Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Luís Lomba. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Luís Lomba. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25886: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte V: "Colaboracionista" ? (Manuel Luís Lomba, autor de "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", 2015)


Capa do livro do nosso camarada de 
Barcelos,  Manuel Luís Lomba, 
(Terras de Faria, Lda. 4755-204, 
Faria,  Barcelos, 2012).
 
Uma batalha de meses, 
que começou  em 20/21 de dezembro
 de 1964  (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703
 e 4ª CCaç).  
Ver aqui 

1. Escreveu o Manuel Luís Lomba, autor de "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu" (Barcelos, 2014); ex-fur mil cav, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66):


(...) A Operação Tridente, acontecida há quase 60 anos, foi a primeira grande manobra da Guerra da Guiné, o BCav 490 os seus actores principais, as ilhas do Como, Caiar e Catunco o seu palco, foram 72 dias de combates na mata e em campo aberto.

A segunda grande manobra foram as Operações Campo, Alicate I e II, a CCav 703 os seus actores principais, o seu palco foi Cufar, a sua malta escavou abrigos em todo o perímetro da sua desmantelada fábrica de descasque de arroz e viveu 63 dias como toupeiras, mais sob a terra que sobre a terra. 

 A Operação Tridente, entre janeiro e março de 1964, foi a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre aquelas três ilhas, então a “República Independente do Como”, proclamada por Nino Vieira, abandonadas em 1962 pelo fazendeiro Manuel de Pinho Brandão, originário de Arouca (constava que passara a fornecedor do PAIGC).

As operações “ Campo”, “Alicate I, II,´” e “Razia”, entre dezembro de 1964 e maio de 1965, foram a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre a “área libertada” de Cufar, começada com a 
ocupação da tabanca e das ruínas da fábrica de descasque de arroz, abandonada pelo fazendeiro Álvaro Boaventura Camacho, madeirense originário de Cabo Verde (patrão e o “passador” para Conacri do então alfaiate e futebolista Bobo Quetá), continuada com a expugnação da base da mata de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino Costa, ora aumentada e reforçada com a força retirada do Como, consolidada em 15 de junho pelas CCaç 763, 764 e 728 (Operação Satan?). (...) (*)


2. Comentário do editor LG:

Gostava de saber se o nosso querido amigo e camarada Manuel Luís, o nosso "alcaide de Faria" (última reincarnacão...), tem mais alguma informação adicional sobre estes dois grandes comerciantes e proprietários do sul da Guiné, o Manuel de Pinho Brandão e o Álvaro Boaventura Camacho. Como outros colonos, ficaram com a fama (e se calhar o proveito) de terem sido "colaboracionistas"... 

Um era o dono da ilha do Como, o  outro o patrão de Cufar... O que lhes terá acontecido com a guerra e a depois da guerra, se é que chegaram ao "fim do filme" ?... Ambos terão feito fortuna com o arroz... dos balantas.

Já se escreveram coisas provavelmente fantasiosas sobre o Manuel de Pinho Brandão (**)... Não sabemos como nem quando  chegou à Guiné, nem muito menos quando e onde morreu..

Em 1964 correu um processo de expulsão de dois homens, de apelido Pinho Brandão... Um deles pode ser o nosso Manuel de Pinho Brandão e o outro pode muito bem também ser o seu filho  Francisco ("Chiquinho" ?).

Estamos à espera que  alguém consiga aceder a este documento do Arquivo Histórico Diplomático... A expulsão do território, provavelmemnte ao tempo do novo governador e com-chefe Arnaldo Schulz,  faria sentido no caso de o homem pactuar (ou ter pactuado) com o IN...


Código de Referência: PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0559/08865

Título: Expulsões de Manuel de Pinho Brandão e Francisco Pinho Brandão

Data(s): 1964 

(...) Notas: Classificador do Arquivo do Gabinete dos Negócios Políticos: P17: Segurança Nacional: Sanções Penais aos colaboracionistas com os inimigos.

Entidade detentora: Arquivo Histórico Diplomático. (Negritos nossos)

_____________

Nota do editor:  

(*) Vd.  29 de outubro de 2020 >  Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

(**) Último pposte da série > 23 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25873: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte IV: Proprietário ou concessionário de terras ?

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Julho de 2024 com mais um texto, desta feita alusivo aos Horizontes da Memória.

Horizontes da Memória

Programa audiovisual de história do dr. José Hermano Saraiva, o plágio do título serve a minha liberdade de “heresias” e os meus devaneios das tardes deste verão, no disfrute dos 0,35€ diários da minha pensão de combatente...

