamá, correspondente da VOA – organização internacional de notícias multimédia dos EUA, ter referido que Teodora Inácia Gomes [foto 1], nascida em 13 de Setembro de 1944, em Empada, região de Quinara, militante e dirigente do PAIGC desde 13 de Junho de 1964, ter feito "parte das poucas pessoas que procuraram e encontraram o local da proclamação da Independência Nacional, entre Luís Cabral (1931-2009) e Nino Vieira (1939-2009).


Esta é, naturalmente, uma boa informação!


Fonte:

https://www.voaportugues.com/a/guine-bissau-assinala-42-anos-de-independencia/2972574.html



Depois da (mítica) "Madina do Boé" ter sido indicada como o local da (última) cerimónia, outros foram alvitrados como alternativa ao oficial, todos eles pertencentes à região do Boé, de que são exemplos: "Lugajole", "Vendu-Leidi", "Lela" ou "Malanta"…, como referido no P21554, de 17Nov2020. 


Será que, para além destas, poderemos encontrar outra (s) possibilidade (s)? É esse o objectivo de partida!


Para a sua concretização, foi/está definido um plano de estudo, estruturado por ordem cronológica, de modo a compreender as consequências da actividade operacional das forças beligerantes, e das suas estratégias, bem como das influências produzidas por estas na mobilidade dos diferentes agregados populacionais que foram afectados.


Assim, nesta parte dois, para começar, daremos a conhecer os objectivos das primeiras "acções" da guerrilha, elencadas por Amílcar Cabral, a que deu o nome de «Missão a Gaoual», a realizar em Junho de 1964 (ano e meio depois do início do conflito). 

Esta missão, atribuída a Armando Ramos, incluía a realização de vários estudos nas áreas de fronteira entre as duas Guinés, merecendo destaque, neste âmbito, os relacionados com as acessibilidades – "corredores" de passagem e circulação mais seguros – na região do Boé.


2.   - AS PRIMEIRAS ACÇÕES DA GUERRILHA NA REGIÃO DO BOÉ:

   - EM CADA UM DOS LADOS DA FRONTEIRA

2.1 - Missão a Gaoual


1. – Contacto com o Governador. Expor as razões da visita. Pedir-lhes todo o apoio, no quadro do que ficou estabelecido na reunião que o Secretário-geral teve com ele e outros responsáveis da República da Guiné no Ministério da Defesa Nacional e Segurança.


2. – Colher o maior número de informações em Gaoual mesmo sobre a situação no Boé.


3. – Visitar a fronteira, indo por Koumbia e Ngolé até Lela. De Lela ir a pé até Hancundi, na mata que está próximo da fronteira. Estudar as possibilidades da travessia do rio Féfiné-Senta. Estudar as condições da mata. Estudar o caminho a pé que vai de Lela à fronteira, entrando pelo Boé. Na volta ir a Pato-Kono, perto de Guidali e tomar, a pé ou de jeep, o caminho que segue para Fidibore e Kampoundiny, indo até à fronteira. Estudar esta zona.

 

 


 


Imagem de satélite da região do Boé, sinalizando-se, a vermelho, a linha de fronteira onde deveriam ser identificados os melhores locais para funcionarem como "corredores" ou "portas de entrada".


4. – Obter informações sobre a possibilidade de passagem, a pé ou de carro, entre Neteré (perto do Rio Féfiné) e Tiankouboye (perto de Madina do Boé).

5. – Durante a visita à fronteira, obter o maior número de informações sobre a situação no Boé, sobretudo no que se refere a Béli, Dinguiras, Madina, Dandum. Enviar para dentro do país um ou mais comissários informadores, se possível, os quais devem regressar com urgência, antes do fim da missão.

6. – Regressar a Gaoual. Contactar de novo o Governador e regressar a Conacri.

