1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo Mário Jorge Figueiredo Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Binar, Pete, Bula, Ponta Consolação e Capunga, 1969/71), com data de 17 de Junho de 2014:
Olá camaradas.
Há já alguns anos que venho seguindo o vosso BLOG, mas só agora tive a ousadia e atrevimento de
tentar entrar em contacto convosco, depois de o nosso camarada e amigo Victor Garcia, já
referenciado na "tabanca grande" e
tendo uma página pessoal da nossa companhia que é aCCAV 2639, ter insistido comigo para ser mais um ex-combatente a entrar na "TABANCA".
Eu apresento-me como o ex-1.º Cabo Radiotelegrafista NM 10121869, Mário Jorge Figueiredo
Lourenço a viver na Damaia-Amadora, reformado de uma firma do sector automóvel onde
trabalhei 43 anos.
Não sei se necessitam de mais algum elemento, se sim agradecia que me
informassem.
Aproveito, embora muito em cima da hora, para comunicar que o nosso 35.º convívio se
realiza em 21 de junho de 2014 em Pedreiras-Porto de Mós.
Desde já, agradecendo a vossa iniciativa e vontade para que os ex-combatentes não sejam
totalmente esquecidos (porque esquecidos e por vezes humilhados já são há muito tempo)
digo totalmente porque quando alguém pensa em cortes nas reformas, lembram-se logo de nós.
Um grande abraço a todos os ex-combatentes de África, e Timor com os desejos de muita
saúde e que sejam lembrados sempre.
Mário
2. No dia 4 de Julho foi enviada a seguinte resposta ao nosso camarada:
Caro camarada Mário Lourenço
Aceita desde já o meu pedido de desculpas por só agora estar a dar resposta à tua mensagem.
Motivos vários têm-me afastado um pouco das lides do Blogue pelo que ficaste um pouco para trás, embora não esquecido.
Claro que temos o maior prazer em te receber nesta Tabanca de ex-combatentes da Guiné (ou combatentes, como alguns gostam de dizer) que tem como finalidade registar depoimentos na primeira pessoa e publicar fotos, mesmo já amarelecidas pelo tempo, que serão o nosso melhor testemunho para quem, daqui a alguns anos, quiser recolher elementos sobre aquela guerra que roubou anos de juventude aos sobreviventes, trouxe a morte a milhares de inocentes e deixou estropiados muitos mais.
Para seres apresentado devidamente à tertúlia, envia-nos uma foto actual e outra do teu tempo de militar, se possível tipo passe, manda-nos também uma pequena história que servirá de apresentação e uma ou outra foto que a ilustre. Isto é flexível e voluntário pelo que estás à vontade para fazeres como souberes e puderes.
Lembra-nos a data de ida e regresso da Guiné e os locais por onde andaram.
Sabemos já o teu nome, posto e especialidade pelo que estás já meio apresentado.
Se tiveres alguma dúvida não hesites em contactar-me.
Recebe então um abraço do teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
3. ... que deu origem a esta mensagem, de 8 de Julho, do camarada Mário Lourenço:
Carlos Vinhal:
Vou tentar concluir o processo da melhor maneira possível, e também digitalmente o melhor que sei
fazer.
Vou primeiro contar o meu testemunho, de algo que se passou durante os quase dois anos, em que
fomos obrigados a estar numa guerra sem nos terem informado ou perguntado se queríamos, não vou
contar os vários ataques sofridos nos destacamentos onde a nossa companhia estava aquartelada, mas
sim um episódio da natureza pela qual nunca tinha passado.
Foi no dia 25 de Abril de 1970 em que de
repente o céu se tornou escuro como breu e a cair uma chuvada por mim e maior parte dos meus
camaradas, nunca vista, com um vento não sei de quantos quilómetros por hora, só sei que os Unimogs foram amarrados
aos "imbondeiros" para não serem levados, o telhado do casarão voou quando eu ia a fugir do posto de rádio
(foto 5) era já o segundo porque o primeiro foi numa tenda de lona que mais parecia dos índios, e segundo me contaram
vários camaradas meus, antes de bater no solo se partiu em dois ficando eu no meio. Por isso penso que a
morte passou bem perto de mim.
Outro episódio da natureza em que me vi envolvido, foi, faltavam três dias para acabar a comissão, estávamos à espera de transporte para o embarque no Cumeré, um quartel que tinha várias camaratas em redor da parada, que
era rodeado por uma cerca electrificada à volta com vários candeeiros, quando numa noite, estando eu e mais camaradas
a jogar cartas no bar, caiu uma trovoada. Um raio caiu num candeeiro, fez um clarão e um estrondo
que parecia em cima da caserna, comecei a correr para ver se tinha caído sobre ela, quando vou a meio da
parada caiu outro raio à minha frente, fazendo um buraco no chão, ficando eu cheio de terra, mas sem me
acontecer nada de grave.
Bem, penso que chega de relembrar tempos passados na Guiné, as localidades em que a CCAV 2639 esteve nesse
país foram: Bula, Binar, Capunga, Pete, Ponta da Consolação e ainda um pelotão destacado em
Bissum.
Fomos para a Guiné no dia 22 de Outubro de 1969 e regressámos a 2 de Outubro de 1971.
Moro na Damaia-Amadora e nasci em 7-1-1948
Por agora penso que estou identificado, despeço-me com um grande abraço de emoção e camaradagem
Mário
Pete - Buraco das Transmissões
Pete - Posto de Rádio e Centro de Cripto
Pete - O Casarão depois do tornado
Pete - Alguns destroços deixados pelo tornado
4. Comentário do editor
Caro Mário
Muito bem-vindo à nossa, e agora também tua, Tabanca Grande. És o Grã-Tabanqueiro n.º 662.
Pelo que podemos depreender das tuas mensagens e fotos que anexaste, andaste por zonas altamente turísticas e com instalações equipadas com todos os requintes. Exemplo, o Buraco das Transmissões com um modelar Posto de Rádio e Centro de Cripto. O Casarão, que seria a construção mais importante lá do sítio, tinha um senão, ser pouco resistente à intempérie.
Na verdade foram tempos bem difíceis, que nós já ultrapassámos, uns melhor que outros, e aqui cabe uma palavra de carinho e conforto para os nossos camaradas estropiados e portadores de stresse pós-traumático.
Quanto aos bens materiais, caro Mário, discordo de ti quando dizes que eles só se lembram de nós para nos reduzir as reformas. É precisamente o contrário, e ainda bem, porque o estatuto de ex-combatentes não nos deve diferenciar nesta situação particular. Queremos sim é que os nossos camaradas doentes e estropiados em acção de guerra, sejam tratados com dignidade e a espenças do Estado. Nós, os aparentemente saudáveis, lá nos havemos de desenrascar. Queremos sim o respeito e a dignidade que nos é devida pelo que fizemos ao serviço da Nação.
Fiamos então na espectativa das tuas próximas mensagens com outros textos e fotos que contem situações e experiências vividas por Pete e arredores.
Recebe um abraço de boas-vindas, de que sou portador, em nome da tertúlia e dos editores deste Blogue que ficam disponíveis para qualquer dúvida ou esclarecimento que pretendas apresentar.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor
Último poste da série de 24 de Junho de 2014 >
Guiné 63/74 - P13325: Tabanca Grande (440): o 2º srgt Piça, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), nosso novo grã-tabanqueiro, o xico mais bacano que conhecemos na tropa (Tony Levezinho / Luís Graça)