Neste mês de julho de 2024 faz 60 anos que o Benguela, cargueiro de transporte de gado - com o currículo de navio negreiro, tinha transportado milhares de angolanos e moçambicanos para os trabalhos forçados nas roças de cacau e nas obras públicas de S. Tomé e Príncipe -, desatracou do Cais da Rocha do Conde de Óbidos cheio como um ovo, 900 militares ou carne para canhão na Guerra da Guiné (o meu batalhão mais uns pelotões independentes), partilhavam na harmonia possível os seus três porões com viaturas auto, armamento, obuses de artilharia e bombas de avião. Singrou nos caminhos marítimos de Bartolomeu Dias, Vaco da Gama, Nuno Tristão, etc., portugueses de antigamente, fomos desestivados na ponte-cais de Bissau, carregamos ao ombro o “saco-chouriço” com todos os nossos bens e o Forte da Amura foi o nosso destino.
N/M Benguela - Com a devida vénia a Dicionário de Navios Portugueses

Cumprido um ano de “intervenção às ordens de Comando-chefe”, a fazer a guerra por Bula, Morés, Talicó, S. João, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cufar, Buba, Jncassol, Porto Gole e por outros lugares menores onde o inimigo andasse, fomos parar a quadrícula de Buruntuma, tabanca fronteiriça no extremo Leste, onde sobrevivemos quase outro ano – se até aí atuamos como “tropa especial” e móvel sem o ser, de camião, de lanchas LDM e de avião Dakota, à média duma operação por semana, naquela fronteira com a GConacry chegamos a dar batalha três vezes ao dia, o inimigo abundava do outro lado, e sempre com o mesmo à-vontade, a lançar granadas de mão, a metralhar com a G3, a Breda, a bazuca, os morteiros e o canhão s/r 10,7 NATO, - é que o Domingos Ramos, comandante da Frente Leste do inimigo tinha sido nosso camarada, ele tinha tirocinado em Pequim e nós na Fonte da Telha era a nossa diferença…

A guerra é a mãe de tudo, profetizou Heráclito de Éfeso. Faz 60 anos que fomos para a Guiné, não acabamos com a sua guerra, mas a sua guerra acabou com muitos de nós, o MFA não foi gerado com esse propósito, mas nasceu come ele e realizou-o há 50 anos – acabou com a guerra da Guiné para a malta do Portugal europeu, mas legou uma ainda mais mortífera aos guineenses. Amílcar Cabral queixava-se de sermos seus ocupantes ilegais há 500 anos, os seus naturais queixam-se dos 500 anos que andamos a iludi-los…

Para nós, a guerra do Ultramar começou em 1961, para os nossos antepassados começou com a gesta do infante D. Henrique, os 500 anos da sua longevidade alimentaram-se do sangue dos homens e do coração das mulheres, a mesma classe castrense da sustentabilidade desses 500 anos foi que sustentou os 50 anos de longevidade do regime político contra o qual virou as armas – que esconjurou o regime, superou o mantra da guerra civil, que criou a via pacífica e que entregou o destino do país ao Povo são realidades e verdades históricas.

O dia 25A aconteceu “inteiro e limpo”, funcionou como catarse do stresse da guerra da Guiné, também surfei as ondas da euforias, a emergência das derivas e o desvario do PREC encurtou-me essa felicidade, li bastante sobre a guerra civil espanhola, ainda visionei prédios com o andar destruído por granadas lançadas pelo vizinho de cima, deixar em paz a caçadeira Benelli das caçadas às perdizes nas ladeiras do Douro e nas planícies do Alentejo e ter de regressar à G3 nessa contingência foi um grande pesadelo, o 25N dos corajosos foi a terapia das disfunções aos ideais do 25A e esconjurou a perda da felicidade adquirida.

As celebrações das efemérides da mudança de regime pelas armas quando exorbitantes são divisionistas, sem prejuízo de merecedoras, mas numa justa medida. O regime anterior celebrava o 28 de maio, não raro com pompa e circunstância, mas sem decreto de feriado nacional, o regime democrático tem o dever de celebrar condignamente as datas do 5 de outubro, do 25 de abril e do 25 de novembro, mas sem decretos de feriados nacionais. Para quando a celebração das datas institucionais nacionais? Estamos à espera sentados. O Norte fundou a nossa nacionalidade no Castelo de Faria, em 25 de abril de 1127, independência do reino e de Portugal foi conquistada no Castelo de Guimarães em 24 de junho de 1128, os portugueses usaram a mobilidade para a sua dilatação até Coimbra, naturalmente, Lisboa é uma das conquistas do Norte – e há demasiado tempo os conquistadores se deixaram oprimir pelos conquistados…

O 5 de outubro foi um golpe de Estado, celebra a queda do regime, a monarquia fundou e construiu Portugal ao longo de quase 800 anos, em 1910 já era constitucional e evolutiva, na esteira das monarquias inglesas e nórdicas, nações das mais avançadas do mundo. As valas da desgraça foram cavadas pela primeira República, o Estado Novo nem será o seu pior legado, o 25 de Abril foi um golpe de Estado à imagem e semelhança do de 5 de outubro, aquele foi patriótico, de reação ao ultimato inglês ao Mapa Cor-de-Rosa e este iniciou-se corporativo, de reação à equiparação dos capitães milicianos aos direitos e sinecuras da estática classe dos capitães do QP.

Neste mês de julho de 2024 há outras efemérides: a do encontro do MFA da Guiné no mato do Oio com o PAIGC de Conacry, no contexto da sua manobra da capitulação militar; e a Lei 7/74 da Descolonização, que Freitas do Amaral explicitou e o general Spínola promulgou… A Quarta Comissão da ONU havia atestado a sua semana de vilegiatura pelos 2/3 da Guiné libertados e que o PAIGC os governava como Estado aos seus pares de Nova Iorque, o MFA não encontrou ninguém dele em Bissau, aquele partido armado era tão prestável para os encontros a tiro e aquele partido-armado demorou duas semanas a disponibilizar um delegado e em Morés, - sítio indelével na minha memória, foi uma operação de dar e levar muita porrada, escorraçamos uma grande manada de vacas, os jatos F84 (ou 86?) matavam-nas à rajada e nós varejávamos as laranjeiras com os canos das G3, o inimigo foi expropriadas das laranjeiras, mas aquelas rustáceas do Morés ainda esperam que cumpramos as ordens aéreas e terrestres do seu abate à catana ou com fogueiras aos pés.

