sábado, 7 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15338: Inquérito 'on line' (16): Para 42% dos respondentes (num total de 69), "100 pesos" era de facto dinheiro, era bastante patacão... Segundo a Companhia Seguros Douro, que oferecia na época um "seguro militar", cobrindo o risco de morte ou de incapacidade (total ou parcial) em teatro de guerra, cem contos (pouco mais de 28 mil euros, hoje) era quanto podia valer a vida de um herói!

1. Inquérito de opinião que decorreu na semana que findou: 

"NO MEU TEMPO, CEM PESOS ERA MANGA DE PATACÃO"


1/2. Era muito  (n=3) ou bastante dinheiro (n=26) > 29 (42,0%)


3. Era assim-assim, nem muito nem pouco  > 19 (27,6%)


4/5. Era pouco (n=12) ou muito pouco dinheiro  (n=5) > 17  (24,6%)


6. Não sei / não tenho opinião  >  4 (5,8%)

Votos apurados: 69 (100,0%)

Votação fechada: 5/11/2015. 14h30

2. Comentário do editor:

Segundo o nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), havia no mercado um seguro militar, dos Seguros Douro, que cobria o risco de morte e invalidez nos TO da Guiné, Angola e Moçambique. O capital seguro era de cem contos (100 mil escudos), o que daria hoje qualquer coisa como pouco mais de 28 mil euros (, usando o conversor de escudos para euros, disponibilizado pelo portal Pordata - Base de Dados Portugal Contemporâneo).

Houve quem pagasse 200 contos para livrar um filho ou um neto da "subida honra" de servir a Pátria no ultramar... Em face disto, convenhamos que 100 pesos, para a generalidade dos nossos militares (os de 1ª e os de 2ª classe),  eram bastante patacão!... (**)
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Notas do editor:

(*) 4 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15328: Inquérito 'on line' (15): quatro em cada dez respondentes acha que uma nota de 100 pesos era muito ou bastante patacão... Votação termina 5ª feira, dia 5, às 14h30

Guiné 63/74 - P15337: Os nossos seres, saberes e lazeres (126): Seguro Militar Especial, quem sabia da existência deste Seguro de Vida para Combatentes? (António Tavares)

1. Em mensagem do dia 23 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), fala-nos de algo que a maioria de nós desconheceria, a existência de um seguro de vida para combatentes. 
Cabe aqui informar que o nosso camarada Tavares foi funcionário da agência de Matosinhos de uma grande Companhia de Seguros, na qual curiosamente tive seguro de automóvel durante dezenas de anos. Muitas das vezes que precisei de tratar de assuntos relacionados com o seguro, fui atendido pelo Tavares. Curiosidades.


SEGURO MILITAR - ESPECIAL 

Camarigos,
Quem se lembra deste tipo de seguro?


E porquê um Seguro Militar Especial?
Com certeza por ser indicado aos Oficiais e Sargentos mobilizados para o Ultramar. Era comercializado pela Companhia de Seguros Douro.


O seguro militar, com pequenas diferenças, também era comercializado por outras seguradoras. Comercialmente era um produto não rentável e de pouca adesão quer pelo preço quer pelo desconhecimento de eventuais subscritores.

Penso que o efeito psicológico da palavra MORTE, para um militar que ia combater numa das três frentes da Guerra Colonial, teria sido o principal motivo do fracasso deste seguro na indústria seguradora.

Recordo que a sede da Companhia de Seguros Douro era no Largo de São Domingos, no Porto, no edifício que foi construído para sede da Ordem de São Domingos no séc. XIII. O edifício em 1832, durante o Cerco do Porto, foi quase totalmente destruído por um incêndio.

O Banco de Lisboa (actual Banco de Portugal) adquiriu-o, reconstruiu-o e instalou uma filial, até que o Banco de Portugal decidiu adquirir os terrenos que hoje ocupa na Praça da Liberdade.



A construção do actual edifício teve início em 1917 e concluída em 1934, ano da inauguração.

O edifício DOURO esteve durante décadas abandonado. O seu nome deriva do facto de ter sido, entre 1934 e 1989, sede da Companhia de Seguros Douro. Posteriormente foi recuperado pela Câmara Municipal do Porto. Actualmente no edifício está instalado o Palácio das Artes – Fábrica de Talentos.


Com um abraço,
António Tavares Foz do Douro,
Quarta-feira 23 de Outubro de 2015


2. Comentário do editor:

Utilizando o conversor de escudos para euros, disponibilizado pelo portal Pordata - Base de Dados Portugal Contemporâneo, um jovem de 22 anos, mobilizado para o ultramar, pagaria em 1970 de prémio de seguro, no acto do embarque, a importância de 3.795$00 (o equivalente hoje a 1.076,04 €), a que acrescia no primeiro ano a sobretaxa de 1.000$00 (283,54 €)...  Cem contos (100 mil escudos = 28.354,16 €) era quanto valia a vida de um homem!... Não faço ideia de qual era o capital seguro, em média, nessa época, no ramo vida...

Talvez o Tavares se lembre ainda desses valores, já que trabalhou em seguros... E, já agora, e por mera curiosidade, gostava de saber se ele, Tavares, chegou a subscrever este seguro militar que, provavelmente, era único, na época... Ou haveria mais Companhias de seguro a oferecer este tipo de seguro aos militares que partiam para a guerra de África, cobrindo o risco de morte e de invalidez (total ou parcial)? E o militar que fosse mobilizado para a Guiné, estava sujeito a algum agravamento do prémio? (LG)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15331: Os nossos seres, saberes e lazeres (125): Obras escultóricas urbanas de Armando Ferreira, ex-Fur Mil da CCAV 8353 (2)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > ambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O célebres e velhinho caça-bomradeiro T6 G, tanbémk conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)  Arlindo T.Roda, autor da foto. Os T 6G vão desempemhar um importante papel no final da guerra...


Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG].




1. Terceira (e última) parte do artigo do nosso grã-tabanqueiro José Matos sobre a "arma que mudou a guerra", o míssil terra-ar Strela, de origem russa, introduzido na Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, na sequência da escalada da guerra. 

Recorde-se que o José [Augusto] Matos, formado em astronomia em 2006 na Inglaterra [ University of Central Lancashire, Preston, UK ], é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro.

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74). 




SA 7- Grail (designação NATO), 
míssil terra-ar, de origem russa (9k 32 Strela 2), desenhado por volta de 1964 e operacional em 1968. 

