Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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quinta-feira, 1 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26749: Parabéns a você (2371): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuna, 1964/66)
Nota do editor
Último poste da série de 29 de Abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26740: Parabéns a você (2370): Giselda Pessoa, ex-Sargento Grad Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1972/74)
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025
Guiné 61/74 - P26479: As nossas geografias emocionais (41): Café Bento / 5ª Rep: excertos de postes e comentários - Parte I: E tudo o vento levou.... [ Luís Graça / Jaime Machado / Patrício Ribeiro / Oliveira Miranda / Hélder Sousa / Virgínio Briote / Manuel Luís Lomba / Virgílio Ferreira / José Pardete Ferreira (1941 - 2021) ]
Guiné > Bissau > s/d (c. fev / abril de 1970) > Início da Av da República... O polícia sinaleiro que regulava o "trânsito" de Bissau, e, do lado direito , vê-se a bomba de gasolina que na época era da Shell (no letreiro falta-lhe uma letra, um "l"). Tapada pelo arvoredo, a esplanada do Café Bento. É a melhor foto que temos, até agora, no blogue sobre a localização da 5ª Rep.
Foto do belíssimo álbum do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852)
Foto (e legenda): © Jaime Machado (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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1. Alguns excertos de postes e comentários sobre o Café Bento / 5ª Rep:
O Café tinha o nome do seu proprietário. Há camaradas (Victor Tavares) e amigos (Lucinda Aranha) que chegaram a conhecer o senhor Bento. Vivia para os lados de Coimbra e teria uma filha médica. Mas não sabemos quando deixou a Guiné, nem em que circunstàncias, muito provavelmente por altura da independência.
O edifício, de um só piso, com uma ampla esplanada coberta de árvores, no início da antiga Avenidade da República, foi demolido. Do seu lado direito, tinha o edifício, de arquitetura colonial, dos anos 50, que era a sede da administração civil (e, depois da independència, passou a ser tribunal e tesouraria das finanças).
O Patrício Ribeiro, empresário, que vive em Bissau desde 1984, diz que já não o comheceu a funcionar. Assistiu às obras para ser um novo restaurante, de arquitetura moderna, propriedade do conhecido empresário hoteleiro, Fernando Barata que tinha negócios na Guiné Bissau (Cacheu, Bijagós...) e que foi cônsul honorário da Guiné-Bisau em Albufeira, ao tempo do 'Nino' Vieira.
" Depois foi entregue a um antigo presidente, foi alugado à RTP África, até há pouco mais de um ano. De onde retirei parte dos equipamentos, para o novo edifício da Delegação da RTP no Chão de Papel." (*)
Também era conhecido com a 5ª Rep, o maior "mentidero" da cidade: era um dos nossos locais de convívio, dos gajos do mato, dos desenfiados e sobretudo dos heróis da guerra do ar condicionado. (**)
Rcorde-se que havia 4 grandes repartições militares em Bissau, no QG/CCFAG, na Amura, mas a 5ª Rep, o Café Bento, era a mais famosa, porque era lá que paravam todos os "tugas" que estavam em (ou iam a) Bissau, gozar as "delícias do sistema"; era lá que se fazia "contra-informação", de um lado e do outro; era lá que se contavam as bravatas, os boatos e as mentiras da guerra... (Sabe-se que o QG/CFAG utilizou o Café Bento para lançar a atoarda de que iria haver uma grande operação em Buruntuma em dezembro de 1972; o PAIGC seria depois surpreendido com a Op Grande Empresa, a invasão do Cantanhez).
O Café Bento ficava na esquina da Av da República (hoje Av Amílcar Cabral) (do lado esquerdo, de quem descia), com a Rua Tomás Ribeiro (hoje António Nbana) (localização assinalada a vermelho no croquis acima publicado), no início da única avenida de Bissau, digna desse nome (a que ia da marginal e cais do Pidjiguiti até à Praça do Império e Palácio do Governador).
Do outro lado dessa artéria, ficava a Casa Gouveia, que pertencia ao Grupo CUF.