As respetivas manifestações recomendam parcimónia, deixemos Salazar, Caetano, Tomás e os outros estar bem mortos, a paráfrase da cantautora Ana Lua Caiano tanto serve a razão como o erro. A antropologia política e social à parte (é bicicleta do Luís Graça), chamo os consequentistas à colação: o 25A foi um acontecimento de libertação, o MFA foi o ator principal da segunda maior derrota dos 800 anos da História de Portugal (a primeira foi em Alcácer Quibir), o 25 de Novembro da maioria foi o 25 de abri-2 para todos, todos, todos!

_____________

Nota do editor

Último post da série de 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

sábado, 13 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25740: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte VIII: Cufar, no tempo do Manuel Luís Lomba (1965), do Armindo Batata (1970) e do Luís Mourato Oliveira (1973)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > Pel Caç Nat 51 > s/d (c.1970) > A pista de Cufar

Fotos (e legenda): © Armindo Batata (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Foto nº 2> A antiga pista de Cufar, usada pela Força Aérea Portuguesa durante a guerra colonial (1961/74). Posto de sentinela do tempo da CART 2477 (Cufar, 1969/71). (**)

Fotos (e legenda): © Martin Evison  (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > 1973 > Fonte com bomba manual de volante com roda de balanço... Vinho empo do colono cabo-verdiano, grande produtor e comerciante de arroz, Álvaro Boaventura Camacho que terá cedido estas instalações (incluindo o aeródromo) à administração do território, com o início da guerra. Ainda se vêm em Portugal em muitas terras da província. Era uma tecnologia que se vulgarizou no séc- XIX:
Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

1. Mensagem enviada,  ao Armindo Batata, pelo editor LG, com data de 18/06/2024, 17:09

Armindo: Aqui tens mais um poste sobre o teu Pel Caç Nat (ou só Pel Caç 51, como vem nos livros da CECA sobre a atividade operacional) e sobre Cufar com algumas das tuas fotos de Cufar "reeditadas" e legendadas. (***)

Toda esta zona (Catió / Cufar ) era o grande celeiro da Guiné, com as melhores e maiores bolanhas... Os balantas de Mansoa começaram a emigrar para aqui, nos anos 20/30, expulsando para as florestas-galeria do Cantanhez "os donos do chão", os nalus, hoje minoritários... Mas também vieram chineses de Macau,  deportados da metrópole, colonos de Cabo Verde... (O contributo dos chineses de Macau, no início do séc. XX, foi decisivo para  o desenolcimento e o sucesso da cultura do arroz, no sul da Guiné, segundo o António Estácio,1947-2022)

O dono de Cufar era o "ponteiro, cabo-verdiano, Álvaro Boaventura Camacho, que nos anos 30 conseguiu uma importante concessão de terras...Era um grande produtor e comerciante de arroz. A fábrica de descasque era dele... 

Tinha uma pista de aviação, ao que parece. Terá cedido ou alugado tudo à tropa no início da guerra... Sabes algo mais sobre ele ? 

Cufar, como sabes, era a "Bissalanca do Sul", com uma pista de aviação, alcatroada com 2,2 km de comprimento... O António Graça de Abreu escreveu bastante sobre Cufar, esteve lá de meados de 1973 até abril de 1974, no CAOP1 (que já não é do teu tempo)...

"Mantenhas". Vamos estando em contacto... e recuperando memórias destas nossas subunidades africanas... de que, infelizmente, "não reza a história"! (Não têm "fichas de unidade", nos livros da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África)

PS1- Tens alguma ideia do alferes que foste render ? Provavelmente nem o conheceste... O primeiro comandante, como te disse, era o João Perneco (Guileje, 1966/68), que será alentejano...Já publicámos há dias uma foto de grupo dele..

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25654-elementos-para.html

E do teu 1º cabo trms, que sabia latim e grego, o José Maria Martins da Costa, autor do "Silvo da Granada" ? Tens alguma notícia dele ? Deve viver no Porto...

PS2 - O teu Pel Caç Nat 51 continuava em Cufar (em 1 de julho de 1971 e 1 de julho de 1973).



2. Resposta do do Armindo Batata 

Data - 1/7/2024, 17:08

Caro Luís Graça


Puxando pela memória, surge de facto o tal Camacho. Passou por Cufar quando eu lá estive, i.e., em 1970, tendo viajado em avião civil. 

Na altura perguntei de quem se tratava e a resposta que obtive foi a de que era o dono de Cufar, das instalações que ocupávamos e defendíamos, a quem o exército pagava renda. Recordo-me que foi resposta mais do que suficiente para voltar as costas e continuar com o que estava a fazer.

O alferes que me rendeu, nos últimos dias de dezembro de 1970, foi o Manuel Rosa. Creio não estar enganado no nome, até porque conheci-o na metrópole onde estive de férias,  no final da minha comissão, tendo regressado quando me faltava cerca de um mês para completar os 24 meses. 