Caraterísticas técnicas do SA- 7 «Grail» / 9K32M Strela-2 | Míssil antiaéreo:


Fabricante: KB Machinostroyenia; função principal: defesa antiaérea próxima; alcance: até 4,2 km; velocidade: 1300 km/h; tipo de ogiva : alto Explosivo / pré-fragmentada; peso da ogiva : 15 kg.; peso total: 10 kg; comprimento: 1.47 m; diâmetro: 72 mm; sistema orientação: infravermelhos. O Strela 2 foi concebido e testado por volta de 1964. Foi dado como operacional em 1968. Com um alcance máximo de 3,7 km e problemas com o sistema de orientação, as prestações do míssil não foram consideradas satisfatórias. Rapidamente foi lançada a versão Strela-2M, em 1971. A versão melhorada podia atingir em teoria alvos a distâncias de até 4,2 km. Era eficaz contra alvos a mais de 50 metros de altura e menos de 1500 metros.

Foto: Cortesia de Wikipedia. Imagem do domínio público.



O impacto do Strela na actividade aérea 
na Guiné (III e última parte),
  por José Matos



A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo.

(Continuação) (*)


O efeito das contramedidas


É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno. 

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido [36].  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437,  pilotado pelo Tenente Castro Gil,  é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local.

No relatório de análise ao incidente verificou-se que as normas de segurança foram cumpridas, mas que “o adiantado da hora (17h30), dificultando a visibilidade, contribuiu para que não fosse possível ao nº 1 detectar o lançamento do míssil” e que “o avião ainda não tinha sido pintado com tinta de baixa reflexão de infravermelhos" [37].

Nesta altura, a Força Aérea tinha já efectuado contactos em França para comprar uma tinta de baixa reflexão, de tonalidade verde escura capaz de evitar o míssil. Mas só em março de 1974 é que chegam a Bissalanca as primeiras aeronaves pintadas com a nova tinta anti-reflectiva: o Fiat 5401 e o Alouette III 9401 [38].


As acções aéreas de ataque em 1974

A análise da actividade operacional, em 1974, mostra que as acções aéreas de ataque aumentam nos últimos meses da guerra (com excepção de março), como se pode ver no gráfico seguinte.




As acções aéreas de ataque em 1974

 Este incremento deve-se, essencialmente, ao T-6G, que passa a voar com mais frequência neste tipo de missões, nomeadamente, a partir de março, em missões ATIP [39]. Uma análise deste tipo de missões, por aeronave, permite perceber que o T-6 tem um papel importante na fase final da guerra, como se pode ver no gráfico seguinte.





Este desenvolvimento resulta, em parte, da experiência adquirida no C-47. Do famoso “Flecha de Prata”, passou-se para experimentações nos “Roncos”, como eram conhecidos, na época, os T-6G. Num destes aviões, foi aplicado um derivómetro-visor. Houve que conceber e aplicar na “aeronave artilheira”, uma pala, para evitar que o pouco óleo pulverizado, que sempre sai do escape do motor, não ofuscasse o campo de visão e o retículo de pontaria do visor. Preparou-se a indispensável tabela de tiro e executaram-se, durante o dia, alguns bombardeamentos em voo horizontal, com 4 aviões em formação. Desta forma, os “Roncos” começaram a ser usados em bombardeamentos diurnos de área a 10 000 pés, servindo o “avião artilheiro” de guia para os bombardeamentos. Nestas missões, os T-6G eram armados com 6 bombas de 15 kg e voavam em formações de 4 aviões [40].

No entanto, com a excepção de janeiro de 1974, a actividade do GO1201, baixa nos derradeiros meses da guerra, como se pode ver no gráfico 9 [41].


Em busca de sistemas antimíssil

Fiat G-91, camuflado... Hoje é peça de museu...
É também na fase final da guerra, que a FAP procura equipar os Fiat com um sistema antimíssil doflare, a comprar nos EUA. Logo no início de fevereiro de 1974, um grupo de técnicos americanos da firma TRACOR desloca-se às Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), em Alverca, com o propósito de estudar a possibilidade de instalação de contentores para ejecção de flares nos G.91. Os técnicos americanos concluem que é possível a instalação de 4 contentores do tipo TBC-72, lateralmente, junto ao bordo de fuga dos pylons internos do Fiat e capazes de fornecer uma protecção contínua entre 4,5 a 6 minutos, conforme a cadência de disparo dos flares [42].
tipo

Pouco tempo depois, em meados de fevereiro de 1974, o novo ministro da Defesa, Silva Cunha, dá ordens para que se iniciem rapidamente as diligências conducentes à aquisição do equipamento em causa [43].  Os custos da aquisição ascendem a 19 mil contos  [, equivalente hoje  3.062.558,26 €
(LG)] e prevê-se que esta verba possa ser suportada por conta de um empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de contos) [967.123.661,80 € a preços de hoje, usando o conversor da Pordata (LG)] que Portugal fez junto da África do Sul [44]. O dinheiro sul-africano destinava-se, principalmente, a reforçar o poder aéreo com a aquisição de novas aeronaves para usar nas três frentes de guerra.

Como o TBC-72 é um equipamento de origem americana e como Portugal está sujeito a um embargo de armas, tanto o Ministério da Defesa como dos Negócios Estrangeiros tentam saber se a aquisição é possível. A 22 de abril, o embaixador português em Washington recebe instruções para apurar qual a melhor forma dos americanos venderem o equipamento, embora não devendo revelar às autoridades americanas que os flares se destinam a equipar aviões em serviço na Guiné [45].  Mas, o diplomata português já não tem tempo de fazer nada, pois, em poucos dias, dá-se o golpe militar de 25 Abril e a situação político-militar em Portugal e nas colónias muda radicalmente.

No entanto, apesar da Revolução de Abril, os responsáveis militares portugueses continuam a manter, durante algum tempo, a intenção de comprar os flares e outros sistemas antimíssil. A 21 de junho de 1974, na primeira reunião do Comité de Assistência África do Sul/Portugal (POSAAC), em Pretória, é decidido incluir na lista do material a financiar por conta do empréstimo sul-africano, 167 kits anti-Strela para os helicópteros Alouette III (kits a fornecer pela África do Sul), além do sistema TRACOR.46.  Os kits para os helicópteros eram constituídos por dois escudos térmicos sobre o motor e um deflector na tubeira do escape para desviar o fluxo de ar quente proveniente do motor. Tanto a África do Sul como a Rodésia usaram estes kits nos seus Alouette III. Nesta altura, porém, a guerra na Guiné já tinha terminado e estas aquisições deixavam de fazer sentido. A guerra do Strela tinha chegado ao fim.

José Matos (2015)

O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional, ao Arquivo Histórico-Militar e à Torre do Tombo, as facilidades concedidas para esta investigação. Ao General José Lemos Ferreira, ao TGen Fernando de Jesus Vasquez, ao TGen António Martins de Matos, ao MGen António Martins Rodrigues, ao Cor Miguel Pessoa, ao TCor José Pinto Ferreira e ao Ten Jorge Vasco Moura pela leitura e comentários, bem como pelas informações prestadas.

