sábado, 13 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10529: Um artigo sobre o toque de "Silêncio" (José Martins)

1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2012, o nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos este trabalho sobre o toque de Silêncio:


O toque de Silêncio 

Há dias, não muitos, recebi um mail do meu irmão mais novo que, sempre que encontra algo do género me envia. Apenso trazia o PPS intitulado Funeral Militar, com fundo musical de um clarim, [http://www.slideshare.net/amadeuw/toque-de-silncio-funeral-militar] e enviei-o aos editores do blogue, interrogando da possibilidade de o partilhar com a Tabanca Grande.
O nosso administrador sugeriu-me que pesquisasse o tema e o desenvolvesse. Aqui está o resultado.

A peça em questão e que pode ser visionado no link acima referido, esta referida como “Taps” que tem origem no termo holandês “Taptoe”, que significa, em tradução livre, “Fechar os botequins para que a tropa volte para os quartéis”.

Foto: Wikipédia (DR)

Voltando aos slides, eles contam um acontecimento ocorrido durante a Guerra Civil Americana ou Guerra da Secessão, que ocorreu entre 12 de Abril de 1861 e o dia 9 de Abril de 1865, entre os Estados Unidos da América e os Estados Confederados da América, também conhecidos como a União contra os Confederados, ou o Norte contra o Sul. Apesar de ter terminado o confronto em Abril, ainda houve escaramuças entre os militares de um lado e outro, sendo o último tiro sido dado e 22 de Junho desse ano. Estiveram envolvidos mais de 3.000.000, sendo cerca de dois terços da união, dividindo, inclusivamente, famílias, não só pelas ideias defendidas mas pela localização dos diversos membros da mesma.

Voltando ao acontecimento referido, de que não se conhece se é um facto que existiu ou se “tem contornos de lenda”, uma vez que várias versões foram encontradas.

Robert Elly, Capitão de Infantaria do Exército da União, durante a noite quando estava no seu posto de combate, ouviu gemidos vindo para além da sua linha de defesa. Desconhecendo quem se encontrava em sofrimento, rastejou, sob o fogo das armas que se fazia sentir, chegando junto do soldado que, já tenuemente, pedia ajuda. De imediato foi arrastando o militar ferido, até regressar às suas linhas, a fim de lhe prestar auxilio. Acontece que quando chega a local seguro, apercebe-se de que arrasta apenas o corpo de um militar já sem vida.

Levado para um local onde pudessem tentar identificar o soldado tombado, verificam pela farda que se trata de um soldado confederado mas, além desse facto, Elly constata que o corpo que se encontra sob o seu olhar, mais não é que o do seu filho, que tinha ido para uma cidade do sul estudar música. Não sabia que ele se tinha alistado nas tropas confederadas.

Pede, então, ao seu superior hierárquico que o autorize a fazer um funeral militar ao rapaz, apesar de ser um inimigo da União, permitindo uma guarda de honra e a presença de músicos no enterro.

É autorizado a utilizar uma pequena guarda de honra, mas quantos a músicos só dispensava um, deixando essa escolha ao pai desafortunado.


A escolha recaiu sobre um corneteiro, a quem o pai pediu que executasse, durante a cerimónia, algumas notas musicais, encontradas num papel no bolso da farda do filho.

Assim nasceu um “toque” que passou a ser usado, quer pela União quer pelos Confederados em funerais militares, sendo oficialmente reconhecido pelo exército dos Estados Unidos da América em 1874, passando o toque a ser executado, oficialmente, em todas as homenagens a militares falecidos a partir de 1891.

Executado apenas por um corneteiro, em conjunto com outros instrumentos de sopro e percussão, ou mesmo por uma orquestra sinfónica, a base do tema é sempre executada por uma trompete.

O toque é usado, segundo o que apurei, em muitas cerimónias militares de vários países, com algumas variações, mas tendo por base a versão original. Também foram adaptadas várias letras, ao tema, sendo um deles o seguinte:

O dia terminou. 
O sol se foi dos lagos, das colinas e do céu, 
tudo está bem,  descansa protegido. 
Deus está próximo.

A luz ténue obscurece a visão, 
e uma estrela embeleza o céu, 
brilhando luminosa. 
De longe, aproximando-se cai a noite.

Graças e louvores para os nossos dias. 
Debaixo do sol, 
debaixo das estrelas, 
debaixo do céu, 
enquanto caminhamos, isso nós sabemos.

Deus está próximo.

O Toque de Silêncio, assim como as Cerimónias fúnebres variam, de acordo com os resultados da pesquisa efectuado, de país para país, mas mantendo o “Toque de Silêncio” muita semelhança.

Em Portugal, não é habito a execução deste toque, em cerimónias fúnebres militares. Não tendo conseguido obter regulamento ou normas sobre o assunto, vamos basear-nos na observação directa destas cerimónias.

Há uma força, do ramo a que pertence o militar, que varia desde a secção ao pelotão, quando se trate de oficiais ou sargentos e praças. Aqui interessa realçar, já que esta patente não existia no nosso tempo, o Sargento-mor, apesar de pertencer à classe de sargentos, tem honras de oficial.

A força colocada à entrada do cemitério, presta honras à passagem do féretro na posição de “Funeral Armas”, enquanto o comandante faz “Continência”.

Pelotão de Infantaria - Salvas de Ordenança 
© Foto inserida no post 9804 [Aqui pretendia colocar fotos, de minha autoria, durante um funeral militar, mas não as localizei no arquivo].

Logo atrás do armão, segue um ou mais militares que transportam, numa almofada própria, as condecorações e o boné ou outra cobertura em uso.

O tempo do acto seguinte varia, um pouco, pelo que gostaríamos de ter encontrado documentos que revelassem a forma das mesmas.

O acto seguinte, e final pelo que a força destroça de imediato, é a “Salva de três disparos” que acontecem assim que o carro fúnebre entre no cemitério, ou no momento em que o corpo é depositado no jazigo ou desce à terra.

Após o “Toque de Recolher”, dando o sinal de que as tropas devem regressar ao quartel, é executado o “toque de silêncio” (ou era já, que muitas normas foram alteradas) após algum tempo, dando sinal de que o dia terminou e é tempo de descansar, até ao “Toque de Alvorada”. Este descanso só “pode/podia” ser interrompido por “algo extraordinário” que acontecesse, apesar de que muitos instrutores do nosso tempo, gostavam de proceder a “exercícios suplementares, em instrução extraordinária e, sobretudo, nocturna.

Em cerimónias militares, há sempre uma parte em que são Homenageados os Mortos em Combate, quer se esteja numa cerimónia junto a algum monumento que assinale esse facto, quer em paradas militares fora do ambiente de homenagem junto a algum monumento.

Nesse acto, e após colocação de flores na base do monumento, no caso de ser esse o motivo da concentração da força, é dada a voz de “Ombro Arma” e, nesta posição é executado o “toque de Silencio, querendo significar que “alguém” adormeceu na paz que não encontrou no combate que travou.

Com a força militar em posição de “Apresentar Armas” é executado o “Toque de Mortos em Combate”, acompanhado, ou não, por uma salva de artilharia de vinte e um tiros, seguindo-se um momento de silêncio.

Retomando a posição de “Ombro Arma” é executado o “Toque de Alvorada”, como um sinal de que é possível o reencontro com os camaradas que partiram e que, os que se mantêm em serviço, tudo farão para que o seu sacrifício não tenha sido em vão.

Toques militares – endereço (DR):
http://ultramar.terraweb.biz/Imagens/mocambique_ilidiocosta_toquesmilitares.htm

Toque de silêncio, com orquestra – endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=fXS7bMh8vEA

José Marcelino Martins
8 de Outubro de 2012
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10490: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (3) (José Martins)

Guiné 63/74 - P10528: (Ex)citações (200): Pois que viva... o VAT 69! (Tony Borié / Luís Graça)



1. Mensagem do Tony Borié, um camarada luso-americano, a propósito de um comentário do editor L.G.  ao seu último poste, P10524:

Olá, Luis. Este poema (*), vai para o meu espólio de guerra. Já lá está. 