O pai dele tinha uma loja de pneus na Rua São Filipe Neri, em Lisboa,  e almocei com ele e a família numa casa que eles tinham em Dona Maria / Belas. Imagina o quanto constrangedor foi aquele almoço, em que todos queriam saber "coisas" sobre o local para onde ele ia.

Quanto ao 1º cabo de transmissões José Maria Martins da Costa, sabia que ele tinha sido seminarista mas pouco mais soube. 

O cabo de transmissões, assim como o maqueiro, eram incorporados na escala de serviços da companhia para as saídas, o que limitava bastante os contactos e relacionamento, que em Guileje eram mais frequentes precisamente por sairmos menos do que em Cufar. 

O que retenho sobre ele não tem interesse algum para esta recuperação de memórias que em boa hora iniciaram. Quanto ao livro (o "Silvo da Granada"), de que nunca tinha ouvido falar, vou tentar encontrá-lo.

Abraço, 
Armindo Batata

Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, 
Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu” 
 (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, 
Barcelos, 2012). Uma batalha 
de meses, que começou 
em 20/21 de dezembro de 1964
 (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç).  
 


3. Comentário do Manuel Luís Lomba ao poste P18074 (**)
[ O Manuel Luís Lomba foi fur mil cav, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor de "Guerra da Guiné: a batalha de Cufar Nalu", 2012; membro da Tabanca Grande desde 17 set 2012].
 
Olá, Luís  (Oliveira):
Antes da guerra, Cufar seria o principal centro da produção arrozeira do chamado celeiro da Guiné - Catió e Cacine. O edifício da vossa "intendência" era o que restava da moderna fábrica de descasque de arroz, que pertencera ao cabo-verdiano de origem madeirense Álvaro Boaventura Camacho

O abrigo subterrâneo parece dos escavados por nós (em 1965). A bomba de picota também é desse tempo. 

A pista de Cufar era a segunda maior da Guiné, inaugurada em 1958 pelo PR  General Craveiro Lopes, na ocasião da inauguração do aeroporto/aeródromo da base de Bissalanca, transitado de Brá (futuro aquartelamento da Engenharia, dos Comandos, dos Adidos e futuro Ministério das Obras Públicas da República da Guiné-Bissau).

A nossa subunidade (CCav 703) ocupou Cufar: a fábrica e a povoação estavam totalmente destruídas, por acções de guerra, entre Janeiro e Março de 1965, em operação de "intervenção às ordens do Comando-chefe"; em Dezembro de 64 participara na operação à mata de Cufar-Nalu e em Maio de 65 foi recorrente na operação que limpou essa mata, pelo desempenho decisivo da CCaç 763, do camarada Mário Fitas, que nos havia rendido na ocupação de Cufar. 

Nessa altura, a base de Cufar Nalu do PAIGC era comandada por Manuel Saturnino Costa, que virei a conhecer pessoalmente como ministro das Obras Públicas de consulado de 'Nino' Vieira e que chegará a seu Primeiro-ministro, ainda vivo, creio eu, - os meus votos da melhor saúde. [ Nascido em 1942, em Bolama, morreu em Bissau, em 2021, aos  78 anos: era irmão do Vitorino Costa].

Falei há dias com o ex-alferes Ramos Sequeira, julgo que foi o último comandante do pelotão de canhões s/r de Cufar 
[Pel Canh s/r 3079 ?] , recentemente regressado da visita a Cufar, que me disse: "Cufar encontra-se destruída e abandonada, os seu campos de arroz não foram recuperados, o capim vai até à pista de aviação que, do seu contributo à guerra da Guiné, passou a contribuir para a sua desgraça".

E como o blogue me permite, informo-te que sou autor de um livro centrado em Cufar e na mata de Cufar Nalu.

Ab. Manuel Luís Lomba
_________________

Notas do editor:


quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25085: Operação Razia: sector S3, Catió: conquista da base de Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965, com a participação das CCAÇ 617, 763, 764 e CCAV 703


Foto nº 1 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 15 de maio de 1965: embarque em NRP


Foto nº 2 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: tiro de morteiro 60


Foto nº 3 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: objetivo conquistado

Fonte: CECA (2014), pp. 315/316

1. Sobre a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue(*). Traduziu-se numa dura batalha em que  o PAIGC sofreu um grande revés. Transcreve-se um certo do livro da  CECA (2014) sobre a atividade operacional no CTIG (até ao fim do ano de 1966):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação Razia, com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o lN opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a base de Cufar Nalu, no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o lN estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. 

O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens; a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito difícil a sua localização." (...)

Texto e fotos: Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 314/316.



Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu”  (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, Barcelos, 2012). Uma batalha de meses, que começou em 20/21 de dezembro de 1964 (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç).  Ver aqui a  nota de leitura feita pelo Beja Santos.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de  Cufar, Cufar Nalu, Rio Cumbijã, Boche Mende e Bedanda

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


2. Comentário do editor LG:

A sinopse feita pela CECA (2014) estaria incompleta. No poste P16512, o nosso camarada Mário Fitas escreve:

(...) "15 de maio [de 1965]. Há que efectuar a denominada "[op] Razia”. Reforçada com a milícia do João Bacar Jaló em cooperação com as CCAÇ 728 e CCAÇ 764, a CCAÇ 763,  lança-se na operação que tem como objectivo a conquista e destruição do mítico acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. "(...). 