[Fixação de texto, imagens e links: LG. Temos cerca de meia centena de referências, no nosso blogue, aos mísseis Strela]
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Notas do autor:

[36] Correia, José Manuel, Strela: A Ameaça ao Domínio dos céus no Ultramar Português, 2ª parte, Mais Alto n.º 393 Setembro/Outubro 2011, p. 28.

[37] Informação n.º 462 da 2ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Avião abatido por míssil terra-ar em 31 Jan 74, 7 de Junho de 1974, ADN Fundo Geral Cx. 5074.

[38] Correia, op. cit., p. 31.

[39] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.~

[40] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vazquez.

[41] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.

[42] Informação n.º 65-Pº 4.1.5/GAB do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Medidas anti-míssil Strela (Sistema TRACOR), 6 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[43] Informação n.º 355 da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Equipamento antimíssil Strela (TRACOR), 18 de Abril de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[44] Memorando de 20 de Maio de 1974 do Gabinete do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, ADN Fundo Geral Cx. 833/9.

[45] Nota secreta do Director Geral do MNE para o Embaixador de Portugal em Washington, Assunto: Aquisição de equipamento antimíssil Strela, 22 de Abril de 1974, ADN /F3/7/13/5.

[46] Acta da 1.ª reunião da Comissão Executiva da POSAAC, Pretória, 21 de Junho de 1974, ADN SGDN/7554.3.
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Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série > 6 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15333: FAP (91): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - Parte I (José Matos, historiador e... astrónomo)

Guiné 63/74 - P15335: FAP (92): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - Parte II (José Matos, historiador e... astrónomo)

1. Continuação da publicação do artigo do nosso grã-tabanqueiro José Matos sobre a "arma que mudou a guerra", o míssil terra-ar Strela, de origem russa, introduzido na Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, na sequência da escalada da guerra.

Recorde-se que o José [Augusto] Matos, de acordo com o portal Linkedin,   é  especialista em aviação e exploração espacial ["instructor, lecturer, and media commentator on Astronomy and Space Exploration since 1994"]. Faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro, tendo-se formado em astronomia em 2006 na University of Central Lancashire, Preston, UK...

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74).


SA 7- Grail (designação NATO), 
míssil terra-ar, de origem russa (9k 32 Strela 2), desenhado por volta de 1964 e operacional em 1968. 

Caraterísticas técnicas do SA- 7 «Grail» / 9K32M Strela-2 | Míssil antiaéreo:

Fabricante: KB Machinostroyenia; função principal: defesa antiaérea próxima; alcance: até 4,2 km; velocidade: 1300 km/h; tipo de ogiva : alto Explosivo / pré-fragmentada; peso da ogiva : 15 kg.; peso total: 10 kg; comprimento: 1.47 m; diâmetro: 72 mm; sistema orientação: infravermelhos

O Strela 2 foi concebido e testado por volta de 1964. Foi dado como operacional em 1968. Com um alcance máximo de 3,7 km e problemas com o sistema de orientação, as prestações do míssil não foram consideradas satisfatórias. Rapidamente foi lançada a versão Strela-2M, em 1971.  A versão melhorada podia atingir em teoria alvos a distâncias de até 4,2 km. Era eficaz contra alvos a mais de 50 metros de altura e menos de 1500 metros.

Foto: Cortesia de Wikipedia. Imagem do domínio público.


O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (Parte II),
  por José Matos



A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M).  A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo.



(Continuação) (*)

A redução da actividade aérea 


Além da perda de aviões e de pilotos, o míssil afecta também a actividade aérea da FAP. Através da análise dos SITREPS (relatórios de situação) da época verifica-se que a actividade aérea na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG) sofre uma redução muito acentuada na segunda semana de abril (57% em termos de exploração operacional), embora depois se assista a uma progressiva normalização [26].  Como se pode ver pelo gráfico 1 relativo à exploração operacional, no final do mês de abril, as várias aeronaves da ZACVG atingiram já os níveis de actividade do começo do mês, o que significa que a FAP se adaptou à nova ameaça, embora com uma série de restrições operacionais, como se viu anteriormente. Pelo gráfico podemos ver que a viragem acontece na 3.ª semana de abril, quando as medidas cautelares começam a ser aplicadas.




A Directiva 20/73

As novas normas de voo e as tácticas defensivas adoptadas são então objecto de uma directiva do Comandante-Chefe da Guiné, General António Spínola, que, a 29 de maio, emite a Directiva 20/73, que estabelece definitivamente todos os procedimentos antimíssil a tomar, bem como as normas para os pedidos e acções de apoio aéreo [27].


De uma forma geral, todos os meios aéreos da ZACVG passavam a operar com novos parâmetros de segurança e de voo. Nos procedimentos de voo de carácter geral, todas as aeronaves deviam seguir as seguintes regras:

  • Altitudes de voo – acima de 6 mil pés e abaixo de 200 pés;
  • Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude);
  • Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido;
  • As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível, não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo;
  • Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.
Heli Alouette II. Bambadinca. c. 1969/71.
Foto de Humberto Reis
Além destas medidas gerais, a directiva estabelecia também medidas de carácter específico, que passavam pelas seguintes restrições:

  • Redução do número de pistas utilizáveis pelos aviões de transporte médio (Noratlas e C-47), além destes terem igualmente limitações na carga transportável;
  • Restrições nas missões de controlo (DCON), com PCV ou PCA (posto de comando volante ou posto de comando aéreo de operações usando DO-27), que ficavam também restringidas tanto pela redução de pistas utilizáveis, como pelo número de descolagens por missão e ainda pela limitação de horas de voo e pela altitude de operação (acima dos 6 mil pés);
  • Alterações nas missões de ataque ao solo, os T-6 deixavam de actuar a este nível ficando estas missões atribuídas apenas aos Fiat G.91, mesmo assim, com limitações nos parâmetros de voo e de ataque;
  • Limitações na utilização de helicópteros, condicionados também nas missões de transporte e evacuação, além de ataque e escolta armada [28].
Em suma, como se admite na própria directiva, a utilização de mísseis terra-ar pela guerrilha tinha provocado profundas alterações no emprego da Força Aérea e na eficácia das operações aéreas.