 


2.2 - Informações que interessa obter - concretamente


● No exterior


a) – Movimento de pessoas entre os dois lados. Se há gente do lado da República da Guiné que dá informação ao inimigo. Se há famílias que vivem dum lado e do outro da fronteira.

b) – Comércio entre os dois lados. Se há gilas que fazem vaivém constantes. Se a gente do lado da República da Guiné está interessada no comércio com a gente do nosso lado.

c) – Gente da nossa terra que vive do lado de cá, permanentemente, tanto em Gaoual como nas outras povoações próximas da fronteira. Ligações entre essa gente e a do interior.

d) – Onde estão os oportunistas. Quantos são exactamente (homens e mulheres). O que estão a fazer. Quem são os chefes.

e) – Se os habitantes das povoações próximas da fronteira, na República da Guiné, são ou não simpatizantes com a nossa luta. Se estão ou não predispostos a ajudar, em caso de necessidade.

  



f) – Possibilidades de alimentação na proximidade da fronteira. Se há arroz e outros alimentos de base.

g) – Natureza e estado das estradas, picadas e caminhos, na República da Guiné, perto da fronteira ou conduzindo à fronteira. Possibilidade real da passagem de jeep e de camião.

h) – Rios presentes no caminho e ao pé da fronteira. Possibilidades de os atravessar.

i) – Natureza do terreno (montes, vales, mato, floresta, etc.).

j) – Condições da mata de Lela [na República da Guiné]. Se é boa para instalar uma base de combatentes.


● Em relação ao interior:


a) – Se há tropas portuguesas no Boé e número exacto ou aproximado, armas de que dispõem, onde estão instaladas. Se fizeram fortes, trincheiras, etc..

b) – Quem é o chefe de Posto em Madina (nome, branco ou africano, etc.). Quem é a autoridade colonial em Béli e em Dandum.

c) – Se os chefes fulas são todos contra nós. Quais os que são contra nós: nome, importância, local onde vivem, posição do povo em relação a eles, etc.. Se as suas tabancas estão fortificadas.

d) – Se os chefes fulas têm armas e gente armada. Quantos homens, que espécies de armas, em que localidades.

e) – Se a jangada de Ché-Che que liga para o Gabú, está a funcionar ou não. Se há outras jangadas no rio Corubal, onde estão instaladas. Se há tropas (portugueses ou fulas) a defender a jangada.

  



Foto 2 > Região do Boé > Estrada (picada) de Ché-Che para Béli (30Jun2018), cinquenta e quatro anos depois da missão ordenada por Amílcar Cabral, em 24Jun1964. Foto do álbum de Patrício Ribeiro – P18862, com a devida vénia.


f) – Estado em que se encontra a estrada entre Contabane (perto do Saltinho) e Madina do Boé. Se a tropa portuguesa vigia ou anda nessa estrada.

g) – Estado da estrada entre Ché-Che (rio Corubal) e Béli e entre Ché-Che e Madina. Estado da estrada entre Béli e a fronteira (Vendu-Leidi). Estado da entrada entre Madina e a fronteira.

h) – Informações sobre número, armamento, presença de soldados africanos, etc., nas tropas inimigas estacionadas em Piche e Gabú-Sare (Nova Lamego).

i) – Possibilidades reais de travessia (onde e por que meios) do rio Féfiné no Boé.

 

 




Foto 3 > Região do Boé > Picada para Dandum (30Jun2018), cinquenta e quatro anos depois da missão ordenada por Amílcar Cabral, em 24Jun1964. Foto do álbum de Patrício Ribeiro – P18863, com a devida vénia.



j) – Situação alimentar no Boé. Se há arroz e outros alimentos de base (milho, milho preto, funcho, etc.). Se a população não tem falta de alimentos e de artigos de primeira necessidade (sal, fósforos, tabaco, açúcar, tecidos, etc.).

l) – Se há comerciantes europeus (ou africanos) em Madina, Béli e Dandum. Quem são e quantos são.