O Mário Fitas acrescenta participação da milícia do João Bacar Jaló e da CCAÇ 728, e por outro lado omite a CCAÇ 617.

(...) "Ocupando posições, a CCAÇ 764 do lado norte na estrada para Bedanda a nascente barrando o caminho de Boche Mende fica a CCAÇ 728, na orla a sul da mata a CCAÇ. 763, inicia a batida tendo como eixo o caminho que conduz à ex-tabanca de Cufar Nalu, com o 3.º Grupo de Combate em primeiro escalão, seguido do 2.º Grupo intercalando com o grupo de Comando e o João Bacar Jaló com o seu pessoal e o 1.º Grupo cobrindo a retaguarda, a CCAÇ [763] começa a progressão lenta e atentamente.

"Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa". (...)

Por outro lado, há que ter em conta que estas conquistas de terreno, num guerra de guerrilha e contra-guerrilha, eram sempre "voláteis" e "efémeras"... Já antes em 16Ago64, se tinha realizada a Op Bornal com forças das CCaç 557, 617 e 4.ª CCaç:

(...) " O ln ofereceu resistência à penetração das NT na mata de Cufar Nalu, causando 1 morto e 2 feridos; emboscou 2 GComb da CCaç 557 na estrada Catió-Batambali, próximo do cruzamento de Cufar, quando se procedia à limpeza do itinerário (30 abatizes levantados), tendo sido posto em fuga pela reacção das NT; o ln sofreu 11 mortos, além de outras baixas não estimadas." (CECA, 2014, pág. 266).  

E em 20 e 21Dez64, haverá outra operação, a Op  Ferro, "com forças das CCaç 617 e 728, CCav 703 e 43 CCaç na mata de Cufar Nalú, apoiadas pela FA. O ln flagelou as NT fazendo 3 feridos e sofrendo 2 mortos e 1 prisioneiro; emboscou forças da CCaç 728  na parte sul da mata, causando 5 feridos às NT" (ECA, 214, pp. 267/268).
____________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente

(...) Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. (...)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente



Fonte: OLX  > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guiné-bissau-car (o anúncio ainda lá estava esta manhã) (reprodução com a devida vénia...)


1. Segunda e última parte de um texto relativo a um maço de cerca de 4 centenas de aerogramas que apareceram recentemente no OLX para venda. O vendedor fez uma  oferta de 470 € ("negociável). É do Porto, Campanhã.

Escrevemos (*): 

"É chocante ver este maço de aerogramas vendido em leilão "on line", ao desbarato. Foram escritos por uma camarada nosso, José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso camarada Mário Fitas, e que teve um intensa atividade operacional no sul da Guiné. (Tem, de resto, mais de 70 referências no nosso blogue.)" 

Afinal, o lote ainda estava "on line" esta manhã (para o caso de haver algum comprador interessado...), não tendo por isso mudado de dono. (Quando mudar, que fique ao menos em boas mãos.)

Em todo o caso, convém referir que todos os aerogramas que escrevemos, durante os anos de 1961 a 1975, a terceiros (esposa, noiva, namorada, madrinha de guerra, pais, irmãos, amigos, vizinhos, colegas,  camaraadas, etc.) não nos pertencem. Nem, na maior dos casos, sabemos agora por onde param.

Há, por isso,  sempre o risco de ver a nossa vida íntima daquele tempo, na "praça pública", no OLX, na Feira da Ladra (Lisboa), na  Feira da Vandoma (Porto), nos antiquários, nos alfarrabistas, nas redes sociais, etc.

Os nossos aerogramas podem ter (e têm) interesse documental, do ponto de vista das ciências sociais e humanas (da linguística à história, da etnologia à sociologia, etc, ). Por isso, fica aqui mais um apelo para tentarmos recuperar, salvar e fazer a sua doação ao Arquivo Histórico-Militar. (Mas os nossos leitores podem também mandar cópia digital de alguns, de maior interesse, para publicação no nosso blogue, que é de todos. )

Segue-se, a título meramente ilustrativo, didático ou pedagógico, a reprodução de três excertos de um ou ou mais dos aerogramas acima referidos, a partir da amostra que o vendedor facultou no OLX (que, como é sabido, é uma empresa global de comércio eletrónico, sediada em Amsterdam, Países Baixos, fundada em 2006, está presente em cerca de meia centena de países; publica anúncios classificados na Internet, em geral oferta de coisas em segunda mão, desde livros a mobiliário).

2.  Desconhecemos quem é a destinatária destes aerogramas, tal como não sabemos a identidade do remetente... Pelo teor dos mesmos (ou dos escassos fragmentos de que dispomos),  a destinatária é uma jovem rapariga, menor, de 18/19 anos, namorada ou madrinha de guerra do nosso "Lassa", ex-1º cabo radiotelegrafista, que fez a guerra em Cufar, região de Tombali, entre 1965 e 1967. Era alguém das relaçóes próximas do remetente, vivendo com os padrinhos deste...