No lugar do antigo edifício do Café Bento irá constuir-se um outro, de maior volumetria, e que passou a ser, mais tarda, a sede da delegação da RTP África (hoje, com novas instalações, inauguradas em 2021, na Rua Angola, 78, Chão de Papel, já fora portanto da "Bissau Vellha", a cidadezinha colonial, a do asfalto, que conhecemos e calcorreámos.
De qualquer modo, aceitemos a "bocarra": Quem nunca lá foi, ao Café Bento, não pode dizer que esteve na Guiné, ou pelo menos em Bissau (***)
Depois, tudo o vento (da História) levou...
A Casa Gouveia passou a Armazém do Povo e o Café Bento fechou por falta de cerveja, de "apanhados do clima" (que eram os clientes e bebedores de cerveja) e, claro, da matéria-prima (que era a guerra) com que se faziam combatentes, da frente e da retaguarda, heróis, cobardes, coirões, espiões, pides,"turras", bufos, etc. (Logo ali ao lado, era a Amura, a sede do QG/CCFAG, com os seus centenários poilões.)
A 5ª Rep era a "fábrica de boatos" da guerra... Também tinha como em Saigão, "djubis" que engraxavam as botas das tropa...Nunca lá puseram, felizmente, nenhum engenho explosivo...
No final da guerra, sim, haverá um atentado terrorista contra o Café Ronda (café e pensáo, uma espelunca), em 26 de fevereiro de 1974. E foi da responsabilidade do PAIGC, que quis mostrar, no 1º aniversário da morte de Amílcar Cabral, que podia atingir alvos urbanos e civis no coração da capital...
Felizmente que a incursão pela "guerrilha urbana" ficou por ali...mas foi o suficiente para causar algum alarme entre os militares e suas famílias, que viviam em Bissau... Provocou um princípio de debandada... (Resta saber se Amílcar Cabral, se fosse vivo, aprovaria este tipo de escalada da guerra, com recurso a atentados cegos, causando vítimas inocentes entre a população civil.)
O Cafe Ronda situava-se também na Av da República, um pouco mais abaixo do cinema UDIB e do lado contrário ao deste,
Quem disse que a Guiné foi o nosso Vietname ?... Era uma das bocas com que se "emprenhavam os ouvidos aos piriquitos" quando chegavam esbaforidos e sequiosos a Bissau...
(ii) Oliveira Miranda (**)
Parabéns ao editor deste comentário que me deixou emocionado, pois o café Bento era o local onde tomava a minha cerveja, chegado do hospital militar onde estava em consulta após ser ferido em combate.
Ainda revejo passados 55 anos as piruetas que os meninos faziam com a escova de de engraxar, embora ao lado via a miséria de leprosos a pedir uns pesos (moeda local).
Passado é passado, mas não esqueço a fome, peste e guerra que alguns de nós vivemos no mato. Saudações a todos os vivos e paz àqueles que já partiram.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025 às 14:45:00 WET" (....)
(iii) Hélder Sousa (***)
(...) Assim, de repente não me faz lembrar nada o "Café do Bento".
Isto porque, tanto quanto me lembro (eu frequentei alguma vezes esse café/esplanada mas não era muito assíduo, tinha a ideia que haviam por lá "muitos ouvidos") a esplanada não seria assim tão comprida mas muito mais larga. As árvores seriam de maior porte (...)
Além disso, o espaço da esplanada, entre a estrada e a edificação do "Café" era muito maior do que se vê. (...)
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 às 14:36:00 WET

(iv) Virgínio Briote (***)
Eu tive quarto em Brá, entre maio65 e 10kan67, e quando estava em Brá, ia quase todos os dias a Bissau e era frequente passar pelo Café Bento. Quando lá estava, o Solar dos 10 era mais conhecido pelo Restaurante Fonseca, onde se comia frango assado, ostras e vinhos verdes e maduros.
Entre 65/66 e a altura em que estas fotos foram tiradas não tenho dúvidas que as feições da cidade iam mudando.
A foto em questão (do Jorge Pinto, de agosto de 1974) leva-me mais para o Império (na rotunda do Palácio) e não coincide com a imagem que tenho do café Bento, cá mais para baixo, à esquerda de quem descia a Avenida.