Que o Criador continue por muitos e longos anos a inspirar-te, e dar voz aos teus sentimentos, que são o de muitos milhares de antigos combatentes, felizmente ainda vivos, e que os podem ler, e ver neles a sua imagem reflectida. 

Estou um pouco longe do meu querido Portugal, já não uso o passaporte de Portugal, mas continuo a chorar ao ouvir o hino de Portugal e a sofrer ao lembrar-me na nossa vivência em África. 

Por favor, continua a dar vida à tua página na Internet, que é um grande motivo de coragem, e a voz de milhares de antigos combatentes. Talvez sem quereres, já fazes parte do património da história do nosso conflito com as antigas colónias de África. 

Um abraço do amigo, Tony Borié.

(*) Comentário de Luís Graça  ao poste P10524:

Tony, Ganda Cifra!... Pois que viva o Vat 69!... Ajudou-nos a (sobre)viver!... (Felizmente que eu nessa altura não era um homem... da saúde pública!). 

(...) Retenho ainda a imagem
Do nosso patético duelo
No bar de sargentos de Bambadinca,
Tendo por arma, letal,
Uma garrafa de VAT 69
(Ou era Jonhnie Walker ?
Ou White Horse,
a tal do cavalinho branco ?
Já não me lembro do rótulo,
Sei apenas que era scotch,
E do bom,
Daquele que vinha
From Scotland
For the Portuguese Armed Forces
With love!
)…

Um duelo de morte,
Gole a gole,
Até ao gole final,
Em menos de 15 minutos!...
Com árbitro e tudo,
Apostas a dinheiro,
Mirones e claques de apoio,
Como mandavam as regras
Dos apanhados do clima de Bambadinca!

Apanhados do clima, dizes bem,
Exaustos,
Usados e abusados,
Filhos de um Sísifo menor,
Condenados ao mais insano dos suplícios,
Uma guerra a que chamavam
De contra-guerrilha,
Uma guerra do gato e do rato…
Não, não, era a roleta russa,
Ninguém tinha pistolas de tambor,
Era o fado lusitano,
Era o fado da Guiné,

Meu camarada, meu amigo, meu irmão,
Era a nossa triste condição,
Era a nossa quiçá estúpida, mas viril, maneira
De matar… o tempo,
O tempo em tempo de guerra,
O tempo de espera entre uma e outra operação.
O tempo de espera que podia ser
Entre a vida e a morte.
Era a insanidade mental,
Era a raiva, traiçoeira,
Era a lucidez da loucura a tomar conta
De nós….

(...)

In Luís Graça > Blogpoesia > Elegia para um paisano.

2. Comentário do Tony Borié ao comentário do editor L.G.:

Olá, Luis:

O teu poema ao Vat 69 e outros" scotchs" é  um hino às horas que nós,  antigos combatentes, passávamos, nos intervalos da guerra, que sofremos no corpo e na alma!. Bem hajas. Nessas horas, éramos nós, oriundos da Europa, onde entre dois scotchs, dávamos largas aos nossos sentimentos, de amizade, abraços, amor ao próximo, esperando a paz dentro da guerra, e algumas chorávamos, lembrando o nosso recanto no Portugal, que o mapa colocou à beira mar plantado!. 

Nas minhas andanças pelo mundo, em alguns países, não havia Vat 69, e então olhava a garrafa e pedia um "cavalinho branco" [, White horse,] , como me sabia esse scotch, fechava os olhos e pensava no chão vermelho, no arame farpado, e no cheiro a camuflado sujo, roto e cheio de lama que via nos meus colegas secarem encostado ao meu mosquiteiro!. 

Não vou continuar, porque vou começar a ser piegas, e isso não é bom num antigo combatente!. Um abraço, Tony Borié.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P10527: Agenda cultural (222): Tertúlias Fim do Império, Oeiras e Lisboa, calendário das sessões

CALENDÁRIO DAS TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO EM OEIRAS E LISBOA



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10521: Agenda cultural (221): Debate: "Que surpresas nos reservará a literatura da Guerra Colonial?", na Bertrand Dolce Vita Monumental (Lisboa), dia 16 de Outubro de 2012, pelas 18h00

Guiné 63/74 - P10526: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte II): Bula, Op Bolo Rei, uma grande operação de 15 dias, de 22/12/67 a 3/1/68: 40 mortos e 5 feridos confirmados e 14 capturados, do lado IN; 7 mortos e 32 feridos do lado das NT; recuperados 44 elementos pop





Guiné > Região do Cacheu > Bula >1967 >  Furriel Serôdio

Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados.
1. Continuação da publicação das memórias do Manuel Serôdio (*):


(i) A 4 do corrente, escreveu o Manuel Serôdio, de Rennes, França onde vive:

Amigo Luis, vejo que guardas conhecimento da língua Françêsa, vamos fazer um teste:  Je suis arrivé en France a 21 Aôut 1970, et j'ai depuis ce jour residence à Rennes, capitale de la Bretagne qui aujourd'hui compte près d'un million d'habtitants. (**)
Isto é uma pequena brincadeira, mas se lês a frase, não hà dúvidas que és um bom "francês",.,,,

Vou continuar a "escrita" possivelmente vou recomeçar certas passagens jà publicadas, mas assim vai tudo em "ordem". Queria responder a um comentário do Arménio Estorninho, mas ainda não percebi como enviá-lo. E PORTANTO ESTAMOS EM 2012. Um abraço amigo.

(ii) Resposta do nosso editor:

Salut le copain! Le français ? C' est ma première langue étrangère... Ton français écrit est de très bonne qualité... J'aimerais bien avoir beaucoup d'autres opportunités pour parler le français, une très belle langue latine!... Amitié. Luis

PS - Je viens de recevoir ton dernier message concernant l'histoire de ton unité militaire en Guinée... On la va publier.




2. Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte II ):  Bula, Op Bolo Rei

Durante o período de permanência da Companhia em Bula, foi-lhe dado o treino operacional pela CCva 1693, tendo ficado posteriormente como Companhia de Intervenção do Comando Chefe.

1967


Novembro

Segurança aos trabalhos da estrada Bula-João Landim e estacionamento da engenharia.
Emboscadas 10
Escoltas a João Landim 09Patrulhas 03
Controle das populações 01


Dezembro

Proteção aos trabalhos da estrada Bula-João Landim e estacionamento da engenharia

Emboscadas 11
Escoltas a João Landim 05Patrulhas 03
Operações 07


OP "BARCAROLA"


1) Exploração da notícia que referia a existência de armas distribuidas pelo inimigo a elementos da tabanca de Biur.

2) Patrulhamento

3) Península de S. Vicente


4) 1 de Dezembro de 1967

5) Saída às 3 horas

6) CCça 1787, CCav 1693, 1 secção do pelotão de auto-metrelhadora ligeira 1106.

7) Efetuada uma rusga a Biur. Não foi confirmada a notícia.

OP "BOLOTA"

1) Coluna de reabastecimento.

2) Operação com a finalidade de escoltar uma coluna de reabastecimento a Binar e Biambe, e atuar ofensivamente com as forças de segurança sobre os elementos inimigos que tentassem atuar sobre a coluna.

3) Bula-Binar-Biambe
4) 4 de Dezembro de 1967

5) Saída pela 6,30 horas

6) CCaça 1787, CCva 1693, C. Art 1647, C. Art 1688, 1 secção do pelotão de auto metrelhadora ligeira 1106

7) Sem incidentes.


OP "BALUARTE BRANCO"

1) Exploração da notícia que referia a existência de um acampamento inimigo na península de Bissauzinho.

2) Ação ofensiva com a finalidade de destruir as instalações inimigas, aprisionar ou aniquilar elementos inimigos e capturar material e documentos.

3) Bissauzinho.


4) 9 de Dezembro de 1967

5) Saída pelas 12,30horas

6) 1 grupo de combate da CCaç 1787, CCav 1693, CArt 1647, CCav 1747, 1 secção do pelotão de Milícias 126.

7) As nossas tropas foram emboscadas pelo inimigo com lança-roquetes e metralhadoras ligeiras. À reação pronta e rápida das nossas tropas, o inimigo retirou com baixas prováveis. As nossas tropas sofreram 1 morto e 3 feridos graves. Foi batida a área, sem mais contactos.