Com a 4ª classe de escolaridade (naquele tempo), o nosso "Lassa" evidencia uma boa  caligrafia, escreve com desenvoltura, com um estilo onde se reconhece facilmente a  oralidade dos meios rurais (talvez nortenhos). Tivemos que recorrer aos parênteses retos para recuperar uma ou outra palavra cortada nas imagens. Um ou outro erro ortográfico ou de gramática também foi corrigido por nós. Mas, no essencial, fizemos questão de manter a pontuação e a ortografia originais. O autor fala da sua vida como operacional (os radiotelagrafistas saíam para o mato mas ele também era "eletricista" no qurtel de Cufar, ainda sem luz!) e das suas relações  com a sua correspondente (e confidente). No primeiro fragmento (aerograma datado de Cufar, 17 de maio de 1965)  há uma breve mas dramática  descrição da Op Razia (Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965) sem, todavia, mencionar o seu nome (mas  só pode ser esta).

***
Cufar, 17 maio 1965.

Meu Amor:

Ao principiar este, faço votos para que os padrinhos se encontrem de óptima saúde, que eu, com a graça de Deus, cá vou andando.

Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. Mas também, mais dia menos dia, veremos (…)

***

(...) Sinceramente, não gosto disso, mas tu é que sabes o que queres e, além disso, já vais fazer 19 anos. Espero também agradecer-te os aerogramas que dizes me vais mandar. Para a próxima vez já não volto a pedi-los a meu pai para ele não te dizer nada. Julgo que, embora o meu pai não [pudessel] ainda havia mais pessoas em casa para os mandar. Mas o meu pai é destas graças.

Também já me esquecia de te agradecer a tua foto que me tinhas prometido. Embora ainda não tivesse chegado, agradeço-te na mesma. O meu oferecimento continua de pé. Quando receber uma fotografia [tua], envio duas minhas. Sem receber nenhuma, também não te mando.

Quanto ao aerograma que me mandaste, o que até tinha umas linhas a “VERMELHO”, ainda não o li nem sei quando terei paciência para o ler. No entanto, está aqui de lado para quando eu tiver disposição.

Junto te envio uma pequeno cartão de aniversário, já que não pode ser melhor. Faço votos para que esse dia para ti seja feliz, e te decorra da melhor maneira na companhia de familiares e amigos. Desculpa não te mandar uma minha de prenda, mas como tu também não te importas de fazer, acho que não vale a pena eu fazê-lo. Por agora (…)

***

(...) É certo que tenho algumas vezes que sou eu que, com esta vida, não tenho [paciência] nem cabeça para escrever. Ainda esta semana o tempo que tive […], foi a mesma coisa, pois eu presentemente tanto sou radiotelegrafista como sou também electrecista. Como aqui não há luz, eu é que tenho andado a montar [a rede], mas esta semana já chega uma equipa de engenharia para me auxiliar nestes trabalhos. Entretanto, eu cá vou me desenrascando […], e é também uma maneira de passar melhor o tempo.

Aém disso, que não é tudo [?], ainda tenho as saídas para o mato que, apesar de eu já ter feito sete, com a [graça] de Deus tudo tem corrido da melhor maneira e na minha companhia ainda não temos nenhum ferido, pois também ainda não tivemos nenhum ataque.

Mudando agora de assunto e dizendo-te antes que me fizeram aqui um concurso para atribuir um nome à nossa cantina. […] Quando,  ao fim de um mês, se foram ver os nomes, fui eu que ganhei, com o nome de “GUERRA E PAZ”. Ainda não recebi o prémio, segundo dizem parece ser uma cerveja, o que é sempre melhor que [nada].

Quero desde já perguntar de como vai  ultimamente a saúde da madrinha, já está melhor, já pode comigo ao colo? Isso é que é preciso, para quando eu aí chegar ela me levantar ao ar. 

E tu, amor […]

(Seleção, revisão / fixação de texto, parênteses retos: LG.)

(PS - Perdi uma manhã inteira a fazer este poste, no mínimo foram 6 horas de trabalho intenso; a escrita dos aerogramas teve de ser lida, com lupa (!), ditada para o gravador do meu PC, que processou depois o texto, e que eu tive naturalmente de rever; os robôs ainda não fazem blogues, mas é só uma questão de tempo e nessa altura reformo-me mais o Carlos Vinhal.)


2. Comentário do editor:

A operação aqui referida é a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue a esta dura batalha em que o PAIGC sofreu um grande revés (**):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação "Razia", com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o ln opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a "base de
Cufar Nalu", no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados
vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o ln estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens;
a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito
difícil a sua localização." (...)

Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 14/315
____________


(**) Vd. postes de;

22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16512: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIII Parte: Cap VII: Guerra I: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!...

31 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10599: (In)citações (43): Recordando coisas da Guiné (Manuel Lomba)

19 de dezemb5ro de 2010 > Guiné 63/74 - P7474: Resenha histórica da CCAÇ 764 (Aldeia Formosa, Colibuia, Cumbijã, 1965/66): Pela garra se conhece o leão (Parte I) (António Clemente)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24954: S(C)em Comentários (23): João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo")




Lisboa > Fundação Calouste Gulbenkian > 11 de dezembro de 2023 > João Crisóstom,o, vencedor do Prémio Tàgides 2023, na categoria "Portugal no Mundo", uma iniciativa da All4Integrity-

Fotos: Cortesia da página do Facebook de Cristina Crisóstomo


1. Comentários recentes (*) sobre o tema, de alguns dos nossos camaradas... Os demais leitores podem também pronunciar-se (**)

(i) Eduardo Estrela  (Faro):

Houve portugueses da história recente deste país que amamos, que desobedeceram a César por amor de Deus e da humanidade. Aristides de Sousa Mendes e o general Vassalo e Silva são exemplos de homens capazes de afrontar o mal oriundo de mentes agrilhoadas e obscuras.

