quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25085: Operação Razia: sector S3, Catió: conquista da base de Cufar Nalu, 15/16 de maio de 1965, com a participação das CCAÇ 617, 763, 764 e CCAV 703


Foto nº 1 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 15 de maio de 1965: embarque em NRP


Foto nº 2 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: tiro de morteiro 60


Foto nº 3 > Regão de Tombali > Sector S (Catió) > Op Razia, 16 de maio de 1965: objetivo conquistado

Fonte: CECA (2014), pp. 315/316

1. Sobre a Op Razia, no Sector S3 - Catió, temos várias referências no n0sso blogue(*). Traduziu-se numa dura batalha em que  o PAIGC sofreu um grande revés. Transcreve-se um certo do livro da  CECA (2014) sobre a atividade operacional no CTIG (até ao fim do ano de 1966):

(...) " Em 15Mai65, durante a operação Razia, com a participação das CCaç 617, 763, 764 e CCav 703, o lN opôs forte resistência no interior da mata de Cufar Nalu e junto ao acampamento, tendo sofrido vários mortos. 

As NT mantiveram o cerco durante a noite, tendo sido assaltada a base de Cufar Nalu, no dia 16, que acabou por ser destruída, sendo capturados vários sabre-baionetas, granadas de lança-granadas foguete, munições, carregadores, catanas e outro material de guerra. 

As NT verificaram que o lN estava disperso pela mata e empoleirado nas árvores e junto ao acampamento estava instalado em trincheiras e abrigos dispostos na periferia. 

O acampamento dispunha de 3 abrigos enterrados, com seteiras e diversos abrigos individuais. A base era constituída por 10 casas de grandes dimensões e 5 mais pequenas, servindo uma delas de enfermaria; a construção era de pau a pique, com cobertura de zinco, numa lotação total de 200 homens; a densidade da mata dava-lhe uma perfeita dissimulação e tomava muito difícil a sua localização." (...)

Texto e fotos: Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro I. Lisboa: 2014. pp. 314/316.



Capa do livro do nosso camarada de Barcelos, Manuel Luís Lomba,“A Batalha de Cufar Nalu”  (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, Barcelos, 2012). Uma batalha de meses, que começou em 20/21 de dezembro de 1964 (Op Ferro, com forças das
CCaç 617 e 728, CCav 703 e 4ª CCaç).  Ver aqui a  nota de leitura feita pelo Beja Santos.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) (Escala de1/50 mil) > Posição relativa de  Cufar, Cufar Nalu, Rio Cumbijã, Boche Mende e Bedanda

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


2. Comentário do editor LG:

A sinopse feita pela CECA (2014) estaria incompleta. No poste P16512, o nosso camarada Mário Fitas escreve:

(...) "15 de maio [de 1965]. Há que efectuar a denominada "[op] Razia”. Reforçada com a milícia do João Bacar Jaló em cooperação com as CCAÇ 728 e CCAÇ 764, a CCAÇ 763,  lança-se na operação que tem como objectivo a conquista e destruição do mítico acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. "(...). 

O Mário Fitas acrescenta participação da milícia do João Bacar Jaló e da CCAÇ 728, e por outro lado omite a CCAÇ 617.

(...) "Ocupando posições, a CCAÇ 764 do lado norte na estrada para Bedanda a nascente barrando o caminho de Boche Mende fica a CCAÇ 728, na orla a sul da mata a CCAÇ. 763, inicia a batida tendo como eixo o caminho que conduz à ex-tabanca de Cufar Nalu, com o 3.º Grupo de Combate em primeiro escalão, seguido do 2.º Grupo intercalando com o grupo de Comando e o João Bacar Jaló com o seu pessoal e o 1.º Grupo cobrindo a retaguarda, a CCAÇ [763] começa a progressão lenta e atentamente.

"Passados uns momentos pára tudo e ouvem-se vozes na mata vindo em direcção ao Grupo de Combate que seguia em primeiro escalão. Aos segundos de silêncio sucedem-se dois a três minutos de forte tiroteio. A CCAÇ 763 tinha sido desflorada para a guerra. No contacto com o IN é abatido um guerrilheiro e capturada uma pistola metralhadora de 9mm M25 com carregador e munições de origem checa". (...)