O impacto do míssil nos diferentes tipos de missões


Através da análise dos SITREPS da ZACVG podemos ver a evolução dos diferentes tipos de missões ao longo de 1973, bem como a actividade operacional da FAP [29]. Para uma melhor compreensão dos gráficos apresentados de seguida e elaborados a partir dos dados disponíveis nos SITREPS, faz-se aqui uma pequena explicação das abreviaturas utilizadas nos mesmos:

  • ATIP – Ataque Independente Preparado;
  • ATIR – Ataque Independente em Reconhecimento;
  • ATAP- Ataque de Apoio Próximo;
  • AESC – Ataque em Escolta;
  • RVIS – Reconhecimento Visual;
  • RFOT – Reconhecimento Fotográfico;
  • TMAN – Transporte de Manobra;
  • TGER – Transportes Gerais;
  • TEVS – Transporte de Evacuação




Começando pelas missões de ataque, podemos observar no gráfico 2 das acções aéreas de ataque, que há alguma quebra em abril e nos três meses seguintes, com excepção de maio, em que se regista um pico de actividade provocado pela crise militar de Guidage e Guileje. De facto, maio é um mês crítico na Guiné com fortes ataques da guerrilha contra estes dois quartéis.

No entanto, como se pode ver pelo gráfico 2, a partir de agosto, as missões de ataque da FAP aumentam de forma visível atingindo níveis superiores aos de Março. Este aumento deve-se, principalmente, ao uso mais intensivo do Fiat G.91 a partir de agosto, que desempenha um papel importante na resposta à guerrilha. De salientar também o pico de actividade em outubro, um mês em que a guerrilha esteve pouco activa.

Convém também referir que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio [30].

Intetior de um C-47. Foto: cortesia de Wikipedia. Imagem
do domínio público.
Além do Fiat G.91, um C-47 é adaptado para missões de bombardeamento horizontal podendo levar 80 bombas de 15 kg, que são depois atiradas à mão por uma abertura na fuselagem usada habitualmente para instalar máquinas fotográficas. As missões nocturnas do C-47 (conhecido por Flecha de Prata) eram feitas tanto em corredores usados pela guerrilha, como no apoio a aquartelamentos sob flagelação.  Embora fossem missões de bombardeamento de área a 10 000 pés, ou seja, com pouca precisão, tinham um efeito psicológico grande sobre a guerrilha.

No caso das missões de reconhecimento, a quebra é mais significativa e o nível de actividade só recupera de forma manifesta no final do ano, como se pode ver no gráfico seguinte.



As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais.



Quanto às missões de transporte no gráfico 4, a quebra é evidente até setembro aumentando a partir daí, embora nunca se alcance o número de acções registado em março. A redução é mais significativa nas missões TGER, importantes no abastecimento das diversas unidades do Exército espalhadas pela colónia. Relativamente às missões TEVS de evacuação de feridos, convém referir que atingem o pico máximo em maio, durante a já referida crise militar que ocorreu nesta altura. Os Alouette III desempenham, neste âmbito, um papel importante com 102 acções TEVS no mês de maio, sendo seguidos pelo DO-27 (87 acções) e pelo Noratlas (26 acções) [31].

No entanto, apesar deste pico de actividade em maio, as unidades mais atacadas pela guerrilha neste período ficam sem evacuação aérea, pois os Alouette III experimentam severas dificuldades em actuar nessas zonas, devido à proximidade entre as forças em confronto, que não permite que as forças portuguesas assegurem pequenas áreas de aterragem para os helicópteros, livres de tiroteio ou da queda de granadas de morteiro. 

Além disso, quando os guerrilheiros detectam a presença dos helicópteros, bombardeiam os quarteis ou as pistas. Os aviões ligeiros como o DO-27 também não podem actuar neste cenário, o que provoca graves dificuldades às unidades atacadas, nomeadamente em Guidage e Guileje, onde a guerrilha efectua ataques de grande magnitude e durante um longo período [32].

O mesmo acontece, em Gadamael Porto, um quartel no sul da Guiné que é fortemente atacado pelo PAIGC, em junho de 1973 e onde os helicópteros ficam impedidos de actuar, devido aos bombardeamentos da artilharia em consequência de, como posteriormente se soube, os guerrilheiros terem montado um posto de regulação de tiro, num local fronteiriço ao aquartelamento, na outra margem do rio Cacine [33]. A utilização de helicópteros é assim interdita na área, obrigando que as evacuações sejam feitas a pé, até ao quartel, e depois de barco, pelo rio Cacine [34].



Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara [35].

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973.





(Continua)

[Fixação de texto, imagens e links: LG. Temos cerca de meia centena de referências, no nosso blogue, aos mísseis Strela]
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Notas do autor:

[25] Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1. 

[26] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 14, 15, 16 e 17/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87.

[27] Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2.

[28]  Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2.

[29] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.

[30] Directiva para o Apoio Aéreo do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 30 de Novembro de 1973, ADN/SGDN/Cx.1666.

[31] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 18/73 a 22/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/88.

[32]  Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[33] Calheiros, op. cit., p. 535.

[34] Ibidem., p. 542.

[35] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15334: Notas de leitura (773): “Dois Amigos, Dois Destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
Não hesito em dizer-vos que é um romance que merece a vossa atenção, uma trama muito bem urdida. Só lamento que lá bem perto do final o autor se tenha cansado e precipitado os acontecimentos deixando-os na orla da inverosimilhança, tudo, nesse final, tem acordes operáticos, isto quando vem numa larga sequência de episódios trabalhados na base de uma certa realidade histórica, condimentados, como é óbvio, pelo poderio da ficção onde se agitam esplendorosos afetos.
Um estreante a merecer o nosso aplauso.

Um abraço do
Mário


Dois amigos, dois destinos, por José Alvarez (2)

Beja Santos

“Dois amigos, dois destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014, é uma obra de sabor autobiográfico, explora com engenho o drama clássico de uma nobre e fortíssima amizade que prometia desabar num confronto de contra guerrilheiro e guerrilheiro. O autor assenta o travejamento do seu romance histórico em várias gerações, tudo começa em Cabo Verde, depois um menino mestiço que medra na Guiné e vem estudar para Portugal e viverá pungentemente a sua adesão militante que o afastará dos amigos e da mulher amada, tudo se irá passar no contexto da crise académica de 1962. De um lado, Tomás, o amigo que estuda no Técnico e Joana, a universitária apaixonada por Eduardo, o militante do PAIGC que foge de Portugal e se torna assessor de Amílcar Cabral. Há mais protagonistas, a mãe de Joana, o pai de Tomás, que um dia mais tarde estreitarão afetos. Tomás está desencantado com os estudos, oferece-se para a Marinha, parte para a Guiné. Joana dá luz o fruto da sua relação com Eduardo, Eduardo Tomás.

