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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16733: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (23): Ainda a história rocambolesca do David Costa, meu camarada, que terá sido capturado pelo PAIGC em 17 ou 18 de maio de 1967, entre Mansoa e Braia, e que andou desaparecido 3 a 4 meses... (Jorge Lobo, ex-1º cabo at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68)


Guiné > Mapa geral da província > Escala 1/500 mil (1961) > Posição relativa de Mansoa e Braia (NT) e Iracunda e Morés (PAIGC). O David Costa que saiu do quartel de Mansoa por volta das 15h do dia 17 de maio de 1967, terá seguido, sem rumo, na direção de Braia (onde havia um destacamento das NT) e sido intercetado nesta região, mais tarde,  por forças do PAIGC que o levaram até à base do Morés e depois para o Senegal, Ziguinchor, onde terá conhecido o médico, português, desertor, e militante do PAIGC, Mário Pádua.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


1. Comentário do nosso camarada Jorge Lobo ao poste P16721 (*)

Relativamente ao comentário que a nossa Tabanca Grande fez ao poste do  Jorge Araújo, eu gostaria de acrescentar algo ao que eu próprio já tinha cá escrito sobre a deserção do David Costa.(**)

Ora bem, depois da cena da carta com a fotografia que alegadamente teria sido enviada pela namorada de um camarada do David, de nome, Chantre, 1º cabo enfermeiro da Cart 1660, o David acabrunhado com a situação decidiu sair do quartel de Mansoa vagueando pelos arredores
da vila até se perder no terreno.


1º cabo at art, Jorge Lobo, CART 1660 (Mansoa, 1967/68),
subunidade que esteve adida aos BCAÇ 1857 e BCAÇ 1912.
Tem um pequeno blogue, com 9 postes publciados
desde 2011, Guiné 1967/1968. Vive em Corroios,. Setúbal,

Eu estava na caserna no momento em que começou a sua odisseia, isto em 17/05/1967. A sua saída do quartel aconteceu por volta
das 15 horas,   logo após a distribuição do correio....

Entretanto, anoiteceu e deduzo que o David se tenha desorientado seguindo a estrada na direção de Braia [- Infandre-Bissorã].

Pelo que ele conta no seu livro, viu as luzes do quartel de Braia (?) ou então Cutia, mas decidiu não arriscar a entrar dentro do arame farpado.

Sou de opinião que o pessoal das tabancas na saída de Mansoa-Braia colaboraria com os guerrilheiros do PAIGC e,  ao ver aquele militar fardado, só e desarmado,  a sair da vila, provavelmente comunicou isso ao PAIGC. Tê-lo-iam seguido durante a noite, penso que o local da captura não seria muito longe do quartel, talvez entre Mansoa e Braia.

Os guerrilheiros do PAIGC teriam capturado o rapaz [, já no dia 18 de maio de 1967,]  tendo-o levado para a zona de Morés e arredores, nomeadamente para Iracunda,  perto da estrada que liga Bissorã a Mansabá. É uma região que conheço bem devido a várias emboscadas e ataques que lá fui fazer com a Cart 1660.

O rapaz, após a sua captura teria estado em alguns acampamentos do PAIGC incluindo na mata de Iracunda perto da estrada Bissorã-Mansabá e onde a minha companhia posteriormente fez um golpe de mão com vário material de guerra apreendido. Iracunda situava-se junto à tal picada, Bissorã-Mansabá, que na altura estava intransitável devido a imensas árvores que o PAIGC atravessou nessa via e que eu próprio constatei em várias operações  em Morés.

De Iracunda o David deve ter partido em direção ao Senegal (Zinguichor), levado pelo grupo do PAIGC, o mesmo grupo que o tinha antes capturado.
  Recordo que o David esteve desaparecido cerca de 3 a 4 meses, período este em que viveu a sua terrivel odisseia atravessando a Guiné entre Morés, Zinguichor, etc, odisseia que só ele saberá contar em pormenor.

Sei que depois do seu regresso a Mansoa, ele foi interrogado no quartel Foi até bastante mal tratatado chefe de operações do BCAÇ 1912 ao qual a Cart 1660 estava agregada, tendo inclusive saído com uma das companhias desse batalhão na tentativa de se conseguir que ele os levasse aos locais que antes ele tinha visitado, o que não foi conseguido porque o David compreensivelmente não conseguiu descobrir o seu anterior trajeto até à sua captura.

Segundo o rapaz contou na altura, o regresso dele foi feito através de Dacar, mas também já li por cá outras histórias diferentes em relação ao local onde a avioneta militar o foi buscar no Senegal.

Está correta a data da sua saída do quartel, 17/05/1967.
O caso da fuga do Daniel Alves deve ter acontecido já depois do julgamento do David, ao qual eu assisti, ao vivo.

O meu camarada foi condenado a 2 anos,  um mês e um dia de prisão nos primeiros dias de novembro de 1968, cerca de uma semana antes da CART 1660 ter regressado à metrópole. (***)

Jorge Lobo, 1º cabo Lobo, atirador da CART 1660 (Mansoa, 1967/68).
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2016~>  Guiné 63/74 - P16721: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [III]: o encontro, em Boké,com o médico português Mário Pádua (Jorge Araújo)

(**) Último poste da série > 15 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16722: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (22): Quem terá sido o Daniel Alves, "duplamente desertor" ? Primeiro, fugiu das nossas fileiras, possivelmente em 1967, e depois das fileiras do PAIGC... Amilcar Cabral, traído e preocupado, escreveu: "O Daniel Alves conseguiu enganar a malta (sic) e fugiu em Dacar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos"....

(***) Sobre o caso do David Costa, vd. ainda os postes de;

5 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16686: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (18): Mais um caso "atípico", o de David [Ferreira de Jesus] Costa, ex-sold at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68 (Virgínio Briote)

27 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7351: Controvérsias (112): David Costa, da CART 1660 (Mansoa, 1966/68): Déserteur malgré-lui ? / Desertor à força ? (Jorge Lobo, ex-1º Cabo, CART 1660)

23 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6776: Notas de leitura (133): Desertor ou Patriota, de David Costa (Mário Beja Santos)