Ainda se descia um pouco até uma pequena rotunda onde estava um polícia sinaleiro a regular o trânsito. E a seguir era a marginal e o cais do Pidjiguiti. Não posso garantir a pés juntos mas é o que retenho na memória.
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 às 19:53:00 WET
(v) Manuel Luís Lomba (***)
O nosso Batalhão de Cavalaria esteve uma ano de intervenção no no Forte da Amura , juntamente com a Companhia de Polícia Militar, a que pertencia o então alferes Mário Tomé.
A esplanada com guarda-sóis e o seu edifício não são o Café Bento: o seu edifício era apenas de um piso, muito envidraçado, as mesas e cadeiras eram pintados de verde, as suas árvores eram mais corpulentas, troco e copas.
Voltei à Guiné nos princípios da década de oitenta e a esplanada eram bombas de gasolina da Galp.
A Cervejaria Somar não existia. A restauração mais importante eram o Asdrúbal, dos frangos, e o Restaurante Tropical, do bife, ostras e verde branco de Amarante, da marca Vinhos Borges.
Lembro-me de ter na mesa ao lado o tenente-coronel Fernando Cavaleiro e outros oficiais. Dizia-se que quando descia de Farim a Bissau, a malta do ar condicionado do QG entrava em polvorosa: "Vem aí a guerra!"
Também lembro de o alferes Mário Tomé, em patrulhamento, ter expulsado da esplanada do Café Bento um primeiro-sargento que se refastelara numa cadeira, os seus calções eram largos, e os seus "pendentes", por acaso bem pretos, saíam-lhe por uma perneira.
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 às 19:55:00 WET
(vi) Virgílio Teixeira (**)
(...) Conheci muitíssimo bem o Bento. Mas até julho 69.
Depois disso nada sei. (...) Alguns estabelecimentos aqui referidos já não são do meu tempo.
Só em 1984 e 1985, voltei lá e já não conheci nada. Pois nada existia.
Tempos do caranho. Nunca mais vi um tasco aberto e o Grande Hotel estava em ruínas
Ficámos numa pensão perto da estátua do Honório, na rua Mondlane, de alguém que era amigo da dona de uma pensão aqui em Vila do Conde. (Esta pensão chama-se Manco da Areia.)
Tudo mudou muito depois do meu regresso em 1969 e depois em 1985.
sábado, 1 de fevereiro de 2025 às 01:44:00 WET
(vii) José Pardete Ferreira (1941-2021) (****)
Este livro, "O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971", publicada sob a chancela editorial da Prefácio, surge numa coleção , "História Militar" (...) que se reclama de um "conceito inovador": pretende conciliar a investigação historiográfica com a produção literária e memorialística, como é o caso deste livro do nosso saudoso camarada José Pardete Ferreira (1941-2021), que foi alf médico, no CAOP1, Teixeira Pinto (1969) e no HM 241 (1969/71).
O alferes miliciano médico João Pekoff (heterónimo criado pelo José Pardete Ferreira, ou se não mesmo o seu "alter ego") chega a Teixeira Pinto, ao CAOP, em meados de fevereiro de 1969 (pág. 30). Em Bissau, onde o seu batalhão de origem (que apostamos ter sido o BCAÇ 2861) desembarcou em 11/2/1969, deve ter estado alguns escassos dias, em trânsito, antes de apanhar uma DO-27 que o levou até à capital do chão manjaco , de qualquer modo o tempo suficiente para começar a conhecer alguns dos pontos obrigatórios do roteiro dos cafés e restaurantes da tropa...
Alguns eram obrigatórios como o café Bento, mais conhecido por 5ª Rep, junto à fortaleza da Amura onde estava instalado o QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné], com as suas 4 Rep[artições].
Era o grande "mentidero" de Bissau, onde os "apanhados do clima", vindos do mato, "desenfiados" ou em trânsito, partilhavam notícias e histórias com a malta do "ar condicionado"...
Chegados a Bissau, os "periquitos" apanhavam logo ali os "primeiros cagaços", histórias tenebrosas de Madina do Boé, de Gandembel, de Guileje, etc., aquartelamentos no mato, felizmente, longe, muito longe de Bissau e do seu "bem-bom"...