Amílcar Cabral confia a Eduardo uma importante missão: “Terás de percorrer todo o cenário de guerra, a fim de elaborares um quadro com os efetivos das tropas portuguesas, respetivos locais de aquartelamento e, se possível, as suas deslocações sistemáticas. Essas informações ser-nos-ão preciosas para que a nossa direção militar atue segundo um plano global”. Eduardo começa por falhar a missão que é incumbido em chão Felupe, mas não desanima. Ainda em Lisboa, começa a dar-se um desenvolvimento afetivo entre Joana e Eduardo.

Estamos na Guiné, em 1969, Tomás foi colocado numa lancha de fiscalização pequena, a F 1151, aqui encontrou com imenso agrado o seu adversário direto da equipa de râguebi da Agronomia, Manuel Lima. Entretanto, Eduardo dá conta da sua missão, cruzou vezes sem conta os trilhos e as picadas da Guiné, atravessou todos os cursos de água em canoas. “Espiara dúzias de aquartelamentos da tropa portuguesa, perdidos na mata, recolhera informações dos movimentos militares, estudara o trânsito fluvial, conhecera as horas de patrulhamento das unidades da Marinha portuguesa”. Eduardo fizera-se homem, cedo se apercebeu da existência de tensões entre cabo-verdianos e guineenses. A lancha portuguesa está sempre em movimento, o autor descreve os contactos dos marinheiros com a tropa na quadrícula, em Empada. O encontro entre Nino Vieira e Eduardo ficou muito longe do cordial. A base do PAIGC fica em Sare Tuto, Eduardo é integrado no pelotão de Salin Bari, uma relação que vem desde a Casa dos Estudantes do Império, há para ali rancores velhos, Salin “rachara” na PIDE. Prepara-se um grande ataque a Buba, a lancha de fiscalização percorre o rio à procura de indícios dos guerrilheiros. O autor pincela a atmosfera de tensão que paira em Buba, sabe capturar o leitor. A professora primária, Lara, informa Nino sobre o que se passa em Buba, este esboça um plano que leva ao rapto de um alferes, destinado a diminuir o moral das tropas portuguesas. Enquanto isto se passa, os fuzileiros detetam uma cambança do IN na foz do rio Sahol, a jusante de Buba, apreendem muito material e uma canoa com o motor fora de bordo, mais um prisioneiro. Como nos dramas clássicos, a aproximação física de Eduardo e Tomás é cada vez maior. O plano para sequestrar o alferes português é bem-sucedido. Os fuzileiros interrogam Lar, ela é suspeita de passar informações, nisto explode o grande ataque a Buba. E os fuzileiros partem à procura do IN, vão a caminho de Sare Tuto, é a vez de Tomás ser capturado, aqui enfrenta Eduardo que prepara um plano para libertar o seu grande amigo. Os acontecimentos precipitam-se, a ação é descrita vertiginosamente, Tomás recupera no Comando de Defesa Marítima da Guiné onde conversa com Alpoim Calvão, conta-lhe a verdade dos acontecimentos. O bi-grupo comandado por Salin Bari fica numa total confusão após aquela estranhíssima fuga de Tomás. Mais furioso fica Nino Vieira, Eduardo é acusado de traição. Enquanto aguarda a sua transferência para prisão em Conacri, Amílcar Cabral vem visitá-lo, e veio a grande confissão: “Pode ter a certeza que nunca o trairia; por isso lhe conto a verdade, ainda que ela me seja fatal. Esse tenente português era o meu melhor amigo. A ele devo a libertação da prisão do Aljube e a fuga do país. É como se se tratasse de um irmão. Quando dei conta que o tinha prisioneiro no grupo de combate, encontrei-me perante o dramático dilema: entregá-lo e não trair a causa ou libertá-lo traindo. Pesei as duas situações e a amizade foi o que mais pesou”.

Chegou a hora da Operação Mar Verde, assim quer o destino que Tomás vá até La Montagne, em Conacri, onde Eduardo se encontra numa situação deplorável e no ponto mais baixo do desalento. Os amigos reencontram-se, Eduardo relembra a Tomás que não tem para onde ir, em Portugal será sempre um terrorista e ali é um prisioneiro de guerra. Fala-lhe no filho que está em Lisboa, Eduardo é transportado, chegara a hora da retirada, mas antes de chegarem à embarcação há uma flagelação em que Eduardo fica moribundo e depois morre. O epílogo da obra decorre no estado universitário, Eduardo Tomás é um vitorioso e há para li dois casais felizes, Tomás e Joana, José e Maria João. Final feliz.

Estamos diante de um romance histórico raro, há muita investigação, preocupação no desenho dos retratos e dos ambientes. Mas fica-se com um sabor de deceção na medida em que o autor a certa altura se cansou do que estava a escrever, começou a acelerar e a fuga de Tomás roça o inverosímil, faltou aqui o expediente alquímico que podia ter transformado este romance numa obra inexpugnável, vencido que fora o desafio de encontrar uma arquitetura que superasse o convencional drama clássico do confronto entre dois grandes amigos. A despeito desta fragilidade, estamos perante um livro que é referencial: pela pesquisa de laboratório, pela força dos sentimentos, pelo pendor luminoso da sua mensagem. Por tudo isso, “Dois amigos, dois destinos” é obra coroada da literatura luso-guineense, um passo seguro para o melhor conhecimento de povos irmãos.
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Nota do editor

Poste anterior de 2 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15315: Notas de leitura (772): “Dois Amigos, Dois Destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15333: FAP (91): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - Parte I (José Matos, historiador e... astrónomo)

1. Divulgamos, com todo o gosto, mais um artigo de investigação do nosso grã-tabanqueiro José Matos. Desta vez o tema é o míssil terra-ar Strela, de origem russa, introduzido na Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, na sequência da escalada da guerra. 

O artigo já foi publicado no sítio AFAP - Associação da Força Aérea, em 17/3/2015. Certamente por lapso, o José Matos é aqui apresentado por general... José Matos.  Se ele é militar, desconhecíamos por completo essa condição. Mas parece-nos que não. O nosso José [Augusto] Matos, de acordo com o portal Linkedin,   é  especialista em aviação e exploração espacial ["instructor, lecturer, and media commentator on Astronomy and Space Exploration since 1994"]. Faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro, tendo-se formado em astronomia em 2006 na University of Central Lancashire, Preston, UK...

Enfim, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Como Deus, Alá e os Irãs do nosso poilão, todos os entes que nos protegem e nos inspiram...