OP "BARBA AZUL"

1) Detetar movimentos inimigos na região

2) Rede de emboscadas conjugadas com um patrulhamento ofensivo, com a finalidade se aniquilar ou prender os elementos inimigos que se revelassem, capturar material, documentos, e prender elementos suspeitos.

3) Região de Capafá, Bipo Delta, e Boté.


4) 14 de Dezembro de 1967

5) Saída pelas 22 horas

6) CCaç 1787, CCav 1693

7) Não houve contato.


OP "BOLETIM"

1) Coluna de reabastecimento

2) Operação com a finalidade de escoltar uma coluna de reabastecimento a Biambe, e atuar ofensivamente com as forças de segurança sobre os elemntos inimigos que tentassem atuar sobre a coluna.

3) Bula-Biambe

4) 18 de Dezembro de 1967

5) Saída pelas 8 horas

6) CCaç 1787, CCav 1693, CArt 1647, CArt 1648

7) Não houve contato.


OP "BENVINDO"

1) Coluna de reabastecimento

2) Operação com a finalidade de escoltar uma coluna de reabastecimento a Binar, e atuar ofensivamente com as forças de segurança sobre os elementos inimigos que tentassem atuar sobre a coluna.

3) Bula-Binar


4) 20 de Dezembro de 1967

5) Saída pelas 5 horas

6) CCaç 1787, CCav 1693, CArt 1647

7) Foram avistados por 1 grupo de combate da Companhia 1787, 8 elementos inimigos que fugiram ao serem detetados. 1 grupo de combate da Companhia 1693 avistou 3 elementos que fugiram sob o fogo das nossas tropas. 


Cerca das 12 horas voltaram a ser detetados 8 elementos inimigos, incluindo 2 brancos, que se furtaram ao contacto. 1 grupo de combate da Companhia 1647 foi flagelado por um grupo inimigo com morteiros, lança-roquetes e armas automáticas. 1 grupo de combate saiu de Binar em perseguição do inimigo até Poncho, causando baixas prováveis. Sem consequências para as nossas tropas.


OP "BOLO REI"

1) Missão: combater a atividade inimiga no setor.

2) Batida através de patrulhamento, golpes de mão e emboscadas.

3) Zona de ação: região norte do setor

4) Data de início: 22 de Dezembro de 1967

5) Duração: 15 dias

6) Forças intervenientes: CCaça 1787, 1788, 1801, CCav 1747, 1650, CArt 1746, 1648, 1647, 1802, e três  pelotões de rtilharia do BAC 1;


23 de Dezembro de 1967

Forças das companhias 1787 e 1788 que patrulhavam a trgião a sul de Bipo, foram emboscadas por 1 grupo inimigo. Â pronta reação das nossas tropas, o inimigo retirou com baixas prováveis. As nossas tropas sofreram 1 morto e 7 feridos. Neste contato, a companhi sofreu o seu primeiro morto e 5 feridos, dois deles graves.


31 de Dezembro de 1967

Apoiadas pela força aérea e pela artilharia, as CCaç 1787 e 1788 conseguiram entrar no acampaento inimigo de Choquemone, tendo capturado diverso material e destruído as instalações inimigas.


03 de Janeiro de 1968

As CCaç 1787 e 1788 efetuarm um cerco às tabancas da península de S. Vicente, tendo detido 83 elementos da população. Posteriormente, após interrogatório, verificou-se que 2, eram elementos inimigos.


Conclusões: 

Como reflexo da operação "BOLO REI", e até ao fim do mês de Janeiro de 1968, apresentaram-se 124 elementos da população de áreas anteriormente controladas pelo inimigo.

Durante a operação o inimigo sofreu 40 mortos e 5 feridos confirmados, e 14 capturados. As nossas tropas sofreram 7 mortos e 32 feridos. Foram recuperados 44 elementos da população.

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10474: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte I): De Oliveira de Azemeis a Bula e Empada

(**) Cheguei a França em 21 de agowto de 1970 e desde então tenho residência em Rennes, a capital de região da Bretanha, que hoje conta com cerca de um milhão de habitantes.

(**) Viva, companheiro! O francês é a minha primeira língua estrangeira.  O teu francês escrito é ótimo... Pessoalmente gostaria de ter muito mais oportunidades de falar esta bela língua latina... Com a amizade do Luís

PS -  Acabo de  receber a tua última mensagem, respeitante à história da tua companhia...  Vamos publicar esse material.

Guiné 63/74 - P10525: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (1): Uma história do artilheiro de Gadamael, à beira da peluda, no 'bem-bom' de São Domingos...




Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > O alf mil art Vasco Pires, ex-alf Mil, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), nos últimos meses da sua comissão no 'resort' de São Domingos...

Foto:  © Vasco Pires (2012),. Todos os direitos reservados [Editada por L.G.]

1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Vasco Pires,  tuga da diáspora, a viver no Brasil:

Caros Luis Graça e Carlos Esteves Vinhal,
Cordiais Saudações.
Estou em dívida com o blogue, pois ainda não enviei foto dos tempos da Guiné (*). 

Como eu disse em mensagem anterior, pedi a um parente para procurar essas fotos nos meus pertences que estão em São Paulo, contudo, teve que ausentar-se da cidade, e não pode ainda procurá-las. Me cedeu a foto, que vai anexa, que estava num álbum em seu poder.

Dita foto, acredito eu, é da fase final da minha comissão, três ou quatro meses que passei em São Domingos, na altura sede de um Batalhão de Infantaria (lamentavelmente não lembro o nome do oficial que dirige o jipe). 

Nós,  de rendição individual, por vezes tínhamos que esperar substituto, que normalmente tardava. Ao fim de mais de vinte meses de comissão, a maior parte deles passada em Gadamael, mandaram-me para São Domingos. 

A atividade operacional da artilharia em São Domingos era nula, assim quando cheguei, falei para os Furrieis, que a minha comissão tinha terminado (21 meses), mas faltava o substituto. Eram excelentes profissionais, tomaram conta do Pelotão e respeitaram a minha "aposentadoria" e,  como eu pedi, só me chamariam quando houvesse algum problema, o que nunca aconteceu. 

A minha atividade principal era jogar bridge, o Comandante do Batalhão, um Coronel à beira da reforma, era o mais entusiasta.

Chegados os 24 meses, pedi para o Tenente-Coronel,  2° Comandante, no exercício temporário do Comando do Batalhão de Infantaria, que me liberasse pois a minha hora de voltar já tardava, o que não aconteceu; dizia ele que só me liberaria com a chegada do meu substituto, sendo em vão os meus argumentos de que o Pelotão tinha dois excelentes Furrieis experimentados. 

O máximo que consegui foi autorização para ir a Bissau para ver se conseguia um substituto. Ao chegar ao GAC 7 (ou já seria GA 7?), fui-me apresentar ao Comandante, que acredito era o Coronel Cirne Correia Pacheco, que me recebeu cordialmente, e logo disse que ia mandar-me para casa, ao que eu retorqui:
- Infelizmente, não vai ser possível, porque o nosso Tenente-Coronel disse que é ele que manda, e não vai autorizar.

Vi que tinham sido "santas palavras", pois ele limitou-se a dizer 
- Ah é, ele disse que é ele quem manda ?!
- Sim,  senhor, meu Comandante - ousei dizer. 

Imediatamente ordenou a quem de direito provedenciar os meus papéis.

 Estava eu na sala de espera do Aeroporto de Bissau, quando vejo entrar o Comandante do GAC 7 [ou melhor, GA 7], dirigiu-se a mim e ao meu amigo, na altura Alferes Vinagre de Almeida, que também estava voltando, e depois de responder à nossa saudação, dirigiu-se a mim e disse em tom solene:
- Infelizmente o nosso Tenente-Coronel é quem manda e você tem que voltar!!!

Provavelmente viu que eu tinha mudado de cor, e logo emendou:
- Brincadeira, vim aqui para agradecer, e desejar boa sorte para vocês dois. 

Caro Carlos Vinhal, cá vai uma "estória" ou "causo", como falam aqui no Brasil, da nossa guerra, conforme você pediu na minha apresentação.

forte abraço, VP  [, foto atual à direita].