Pardete Ferreira, de cultura francófona, descreve assim a 5ª Rep, com inegável bom humor, para não dizer sarcasmo, comparanda-a com a situação de um aquartelamento do mato, Tite, na região de Quínara, perto de Bissau em linha recta, pelo que, quando era atacado ou flagelado, toda a gente ficava a saber e até a ver (pp. 54/55):
"(...) Toda a Guiné Portuguesa tinha esta classificação de zona cem por cento de risco. Naquele território, era indiferente passar calmamente uma soirée [sic] na 5ª Rep ou no aquartelamento de Tite.
"Na 5a. Rep, a arma era um copo de uma beberagem qualquer, que ia aquecendo na mão e que ia sendo municiada periodicamente. O único risco era constituído pelos perdigotos, por vezes sólidos estilhaços de mancarra, que o companheiro de conversa lançava, aproveitando o estar longe do interface do corpo a corpo.
"Em Tite, que se situa mesmo em frente da 5ª Rep, do outro lado do Geba [, na margem esquerda], apenas a alguns quilómetros à vol d'oiseau [sic], a arma que se tinha na mão era das verdadeiras, daquelas que matam.
"Aquela cómoda sala do QG [Quartel General], no teatro operacional, dava lugar a um abrigo onde o combate mordia. No QG, pelo barulho podia adivinhar-se que Tite estava seguramente a embrulhar, podendo ver-se as cores das balas tracejantes e ter uma ideia da intensidade do assalto,pela quantidade e duração do fogo de artifício.
"Na 5ª Rep, assistindo-se ao espetáculo, beberricando um whisky ou despejando rapidamente uma mulher grande [ basuca ?], quase sem tempo para descascar a mancarra acompanhante, estava-se exactamente dentro dos limites do mesmo Teatro Operacional da Guerra. Todo o pedaço daquela terra era território de guerra. O risco tinha uma graduação muito relativa, embora fosse sempre uma probabilidade.
"Não se fizeram operações de black out [sic] como treino para a remotíssima hipótese de um ataque dos MiGs da Guiné-Conacry ? Houve quem dissesse que afirmar isto era um verdadeiro disparate, na medida em que os MiGs de Conacry eram de um modelo tão antigo que. se atacassem Bissau, teriam que pedir o favor de ser reabastecidos em combustível no aeroporto de Bissalanca, a fim de poderem regressar à sua base de partida" (...).
Estes excertos vão inseridos na série "As nossas georgrafias emocionais" (**).
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 4 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26459: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (53): O antigo Café Bento já não é do meu tempo, e foi vítima do "bota-abaixo"...Foi remodelado e até 2023 estave lá instalada a delegação da RTP África
(**) Vd, poste de 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26461: As nossas geografias emocionais (40): A Casa Gouveia e o Café Bento num conhecido postal da época, da coleção do Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74)
(***) Vd. poste de 31 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26443: Fotos à procura de... uma legenda (192): Bissau, agosto de 1974: qual a mais famosa esplanada da cidade ? Café Bento ou cervejaria Solmar ? E esta foto é da 5ª Rep ou da Solmar ?
(****) Vd. poste de 23 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
Guiné 61/74 - P25886: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte V: "Colaboracionista" ? (Manuel Luís Lomba, autor de "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", 2015)
1. Escreveu o Manuel Luís Lomba, autor de "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu" (Barcelos, 2014); ex-fur mil cav, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66):
(...) A Operação Tridente, acontecida há quase 60 anos, foi a primeira grande manobra da Guerra da Guiné, o BCav 490 os seus actores principais, as ilhas do Como, Caiar e Catunco o seu palco, foram 72 dias de combates na mata e em campo aberto.
A segunda grande manobra foram as Operações Campo, Alicate I e II, a CCav 703 os seus actores principais, o seu palco foi Cufar, a sua malta escavou abrigos em todo o perímetro da sua desmantelada fábrica de descasque de arroz e viveu 63 dias como toupeiras, mais sob a terra que sobre a terra.