O que importa, no nosso blogue,  é também a sua (dele, José Matos) paixão pela nossa história militar, e em especial pelo que se passou na Guiné, no nosso tempo, durante a guerra de 1961/74. Recorde-se que o José Matos é filho de um camarada nosso, o ex-fur mil José Matos, da CCav 677 (São João, 1964/66), já falecido em 1998. E é seguramente o seu carinho e amor pelo seu pai (e a sua memória) que o faz gastar o seu tempo nestas viagens ao passado de dois pequenos países lusófonos (Guiné-Bissau e Portugal) de que raramente se fala, hoje em dia... Mas, para um astrónomo como ele, são dois ínfimos pontos, na nossa grande galáxia, que lhe servem de referência (e quiçá de ancoragem). Viajantes do tempo e do espaço, todos precisamos de pequenos portos de abrigo... Espero que ele se continue a sentir em casa... na nossa Tabanca Grande!... (E continuo à espera que ele me mande algumas fotos do seu pai e nosso camarada José Matos!).

No final do artigo supracitado, que nos chegou em formato pdf, com 29 pp., e que vamos publicar em três partes, há referências e agradecimentos aos nossos queridos amigos e camaradas, da Tabanca Grande, cor pilav ref Miguel Pessoa e ten gen pilav ref António Martins de Matos, heróis dos céus da Guiné e que sobreviveram, felizmente, ao Strela.

Refira-se, por fim, que o nosso amigo José Matos  foi autor, recentemente, de uma comunicação sobre “O fim da Guerra na Guiné: operações secretas”, no âmbito do  III Colóquio Internacional Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades: 1415-2015-Dos Impérios à CPLP. discursos e práticas (Universidade de Coimbra, Coimbra, 28-29 de outubro de 2015).

PS - Há uma outra versão deste artigo, mais curta, do José Matos e de Matthew M. Hurley , cor da Força Aérea dos EUA, na reserva,  "A arma que mudou a guerra", Revista Militar, nº 2554, outubro de 2014, pp. 893-907 disponível aqui. O José Matos mandou-nos essa versão em 6/9/2015, mas optámos por reproduzir a mais extensa, em que ele aparece como único autor. De qualquer modo, estamos gratos aos dois, ao José Matos e ao Matt Hurley, já nosso velho conhecido e amigo.



SA 7- Grail (designação da NATO), míssil terra-ar, de origem russa (9k 32 Strela 2), desenhado por volta de 1964 e operacional em 1968. Fonte: Cortesia de Wikipedia. Imagem do domínio público.


O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (Parte I)  (*)

por José Matos


A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). 

A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. 



Os primeiros indícios da utilização de mísseis terra-ar pela guerrilha do PAIGC, na Guiné, surgem em meados de março de 1973, quando dois caças Fiat G.91 são alvejados no norte do território, perto da fronteira com o Senegal, por uma arma desconhecida. Os aviões atacam o local do disparo e regressam à base de Bissalanca (BA12) sem qualquer dano, não tendo sido atribuída importância de maior ao facto [1]

Pouco tempo depois deste incidente, os guerrilheiros atacam um monomotor a hélice Dornier DO-27, na área de Bigene, perto do Senegal, e também três Fiat chamados a intervir. Nenhum avião é atingido, uma vez que os pilotos dos G.91 se apercebem de que são mísseis, conseguindo manobrar a tempo de os evitar [2].


Porém, a 25 de março, o Tenente [pilav] Miguel Pessoa já não tem a mesma sorte e é abatido na zona de Guileje, no sul da Guiné, muito perto da fronteira com a Guiné-Conakry. O piloto não se apercebe do míssil, mas consegue ejectar-se e é recuperado [3].

Três dias mais tarde, a 28 de março, outro Fiat, desta vez pilotado pelo Tenente-Coronel [pilav] Almeida Brito, também é abatido no sul da Guiné. O avião de Almeida Brito explode no ar provocando a morte do piloto [4].



Caça-bombardeiro, subsónico, Fiat G-91, da FAP. Desenho de Nelson Teixeira (2011).Imagem do domínio público. Cortesia da Wikipedia.



Na semana seguinte, a 6 de abril, a Força Aérea Portuguesa (FAP) perde ainda dois DO-27 e um T-6 G juntamente com os respectivos pilotos, devido à acção desta nova arma [5].  Rapidamente, a
Força Aérea percebe que está perante o míssil terra-ar SA-7 Grail de fabrico soviético, conhecido também por Strela. Todos os ataques acontecem a menos de 3 km das zonas de fronteira, os alvos incluem desde aviões de hélice muito lentos (DO-27 e T-6) até aviões a jacto (Fiat G.91) e a eficácia dos ataques parece ser elevada se atendermos que na documentação histórica da época surgem pelo menos 8 disparos referenciados e 5 aviões abatidos [6].

No entanto, tudo indica que o número de disparos tenha sido superior a 8 no período que vai de 20 de março a 6 de abril. Os pilotos que escaparam aos disparos desta nova arma do PAIGC (Partido Africano da  Independência da Guiné e Cabo Verde), devem, provavelmente, a sua sobrevivência a pontarias inadequadas, a deficiências de funcionamento da própria arma e ao facto de aqueles que avistaram o projéctil em trajectória de colisão com a sua aeronave terem tido o discernimento de entrar em volta de evasão apertada evitando o impacto do míssil. 

No entanto, o desconhecimento das características do míssil e, por conseguinte, o desconhecimento das modalidades de voo e as regras de empenhamento a adoptar para suplantar as suas capacidades, provoca grande incerteza e receio nos pilotos. A gravidade da situação surge bem espelhada numa informação que o Inspector-Adjunto Fragoso Allas, chefe da delegação da Direcção-Geral de Segurança (DGS), na Guiné, envia para Lisboa, a 9 de abril, sobre a perda de vantagem da Força Aérea. Na opinião de Fragoso Allas “não dispomos de meios aéreos que possam constituir uma força de dissuasão ou que nos permitam castigar duramente as bases de apoio, temos que encarar como muito possível que o PAIGC venha num muito curto prazo de tempo a estabelecer novas áreas libertadas, e dificultar ou impedir o tráfego aéreo e até mesmo a aniquilar algumas guarnições que agora passaram a não poder contar com o apoio aéreo para as defender, evacuar os feridos e reabastecer.” E mais à frente acrescentava: “Consideramos muito grave a situação resultante do emprego pelo PAICG de novas armas antiaéreas.” [7].

Na mesma data, a DGS, em Lisboa, tem já informação sobre o míssil obtida através dos Serviços Secretos Alemães (BND), que a envia ao  Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN), pedindo extremo cuidado quanto à salvaguarda da fonte daquela informação [8].

No essencial a informação fornecida pelo BND traça a evolução histórica do míssil, assim como as suas características operacionais e as possíveis medidas de defesa. Pouco tempo depois, esta informação é difundida pelas três frentes de guerra. Entretanto, o Comando da Zona Aérea da Guiné (COMZAVERDEGUINE) começa a tomar as primeiras medidas cautelares para minorar a ameaça da nova arma. 

