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sábado, 24 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25876: Os nossos seres, saberes e lazeres (642): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (167): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 6 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Pus-me ao caminho, regresso de Figueiró dos Vinhos em direção a Tomar, primeiro pelo IC8, aproveito as boleias que dá à autoestrada, vou até Alvaiázere, e depois Tomar, são tudo territórios da interioridade, a romagem a que me propus culmina da visita à Charola do Convento de Cristo que teve limpeza no exterior e brilha ao Sol. É dessa viagem que perguntas sem resposta, sobraçando um livro de Paulo Pereira sobre o Convento de Cristo que ali estive sentado a extasiar-me com a Charola e o Portal Sul, pois cativa-me estar diante de uma das mais intrincadas peças da arquitetura peninsular, aqui há estilos que vão do românico ao gótico, do gótico ao manuelino e deste ao primeiro renascimento e ao maneirismo do tempo dos reis Filipes, tenho dúvidas que exista outro monumento com tal caligrafia de estilos em sequência diacrónica. A romagem está feita, impõe-se o desejo de voltar, enquanto houver forças, há sempre o ir e o voltar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (167):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior – 6


Mário Beja Santos

Quando ia para Casal dos Matos, na viragem do século, bordejava a cidade de Tomar, seguia pelo IC3 até apanhar o IC8, e daqui, entre Figueiró dos Vinhos e a vila de Pedrógão Grande, infletia no Outeiro do Nodeirinho, Figueira, e chegava àquela casinha toda reabilitada de que guardo imensa saudade. Já nessa altura dava para perceber onde estava a fronteira da interioridade, pelo IC3 viam-se as casas abandonadas, os campos expetantes, a evidência dos sinais do abandono; a confirmação chegava quando se andava por aquelas pequenas estradas com portões datados dos anos 1950 e anos 1960, do modo geral as casas em ruína. Há para ali uma autoestrada agora com SCUTs, são raros os carros que por ali circulam, mas é uma viagem que nos elucida sobre os tais abandonos que parecem irreversível e os sinais de quem recuperou o casario, mas a interioridade é indisfarçável.

É a pensar no que mudou neste quarto de século que vou a caminho da última etapa desta romagem de saudade, já que tive casa bem perto de Tomar, que troquei com a de Casal de Matos, gosto imenso do aprazimento de Tomar, da escala contida dos edifícios e do seu impressionante património, aqui faço escala para ver um dos mais belos edifícios do património português, a Charola, que está de cara lavada.

Entro no Castelo e continuo com dúvidas por resolver, aquele Castelo possui a melhor tecnologia do seu tempo, imaginaram aquele alambor que impede a escalada das muralhas, a fortificação é sólida em todos os seus lados, lá dentro está a Charola templária, tudo em estilo românico, bem perto da Charola os pequenos claustros góticos do tempo do Infante D. Henrique, como só vejo os claustros questiono onde vivia o Navegador, não consigo obter resposta, sei que houve um paço, das janelas do claustros só vejo pedras no chão, todas aquelas muralhas rasgadas de janelas levam ao pressentimento de que houve para ali habitação, consta que o Infante aqui viveu e num ponto mais ermo a rainha viúva de D. João III, D. Catarina de Áustria, mas aonde?

Rendo-me ao facto de ter diante dos olhos o mais rico depoimento arquitetónico português, o românico, o gótico, o manuelino, o primeiro renascimento, o maneirismo, tudo em sequência, em paredes meias. Por aqui andou D. Afonso Henriques que se dava bem com o Grão-Mestre templário, Gualdim Pais, era a Reconquista Cristã, os guerreiros monges defendiam toda esta linha do Tejo, como atesta o Castelo de Almourol. Diz a historiografia que foi D. Gualdim, que andou uns bons anos em Cuzada lá para Jerusalém, que escolheu este ponto, a Charola iniciou-se por volta de 1160 e concluiu-se em 1250. É um dos monumentos mais importantes de planta centrada de tradição templária.

É o que hoje me trouxe a este ponto alto de Tomar, a Charola, com a sua estrutura cilíndrica e aquele assombroso interior liturgicamente configurado por uma planta circular, octogonal pelo interior (o tambor central possui oito faces) e no exterior possui panos reforçados por sólidos contrafortes, as imagens tiradas permitem ver que foram eliminados dois desses contrafortes para construir aquele fabuloso Portal Sul, construção manuelina.

Há muita especulação sobre o mítico e o místico da Charola. Que se terá pretendido reproduzir a imagem, o desenho do Santo Sepulcro de Jerusalém, edifício de planta circular; que possuiu uma retórica figurativa que guarda os seus códigos secretos; e há quem especule de igual modo quanto aos códigos manuelinos e já não falo das mil e uma interpretações dos elementos constitutivos da mais bela janela que há em Portugal, a Janela do Capítulo.