PS - Caros Amigos Luis Graça/Carlos Vinhal,

Ontem enviei um e-mail, e, procurando no fundo do "baú de recordações", sobre a fase final da minha comissão em São Domingos, disse que no começo de 72, era sede de um Batalhão de infantaria, ou seria um Batalhão de cavalaria?

Desculpem a minha falha mas, como disse anteriormente, saí de Portugal ainda em 72, e a Artilharia na Guiné era de rendição individual, e somente oficiais , sargentos e especialistas, pois praças e cabos eram da guarnição local. Então os contactos com os camaradas se perderam facilmente, e as memórias foram ficando mais diluídas.
forte abraço, VP


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Nota do editor:

(*) 27 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10443: Tabanca Grande (362): Vasco Pires, ex-Alf Mil, CMDT do 23.º Pel Art.ª (Gadamael, 1970/72)

Guiné 63/74 - P10524: Do Ninho D'Águia até África (17): Meia Missão, em África (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (17)

Meia Missão, em África

O dia, como costume, estava quente e abafado. Fez um ano que o Cifra desembarcou em África e esteve no tal acampamento, junto ao cais de desembarque.

Já não é um “periquito”, novato, é um veterano, já pode dar conselhos aos mais novos. É um posto, como se diz na zona de guerra.

Chamou o Setúbal, que como já sabem foi baptizado com este nome porque o principal era Jeremias e não dava muito jeito a pronunciar, mais o Curvas, alto e refilão, e disse:
- Como já devem saber, faço um ano de guerra, vamos festejá-lo? - Ao que o Setúbal logo respondeu.
- Fazes não, fazemos, pois viemos no mesmo barco. Não te lembras?.

Era verdade, embora colocados em unidades diferentes.

Foram buscar uma garrafa de Vat 69, sentaram-se os três debaixo da enorme Mangueira, que por sinal tinha sido baptizada com o seu nome, junto das gaiolas dos macacos e periquitos, abriram-na e atiraram com a rolha para longe, sinal de que não precisavam mais dela.

Acordaram umas horas depois, com os macacos a olharem para eles, umas vezes com a cara de lado, outras vezes emitindo grunhidos de angústia, dando voltas na gaiola, tentando abri-la, talvez para acordar os donos que os tratavam e lhe davam algum carinho.

Ao outro dia pela manhã, o Cifra, tinha umas fortes dores na cabeça e,  ao vestir os calções, desequilibrou-se e rasgou-os um pouco mais. Era normal, pois a roupa já estava bastante coçada, as botas gastas, e no comando diziam que só tinha direito a roupa nova quem a perdesse em combate ou coisa parecida, mas como o Cifra não andava em combate, não tinha direito a roupa nova.

Aqui funcionava o tráfico de influências. Os mais velhos trocavam duas camisas ou uma camisa e dez maços de cigarros por uns calções, com os mais novos, pois camisa é coisa que poucos usavam. Nessa altura, a mais importante pessoa
 passou a ser o sargento da arrecadação, onde não existia arrecadação nenhuma.

O Cifra falou com ele, pois os seus calções estavam rotos. E disse-lhe com cara de mau:
- Estou farto de calções rotos desde criança.

O sargento, com paciência, responde-lhe:
- Só se estiverem mesmo rotos e já não se possam usar.

O Cifra, nesse preciso momento, tira os calções do corpo, rasga-os ao meio e diz:
- Aqui está a prova.

Regressa nu ao centro cripto, pois há muito que não usava roupa interior. O caso correu fama e andou de boca em boca no aquartelamento.

Passado uns dias o Cifra tinha dois pares de calções novos. A partir desse momento foi colocada uma folha no refeitório, para colocarem o nome para que cada caso fosse analisado.

Os calções que foram distribuídos ao Cifra eram da cor verde azeitona e as camisas que algumas vezes usava eram amarelas, portanto, quando se vestia de roupa lavada, principalmente ao domingo, com calções verde azeitona e camisa amarela, tinha um aspecto de tropa diferente. O Curvas, alto e refilão, quando o via assim vestido, dizia:
- Tu não és nem nunca foste um militar. Tu és tropa fandanga! Não sei o que é que vocês aqui fazem. Vocês dizem que são cifras, vocês são mas é uma “granda merda”. Na altura em que andamos em patrulha, temos emboscadas, ou quando vamos em operações de destruição das bases das tuas amigas guerrilheiras, (falava sempre nelas), olho para o lado, e nunca te lá vi.

Era assim o homem, e o melhor era não lhe responder, pois o vocabulário ia estender-se, e como por vezes não andava o Trinta e Seis por perto...

Mas no fundo o Curvas, não era má pessoa, tinha tido uma juventude de sofrimento, sem carinho e nunca teve ninguém que lhe perguntasse alguma vez se tinha fome, se tinha frio e precisava de roupa, ou se tinha dores em qualquer parte do corpo, neste momento  devia ser o militar mais bem preparado para a guerra, que se encontrava no aquartelamento, era um autêntico “survivor”, necessitava somente de compreensão de alguém como o Trinta e Seis, a quem ele obedecia, sem refilar.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10504: Do Ninho D'Águia até África (16): As notícias (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10523: Memória dos lugares (192): Cufar (Mário Fitas, 1965/67; Eduardo Campos, 1972)

1. Mensagem do Mário Fitas [, ex-fur mil op esp Mário Fitas pertenceu à CCAÇ 763, Cufar, 1965/67,]  comentando,  a pedido dos nossos editores, as fotos do álbum do Armindo Batata sobre Cufar  (*):

Caro Luís,

É claro que as fotos do Armindo Batata sobre Cufar me fazem reviver aqueles tempos de 1965/66. Há quanto tempo!

Vamos então ao que consigo identificar e lembrar da reconstrução da quinta de Cufar Novo, à altura propriedade do sr. Camacho e que foi transformada numa das melhores bases de antiguerrilha no sul da Guiné.

Foto 62 [, à esquerda]:

À esquerda identifica-se a pista de Cufar em terra batida, inaugurada em 1957 pelo então presidente da Republica Craveiro Lopes na sua visita à Guiné.

Esta pista tinha na altura mil e novecentos metros de comprimento.

No começo da pista ficava a entrada principal do aquartelamento.

Ao fundo vê-se a mata de Cufar Novo, de onde foram extraídas as palmeiras para construção dos abrigos do novo aquartelamento.

Do lado direito, vislumbra-se a mata de Cufar Nalu onde existia uma importante base do PAIGC e que foi tomada em 15 de Maio de 1965 na operação "Razia".

É bastante visível no sentido descendente a estrada para o cais do rio Manterunga.



Foto 56 

É a parada com o pau de bandeira, que não consigo identificar, se é o cibe que nós lá colocamos.

Ao lado direito a Capela construída pelos "Lassas" e que posteriormente por outra companhia foi transformada em armazém.


Foto 64

Parada, vendo-se ao fundo a antiga fábrica de descasque de arroz do sr. Camacho, e que em seu redor em abrigos cavados no chão era o aquartelamento que existia.

De março a maio de 1965 foi um trabalho de loucos, para não sermos apanhados pelas chuvas nos buracos.

Foto 65 [, à esquerda]:

Esta foto foi tirada do varandim da habitação da antiga quinta e transformada em habitação e funcionamento do comando.

Foto 66 [, a seguir em baixo]:


Julgo tratar-se da fachada norte do comando onde existia a tabanca dos milícias do João Bacar Jaló.

Foto 60 [, a seguir em baixo]:

Varandim do comando, vendo-se ao fundo a casa do gerador. Na altura da CCaç 763, de permeio, existia o canil.

Um grande abraço para toda a Tabanca Grande e em especial para todos os "cufarenses".

Mário Fitas



 Foto nº 60


Foto nº 66


2. Comentário do Eduardo Campos [, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74]:

Caro Luis.

Para responder ao teu pedido, terei de fazer um exercício de memória de 40 anos, e também pelo facto de ter estado em Cufar apenas 4 meses em diligência, ao serviço do COP 4 e adido à CCAC 4740, não será fácil:

Mas vamos às fotos:

Foto 62, é Cufar, mas quando lá cheguei em 72 o "aglomerado residencial" era muito maior.