A introdução do míssil na Guiné

Não se sabe com precisão a data em que o míssil chegou à Guiné, mas em dezembro de 1972, a DGS, na colónia, tinha já recolhido informação de que os guerrilheiros haviam recebido novas armas antiaéreas, entre as quais uma designada por “roquetões.” A nova arma tinha uma configuração semelhante à dos RPG, conhecidos na guerrilha por “lança-rockets”, o que deve ter dado origem à designação de “roquetões”[9].

No entanto, as informações da DGS sobre as novas armas eram vagas e, sabe-se hoje, provenientes de fonte duvidosa. Testemunhos de protagonistas do PAIGC envolvidos directamente no processo como Luís Cabral apontam no sentido de que os primeiros mísseis só chegaram à Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, que ocorreu a 20  de janeiro de 1973 [10].

No mesmo sentido, aponta uma análise pericial feita pelas autoridades americanas aos fragmentos de um SA-7 recolhidos na Guiné, que refere fevereiro de 1973, como data de fabrico do míssil [11]. Com efeito, uma parte do míssil é encontrada no norte da Guiné a 7 de abril por tropas pára-quedistas [12] e a 14 de abril é enviada para Lisboa para o Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN) [13] onde é analisada, a 17 de abril, por técnicos portugueses, que concluem não dispor de “elementos suficientes para proceder a uma identificação categórica do material em causa.”


Na tarde desse dia, o material é entregue na embaixada dos EUA, em Lisboa, para um exame mais minucioso. Na semana seguinte, a 25 de abril, o adido militar da embaixada, o Coronel da USAF Mosier, desloca-se ao SGDN, a fim de saber se aquele organismo já tinha recebido a informação enviada pela embaixada americana a respeito da identificação do míssil (a 23 de abril, Mosier tinha enviado para o SGDN uma informação confidencial identificando os fragmentos como sendo a secção de propulsão do SA-7 Grail) e pede a anuência portuguesa para que, a título devolutivo, o material seja enviado para os EUA de forma a ser estudado mais detalhadamente pelos serviços técnicos das FA americanas [14].


Entretanto, a 24 de abril, o comando militar em Bissau envia também dois fragmentos electrónicos transistorizados supostamente pertencentes ao míssil [15] para serem analisados pelos técnicos americanos que acabam por se deslocar a Lisboa, em meados de maio. 

O exame pericial feito na embaixada americana conclui que os vários fragmentos recolhidos até então correspondem a uma versão aperfeiçoada do SA-7, desconhecida nos países ocidentais e fabricada em fevereiro de 1973. No parecer dos técnicos americanos, “esta nova versão apresenta alterações que denotam um esforço de melhoria dos métodos de fabrico (para mais rápida produção) e que ao mesmo tempo visam tornar o míssil menos susceptível de avarias devido ao seu manuseamento” e concluem dizendo que desconhecem “se este novo modelo do míssil SA-7 tem uma eficácia operacional superior à da versão anterior” [16]. 

 Juntamente com esta peritagem é entregue, a 25 de maio, no SGDN, um manual técnico da Missile Intelligence Agency (MIA) sobre o míssil, que permite finalmente às autoridades portuguesas conhecer a fundo as características e performances das versões conhecidas do SA-7 [17].

Pouco tempo depois, em junho, a secção de propulsão do míssil e um dos conjuntos electrónicos são enviados a título definitivo para os EUA, para uma peritagem mais exaustiva, que originará depois um relatório técnico da Defense Intelligence Agency (DIA). A 11 de setembro, a DIA envia de Washington, para o adido de defesa da embaixada americana em Lisboa, as conclusões da peritagem. A agência informa que estamos perante uma versão do míssil com um sistema de propulsão melhorado, que permite aumentar a velocidade do SA-7 em 20% a 25%, assim como a sua manobrabilidade, o que aumenta a capacidade do míssil dentro do seu envelope de intercepção contra aeronaves de elevada performance [18].

 Tudo indica que o modelo analisado era Strela 2-M ou SA-7B Grail Mod. 1, introduzido na União Soviética em 1971 e desconhecido no Ocidente [19].


O impacto do míssil no GO1201 


As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros [20].  Desta forma, os abates de março e de abril traduziram-se numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda,   8 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. 

O impacto destas perdas foi ainda ampliado pela grande dificuldade em comprar novos caças com um maior potencial de combate ou, então, mais exemplares dos modelos já em uso. Embora os dois Fiat abatidos sejam substituídos em meados de julho desse ano, a Esquadra 121 perde, nos meses seguintes, mais dois G.91 por razões desconhecidas, o que leva o Governo em Lisboa a tentar adquirir aviões Fiat G.91 R/3 já usados, junto da Alemanha Ocidental [21].  Só que o Governo de Bona recusa qualquer venda a Portugal para não ser acusado de apoiar a política colonial portuguesa [22].

 Outro impacto directo é sobre os pilotos. O número de pilotos presentes na BA12 era de 50, estando prontos para voar 49 e prontos para operações 42 [23]. As perdas devido ao míssil representam 9,5% dos pilotos aptos a realizar operações. 

As primeiras medidas cautelares 


Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea   introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes: 

  •  T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
  • Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m); 
  • DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
  •  Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
  • C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
  •  Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. 

Paralelamente a estas medidas, o Comando da Zona Aérea e a DGS na Guiné continuam a desenvolver esforços para conhecer melhor as características da nova arma do PAIGC. Em finais de abril, as forças portuguesas conseguem finalmente interrogar um dos membros das equipas de mísseis, um ex-guerrilheiro de etnia fula, chamado Tcheto Candé, que se entregou aos fuzileiros portugueses em Jemberém, a 21 de abril de 1973. 

Candé revela que foi treinado em Simferopol, na União Soviética, onde esteve seis meses, tendo regressado a Conakry, a 10 de abril, seguindo depois para Kandiafara e Botchecol, de onde acabou por fugir. O ex-combatente fornece ainda informações importantes sobre a localização dos vários grupos de mísseis e dos elementos que os comandam e diz também que “cada arma já traz o míssil incorporado, e que só faz um disparo. Depois, tem a arma de ser enviada para a URSS para ser novamente carregada.” Candé refere a presença do míssil em Botchecol, Jemberém e ainda norte da Guiné [24]. 

 Esta informação é complementada, em outubro, pela deserção de um outro operador de mísseis chamado Armando Baldé, que se entregou na guarnição de Tite. Baldé dá várias informações sobre o funcionamento do SA-7 e das tácticas usadas pelos grupos de atiradores contra os aviões da FAP, o que permite que, nesta altura, as autoridades portuguesas tenham já informação detalhada quer sobre as características do míssil quer sobre o modo de actuação dos grupos armados com o SA-7. 