Bem hajam os que continuam a lembrar a integridade humana e intelectual desses homens, como é o caso do João Crisóstomo no que a Aristides de Sousa Mendes diz respeito.

A humanidade continua, cada vez mais, a precisar de vultos que se revoltem contra os poderes instituídos que espezinham, destroem, matam e reduzem a cinzas em nome de nada, os que somente aspiram a uma vida melhor. (...)
 
4 de dezembro de 2023 às 14:14 

(ii) Valdemar Queiroz (Cacém / Sintra): 

O nosso camarada da guerra na Guiné tem várias vezes me telefonado e enviado e-mails para saber como eu tenho passado da minha doença, e com o desejo de me visitar quando viesse a Portugal. Eu fico sempre muito sensibilizado com as suas preocupações, por não nos conhecermos de lado nenhum.
No último e-mail escrevi-lhe como o reconhecia, assim:

"João Crisóstomo a tua vontade de ajudar as pessoas é por seres um homem bom com sentimentos muito elevados. Tens-te como possuído por sentimentos religiosos 'amai-vos uns aos outros' para sentires essa vontade de ajudar os outros, que assim seja, não vejo a religião para outra coisa." (...)

 4 de dezembro de 2023 às 16:53 

(iii) José Câmara (Soughton, MA, EUA):

Confesso que gosto do João, da sua atitute. O telefone é a sua G3 na comunicação com os amigos. Aqui e ali, muito mais graças a ele, comunicamos. Para ele o mundo não tem fronteiras. Bem hajas João!
Abraço transatlântico.

11 de dezembro de 2023 às 01:08 

(iv) Luís Graça (Lourinhã):

João, tu mereces. Tu, o António Rodrigues e tantos outros luso-americanos que nunca esqueceram a terra que vos viu nascer.

Por certo que o júri (constituído por por personalidades que venceram o prémio nas duas edições anteriores) ficou impressionado não só com a competência, o empenhamento e a determinação que tens posto na defesa destas nobres causas, como também com a tua capacidade de mobilização e trabalho de equipa... Isto é liderança... Nada se faz sozinho, ninguém é herói solitário.

Fíco contente também por ti e pelos Crisóstomos & Crispins que te inspiram, e te deram exemplos e valores...

Afinal, quem disse que ninguém é profeta na sua terra ? Claro que Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras, não tem a mesma visibilidade de Queens, Nova Iorque...

12 de dezembro de 2023 às 08:32 

(v) António Carvalho (Carvalho de Mamaptá) (Medas / Gondomar):

Tenho muito orgulho em saber que tenho entre os camaradas da Tabanca Grande e combatente da guerra da Guiné um camarada com estes grandes méritos aqui referidos, entre outros que também terá. Parabéns, Crisóstomo, pelo que tens feito de extraordinário, nomeadamente pela causa das Gravuras do Coa e pela reabilitação e nobilitação da memória de Aristides de Sousa Mendes. (...)

12 de dezembro de 2023 às 11:12

(vi) Hélder Sousa (Setúbal): 

Caros amigos: Todas as palavras elogiosas do João Crisóstomo e das suas obras não são demais. É com grande satisfação (e orgulho "por conta") que lhe reservo toda a consideração e estima.
É verdadeiramente um "bom homem" e um "homem bom". (...)


(vii) Manuel Luís Lomba (Barcelos):

Felicitações ao João Crisóstomo, por mais esta distinção. Grande honra nossa de ter e privar com camarada desta dimensão.(...)

13 de dezembro de 2023 às 10:31 

(viii) Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos):

Ter alguém como o João Crisóstomo, que faz o favor de ser nosso amigo, é um privilégio.

Caro João, um abraço e votos de muitas felicidades.

13 de dezembro de 2023 às 18:49 

(ix) Joaquim Luis Fernandes (Leiria):

Bem merecido o prémio Tágides 2023, a João Crisóstomo!

Parabéns e muitas felicidades. (...)

13 de dezembro de 2023 às 19:47 

___________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de 

13 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24947: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - II (e última) Parte

12 de dezembro de 2023: Guiné 61/74 - P24945: João Crisóstomo, Prémio Tágides 2023 (Categoria "Portugal no Mundo"): uma vida, muitas causas - Parte I

4 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24915: (In)citações (261): João Crisóstomo, já que chegaste a finalista do Prémio Tágides (edição 2023), na categoria "Iniciativa Portugal no Mundo", esperamos que no dia 11 deste mês, na cerimónia de revelação dos vencedores, os nossos bons irãs estejam contigo e com as causas que tens defendido, com o empenho e a competência também de muita outra gente da diáspora lusófona e de outros cidadãos do mundo

(**) Último poste da série > 13  de dezmbro de 2023 > Guiné 61/74 - P24948: S(C)em comentários (22): Caçadores de Angola...