Do lado esquerdo da foto, parecer ser a pista em terra (quando lá cheguei já era em alcatrão) e saída para Catió e Matofarroba. Lado direito, o que parece ser uma estrada seria a picada que ia para o porto no rio Combija.

As Fotos 56, 64 e 65 recordo, aqui sem dúvidas, que são de Cufar. As restantes fotos não me recordo.


Quanto a boas recordações de Cufar, direi que sim foram mesmo muitos boas: Manga de ataques com foguetões (tem outro nome mas era assim que era conhecido entre nós),dois ataques de armas ligeiras ao arame, dormir numa tenda de campanha em que o colchão foi feitas de folhas de árvores e ainda alguma fominha á mistura.

Quarenta  anos depois, e podendo até ser irónico, tudo isso para mim hoje, são mesmo boas recordações.As restante fotos não consigo identificar, por isso não ajudei em quase nada, mas por breves momentos voltei a Cufar, o que por si foi bom.Um abraço, Eduardo Campos.

PS - O que a foto 57 [, foto à direita,] nos mostra tenho a certeza que já não existia, pois pela sua originalidade eu jamais poderia  esquecer o engenho e obra de arte que a mesma transmite. (**)


Fotos: © Armindo Batata (2007). / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]


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Notas do editor:

(*) 11 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10515: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (8): Cufar, 1970 (Parte II

(**) Último poste da série > 31 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10310: Memória dos lugares (191): O quartel de Guileje, visto dos céus, ao tempo da CCAÇ 2617, "Magriços de Guileje" (Março de 1970 / fevereiro de 1971) (José Crisóstomo Lucas)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM


Mafra > EPI > CSM [ Curso de Sargentos Milicianos] > BI do soldado instruendo Veríssimo Ferreira, emitido em 25 de abril de 1964




Guiné > Bissau > CCS/GG > BI do fur mil Veríssimo Ferreira, emitido em 14 de julho de 1966.

Fotos: © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados.



1. Comentário do Veríssimo Ferreira, ex.fur mil,  CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67), à  sua apresentação na Tabanca  Grande (*):

Caro Amigo Luís Graça:

Obrigado pela deferência e até o meu ego está enorme. Aqui o tabanqueiro 581 está felicíssimo por poder estar convosco. A dificuldade maior vai ser o "tu" mas lá chegarei.

Sobre a historieta, real mas com algumas graçolas pelo meio, que não ofenderão, espero, vai já no 7º episódio. (Outras realidades, dolorosas e muito existem, mas não sei se consigo falar nisso.) O Luís Graça, quer que as remeta para o facebook? è que ainda não consigo metê-las no email, ou vai lá buscar-mas ao meu mural?

O meu email é (...).


 
2. Resposta do editor, em 8 do corrente:

Camarada: Somos da mesma geração, idade, dorminos nos mesmos buracos, bebemos a mesma água da bolanha, corremos os mesmos riscos... o que é preciso mais para nos tratarmos por tu ?... O Carlos Vinhal vai completar a tua ficha, o teu email é só para uso interno... Deves usar este endereço de correio eletrónico para comunicar connosco... Para já podes continuar a usar o Facebook, eu depois vou lá buscar o material. Mas tens que aprender o usar o mail e "anexar ficheiros" (seja texto ou fotografia)... Um abração. LG



3. Novo mail do Veríssimo, datado de 10 do corrente:

Assunto: CONSEGUI [mandar um mail] e dizem que burro velho não aprende línguas.~


 
4. Os melhores 40 meses da minha vida > 1º e 2º episódios (Mafra, EPI, Curso de sargentos Milicianos)


por Veríssimo Ferreira 


1º Episódio

E vai daí... Por edital, soube que me deveria apresentar em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, a fim de frequentar o Curso de Sargentos Milicianos. 

Saí de Ponte de Sôr, pela matina e no comboio. Chegado a Lisboa, pedi informações para ir para o Martim Moniz, local donde sairia a camioneta para Mafra.  A confusão, nesta louca cabecinha, era mais que muita (1ª vez na grande cidade) e habituado que estava a ver muita gente junta, aquando das feiras, pensei:
- Há por aqui uma como a nossa de Outubro!!!

Bom, mas lá fui ter e parti para o destino...e cheguei enquanto no entretanto comi as duas sandes que a minha querida mãe preparara para a viagem.
Mafra, surpreendeu-me, quando logo ali mirei, o Mosteiro.
-Um quartel ? -  pensei.

Na entrada, havia um enorme grupo de juventude de cabelinhos cortados à inglesa curta e que esperava e a eles me juntei. Lá chegou a minha hora e preenchidos que foram uns papéis, mandaram-me para o alfaiate que tirava medidas olhando-nos de alto abaixo, o que significou que recebi umas roupitas bem bonitas por acaso... um bivaque onde cabiam duas cabeçorras, duas camisas cinzentas nº 54 e eu até aí, usava 42, dois pares de calças que me chegavam dos pés à cabeça, duas botas 47 e eu calçava 41....e por aí fora.

Na caserna, assim chamavam ao quarto luxuoso, um 5º andar e 183 degraus para subir, onde me colocaram, para me não sentir só deixaram-me acompanhado por mais 151 recrutas que se tornaram meus amigos.

2º episódio

...No dia seguinte, reuniram-nos num espaço rectangular, que ainda hoje existe, lá atrás do convento e a que chamaram e chamam "A parada".

Éramos, talvez, aí uns três mil recrutas, entre os que iam frequentar os cursos de Oficiais e Sargentos, Milicianos, palavra esta que poderemos traduzir desta forma: jovens que após regresso da guerra, serão dispensados do serviço militar obrigatório e passam à disponibilidade, ou seja, ainda poderão ser chamados para a tropa, se houverem alterações à ordem pública. (seja lá o que isso for)

Juntaram-nos depois, sentados no chão e rodeando o Oficial Instrutor, cá fora, ali ao lado esquerdo de quem entra, e esclareceram-nos sobre as normas nem vigor, para contactos eventuais, com os residentes civis e também como distinguir os postos militares.

Ficámos a saber que a coisa começava desta forma: O início e por aí fora:  Recrutas,  1º cabo, Furriel, Sargento, Aspirante, Alferes, Tenente, Capitão, etc. etc. General, Marechal; finalmente...  1º Cabo Miliciano!

Contentíssimo fiquei.... Então não é que o filho do meu pai, Eu, iria alcançar o mais alto posto, lá para Agosto e já especialista de infantaria e 1ª classe em metralhadora Dreyse 7,9 ? e 3ª classe em espingarda 7,9? e 1ª classe em comportamento? e atirador, terminada a instrução complementar?

Aparvalhado ainda, com o facto de ontem ter visto, Lisboa, aviões dos grandes e barcos a atravessar um rio a que ouvi chamarem Tejo e ter ainda a possibilidade de, e também, pela 1ª vez, poder ir ver o mar...as praias da Ericeira e mais agora esta notícia, plena de responsabilidades...

Olhem,f iquei de tal maneira entontecido... que julgo não ter voltado a ser o humano normal de antes.

Continências e divisas, foram-nos sabiamente mostradas, bem como o manejo duma espingarda, o seu desmanchar em bocados.e a consequente limpeza sem precisar, com o escovilhão.

No 3º dia e após o pequeno almoço, começou a preparação para que pudéssemos vir a ser militares disciplinados, bravos, heróicos e que acima de tudo voltássemos inteiros.

Corridinhas na tapada, rastejar no meio da trampa, percursos de combate, saltos para o galho, jogos de brutóbol, tiro na carreira do dito, actividades desportivas com vários empecilhos no meio, audição dos gritos estridentes e ameaçadores dos monitores do pelotão... enfim, toda uma panóplia útil que só mais tarde entendemos ter sido preciosa para que aqui e agora estejamos ainda semi-vivos e, ah, sempre acompanhados pela fiel Mauser e de capacete enfiado... no local próprio de enfiar capacetes.

Regressávamos depois e quase na hora do repasto almoçaral. Íamos, à suite, tomar um banhito rápido, mudar de fato, e proceder, se caso disso, a qualquer necessidade fisiológica ( eu, na época, dava-lhes outros nomes mas depois aprendi esta, da fisio... qualquercoisa e pronto...tornei-me fino...)