A Operação Tridente, entre janeiro e março de 1964, foi a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre aquelas três ilhas, então a “República Independente do Como”, proclamada por Nino Vieira, abandonadas em 1962 pelo fazendeiro Manuel de Pinho Brandão, originário de Arouca (constava que passara a fornecedor do PAIGC).
As operações “ Campo”, “Alicate I, II,´” e “Razia”, entre dezembro de 1964 e maio de 1965, foram a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre a “área libertada” de Cufar, começada com a
ocupação da tabanca e das ruínas da fábrica de descasque de arroz, abandonada pelo fazendeiro Álvaro Boaventura Camacho, madeirense originário de Cabo Verde (patrão e o “passador” para Conacri do então alfaiate e futebolista Bobo Quetá), continuada com a expugnação da base da mata de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino Costa, ora aumentada e reforçada com a força retirada do Como, consolidada em 15 de junho pelas CCaç 763, 764 e 728 (Operação Satan?). (...) (*)
2. Comentário do editor LG:
Gostava de saber se o nosso querido amigo e camarada Manuel Luís, o nosso "alcaide de Faria" (última reincarnacão...), tem mais alguma informação adicional sobre estes dois grandes comerciantes e proprietários do sul da Guiné, o Manuel de Pinho Brandão e o Álvaro Boaventura Camacho. Como outros colonos, ficaram com a fama (e se calhar o proveito) de terem sido "colaboracionistas"...
Um era o dono da ilha do Como, o outro o patrão de Cufar... O que lhes terá acontecido com a guerra e a depois da guerra, se é que chegaram ao "fim do filme" ?... Ambos terão feito fortuna com o arroz... dos balantas.
Já se escreveram coisas provavelmente fantasiosas sobre o Manuel de Pinho Brandão (**)... Não sabemos como nem quando chegou à Guiné, nem muito menos quando e onde morreu..
Em 1964 correu um processo de expulsão de dois homens, de apelido Pinho Brandão... Um deles pode ser o nosso Manuel de Pinho Brandão e o outro pode muito bem também ser o seu filho Francisco ("Chiquinho" ?).
Código de Referência: PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0559/08865
Entidade detentora: Arquivo Histórico Diplomático. (Negritos nossos)
Nota do editor:
(*) Vd. 29 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)
(**) Último pposte da série > 23 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25873: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte IV: Proprietário ou concessionário de terras ?
quinta-feira, 1 de agosto de 2024
Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)
Horizontes da Memória
Programa audiovisual de história do dr. José Hermano Saraiva, o plágio do título serve a minha liberdade de “heresias” e os meus devaneios das tardes deste verão, no disfrute dos 0,35€ diários da minha pensão de combatente...
Neste mês de julho de 2024 faz 60 anos que o Benguela, cargueiro de transporte de gado - com o currículo de navio negreiro, tinha transportado milhares de angolanos e moçambicanos para os trabalhos forçados nas roças de cacau e nas obras públicas de S. Tomé e Príncipe -, desatracou do Cais da Rocha do Conde de Óbidos cheio como um ovo, 900 militares ou carne para canhão na Guerra da Guiné (o meu batalhão mais uns pelotões independentes), partilhavam na harmonia possível os seus três porões com viaturas auto, armamento, obuses de artilharia e bombas de avião. Singrou nos caminhos marítimos de Bartolomeu Dias, Vaco da Gama, Nuno Tristão, etc., portugueses de antigamente, fomos desestivados na ponte-cais de Bissau, carregamos ao ombro o “saco-chouriço” com todos os nossos bens e o Forte da Amura foi o nosso destino.
