Há dias tive conhecimento da publicação do livro QUEBO - NOS CONFINS DA GUINÉ, cujo Autor é o nosso Camarada RUI ALEXANDRINO FERREIRA, a quem felicito por nos deixar mais uma excelente obra sobre a guerra da Guiné.
No último capítulo, o Autor formula várias perguntas, das quais se transcreve a que se refere à Retirada de Guilleje:
"7.
Porque não se realizou. relativamente ao abandono de Guileje, o
julgamento de Coutinho e Lima? Quais os motivos para uma amnistia, tão
rápida? Porque não prosseguiu o julgamento todo o caminho que lhe
faltava? Quem tinha medo que a verdade não correspondesse à sua?"
Sobre estas interrogações, entendo fazer algumas considerações.
O
meu julgamento não se realizou e não prosseguiu todo o caminho que lhe
faltava porque, em 10MAI74, a Junta de Salvação Nacional (JSN) mandou
publicar o Decreto-Lei n.º 194/74, que amnistiava vários crimes, entre
os quais aqueles de que era acusado e, em consequência, o processo que me
foi instaurado, foi arquivado.
Os motivos para uma amnistia tão rápida só poderiam
ser esclarecidos pelo Sr. General António de Spínola, Presidente da JSN
ou, eventualmente, outros elementos da mesma Junta.
Quem tinha medo que a verdade não correspondesse à sua?
Antes de arriscar uma resposta, vou dar as informações que se relacionam com o assunto.
O Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné teve conhecimento, pelo menos, em 27DEZ72, das intenções do PAIGC sobre Guileje.
Com efeito, consta do Anexo VI - Extracto do
Relatório de Interrogatório - 27DEZ72 (pág. 410 do meu livro - A
Retirada de Guileje, este interrogatório foi efectuado, nessa data, ao
nativo, Mário Mamadu Baldé, de 25 anos, natural de Cacine), o seguinte:
"INTENÇÕES DO IN
...........
2.
NA FRONTEIRA SUL: Refere que o IN pretende fazer um ataque com bastante
força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de
movimentos logísticos de pessoal no corredor de GUILEJE. Para isso,
ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum
estágio de Artª. na Rússia, para futuros reconhecimentos na área de
GUILEJE e preparar a acção."
..........
Só tive conhecimento deste importante documento quando tive acesso ao processo que me foi instaurado.
É INACREDITÁVEL que não me tivesse sido dado conhecimento deste documento, quando fui nomeado Comadante do COP 5, em 8 JAN 73.
Em 15MAI73,
teve lugar no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da
Guiné, sob a presidência do Sr. General António de Spínola, uma
reunião de Comandos, na qual participaram os Senhores Comandantes dos 3
Ramos das Forças Amadas - Exército, Marinha e Força Aérea, o Sr.
Comandante Adjunto Operacional, o Sr. Chefe de Estado-Maior do Comando
Chefe e os Senhores Chefes das Repartições de Informações (REP/INFO) e
de Operações (REP/OPER).
A acta dessa importante reunião, com 63 páginas, encontra-se no Arquivo Histórico-Militar e já foi difundida no nosso blogue.
Dessa acta, transcrevo, a seguir, algumas declarações-
O Sr. Comandante Adjunto Operacional - Sr. Brigadeiro Leitão Marques, afirmou:
"..............
No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o IN está a preparar as necessárias condições de destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de acesso (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica - isto está já ao alcance das suas possibilidades militares.
Quanto às vantagens para a manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer
êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa
constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa.
..............
Assisti ao pressionamento
psicológico ao povo americano, por causa dos seus prisioneiros no
Vietnam do Norte durante quatro anos e senti em toda a sua profundidade o
efeito desmobilizador desse pressionamento, o qual, em larga medida,
juntamente com o elemento económico, levou à agitação interna das massas
e à capitulação , apesar de todo o poderio militar americano.
O que acontecerá se tivermos de enfrentar situação semelhante?
................."
Nota - Os sublinhados são meus.
Da intervenção do Sr. Chefe da REP/INFO ( Sr. Ten Cor. de Infª. Artur Baptista Beirão), transcreve-se:
"...........
No imediato, julga-se que o IN:
..........
_ intente uma acção tipo
convencional com carros de combate contra GADAMAEL, GUILEJE e/ou
BURUNTUMA, tirando partido da vulnerabilidade destes pontos a este tipo
de acções e visando o aniquilamento ou captura das guarnições;
..........
Num futuro próximo, prevê-se que o IN, partindo do clima de denso agravamento que a sua actividade imediata proporcionará:
_ temte a eliminação sistemática das guarnições mais expostas sobre a fronteira, em acções isoladas de tipo convencional;....
...........
Resta
referir , a finalizar, ....não permitem, como desejaria, uma melhor
adjectivação das zonas preferenciais de esforço do IN...
...e apenas pode concluir-se por uma situação na qual todo o T.O., sem qualquer exclusão, acaba por constituir uma vasta área de preocupação, na qual dificilmente se podem, no momento, visualizar priorizações.
..........."
Ainda, relativamente às intenções do IN, no âmbito da REP/INFO, transcrevo parte da pág, 40 do meu livro:
"Em 09MAI73, a CCAÇ 3556 (EMPADA), enviou a mensagem 499, comunicando a
existência de um grupo In na fronteira, com carros de combate que
pretendiam atacar GUILEJE; a mesma Companhia rectificou esta mensagem
através de outra - 507/73, referindo a presença nas matas de GUILEJE de
um grupo de 35 cubanos e dois grupos de 45 elementos cada, preparados
para atacar e aguardando ordens de "NINO".