As retretes eram mais que modernas: três ao todo, para 152 à rasca. Tinham um buraco no chão, redondo, sem assentos, mas ladrilhadas e asseadas, tá claro. A mim, lembravam-me sempre, lá a margem direita do rio Sôr, onde durante anos dei "à calça" e,  não havendo papel, utilizava as ervas viçosas nascidas por ali, sem eira nem beira.

Só que, certa vez, pasmem!, uma urtiga veio anexa. A tremenda e incomodativa irritação borbulhenta provocada fez -me "arrepiar caminho" e comecei a usar pedras não bicudas, no local a limpar...

Toca a corneta e ala que são horas de almoço. Boas refeições,  sim senhor, e até vinho havia e da cor que entendêssemos, embora eu achasse que aquilo era mais água...e cânfora, substância que, e ao que diziam, transformava em eunucos, embora provisoriamente, quem bebia a zurrapa.

Aconteceu-me...mas quem me mandou ser sequioso e guloso? Voltei ao normal, podem crer, tomando como base que não tenho, nem nunca tive reclamações.

 (Continua)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de  3 de outubro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10473: Tabanca Grande (363): Veríssimo Ferreira, natural de Ponte de Sôr, ex-fur mil, CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67)

Guiné 63/74 - P10521: Agenda cultural (221): Debate: "Que surpresas nos reservará a literatura da Guerra Colonial?", na Bertrand Dolce Vita Monumental (Lisboa), dia 16 de Outubro de 2012, pelas 18h00

"QUE SURPRESAS NOS RESERVARÁ A LITERATURA DA GUERRA COLONIAL?"
DEBATE NA BERTRAND DOLCE VITA MONUMENTAL
DIA 16 DE OUTUBRO DE 2012, PELAS 18H00


COM A PRESENÇA DE MÁRIO BEJA SANTOS E CARLOS VALE FERRAZ (CARLOS MATOS GOMES)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10493: Agenda cultural (220): Apresentação do livro "Alpoim Calvão Honra e Dever", dia 11 de Outubro, pelas 18h30, na Sociedade de Geografia em Lisboa

Guiné 63/74 - P10520: Palavras fora da boca... (1): "Nem mais um soldado para as colónias"! (José Corceiro / Manuel Joaquim / Manuel Botelho)



Lisboa > Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na Rua Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda, e enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da Força Aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem: 'Nem mais um soldado para o ultramar'… 

Foto (e legenda): © José Corceiro (2010). Todos os direitos reservados.



1. O meu velho, Luís Henriques (1920-2012), gostava muito de falar em verso, de fazer rimas, quadras, versos de pé quebrado, citar provérbios populares, contar anedotas, evocar os seus tempos de expedicionário em Cabo Verde ou relembrar os tempos de jogador de futebol, e de treinador de camadas juvenis... Muitas vezes fazia-nos rir, sorrir, pensar... Tenho pena que muita da sua sabedoria popular tenha ido para a cova com ele... Algumas coisas fomos, eu e os seus netos,  registando, filmando, tomando boa nota... 

Mas ele era um repentista, um espontâneo, um improvisador, incapaz de repetir, com a mesma precisão e graça, o que acabava de lhe sair da boca... Tudo dependia do contexto, das situações, dos interlocutores, e da disposição e da inspiração de momento... E, claro, fiava-se na sua memória de elefante... Tinha um reportório para dar e vender... Nunca o vi escrever um dito, uma história, um verso... 

Tudo isto vem a propósito de uma quadra que ele gostava muito de citar,   apropriada para prevenir situações de conflito...

Palavras fora da boca,
São pedras fora da mão,
Tu mede bem as palavras,
Tira-as do teu coração.

As palavras às vezes magoam como se fossem pedras. Muito mais do que isso, às vezes chegam a ferir e/ou matar. Matam mesmo!... Ou podem matar!...  Quantas dessas palavras não foram lançadas ao vento como autênticos bumerangues que, não atingindo muitas vezes o alvo, se voltavam, no regresso,  contra o próprio lançador ?... 


"Palavras fora da boca" foram/são, muitas vezes, as nossas "palavras de ordem", de ontem e de hoje, slogans, grafitos, títulos de caixa alta nos jornais e, em menor grau, os nossos comentários, as nossas "bocas" bloguísticas... 

Há palavras incendiárias, há palavras que incendeiam o capim... independentemente da intentação ou da vontade de quem as profere... Veja-se há dias a infelicidade do prof Miguel Oliveira e Silva, presidente do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida,  tropeçando no trocadilho racionamento/racionalização dos medicamentos... Temos que saber lidar com elas, as palavras... tal como sabíamos com lidar as minas e armadilhas, as nossas e as do IN no TO da Guiné.  

Palavras fora da boca... é o título de uma nova série, que tem um propósito, se quisermos, didático, pedagógico, preventivo... Não é para alimentar polémicas, desgastantes, fraturantes, inúteis, mas para preveni-las.  Não é para a gente  fazer ajustes de contas com o passado, por opções político-ideológicas do passado, ou por tomadas de posição como cidadãos, nos nossos ainda verdes anos... 

É para apenas a gente refletir serenamente, sorrir se for caso disso,  e aprender eventualmente com os nossos erros, individuais, grupais e coletivos... 

E a primeira dessas "palavras fora da boca" aqui vai: "Nem mais um soldado para as colónias"... (Se calhar alguns de nós, a seguir ao 25 de abril, também gritámos palavras de ordem como estas ou parecidas, esquecendo-nos que continuava haver, nos TO da Guiné, de Angola e de Moçambique, camaradas nossos, combatentes, que ainda faziam a guerra, ou que preparavam a paz, ou que cumpriam o plano de retração das NT, ou que muito simplesmente aguardavam o regresso a casa,  em qualquer dos casos continuando  a arriscar o pelo)... 

São pedaços de prosa que repesquei do nosso blogue:


2. Comentário de Manuel Joaquim, em 5 de junho de 2010, ao poste P6526:

Caro Graça de Abreu

Concordo, totalmente, com o que dizes sobre o chamado "socialismo real", expressão usada para camuflar o termo "comunismo". Criaram-se regimes de terror, as provas são evidentes. Só as não vê quem não quer.


Parece-me, no entanto, que estes comentários não andam por aí mas sim pela "nossa" descolonização.O que me irrita e enoja é o espectáculo dos/das velhas virgens que andam por aí, de hímen reconstruído, a injuriar e a diabolizar a descolonização, a amesquinhar o comportamento militar em combate, a invectivar a "entrega da nossa Pátria aos comunas", a arrotarem "verdades" sobre personagens e situações que, de verdade, só têm as sílabas das palavras ditas.

Não são as vítimas da descolonização que me irritam com as suas queixas furibundas, às vezes injustas, nem sequer aqueles que defendem as asneiras que, politicamente, fizeram quando tiveram de decidir.

Quem me enoja são aqueles que eu vi, logo a partir de Maio/74 (*), com faixas e aos gritos "Nem mais um soldado para as colónias!".

Estas palavras de ordem propagaram-se como fogo em palha seca. Imaginei logo o que iria acontecer: a destruição de todas as hipóteses possíveis de entendimento com o IN, de qualquer energia ainda existente nos nossos combatentes, de qualquer hipótese válida de se formarem contingentes para render tropas no terreno.

Bem recordo alguns, hoje altos expoentes ideológicos de direita, altos cargos políticos, de Lisboa a Bruxelas, altos cargos na comunicação social, a liderarem tais manifestações, quer na rua quer na rádio, na TV, nos jornais.

Hoje vejo-os por aí causticando o modelo descolonizador e, paradoxo, incensados pelas vítimas da descolonização!

Seria muito interessante consultar a imprensa de 1974/75, falada e escrita, e ver como se expressavam sobre este assunto certas "aves raras" que hoje se pavoneiam por aí, "arrotando postas de pescada".
Um abraço 

Manuel Joaquim


3. Excerto de depoimento de Manuel Botelho, artista plástico (Poste P6789)

(...) “Nos últimos anos vi crescer o meu desejo de identificação com os homens da minha geração que há muito tempo embarcaram para Angola, Guiné e Moçambique, escondidos atrás de um camuflado e uma G3. 