Cumprido um ano de “intervenção às ordens de Comando-chefe”, a fazer a guerra por Bula, Morés, Talicó, S. João, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cufar, Buba, Jncassol, Porto Gole e por outros lugares menores onde o inimigo andasse, fomos parar a quadrícula de Buruntuma, tabanca fronteiriça no extremo Leste, onde sobrevivemos quase outro ano – se até aí atuamos como “tropa especial” e móvel sem o ser, de camião, de lanchas LDM e de avião Dakota, à média duma operação por semana, naquela fronteira com a GConacry chegamos a dar batalha três vezes ao dia, o inimigo abundava do outro lado, e sempre com o mesmo à-vontade, a lançar granadas de mão, a metralhar com a G3, a Breda, a bazuca, os morteiros e o canhão s/r 10,7 NATO, - é que o Domingos Ramos, comandante da Frente Leste do inimigo tinha sido nosso camarada, ele tinha tirocinado em Pequim e nós na Fonte da Telha era a nossa diferença…
A guerra é a mãe de tudo, profetizou Heráclito de Éfeso. Faz 60 anos que fomos para a Guiné, não acabamos com a sua guerra, mas a sua guerra acabou com muitos de nós, o MFA não foi gerado com esse propósito, mas nasceu come ele e realizou-o há 50 anos – acabou com a guerra da Guiné para a malta do Portugal europeu, mas legou uma ainda mais mortífera aos guineenses. Amílcar Cabral queixava-se de sermos seus ocupantes ilegais há 500 anos, os seus naturais queixam-se dos 500 anos que andamos a iludi-los…
Para nós, a guerra do Ultramar começou em 1961, para os nossos antepassados começou com a gesta do infante D. Henrique, os 500 anos da sua longevidade alimentaram-se do sangue dos homens e do coração das mulheres, a mesma classe castrense da sustentabilidade desses 500 anos foi que sustentou os 50 anos de longevidade do regime político contra o qual virou as armas – que esconjurou o regime, superou o mantra da guerra civil, que criou a via pacífica e que entregou o destino do país ao Povo são realidades e verdades históricas.
O dia 25A aconteceu “inteiro e limpo”, funcionou como catarse do stresse da guerra da Guiné, também surfei as ondas da euforias, a emergência das derivas e o desvario do PREC encurtou-me essa felicidade, li bastante sobre a guerra civil espanhola, ainda visionei prédios com o andar destruído por granadas lançadas pelo vizinho de cima, deixar em paz a caçadeira Benelli das caçadas às perdizes nas ladeiras do Douro e nas planícies do Alentejo e ter de regressar à G3 nessa contingência foi um grande pesadelo, o 25N dos corajosos foi a terapia das disfunções aos ideais do 25A e esconjurou a perda da felicidade adquirida.
As celebrações das efemérides da mudança de regime pelas armas quando exorbitantes são divisionistas, sem prejuízo de merecedoras, mas numa justa medida. O regime anterior celebrava o 28 de maio, não raro com pompa e circunstância, mas sem decreto de feriado nacional, o regime democrático tem o dever de celebrar condignamente as datas do 5 de outubro, do 25 de abril e do 25 de novembro, mas sem decretos de feriados nacionais. Para quando a celebração das datas institucionais nacionais? Estamos à espera sentados. O Norte fundou a nossa nacionalidade no Castelo de Faria, em 25 de abril de 1127, independência do reino e de Portugal foi conquistada no Castelo de Guimarães em 24 de junho de 1128, os portugueses usaram a mobilidade para a sua dilatação até Coimbra, naturalmente, Lisboa é uma das conquistas do Norte – e há demasiado tempo os conquistadores se deixaram oprimir pelos conquistados…
O 5 de outubro foi um golpe de Estado, celebra a queda do regime, a monarquia fundou e construiu Portugal ao longo de quase 800 anos, em 1910 já era constitucional e evolutiva, na esteira das monarquias inglesas e nórdicas, nações das mais avançadas do mundo. As valas da desgraça foram cavadas pela primeira República, o Estado Novo nem será o seu pior legado, o 25 de Abril foi um golpe de Estado à imagem e semelhança do de 5 de outubro, aquele foi patriótico, de reação ao ultimato inglês ao Mapa Cor-de-Rosa e este iniciou-se corporativo, de reação à equiparação dos capitães milicianos aos direitos e sinecuras da estática classe dos capitães do QP.