Em 15MAI73, a CCAÇ 6 (BEDANDA) informou, através da mensagem
586/C, a chegada em 10MAI, de 4 grupos vindos da REP. GUINÉ e a
chegada a KANDIAFARA de cerca de 50 cubanos. Esta mensagem não foi
enviada ao COP 5".
Da intervenção do Sr. Chefe da REP/OPER (Sr.Ten Cor. do CEM Mário Martins Pinto de Almeida), transcreve-se:
".............
Se não forem concedidos os reforços solicitados as armas que permitam às NF enfrentar o IN actual...
julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando
guarnições que sob o ponto de vista militar se considerem essenciais e
que permitam, à luz de outras concepções de manobra, desencadear mais
tarde acções ofensivas de grande envergadura para recuperação das
posições enfraquecidas, ou estruturar uma manobra de feição
caracterizadamente defensiva baseada na implantação de um certo número
de pontos de apoio a sustentar a todo o custo. Mas neste caso, as
missões actualmente dadas às NF, em termos de protecção das populações e
apoio ao esforço principal da manobra de contra-subversão centrado na
manobra sócio-económica, teriam de ser revistas.
...........
A ameaça de utilização,
pelo IN, de carros de combate, em golpes de mão sobre as guarnições de
fronteira, aconselha a, desde já, dotar, pelo menos as guarnições
indicadas pela Repartição de Informações como mais susceptíveis de
ataques deste tipo, de meios que permitam a sua defesa anti-carro. Com o
armamento que possuem e com o pessoal treinado para o tipo de guerra
que temos enfrentado até ao presente, as guarnições apresentam-se
impotentes e inaptas para fazer face à nova ameaça."
Lembra-se que, na data
(15MAI73), em que se realizou a Reunião de Comandos, já estava em
curso, desde 08MAI, o ataque do PAIGC a GUIDAGE: É bastante estranho
que, na acta da referida reunião não apareça nenhuma alusão a tal
acontecimento.
As transcrições atrás indicadas, merecem-me os comentários seguintes.
Acerca da intervenção do Sr. Brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional que, em 22MAI73, foi nomeado, pelo Sr, General Comandante-Chefe para proceder a auto de corpo de delito contra mim.
Se eu tivesse conhecimento desta acta de Reunião de Comandos,
quando fui por ele ouvido, em 31MAI73, perante a última pergunta:
"Quando decidiu retirar tinha ponderado os altos prejuízos para a Nação resultantes desse procedimento?"
Certamente, ter-lhe-ia respondido com a pergunta seguinte:
"Pensou bem na hipocrisia desta pergunta, face às suas declarações na Reunião de Comandos de 15MAI73?"
Acerca das declarações do Sr. Ten. Cor. de Inf.ª Artur Baptista Beirão, Chefe da Repartição de Informações, teria formulado as seguintes perguntas:
- Quais as diligências que mandou efectuar,
relativamente ao Relatório de Interrogatório, feito em 27DEZ72, ao
nativo Mário Mamadu Baldé, tendo em vista a verosimilhança e fiabilidade
desse relatório e a que conclusões chegou?
- Porque não me foi dado conhecimento desse relatório, depois de eu ter sido nomeado, em 08JAN73, Comandante do COP 5?
-
Porque julgava que o IN intentasse, no imediato, "uma acção tipo
convencional, com carros de combate, contra GADAMAEL, GUILEJE,...",
quando esta comunicação da Companhia de EMPADA, em 09MAI73, foi
rectificada por outra mensagem da mesma Companhia?
-
Porque não foi enviada ao COP 5, em 15MAI73, a mensagem 586/C da
Companhia de BEDANDA, informando a chegada em 10MAI, de 4 grupos vindos
da REP. GUINÉ e a chegada a KANDIAFARA de cerca de 50 cubanos?
- As mensagens das Companhias de
EMPADA e BEDANDA, associadas a outras eventuais informações que a
REP/INFO tinha, não eram suficientes para prever, com grande
probabilidade um ataque do IN a GUILEJE?
Acerca das declarações do Sr, Ten. Cor. do CEM Mário Martins Pinto de Almeida Chefe da Repartição de Operações, teria feito as seguintes perguntas:
- Nas suas declarações na Reunião de Comandos de
15MAI73, quando referiu que era necessário reforçar guarnições... que
se considerasssem essenciais, estava a pensar na guarnição de GUILEJE?
Se a resposta for SIM, que propostas fez para que esta guarnição fosse
reforçada?
- Tendo afirmado que era necessário dotar
com meios de defesa anti-carro, as guarnições que a REP/INFO
considerasse mais susceptíveis de ataques desse tipo e tendo esta
Repartição indicado GUILEJE como uma das mais ameaçadas, no imediato, que propostas fez para que GUILEJE fosse dotada de meios de defesa anti-carro?
Para
concluir e atendendo às considerações feitas, atrevo-me a afirmar que quem tinha medo que a verdade não fosse a sua, seriam o Sr.
Comandante-Chefe, o Sr. Comandante Adjunto Operacional ( que, da
maneira como conduziu o auto de corpo de delito, não teve como objectivo
primeiro a procura da verdade) e os Senhores Chefes das Repartições de
Informações e Operações.
Com os meus cumprimentos
Alexandre da Costa Coutinho e Lima
(Coronel de Artª. Reformado
Ex-único Comandante do COP 5, em GUILEJE)
************
OBS: O nosso pedido de desculpa ao Coronel Coutinho e Lima pela demora na publicação desta sua mensagem.
O editor
____________************
OBS: O nosso pedido de desculpa ao Coronel Coutinho e Lima pela demora na publicação desta sua mensagem.
O editor
Nota do editor
Último poste da série de 3 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13685: Notas de leitura (637): “Do Outro Lado das Coisas", do Embaixador João Rosa Lã (1) (Mário Beja Santos)