Por outro lado, há que ter em conta que estas conquistas de terreno, num guerra de guerrilha e contra-guerrilha, eram sempre "voláteis" e "efémeras"... Já antes em 16Ago64, se tinha realizada a Op Bornal com forças das CCaç 557, 617 e 4.ª CCaç:

(...) " O ln ofereceu resistência à penetração das NT na mata de Cufar Nalu, causando 1 morto e 2 feridos; emboscou 2 GComb da CCaç 557 na estrada Catió-Batambali, próximo do cruzamento de Cufar, quando se procedia à limpeza do itinerário (30 abatizes levantados), tendo sido posto em fuga pela reacção das NT; o ln sofreu 11 mortos, além de outras baixas não estimadas." (CECA, 2014, pág. 266).  

E em 20 e 21Dez64, haverá outra operação, a Op  Ferro, "com forças das CCaç 617 e 728, CCav 703 e 43 CCaç na mata de Cufar Nalú, apoiadas pela FA. O ln flagelou as NT fazendo 3 feridos e sofrendo 2 mortos e 1 prisioneiro; emboscou forças da CCaç 728  na parte sul da mata, causando 5 feridos às NT" (ECA, 214, pp. 267/268).
____________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25081: As mulheres que afinal foram à guerra (21): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) - II ( e última) parte: As agruras de um operacional de trms no mato: a Op Razia, 15/16 de maio de 1965, relatada a uma jovem correspondente

(...) Amor, o motivo de eu não te ter escrito é o facto, primeiro de ter estado novamente com febres, mas desta vez foi pior que a outra. E a outra razão é motivada por ter que ter ido fazer uma operação especial, à tal mata que já te tinha dito, [aonde ] ainda não se tinha conseguido lá ir entrar, pois os terroristas não o consentiam.

Essa operação demorou vários dias, ou seja, ao certo três dias, os quais todos nós passámos o que só Deus sabe. Mas não interessa agora o cansaço, nem o susto que apanhámos, pois não tivemos um único ferido, nem morto e conseguimos lá entrar.

As balas [choviam] por todos os lados, os morteiros e as bazucas também não se calavam, enfim, isto contado não acreditam 99% do que se passou.

Os tiros que mais medo nos metiam, e que vinham de cima das árvores, e nós não conseguíamos [localizá-los].  Estivemos  assim uma boa hora que para nós  [pareceu] toda a nossa vida, até que o fogo cessou. Depois fomos nós ao ataque, mais tiros para ambos os lados, mas eles não consentiam que se lá [entrasse].

Tivemos, então, que recuar para dar vez da artilharia fazer a sua parte de ataque. Então começaram a cair morteiros e obuses em cima do acampamento inimigo. Por sua vez, os aviões bombardeiros  [T6] começaram a bombardear também. Num curto prazo de 15 minutos a mata começou a arder por todos os lados. Tivemos que esperar que ardesse para voltar novamente ao ataque.

Não fazes uma pequena ideia como é que nós estávamos nessa altura. Mesmo debaixo do fogo, nós andávamos para a frente. Nessa altura, não se pensa em ninguém, só se pensa em frente [?] e nada mais.

Juntamente connosco, estiveram também presentes mais três companhias e a aviação. Estiveram também presentes a equipa de cinema [fotocines] para mandarem depois para a metrópole. Qualquer dia destes deves ler no jornal, até podes ver a partir do dia 17, pois nós entrámos lá no dia 16, altura em que conquistámos a mata. (...)

9 comentários:

Manuel Luís Lomba disse...

Na "Operação Razia" em 20 e 21 de dezembro de 1964, falhadas as duas tentativas de assalto, em linha de um - os feridos foram vítimas de tiro ao alvo - houve a rotação, eu passei com a minha secção para a vanguarda, recebi ordem da terceira tentativa de assalto, já levavamos 5 meses de intervenção, tinha aprendido em Tavira que numa se faz um assalto frontal (e muito menos em coluna de um! - sem forças de flanco (impossíveis, no caso). E borreguei a manobra...