"Sei que não fui um deles. Tive a fortuna de estar no último ano do curso de arquitectura quando o 25 de Abril pôs termo ao pesadelo que me ensombrou a adolescência, e já não experimentei a guerra ao vivo e em directo. Mas vivi-a intensamente, numa antecipação obsessiva que durou toda juventude.

"Desde então muito tempo passou, e a minha perspectiva da vida mudou também. A guerra na África portuguesa deixou de me interessar enquanto fenómeno político e passei a prestar uma outra atenção aos que a fizeram. Muitos (a esmagadora maioria), ainda estão vivos; têm sensivelmente a minha idade; estão carecas e cansados como eu. Alguns serão um pouco mais velhos, mas pertencemos todos a um mesmo tempo, a uma mesma condição. 


"E eis-me a viver um estranho paradoxo: eu, que andei pelas ruas a berrar “nem mais um soldado para as colónias”, comecei a ter sentimentos de culpa por não ter partilhado esse tempo de abnegação e sacrifício. E a minha pintura começou a falar das memórias dessa guerra, como em “Escombros de Wiryiamu”, o massacre no norte de Moçambique que escandalizou o mundo e que evoquei através de um soldado (eu, já velho), sob a ameaça de insectos gigantescos e segurando desoladamente uma G3. Foi essa G3 que quis fotografar de seguida. (...)
______________

Nota do editor:

(*) "4 de Maio de 1974 > Militantes do MRPP impedem, pela primeira vez, um embarque de tropas para as colónias. Palavra de ordem: Nem mais um soldado para as colónias!" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril / Universidade de Coimbra > Cronologia Pulsar da Revolução)

Guiné 63/74 - P10519: Notas de leitura (416): Kaabunké Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance", por Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
Qualquer relance sobre a história da Guiné deve procurar averiguar alguns antecedentes pré-coloniais.
A partir da presença portuguesa contamos com trabalhos incontornáveis de Teixeira da Mota, René Pélissier, António Duarte Silva e coronel Fernando Policarpo no tocante ao período da luta da independência. Mas era indispensável fazer-se aqui uma referência à tese de doutoramento de Carlos Lopes, uma investigação que permite desvelar o Kaabú, os Mandingas do Oeste, os verdadeiros herdeiros do Império do Mali e que tiveram uma poderosa influência cultural no Sudão ocidental.
Como escreve Carlos Lopes, “Para o conhecimento das relações de poder existentes no passado longínquo da Guiné-Bissau, mas também da Gâmbia, de Casamance, do Senegal oriental e do Futa-Jalo guineense, é necessário interpretar as características dos Kaabunké, o alcance da sua civilização”.

Um abraço do
Mário


Kaabunké
(Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance)

Beja Santos

Kaabunké foi o título da tese de doutoramento de Carlos Lopes, um dos mais conceituados intelectuais guineenses, hoje funcionário das Nações Unidas. O trabalho foi editado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, em 1999. Constitui essencialmente uma investigação sobre a história do Kaabú, uma estrutura política Mandinga (malinké) da Alta Costa da Guiné que sobreviveu a todas as tempestades da África medieval e unificou os povos dos “Rios da Guiné” durante seis séculos (portanto entre os séculos XIII e XIX). Para o roteiro que estou a preparar sobre a Guiné portuguesa e a Guiné-Bissau, faz todo o sentido abordar o Kaabú, na justa medida em que ele interfere com a colonização portuguesa e é o documento mais sólido sobre a Guiné pré-colonial.

Que versa o Kaabú? Estes Mandingas do oeste eram os verdadeiros herdeiros do Império do Mali e da época gloriosa de Sunjata Keita. O Kaabú foi um Estado unificador de todas as etnias da região e as suas diversas áreas de influência expandiram-se e abarcaram a cultura de todo o Sudão ocidental, conhecer o Kaabú é abrir uma porta no passado longínquo da Guiné-Bissau, da Gâmbia, do Casamansa, do Senegal oriental e do Futa-Jalo guineense e conhecer uma civilização singular que se desmoronou também por efeitos das ocupações ditadas pelas potências coloniais depois do Congresso de Berlim.

Carlos Lopes começa por nos apresentar os diversos agrupamentos humanos com que o colonialismo se confrontou. Salienta que a maior parte dos etnónimos é de origem portuguesa, nesta região, com uma influência notória do crioulo falado nos centros comerciais sobretudo no Casamansa e na Guiné portuguesa; alguns etnónimos nasceram da mistura de culturas que ocorreu na região e foram consideradas pelos portugueses como novas etnias anteriormente desconhecidas. Havia aqui 12 grupos linguísticos de que interessa reter 3: o Senegalo-guineense, o Mandé e o Peul. Num texto meramente divulgativo não tem sentido esmiuçar os subgrupos e subdivisões. A zona de expansão de kaabunké por excelência situou-se entre os rios Senegal e Pongo. E Carlos Lopes enuncia a localização dos povos envolvidos, ali aparecem os Diola, Flup, Baiote, Pajadinka, Bainuk, Kasanga, Kobiana, Brâme, Papel, Manjak, Mankañe, Balanta, Mansoanka, Beafare, Bijago, Nalú, Peul, Fula, Mandinka, entre outros. O espaço geográfico onde se desenvolveu o Kaabú é um conjunto ecológico integrado, estão ali os rios Gâmbia,Casamance, Cacheu, Geba, Corubal, Nunez e Pongo. A grande facilidade de penetração no continente surpreendeu os navegadores europeus. A vegetação é de savana com ilhotas de floresta subtropical, como as que se encontram no Futa-Jalo. Região de rizicultura próspera e onde o ouro do Bambuk teve um papel de grande importância. Os rápidos existentes em alguns dos grandes rios, o Gâmbia e o Corubal, garantiam uma fronteira artificial que protegia as rotas kaabunké. O isolamento relativo desta região (bloqueada para lá do Futa-Jalo) em relação ao Mali pode explicar a necessidade sentida no interior deste espaço de uma maior relação entre as diferentes estruturas económicas e políticas. O Kaabú era uma aristocracia repartida por diversas províncias, que governava pelas riquezas provenientes dos tributos e do comércio.

Recorde-se que três impérios marcaram a Idade Média do Sudão ocidental: Ghana, Mali e Gao. O Mali está associado a Sunjata Keita, unificador dos Malinké. Este pequeno reino periférico vai utilizar o Islão para justificação ideológica de hegemonia. Quando, no século XVII, o Mali desaparece de cena, o Kaabú está no apogeu graças à sua riqueza comercial. Carlos Lopes carateriza o Kaabú nos séculos XIV e XV, época em que Farim Cabo é ainda uma província do Mali. Kansala era o centro do poder do Kaabú e aparece ligado à batalha que derrota o Kaabú em 1867, e esquematiza a estrutura social kaabunké com a sua divisão social correspondente a 4 grandes grupos (a aristocracia, os homens livres, os indivíduos de casta correspondentes as profissões liberais e as corporações e, por fim, os escravos e agrupamentos étnicos dominados. O sistema de produção Kaabunké tinha uma grande dimensão esclavagista e foi o comércio com os europeus que levou à alteração nos princípios e normas de relações com os escravos. Estamos em presença, escreve o autor, de um poder que governa com o apoio ou cumplicidade de categorias de escravos e homens livres e onde um sistema de consulta é alargado a várias categorias sociais.

Seguidamente, o autor disserta sobre os espaços sociais no Kaabú dos séculos XVI e XVII. Os Kaabunké puderam reforçar as suas estruturas devido à decadência do Mali cujo declínio começa logo no século XV. Transformara-se este Kaabú num espaço também guerreiro. Seja como for era a prosperidade comercial que o tornava respeitado e pode agora conferir-se a relação próxima com a Guiné portuguesa, como escreve Carlos Lopes: “Com a descoberta da região pelos europeus, sobretudo portugueses, o comércio transatlântico implicará uma redefinição dos circuitos comerciais. Até ao século XVII, esta zona vai ser reserva de caça dos portugueses. Existe uma espécie de monopólio nas relações comerciais com a Costa da Guiné. Em 1858, instala-se a feitoria de Cacheu – primeira prova de uma presença real. Toda esta região Kaabunké tem apenas os portugueses como interlocutores. Instalam-se nas ilhas de Cabo Verde e, particularmente, na vila de Ribeira Grande, por eles próprios fundada. É a partir desta placa giratória que processa o comércio dos Rios do Sul. Aos produtos que já eram objeto de comércio entre os próprios africanos, os portugueses descobriram que era possível acrescentar o comércio de escravos”. Mas a amplitude dos mercados definidos pelos Kaabunké envolve outras trocas, como o autor detalha.