Neste mês de julho de 2024 há outras efemérides: a do encontro do MFA da Guiné no mato do Oio com o PAIGC de Conacry, no contexto da sua manobra da capitulação militar; e a Lei 7/74 da Descolonização, que Freitas do Amaral explicitou e o general Spínola promulgou… A Quarta Comissão da ONU havia atestado a sua semana de vilegiatura pelos 2/3 da Guiné libertados e que o PAIGC os governava como Estado aos seus pares de Nova Iorque, o MFA não encontrou ninguém dele em Bissau, aquele partido armado era tão prestável para os encontros a tiro e aquele partido-armado demorou duas semanas a disponibilizar um delegado e em Morés, - sítio indelével na minha memória, foi uma operação de dar e levar muita porrada, escorraçamos uma grande manada de vacas, os jatos F84 (ou 86?) matavam-nas à rajada e nós varejávamos as laranjeiras com os canos das G3, o inimigo foi expropriadas das laranjeiras, mas aquelas rustáceas do Morés ainda esperam que cumpramos as ordens aéreas e terrestres do seu abate à catana ou com fogueiras aos pés.
As respetivas manifestações recomendam parcimónia, deixemos Salazar, Caetano, Tomás e os outros estar bem mortos, a paráfrase da cantautora Ana Lua Caiano tanto serve a razão como o erro. A antropologia política e social à parte (é bicicleta do Luís Graça), chamo os consequentistas à colação: o 25A foi um acontecimento de libertação, o MFA foi o ator principal da segunda maior derrota dos 800 anos da História de Portugal (a primeira foi em Alcácer Quibir), o 25 de Novembro da maioria foi o 25 de abri-2 para todos, todos, todos!
_____________
Nota do editor
Último post da série de 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)
sábado, 13 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25740: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte VIII: Cufar, no tempo do Manuel Luís Lomba (1965), do Armindo Batata (1970) e do Luís Mourato Oliveira (1973)
Fotos (e legenda): © Armindo Batata (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Toda esta zona (Catió / Cufar ) era o grande celeiro da Guiné, com as melhores e maiores bolanhas... Os balantas de Mansoa começaram a emigrar para aqui, nos anos 20/30, expulsando para as florestas-galeria do Cantanhez "os donos do chão", os nalus, hoje minoritários... Mas também vieram chineses de Macau, deportados da metrópole, colonos de Cabo Verde... (O contributo dos chineses de Macau, no início do séc. XX, foi decisivo para o desenolcimento e o sucesso da cultura do arroz, no sul da Guiné, segundo o António Estácio,1947-2022)
"Mantenhas". Vamos estando em contacto... e recuperando memórias destas nossas subunidades africanas... de que, infelizmente, "não reza a história"! (Não têm "fichas de unidade", nos livros da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África)
PS1- Tens alguma ideia do alferes que foste render ? Provavelmente nem o conheceste... O primeiro comandante, como te disse, era o João Perneco (Guileje, 1966/68), que será alentejano...Já publicámos há dias uma foto de grupo dele..
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25654-elementos-para.html
E do teu 1º cabo trms, que sabia latim e grego, o José Maria Martins da Costa, autor do "Silvo da Granada" ? Tens alguma notícia dele ? Deve viver no Porto...
2. Resposta do do Armindo Batata
Caro Luís Graça
Puxando pela memória, surge de facto o tal Camacho. Passou por Cufar quando eu lá estive, i.e., em 1970, tendo viajado em avião civil.
O alferes que me rendeu, nos últimos dias de dezembro de 1970, foi o Manuel Rosa. Creio não estar enganado no nome, até porque conheci-o na metrópole onde estive de férias, no final da minha comissão, tendo regressado quando me faltava cerca de um mês para completar os 24 meses.
Quanto ao 1º cabo de transmissões José Maria Martins da Costa, sabia que ele tinha sido seminarista mas pouco mais soube.
Abraço, Armindo Batata
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Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu” (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, Barcelos, 2012). Uma batalha de meses, que começou em 20/21 de dezembro de 1964 (Op Ferro, com forças das CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç). |
Falei há dias com o ex-alferes Ramos Sequeira, julgo que foi o último comandante do pelotão de canhões s/r de Cufar [Pel Canh s/r 3079 ?] , recentemente regressado da visita a Cufar, que me disse: "Cufar encontra-se destruída e abandonada, os seu campos de arroz não foram recuperados, o capim vai até à pista de aviação que, do seu contributo à guerra da Guiné, passou a contribuir para a sua desgraça".