(m) – Situação Política – Se o povo está contente. Se sabe bem da luta. Se há gente que aprova a luta. Se a população paga impostos e a quem paga (aos chefes fulas, ao chefe do Posto?).

n) – Empregados e funcionários africanos no Boé. Quem são, qual a sua posição em relação ao Partido e a luta, estado da família, etc..

 



Fonte: Citação:
(1964), "Missão AR - Missão a Gaoual", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40180 com a devida vénia

(Continua… com outras análises) 

 ► Fontes consultadas:

Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07061.033.030. Título: Missão AR – Missão a Gaoual. Assunto: Instruções de Amílcar Cabral para Armando Ramos - Missão a Gaoual. Pontos que devem ser discutidos com o Governador de Gaoual e as informações que devem ser aí recolhidas. Missão de reconhecimento à fronteira com a Guiné-Conakry, exterior e interior (Boé). Declaração. Data: Quarta, 24 de Junho de 1964. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Nota de Amílcar Cabral: "Lucette: Arquivar". Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 05248.000.048. Título: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste (?). Assunto: II Congresso do PAIGC, na Frente Leste: Teodora Inácia Gomes, Arafam Mané, Silvino da Luz [Juvêncio Gomes], José Araújo, Bernardo Vieira (Nino), Aristides Pereira, Luís Cabral, Pedro Pires, Vasco Cabral, Carmen Pereira e Victor Saúde Maria. Data: Segunda, 18 de Junho de 1973 – Sexta, 22 de Junho de 1973. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

20Abr2021

___________


Nota do editor:


(*) Último poste da série > 15  de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22106: Um olhar crítico sobre o Boé: O local 'misterioso' da proclamação solene do Estado da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, em plena época das chuvas - Parte I: A variável "clima" (Jorge Araújo)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21712: (D)o outro lado do combate (63): Amílcar Cabral e o Boé: a importância estratégica da região (Jorge Araújo)

Foto 1> Citação: (1966-1973), "Amílcar Cabral com um destacamento das FARP do PAIGC (na região do Boé; Frente Leste)", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44176, com a devida vénia.



Foto 2 > Citação: (1963-1973), "Amílcar Cabral com combatentes do PAIGC, no Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44296, com a devida vénia.



Mapa da região do Boé (Centro - Sul). Infografia: Jorge Araújo (2020)



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, 
ainda no ativo; tem cerca de 280 referências no nosso blogue.

 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

AMÍLCAR CABRAL E O BOÉ:

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO

- DIRECTIVAS E INSTRUÇÕES MILITARES DIFUNDIDAS EM 1965 -     

 

1.   - INTRODUÇÃO


Perto de completar trinta meses, após o início do conflito em Tite [em 23Jan63], e quinze meses antes da «Operação Madina do Boé» [em 10Nov66], a maior acção militar realizada até então pelos guerrilheiros do PAIGC, em cooperação com meia-dúzia de elementos do contingente cubano chegados, em 29Abr66, a Conacri – P21547 –, Amílcar Cabral (1924-1973) decide enviar uma "mensagem" aos seus camaradas operacionais, combatentes do exército popular, em nomadização na região do Boé (ver mapa acima).


Nessa "mensagem", datada de 1 de Julho de 1965, uma quinta-feira, reafirma, como "palavra de ordem", a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante, compreendida entre Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu.


Pela relevância do seu conteúdo, pois faz parte da historiografia do conflito a que designei anteriormente de «Guerra dos Doze Anos» [CTIG; 1963-1974 (P21547)], e porque o dossiê  "Madina do Boé" continua em aberto, tomei a iniciativa de o partilhar no nosso fórum, organizando a apresentação em pequenos fragmentos, com o objectivo de facilitar a sua leitura, tendo por fonte de investigação, uma vez mais, o valioso espólio documental de Amílcar Cabral, disponível na Fundação Mário Soares.


2.   - MENSAGEM DIRIGIDA AOS COMBATENTES DAS FARP DO BOÉ DATADA DE 01 DE JULHO DE 1965




Ø 
Camaradas.