Se tivesse sido um inconsciente, não estaria aqui a fazer este comentário.

O resto está registado no livro.

Abraço

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Manel Luís, lá diz o nosso proverbiário, "mais vale um camarada vivo do que um herói...morto!".

Vamos lá ver se o Mário Fitas faz também "prova de vida"... LG

Valdemar Silva disse...

Para uma acção de assalto ou golpe de mão é preciso grande disciplina.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

É um prazer reverte aqui camarada Lomba.

Ex a minha narrativa sobre o golpe de mão da minha C.Cav. 8351 – Os Tigres do Cumbijã:
Muita tarimba (já alguma competência) e muita... muita sorte.
Um abraço para todo o pessoal

“Foram mobilizados quase todos os recursos humanos disponíveis na região para o assalto final a Nhacobá, atirando por terra a ideia de que os comandos africanos não tinham encontrado nada de relevante.

Foram mobilizadas para a operação: 

(i) três companhias;

 (ii) uma equipa com duas chaimites (carros de combate anfíbios);

 (iii) dois grupos de combate de uma outra companhia de reserva no Cumbijã~;

(iv) e a artilharia de Cumbijã e Mampatã em alerta máxima. (##)

A minha companhia (CCav 8351 – Os Tigres do Cumbijã) estava incumbida de fazer o assalto (golpe de mão) com a proteção lateral de outras duas.”

Joaquim Costa

Manuel Luís Lomba disse...

Luís Graça,
O general Patton proclamava "herói não é o que morre pela sua pátria, é o que faz heróis à pátria do inimigo".

O Mário Fitas e a sua malta Os Lassas não participaram na Op. Ferro, em dezembro de 64,só serão senhores de Cufar, em março de 1965: foram render-nos na nomadização de de mais de dois meses a viver como toupeiras na quinta e nas ruínas da fábrica de descasque de arroz do sr. Boaventura Camacho, a Operação Campo. A primeira tentativa da sua expugnação foi comandada pelo Nino Vieira, comandante da Frente Sul, com sede em Quitafine, e as outras pelo Manuel Saturnino Costa, seu subordinado e comandante da base de Cufar Nalu.

De notar que a base de Cufar Nalu tinha sido o destino da retirada da malta do PAIGC, da sua "vitória" da Batalha do Como...

Os três feridos graves da Op. Ferro (o IN ficou com as suas G3) foram vítimas do tiro ao alvo, nas derrotas das duas tentativas de assalto, só possível em fila de um, sem flancos, a pista era exclusiva do inimigo...

Eu não era suficientemente tolo para tentar o assalto: encontramos a sua vala mais avançada, disse à minha malta "protejam os cornos", tomei a iniciativa varrendo a copa da árvores à rajada de G3, bendita tática do fogo de reconhecimento, o IN reagiu de cima para baixo, à rajada e granada de mão, penetráramos na sua área de defesa avançada, retiramos às arrecuas, disse ao guia para fazer uma deriva - nenhum levou nem balázio nem estilhaço e eu a poder contar a nossa saga.

O Mário Fitas e a malta de OS Lassas foram as estrelas da Operação Razia, em maio de 65.

Mas a mata de Cufar Nalu só caiu em em meados de Junho, graças à prestação dos cães militares - tema que deixo (e dsafio) para o Mário Fitas.

Um abraço, extensivo ao Valdemar Silva e ao Joaquim Costa.

Valdemar Silva disse...

Com a descrição do Luis Lomba e outra feita noutro post com mais realismo, que até ouvíamos os tiros, aqui temos mais um argumento de borla para um filme sobre a guerra na Guiné.
Que "medo" têm os nossos homens do cinema de explorar este tema, tal como fez Hollywood com a guerra no Vietname ?
Não se percebe, ou calhando haverá alguma censura de mostrar a realidade de como foi a guerra na Guiné. Pois, o ".. de mais de dois meses a viver como toupeiras.." cria problemas de consciência a alguma gentinha.