Mudando de registo, Carlos Lopes observa o espaço cultural e linguístico, sente-se o peso da influência da malinkização em diferentes povos, como atesta a toponímia e a antroponímia, recorda-nos a tradição musical malinké e como esta música é hoje considerada como tendo estado na origem de toda a música da África ocidental. E escreve, a propósito a herança linguística: “A base vocabular africana do crioulo parece provir do malinké. Baltazar Lopes da Silva, considerado o grande especialista do crioulo de Cabo Verde afirma que a influência das línguas do grupo malinké foi predominante. Luigi Scantamburlo, especialista no crioulo da Guiné, afirma que o malinké está na origem da base estrutural do crioulo guineense. Aliás, Marcelino Marques de Barros, um estudioso de renome dos séculos XIX e XX, referiu que os povos mandingas e beafadas, entre outros, estiveram entre os primeiros que conheceram e crioulizaram a língua dos brancos numa época em que ninguém aprendia as línguas mas apenas o vocabulário".

Depois de discretear sobre o espaço religioso e a administração Kaabunké, Carlos Lopes refere o seu declínio e a arremetida dos Peul, que se saldou com o domínio Fula sobre os Mandinga na Guiné portuguesa. Carlos Lopes dá por demonstrado que o Kaabú deve ser visto como um elemento de referência para qualquer categorização histórica desta região “O Kaabú deixou uma pesada herança aos Estados da Guiné-Bissau, Gâmbia e Senegal. São os herdeiros da estrutura política instituída no fim do século XIX pelos portugueses e, do outro lado das fronteiras de 1886, pelos franceses e ingleses”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10498: Notas de leitura (415): Uma viagem à Lapónia que ficou por Bissau (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10518: Parabéns a você (482): Jovem amiga Cátia Félix

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10514: Parabéns a você (481): Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10517: História da CCAÇ 2679 (53): "Ataque" muito certeiro (Jose Manuel M. Dinis)

Vista aérea de Bajocunda
Foto: © Amílcar Ventura, com a devida vénia

 
1. Em mensagem do dia 9 de Outubro de 2012 o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos mais um pouco da história da sua Unidade, desta vez um perigoso ataque à Messe de Bajocunda.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (53)

"ATAQUE" MUITO CERTEIRO AO EDIFÍCIO DA MESSE EM BAJOCUNDA

O edificio da messe em Bajocunda, era uma antiga casa colonial, que ainda abrigava a enfermaria e os quartos da furrielada. Ficava a uns cem metros, a partir das traseiras (norte), da vedação de arame. Algumas árvores frondosas o alguns arbustos, escondiam o edificio do exterior do aquartelamento. A frontaria (sul) dava para a parada, e era contigua à entrada principal para a zona aquartelada, delimitada por uma precária protecção de arame. Sob o alpendre do limite oeste da área militarizada, funcionava a messe, conquanto as refeições fossem preparadas longe, na cozinha. Do lado oposto à messe, funcionava a enfermaria, e junto a ela a oficina mecânica e o abrigo dos auto-rodas. Depois deste, situava-se o morteiro 60, protegido por um muro-abrigo. Depois, num alinhamento a 90 graus, surgia a capela, um espaço aberto, com um pequeno altar e uma cruz. Seguiam-se os edificios da cantina e transmissões, e a secretaria. Do lado sul da parada, de forma afunilada, situavam-se os quartos dos oficiais, e o edificio onde funcionava a secção de armamento. Uma vedação de arame, acompanhava a rua principal até à entrada principal, já assinalada. No meio ficava o pau de bandeira e o submarino, designação de um paiol pela semelhança com um submersível.

Depois desta descrição parcial sobre a urbanização bajocundense, vamos à estória.

Em Africa o sol põe-se cedo e quase regularmente pelas dezoito horas. Era a hora do jantar, apesar de não ter sido prática o horário inglês. Às vezes atrasava-se a manja, quando o pessoal operacional se atrasava um pouco no regresso ao aquartelamento. Sem luz durante a maior parte das noites, mas com candeeiros de pitrol, o pessoal recolhia cedo, na medida em que pelas seis da manhã já fervilhava o dia.

Uma noite, pelo menos eu e o Pedro, ficámos à conversa despreocupadamente e sem cuidar das horas. Tenho a dúvida sobre a eventual participação de um terceiro. Da conversa, nem a mínima recordação. Nos quartos, os furriéis ali presentes já dormiam. Até que surgiu uma extraordinária ideia, a de desencadearmos um ataque à messe, e pregarmos um cagaço aos dorminhocoss. Se bem pensado, e logo decidido, foi melhor executado. No essencial, consistiria no arremesso de garrafas para o telhado de zinco, que reproduziria metalicamente os ruídos dos impactos, enquanto um de nós atravessaria os quartos gritando que era um ataque. Pensávamos nós que a barulheira e os gritos, induziriam o pessoal na busca de protecção.

Fomos então recolher algumas garrafas vazias que, em ambiente de grande respeito pela naturaza, estavam espalhadas por toda a parte. Reunimos um municiamento adequado, mas, entretanto tinha-me ocorrido uma paródia suplementar, um cagaço de prémio aos mais queridos camaradas, que eram aqueles que estavam mais a jeito, em sono profundo e descontraído. Consistiu a iniciativa em atar os pés aos pés das camas. Não era obviamente com a ideia de os estropiar, antes para aumentar a ansiedade de cada um, e ampliar a confusão. Tudo pronto, faltava a ordem de ataque. Quando eu começasse a lançar as garrafas, o Pedro daria o alarmante alerta. Andavam ali mãozinhas de turras. Fiéis à sua combinada ideologia de um por todos , todos por um, os atacantes não se pouparam a esforços, deram tanta intensidade ao ataque quanto possível, e... os resultados revelaram-se diferentes: uns levantaram-se indignados com a brincadeira e mandavam-nos passear, para Espanha, para a Côte d'Azur, e para outros sítios normalmente muito agradáveis. Eram os de sono leve, que distinguiam bem a saída de uma granada, da explosão de uma garrafa. Outros levantavam-se em cuecas, e apresentavam-se de armas em punho, prontos a fazer frente a qualquer afronta. Eram os mais perigosos, daqueles que poderiam abater o inimigo, qualquer que fosse, dentro das instalações do quartel. Finalmente, havia uns gajos, pró mal educado, que berravam no bréu dos quartos, compelidos pelo instinto de defesa, mas, também, sem a necessária consideração pelos camaradas que lhes facultavam a título gracioso um treino tão necessário quanto oportuno. Depois, feitos mariquinhas, ainda se mostravam zangados por, às escuras, verem uns vergões à volta dos tornozelos, em resultado da teimosia de quererem sair sem se libertarem previamente das guitas. Não lhes posso perdoar. Esse registo, por ser absolutamente impróprio a narrativas neste espaço, recuso-me a relatá-lo.

Do evento não resultaram baixas, nem para as NT, nem para o humaníssimo IN. Felizmente, não houve ocasiões posteriores para comprovar a oportunidade do exercício de treino, como a apreensão da melhor forma de reagir naquelas circunstâncias. E voltaram a dormir, os calinas!

Houve mais tarde um episódio quase familiar com este, mas teve origem em delírios paranóico-etílicos. Acho que o relatarei um dia.

Bajocunda > Tabancas ardidas durante flagelação

Bajocunda > Roquetadas entre portas

Bajocunda > Roquetada no telhado mesmo edifício
Fotos de  Pedro Nunes
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10339: História da CCAÇ 2679 (52): Vietnam (José Manuel M. Dinis)