Vocês todos sabem que a região do Boé é muito importante para a nossa luta na nova fase em que nos encontramos. Na verdade, se acabarmos rapidamente de libertar a região do Boé, se conseguirmos tirar dali todas as forças inimigas, criamos uma situação difícil para as tropas portuguesas que estão em Bafatá e no Gabu. Criamos além disso uma base muito boa para libertar rapidamente toda a área compreendida entre o rio Corubal, Xitole, Bambadinca, Bafatá e o Gabu.


O Partido tem feito grandes esforços para libertar totalmente o Boé, onde tem operado uma subsecção e dois bigrupos bem armados.


Sabemos que as nossas forças têm tido dificuldades por falta de consciência política da população e por falta de alimentação em alguns momentos numa região onde há pouca comida. Vocês têm feito algumas acções boas e conseguiram destruir [?] a "jangada de Xexe [Ché-Che, em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, conforme comunicado abaixo, manuscrito por Umaro Djaló [1940-2014], cmdt da subsecção "Rui Djassi"] e atacar Madina do Boé com sucesso. Mas temos de lembrar que podíamos ter feito muito mais, se agíssemos sempre com mais conhecimento das condições do inimigo e se não cometêssemos certos erros.



Durante as chuvas, não faltará água. Por outro lado, o nosso Partido vai continuar a pôr à disposição dos combatentes do Boé todo o alimento necessário para um período de 2 meses. Não faltará armas nem faltará munições.


Sabemos que o inimigo já refez outra jangada [?], mas sabemos todos que ele tem pouca gente no Boé. Cremos que basta uma subsecção forte e decidida para criar ao inimigo uma situação difícil e correr com ele do Boé durante esta época das chuvas. Além disso, reduzindo o número de combatentes no Boé fica mais fácil dar comida para esses combatentes, em virtude das dificuldades de transporte durante as chuvas.


Mas têm de ficar no Boé os combatentes que têm dado provas de coragem e de audácia para garantirem o cumprimento do nosso dever nessa região.



 

Ø  Camaradas,


O Boé tem condições muito favoráveis para a nossa luta. Desde que haja alimentação, não haverá razão nenhuma para não libertarmos totalmente o Boé em pouco tempo.


O que é preciso é iniciativa, audácia, coragem e acção, com base no conhecimento concreto do inimigo.

Temos de libertar completamente o Boé até ao fim do mês de Julho [de 1965]. Este é um trabalho importante do nosso Partido que nada poderá evitar.


Avante, pois, na libertação total do Boé, região importante para o grande avanço da nossa luta.

Pelo Bureau Político do PAIGC


Amílcar Cabral (Secretário-Geral)

1 de Julho de 1965

 

Ø  Que devemos fazer para correr com os portugueses do Boé?

- Nós (PAIGC] deveremos:


■ 1. - Limitar o número de homens a uma subsecção, bem armada e dispondo de morteiros e bazucas. Obter informações sobre o inimigo.


■ 2. - Instalar armas anti-aéreas (DCK) para ataques aos aviões. Fazer sempre tiros contra os aviões e helicópteros. Destruir os campos de aviação.


 

■ 3. - Destruir a ponte da estrada do Boé que fica logo depois de Contabane. Minar essa estrada.


■ 4. - Colocar um grupo de emboscada perto a Guilejezinho.


■ 5. - Destruir a jangada de Xexe [Ché-Che], mesmo que para isso seja possível combater. Devemos atacar e destruir a jangada no momento em que esteja a trabalhar, quando chegar à margem do lado de Madina.


■ 6. - Colocar armas pesadas no porto de Xexe para não deixar passar o inimigo.


■ 7. - Bombardear Madina [do Boé] com morteiros de dia e de noite.


■ 8. - Fazer ataques rápidos e muitas vezes a Madina [do Boé], sobretudo com bazucas, para destruir casas em que está a tropa. Retirar-se.


■ 9. - Concentrar forças e atacar Madina [do Boé], para destruir o quartel inimigo e todos os soldados inimigos (mortos ou presos).


