Queridos amigos,
Confesso que o que mais me interessava nesta viagem ao Bussaco era mostrar à neta aquele estranho intercâmbio entre a história, o prodígio do neomanuelino e a opulência do "deserto" dos Carmelitas Descalços, forcejaram, e foram bem-sucedidos com uma mata pontuada de capelas, ermidas e de via sacra, cuja importância foi reconhecida pela UNESCO, em 2006, como património. Preparei-me para esta itinerância lendo "Ama o precipício, viagem à Mata Nacional do Bussaco", por Susana Neves, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2022, uma história de botânica, um convento forrado de cortiça, um deserto de monges que era um verdadeiro paraíso de cervos, javalis, lebres e lobos por ali viviam livremente entre violetas, espargos, jasmins, narcisos, acantos e cardos, muita passarada saltando entre carvalhos, freixos, álamos, loureiros, plátanos, castanheiros e ciprestes. É uma viagem de eleição, não só pela exótica mistura de aromas de cedros e muitas outras árvores de montanha, como o Palace Hotel ali prantado, um dos espécimes icónicos do neomanuelino e lá ao fundo o Museu Militar do Bussaco. Como diz a autora, temos aqui uma eloquente conjugação de graça divina, natureza e arte.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (75):
Do Luso para o Bussaco
Mário Beja Santos
Está na hora de partir, aguardo que filha e neta se aprontem. Nunca perco a curiosidade de bisbilhotar os folhetos turísticos e a sua peculiar linguagem. Quanto ao Luso, diz-se que as origens da vila termal se perdem na noite dos tempos. “Idílico terreiro onde nasce e floresce a puríssima Água do Luso, apresenta-se como mágica antecâmera da esplendorosa Mata Nacional do Bussaco. Desde há quase duas centenas de anos, Luso é destino romântico de quem procurou cura, nas suas poderosas águas termais, especialmente no período romântico e durante todo o século XX por monarcas e pelas mais notáveis figuras da política e da cultura portuguesas”. E quanto ao próximo destino, o Bussaco: “Esta floresta mágica remonta ao século XVII, quando monges da Ordem dos Carmelitas Descalços aí se instalaram e se dedicaram à plantação de espécies vegetais do mundo inteiro, dando origem a uma das melhores coleções dendrológicas da Europa”. E destaca o conjunto patrimonial a visitar, o natural e construído. Sobe-se à Mata e entra-se no Convento de Santa Cruz do Bussaco. Os Carmelitas Descalços deram permissão em 1628 para aqui construir o seu “Deserto”. E no folheto informativo que me entregam consta que os frades, ao verem pela primeira vez esta paisagem, terão comentado: “Aqui é a vontade de Deus que se funde; murem este sítio, que tem ele o melhor deserto da Ordem. Porque se agora inculto, rude e tosco, é o que admiramos. Cultivado, será um paraíso terreal”. Em 1630, a maior parte do edifício do Convento estava finalizada. Estamos agora no atro do Convento, frente ao cruzeiro. Mais indicações do folheto, segundo o historiador Paulo Varela Gomes, o modelo arquitetónico deste Convento é a representação da cidade de Jerusalém, modelo seguido pelos Carmelitas na construção dos seus Desertos, sendo o Templo de Salomão o ponto nuclear desta paisagem do sagrado. É o ponto de partida para uma atmosfera onde pontificam ermidas, capelas, fontes arquitetónicas, a via sacra. Começa a viagem.
Lápide que recorda a presença do general Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington, no Convento, ele será o vencedor da batalha do Bussaco, em 27 de setembro de 1810
É comovente toda esta construção com cortiça e pequenos elementos pétreos, os embrechados, uma construção que reflete a postura austera da comunidade segundo as constituições da Ordem, há revestimento de cortiça no nártex do Convento e nos mais diferentes espaços.
Percorre-se o vestíbulo, o corredor do Claustro, temos a capela Ecce homo, confirma-se que estamos perante uma construção simples em que mesmo as manifestações decorativas não dão qualquer margem à pompa ou sumptuosidade. Entra-se pela portaria de três arcos, e a olharmos essa simplicidade, iremos ver mais tarde que ela se prolongará na decoração das portas e da cerca, da via sacra, das capelas de devoção das ermidas.
Aqui ficam alguns detalhes deste Convento tão cativante, e tão bem tratado, está cheio de mística, procuro, em jeito de despedida pensar o que era o deserto dos Carmelitas Descalços da Província de S. Filipe de Portugal – assim se designava o ermitério do Bussaco, como eles aqui se prantaram a 500 m de altitude, e desataram a plantar árvores, devem ter sonhado com o Monte Carmelo nesta serra alcantilada e pluviosa, pois aqui se deu a batalha do Bussaco, Massena saiu daqui completamente desorientado e aqui ao lado temos uma joia do neomanuelino, o Palace Hotel. Vamos continuar a viagem.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 29 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23747: Os nossos seres, saberes e lazeres (536): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (74): Da Curia para o Luso (Mário Beja Santos)