Valdemar Queiroz

Joaquim Luis Fernandes disse...

Quando li o livro do camarada Manuel Luís Lomba, Guerra da Guiné - A Batalha de Cufar Nalú, que tinha adquirido quando pela 1ª vez participei num convívio de camaradas da Guiné, neste caso, o convívio da Tabanca Grande, que teve lugar em Monte Real em 8 de Junho de 2013, eu fiquei deveras impressionado com o que fora a guerra na Guiné nos seus primórdios.
Eu tinha passado pela Guiné de Janeiro de 73 a Outubro de 74 e apesar de ter patrulhado durante 6 meses as matas ao lado da Caboiana e de ter feito muitas escoltas de Teixeira Pinto ao Cacheu e a João Landim, desconhecia o que fora e o que era a guerra.
Tenho que interromper. Voltarei mais tarde para continuar.

Até logo
JLFernandes

Joaquim Luis Fernandes disse...

Dizia, que quando deixei a Guiné a 9 de outubro de 74, eu não tinha uma ideia muito realista do que era ou fora a guerra. Sabia o pouco que se contava do que acontecera em Guidage, Guileje e Gadamael. De Teixeira Pinto ouvi algumas vezes os rebentamentos de alguns "embrulhanços" para os lados de Có e de Bula e pouco mais. Um dia escoltei o Comandante do Bat.Caç 3863 Ten.Cor. António Joaquim Correia, até Capó, onde o 2º pelotão da minha companhia tinha sofrido um emboscada do IN, nessa manhã e onde ainda havia uma viatura sinistrada pelo ataque que era necessário rebocar, penso que para o Cacheu. A missão do meu grupo foi fazer o reconhecimento da retirada do IN para a sua base na Caboiana. Ainda encontrei um carregador cheio de balas de uma simonov,(que guardei comigo e já lhe perdi o esconderijo) além de embalagens em cartão das balas. E pouco mais.

Em Brá, no Depósito de Adidos, onde esteve detido o Major Coutinho e Lima, depois de castigado com a despromoção e detenção, falámos um pouco do que tinha acontecido em Guileje, mas sem que tivesse compreendido a dimensão da tragédia. Também observei algumas vezes as marcas da guerra em alguns dos alferes da 38ªCompanhia de Comandos, que frequentavam de vez em quando o bar de oficiais dos Adidos, ali ao lado das instalações do Batalhão de Comandos.

Mas o que mais me chocava e doía era olhar para alguns dos soldados vindos do mato e em transito por Bissau, especialmente quando fazia de Oficial Dia e eles, formavam ao sol em frente ao refeitório para o almoço. Os seus olhares sofridos e tristes, alguns com marcas de ferimentos, faziam-me imaginar no seu lugar. E um dia não contive as lágrimas que tive que esconder e reprimir.

E do que passava no teatro de operações, pouco ou nada sabia.
Hoje, pelo que tenho lido, já tenho alguma informação, mas que considero ainda muito incompleta.

O que me parece claro, é que a partir de 1970, ou até antes, a estratégia da guerra passou a ter uma componente marcadamente defensiva, nada semelhante ao que se passava em 1965/66 no tempo do camarada Manuel Luís Lomba e da Batalha de Cufar Nalú.

O General Spínola percebeu depois da Op. Mar Verde, que a resolução do conflito só poderia ser alcançado pela via das negociações políticas e reorientou a sua estratégia para esse objetivo. Mas não foi fácil alcançar esse fim e com o assassínio de Amílcar Cabral, mais nada lhe restava do que retirar-se de cena. Depois foi o que sabemos, com o fim da guerra, mas mesmo assim custando a vida a muitos, antes e depois desta acabar, Como aconteceu aos camaradas Comandos na Operação Gema Opalina e nos fuzilamentos que se seguiram depois de Setembro d 74.

Abraços
JLFernandes

Valdemar Silva disse...

JLFernandes, muita gente, incluindo da nossa idade que estiveram na guerra em Angola e Moçambique, não lhes passa pela cabeça o que foi a guerra na Guiné.

Valdemar Queiroz