■ 10. - Concentrar forças e atacar Béli, depois de bombardear com morteiros e bazucas.


■ 11. - Controlar as estradas de Xexe [Ché-Che], Contabane e Palaque (ao norte de Béli), que vai para Cabuca).


■ 12. - Organizar e controlar a população em todas as zonas dentro do Boé.


■ 13. - Colocar armas pesadas ao longo do rio Corubal (em todos os quartéis) para evitar o regresso do inimigo.


■ 14. - Instalar várias armas anti-aéreas em pontos estratégicos de maneira a destruir todos os aviões que venham a Boé.



Fonte: Citação:
(1965), "Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis, combatentes do exército popular em Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40509


3.   - DESTRUIÇÃO [?] DA "JANGADA DE CHÉ-CHE"

  - EM 11 DE MAIO DE 1965 – COMUNICADO DE UMARO DJALÓ


De modo a poder validar a informação descrita na "mensagem" de Amílcar Cabral sobre a destruição da "jangada de Ché-Che", em Maio de 1965, encontrámos uma referência a essa ocorrência, assinada pelo Cmdt, à época, na região do Boé – Umaro Djaló –, que seguidamente se transcreve:


Ø   Comunicado


Comunicamos à direcção do nosso Partido que destruímos a "jangada de Cheche" no dia 11 do mês corrente [Maio de 1965], às 4 horas da manhã. Foi totalmente destruída, e o homem que guardava a jangada conseguiu fugir no momento em que os camaradas progrediam em direcção do objectivo, e não conseguiram prendê-lo. Também os camiões que se encontravam na travessia foram igualmente destruídos.


A reacção das tropas em Madina [do Boé], depois de se aperceberem da detonação do explosivo, chamaram a intervenção da aviação, que imediatamente chegaram dois aviões às 6 horas do mesmo dia e rondaram até às 12 horas.


Agora estamos preparando um novo ataque sobre Béli, às sabotagens repetidas, sem interrupções. Pedimos que nos mandem munições, o mais depressa possível.

L-1-10 + bazucas, obuses chineses e checos, binóculos.


Madina do Boé, 12-5-1965

O comandante; Umaro Djaló.

 


Fonte: Citação:
(1965), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40708

 

4.   - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegados ao fim da presente narrativa, mais uma tendo por temática «Madina do Boé»: factos encontrados na literatura, escritos por Amílcar Cabral dois anos e meio após o início do conflito, não nos foi possível localizar qualquer "contraditório", por parte das NT, quanto à destruição da «Jangada de Ché-Che» em 11 de Maio de 1965.


Como última hipótese de tal poder vir a acontecer, acreditamos que o nosso camarada Manuel Luís Lomba esteja em situação privilegiada para legitimar/confirmar, ou não, esse facto (caso ainda dele tenha memória), já que, como é aludido no P18623, "a região do Boé foi também um dos 'amores' da malta operacional do BCAV 705, transferido de emergência para o Leste, em Maio de 1965 [a mesma data da ocorrência acima], e calhou à CCAV 704 [Companhia de Cavalaria 704] assentar arraiais em Madina [do Boé] e Béli, comandada pelo então Capitão de Cavalaria Fernando Ataíde."

Aguardemos o seu feedback.    

► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.012. Título: Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis combatentes do exército popular em Boé. Assunto: Mensagem de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos militantes e responsáveis combatentes do Exército Popular no Boé, reafirmando a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante (Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu). Directivas e instruções militares aos combatentes para a conquista e libertação do Boé. Data: Quinta, 1 de Julho de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.027. Título: Comunicado [Frente Leste]. Assunto: Comunicado assinado pelo Comandante Rui Djassi (erro) [Umaro Djaló] sobre a acção de destruição da jangada de Cheche e a preparação de um novo ataque a Béli. Data: Quarta, 12 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Um melhor Ano de 2021.

Jorge Araújo.

28DEZ2020


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