As informações prestadas por Baldé permitem à Força Aérea confirmar que o míssil é ineficaz abaixo dos 50 metros (160 pés) e que, disparando a arma com um ângulo superior a 60º, o atirador é queimado pelos gases de escape. Desta forma, o ângulo de disparo ideal é de 20º a 60º. Descobre-se   também, nessa altura, que os insucessos nos disparos do míssil contra o Fiat se deviam essencialmente a duas razões: por um lado, durante a picada do avião, o míssil não conseguia adquirir convenientemente o alvo;  por outro, após a saída do passe de bombardeamento, o jacto fazia uma volta muito apertada a grande velocidade, que superava as capacidades de manobra do míssil [25].

(Continua)

[Fixação de texto, imagens e links: LG. Temos cerca de meia centena de referências, no nosso blogue, aos mísseis Strela] (**)
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Notas do autor:

[1] Informação n.º 218/73-DSInf2 da Delegação da Guiné da DGS, Assunto: Actividade do PAIGC, 3 de Abril de 1973, Torre do Tombo, Arquivos da PIDE, Processo 641/61 PAIGC, pasta 9, fls. 102/104.
[2]  Ibidem. 

[3]  Ibidem. 

[4]  Ibidem. 

[5]  Relatório sobre a situação no Ultramar nº4/73, CTI Guiné, Anexo A, ADN SGDN/1690. 

[6]  Informação n.º 93/73 da 2.ª Repartição do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: Míssil Terra-Ar, 13 de Abril de 1973, Lisboa, ADN SGDN/5681/7.

[7] Informação n.º 247/73-DSInf2 da Delegação da Guiné da DGS, Assunto: Rep. Guiné – Situação do PAIGC, 9 de Abril de 1973, Torre do Tombo, Arquivos da PIDE, Processo 641/61 PAIGC, pasta 7, fls. 190/192.

[8] Informação Suplementar do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: União Soviética: Míssil Terra-Ar individual GRAIL (SA-7), Fonte: DGS, 9 de Abril de 1973, Lisboa, ADN SGDN/5681/7. 9 Informação n.º 218/73-DSInf2 da Delegação da Guiné da DGS, ibidem. 

[9] Informação n.º 218/73-DSInf2 da Delegação da Guiné da DGS, ibidem.

[10] Cabral, Luís, Crónica da Libertação, Edições o Jornal, Lisboa, 1984, pp. 433-444. 

[11] Informação n.º 1387/RB c/anexo da 2ª Repartição do Secretariado Geral da Defesa Nacional para o Estado-Maior do Exército, Assunto: Míssil Terra-Ar, 4 de Junho de 1973, Lisboa, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 

[12] Calheiros, José Moura, A Última Missão, Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, p. 387. 

[13] Nota n.º 1148/BM do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné para o Secretariado Geral da Defesa Nacional (2ª Divisão), Assunto: Material de Guerra para Análise, 14 de Abril de 1973, Bissau, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 

[14] Informação n.º 99/RB da 2ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: Identificação de Material Recolhido no TO da Guiné, 25 de Abril de 1973, Lisboa, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 

[15] Nota n.º 1274/BM do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné para o Secretariado Geral da Defesa Nacional (2ª Divisão), Assunto: Material de Guerra para Análise, 24 de Abril de 1973, Bissau, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 

[16] Informação n.º 1387/RB c/anexo da 2ª Repartição do Secretariado Geral da Defesa Nacional para o Estado-Maior do Exército, Assunto: Míssil Terra-Ar, 4 de Junho de 1973, Lisboa, ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 

[17] Manual ST-CS-14-232-72, Dezembro de 1972, Missile Intelligence Agency (MIA), ADN, Fundo Geral SGDN/5681/7. 

[18] Defense Intelligence Agency, teletype message, 111808Z SEP 73, to Defense Attache Office, Lisbon, 11 de Setembro de 1973, ADN SGDN 5681/7. 

[19] KBM Kolomna Strela-2/-2M (SA-7 'Grail') Man-Portable Anti-Aircraft Missile System in Jane’s Electro-Optic Systems 2011, 

 [20] Sitrep Circunstanciando n.º12/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87.

 [21] Memorando do Estado-Maior da Força Aérea, 25 de Janeiro de 1974, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH), 3ª Divisão/EMFA 71/74, Processo 400.121. 

 [22] Carta de Alberto Maria Bravo & Filhos, Assunto: Aviões G-91, 4 de Dezembro de 1973, Arquivo Histórico Diplomático (AHD) PEA 655. 

 [23] SITREP Circunstanciando n.º12/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87.

 [24] Relatório de interrogatório nº 41/73 anexo à informação 306/73-DSInf 2 da Delegação da Guiné da DGS, 1 de Maio de 1973, Torre do Tombo, Arquivos da PIDE, Processo 332-CI (2), pasta 5, fls. 58/62.

 [25] Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 25 de setembro de 2015 >  Guiné 63/74 - P15153: FAP (90): Para acabar de vez com o mito dos MiG em Conacri: nunca os houve no nosso tempo, garantiu-me o comandante Pombo, no convívio da Tabanca da Linha (António Martins de Matos, ten gen pilav ref)

(**) Do "site" Área Militar - Armamento e Sistemas, com a devida vénia:

SA- 7 «Grail» / 9K32M Strela-2 | Míssil antiaéreo

(...)
Fabricante: KB Machinostroyenia
Função principal: Defesa antiaérea próxima
Alcance: 4.2km 

Velocidade: 1300km/h
Tipo de ogiva : Alto Explosivo / pré-fragmentada 

Peso da ogiva : 15 Kg.
Peso total: 10 Kg 

Comprimento: 1.47 M.
Diâmetro: 72mm 

Sistema orientação: Infravermelhos

(...) O Strela 2 foi concebido em meados dos anos 60, apontando-se o ano de 1964 como altura em que se terá testado pela primeira vez. O seu desenvolvimento demorou algum tempo até que se tornou operacional em 1968.

Com um alcance máximo de 3,7 km e problemas com o sistema de orientação, as prestações do míssil não foram consideradas satisfatórias. Rapidamente foi lançada a versão Strela-2M em 1971. Alcance máximo de 3.7 Km, embora uma versão melhorada «Strela-2M» atingisse em teoria alvos a distâncias de até 4,2km. Eficaz contra alvos a mais de 50 metros de altura e menos de 1500 metros.

O sistema (Komplex em russo) utiliza o míssil 9M32 e a versão modernizada, o míssil 9M32M. (...)

Guiné 63/74 - P15332: Parabéns a você (982): Jorge Cabral, ex-Alf Mil Art, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série > 3 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15318: Parabéns a você (981): António Martins de Matos, Tenente General Pilav Ref, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)