E como o blogue me permite, informo-te que sou autor de um livro centrado em Cufar e na mata de Cufar Nalu.
Ab. Manuel Luís Lomba
Notas do editor:
(*) 22 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23189: Memória dos lugares (440): A antiga pista de Cufar...e uma torre de vigia do tempo da CART 2477 (1969/71) (Martin Evison, Action Guinea-Bissau, Catió e Cufar)
quarta-feira, 1 de maio de 2024
Guiné 61/74 - P25464: Parabéns a você (2266): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuna, 1964/66)
Nota do editor
Último poste da série de 29 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25456: Parabéns a Você (2265): Giselda Pessoa, ex-Sarg Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1972/74)
quinta-feira, 18 de janeiro de 2024
Guiné 61/74 - P25085: Operação Razia: sector S3, Catió: conquista da base de Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965, com a participação das CCAÇ 617, 763, 764 e CCAV 703

"Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa". (...)
17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente
Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.
As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.
Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los]. Estivemos assim uma boa hora que para nós [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].
Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.
Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.
Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. (...)
quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente

Fonte: OLX > https://www.olx.pt/d/anuncio/aerogramas-guerra-colonial-frica-ultramar-cufar-guiné-bissau-car (o anúncio ainda lá estava esta manhã) (reprodução com a devida vénia...)
Meu Amor:
Ao principiar este, faço votos para que os padrinhos se encontrem de óptima saúde, que eu, com a graça de Deus, cá vou andando.
Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.
Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.
As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.
Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los]. Estivemos assim uma boa hora que para nós [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].
Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.
Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.
Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. Mas também, mais dia menos dia, veremos (…)
Também já me esquecia de te agradecer a tua foto que me tinhas prometido. Embora ainda não tivesse chegado, agradeço-te na mesma. O meu oferecimento continua de pé. Quando receber uma fotografia [tua], envio duas minhas. Sem receber nenhuma, também não te mando.
Quanto ao aerograma que me mandaste, o que até tinha umas linhas a “VERMELHO”, ainda não o li nem sei quando terei paciência para o ler. No entanto, está aqui de lado para quando eu tiver disposição.
Junto te envio uma pequeno cartão de aniversário, já que não pode ser melhor. Faço votos para que esse dia para ti seja feliz, e te decorra da melhor maneira na companhia de familiares e amigos. Desculpa não te mandar uma minha de prenda, mas como tu também não te importas de fazer, acho que não vale a pena eu fazê-lo. Por agora (…)
(...) É certo que tenho algumas vezes que sou eu que, com esta vida, não tenho [paciência] nem cabeça para escrever. Ainda esta semana o tempo que tive […], foi a mesma coisa, pois eu presentemente tanto sou radiotelegrafista como sou também electrecista. Como aqui não há luz, eu é que tenho andado a montar [a rede], mas esta semana já chega uma equipa de engenharia para me auxiliar nestes trabalhos. Entretanto, eu cá vou me desenrascando […], e é também uma maneira de passar melhor o tempo.
Aém disso, que não é tudo [?], ainda tenho as saídas para o mato que, apesar de eu já ter feito sete, com a [graça] de Deus tudo tem corrido da melhor maneira e na minha companhia ainda não temos nenhum ferido, pois também ainda não tivemos nenhum ataque.
Mudando agora de assunto e dizendo-te antes que me fizeram aqui um concurso para atribuir um nome à nossa cantina. […] Quando, ao fim de um mês, se foram ver os nomes, fui eu que ganhei, com o nome de “GUERRA E PAZ”. Ainda não recebi o prémio, segundo dizem parece ser uma cerveja, o que é sempre melhor que [nada].
Quero desde já perguntar de como vai ultimamente a saúde da madrinha, já está melhor, já pode comigo ao colo? Isso é que é preciso, para quando eu aí chegar ela me levantar ao ar.
E tu, amor […]
(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25074: As mulheres que afinal foram à guerra (20): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas" (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso grão-tabanqueiro Mário Fitas
22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16512: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XIII Parte: Cap VII: Guerra I: 15 de maio de 1965, op Razia: a mata de Cufar Nalu agora é nossa!... Viva a merda da guerra!...