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24605: (Ex)citações (422): Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Agosto de 2023, onde nos fala do posto militar mais barato que o Exército Português tinha, o furriel miliciano, dado que enquanto cabo (miliciano) fazia de sargento e enquando furriel fazia de oficial. Quantos e quantos camaradas nossos durante a suas comissões em África completaram o tempo de promoção a segundos sargentos milicianos e só se lambravam disso no momento da passagem à disponibilidade.


Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné

O P24586 é o generativo deste escrito, a gratificação do Cherno Baldé aos furriéis, evocando as vivências na Guiné, e a foto do furriel Carlos Cunha, do furriel Abílio Duarte com criança guineense ao seu colo.

Recorrendo à Wikipédia, o termo furriel é modificação fonética do francês “fourrier”, derivado de “fourrage”, forragem em português, – era o vagomestre responsável das forragens e da palha do passadio dos muares das Companhias de Cavalaria.

O posto de furriel foi introduzido nas Companhias de Ordenanças por D. Manuel I, introduzido por D. João IV nas Tropas de Linha e extinto em 1884, pelo famigerado ministro e capitão de Engenharia Fontes Pereira de Melo. Das conversas quando jovem com o meu conterrâneo Joaquim Luís de Faria, soldado condutor de ambulâncias na Frente da Flandres, condecorado, promovido por distinção a cabo miliciano e passado à disponibilidade como furriel, guardo a memória oral que estes postos terão sido reintroduzidos pelo general Norton de Matos, no contexto da nossa participação na I Guerra Mundial. Sem recurso a fontes, a reintrodução do posto furriel pertencerá a esse nosso vulto histórico, salvo erro ou omissão.

Relembrando que a classe dos praças - os básicos e os cabos -, foram os mais explorados do Exército Português, deixo a dimensão da exploração militar e laboral de cada um ao juízo dos meus camaradas. As matérias e metodologias da instrução, a capacitação, eram comuns aos cursos e instrução de sargentos e oficiais milicianos – os dois volumes do Manual do Oficial Miliciano o seu livro único – a escolaridade formal era a sua discriminação: o 2.º ciclo dos liceus e equivalentes alçava a soldado instruendo do CSM, o 3.º ciclo dos liceus alçava a cadete do COM.

Os soldados instruendos do CSM saíam promovidos a cabos milicianos, passavam a desempenhar todos os serviços de sargentos e até dos oficiais subalternos, mas o pré de praças a sua remuneração, as ementas da messe de sargentos a sua única regalia; os cadetes instruendos do COM saíam promovidos a aspirantes a oficiais, remunerados com soldo de oficiais e as mesmas sinecuras.

A tropa ou não tinha ou o elevador social não funcionava, em matéria de serviço, a nivelação feita por cima. Os cabos milicianos eram investidos nos desempenhos dos praças, dos sargentos e até dos oficiais subalternos, eram pau para toda a obra, os aspirantes e alferes milicianos eram elitizados, longe de investidos no desempenho dos praças e dos sargentos…

Saí do CISMI promovido a cabo miliciano, fui colocado no RI 13, Vila Real, até à chegada do seu comandante, um reprovado da Academia Militar e passado a aspirante miliciano, comandei todo o mês de janeiro de 1964 um pelotão de cerca de 90 recrutas e a sua instrução, maioritariamente analfabetos, coadjuvado por outro cabo miliciano de Lamego e por dois cabos RD – um deles paciente do stress pós-traumático, sofrera as agruras de Nambuangongo -, estudava e cumpria as respetivas fichas e respondia ante o comandante da Companhia, capitão Carrapatoso – eu ganhava 90$00/mês, o aspirante veio ganhar 1.800$00/mês.

Mobilizado para a Guiné, era o ”mais antigo” da Companhia – diferença de duas décimas do saudoso Manuel Simas – substituí os outros furriéis operacionais e os alferes nos seus impedimentos - começara por substituir o vagomestre logo que chegamos e acabei a comissão a substituir o comandante do destacamento da Ponte de Camajabá, entre Buruntuma e Piche.

Em Buruntuma havia um grupo de milícia nativa com o efetivo de pelotão, comandado por um alferes de 2.ª linha fula, fui nomeado comandante dele, fui selecionador de outro grupo de igual efetivo e seu instrutor, o Manuel Simas foi mandado para meu adjunto – dois militares brancos com as divisas de furriel, comandavam dois alferes fulas de 2.ª linha, com galões de alferes…

A burro que muito anda, nunca falta quem o tanja. Como já abordei a relação histórica do posto furriel-cavalo, acrescento o provérbio popular da revolta do burro, analógico à nossa prestação militar: “burro para a azenha, burro para a lenha, burro para a eira, burro para a jeira e burro para a feira – irra de tão burro!”

Para terminar registo um nosso camarada histórico – o Zé do Telhado! E que os furriéis foram as vértebras da “coluna” do 25A74.

Honra aos Furriéis!...

____________

Nota do editor

Último post da série de 13 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24553: (Ex)citações (421): Vivendo na Suécia há já quase meio século, com família sueca, há muito que compreendi não existirem paraísos... Mas, atenção!, os suecos estão longe de serem ingénuos caçadores... de borboletas (José Belo, Suécia)