Sinto-me feliz por aqui acabar esta romagem, empolga-me a Charola, admiro-a sem mística nem mito, é um empreendimento religioso que fez o seu tempo, D. Manuel tornou o seu interior num empolgante espetáculo cromático, não se pode entrar e admirar o interior da Charola sem ficar esmagado com tal e tanto esplendor. Passo em revista algumas dessas imagens da minha permanente admiração, sempre a perguntar-me onde viveu o Infante D. Henrique e a tal rainha viúva, aquelas pedras no chão não em dão resposta… Vamos então aos pormenores ligados ao fecho da romagem de saudade a sítios que tanto me tocam ao coração.
Arruma-se o carro e fica-se especado diante de muralhas tão imponentes, dá para perceber imediatamente que já não há habitação, fica por saber como desapareceram e porquê tais construções, o que resta é mesmo a imponência da pedra e o vazio do seu interior à mostra.
A porta de entrada no Castelo de Tomar, lá no alto o silêncio do paço régio desmoronado
Propositadamente vim atrás para que se possa ver um detalhe do alambor e a torre da velha igreja que também desapareceu
Sim, a Charola beneficia da alvura de toda a sua pedra, quem a contempla também se questiona sobre aquele cubo lá ao fundo à direita, goste-se ou não, não traz qualquer benefício estético à Charola, aliás há aqui outros pormenores para os quais não se tem resposta, elevou-se a escadaria, é graciosa, contudo há aquele muro quase colado à torre sineira que subtrai um olhar desafogado sobre tão bela construção, e faz pena.
Dá perfeitamente para ver que houve dois momentos da construção, como escreve o historiador Paulo Pereira: “O aparelho dos muros é alvenaria miúda até ao primeiro andar, sendo daí para cima em silharia aparelhada, o que assinala dois momentos de construção: o primeiro do último quarto do século XII até cerca de 1190, altura em que as obras terão sido interrompidas quando se verificaram graves escaramuças entre portugueses e Almóadas; o segundo corresponderá à finalização do templo, por volta de 1250.”
Vê-se nitidamente como o rei D. Manuel quis associar o seu projeto religioso à antiga Charola. Olhando todo este Portal Sul vê-se à vista desarmada que o monarca tinha o seu projeto imperial. O historiador Paulo Pereira fala na identificação mítica do rei D. Manuel com os reis magos com o Emmanuel das escrituras, com David e Salomão, admite uma conotação salomónica da Charola e da igreja do Convento de Cristo. O que nós vemos neste Portal Sul é o deslumbramento religioso, a Virgem com o Menino, uma série de figuras instaladas em mísulas, figuras do Novo e do Velho Testamento, pensamos nos Jerónimos, mas aqui o que é de mais tocante é esta igreja estar diretamente ligada a uma construção que evoca Jerusalém, e temos em frente uma casa do Capítulo que nunca foi acabada e foi neste espaço que Filipe II, em 1581, foi aclamado como rei de Portugal.
Despeço-me do leitor com esta imagem que recorda os dois claustros góticos do tempo do Infante D. Henrique, o do Cemitério e o das Lavagens, houve depois uns restauros no século XX, mas a pergunta continua sem resposta, onde era o paço do Infante D. Henrique, o Navegador não tinha acomodações? E com esta pergunta sem resposta findo uma romagem de saudade que me lavou a alma.

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Nota do editor

Último post da série de 17 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25850: Os nossos seres, saberes e lazeres (641): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (166): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 5 (Mário Beja Santos)

sábado, 17 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25850: Os nossos seres, saberes e lazeres (641): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (166): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 5 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Fica-nos a resignação de que o tempo não dá para tudo, se é verdade que se viu o passadiço das Fragas de S. Simão, um ponto alto das belezas naturais de Figueiró dos Vinhos, não se pôs os pés sem criado passadiço do Penedo do Granada, no vale do Cabril, seja como for ainda se foi ao Moinho das Freiras, que tem muito para ver com as ondulações do Zêzere entre as fragas e penedias. Chega-se a Figueiró dos Vinhos, já se tinha saudado o pintor Malhoa, havia que escolher entre o Convento de Nossa Senhora do Carmo e a igreja matriz, preferiu-se esta, guarda no seu interior, mesmo à entrada do lado esquerdo uma terna lembrança da gente do concelho que tombou lá na Flandres. E subiu-se às Fragas de S. Simão e dali se desceu à praia fluvial, tudo beleza magnânima, um curso de água esplendente protegido pelo arvoredo, cada vez que percorro estas imagens pergunto-me se os nossos artistas paisagistas conhecem este rincão e o gravam nos seus quadros, é natureza propícia para fascinar artistas (e dos visitantes já não falo, andam por ali esmagados e a gozar com aquelas penedias que na primavera se enchem de pedreiras, parecem andorinhas, vieram fazer ninho).

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (166):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior – 5


Mário Beja Santos

O tempo não é elástico, terá de ser breve a itinerância por Pedrógão Pequeno, regressar a Figueiró, percorrer as Fragas de S. Simão e abalar para o último dia da romagem de saudade, ver obras na Charola de Tomar. Escreve-se este parágrafo com uma ponta de nostalgia, vontade não faltava, embevecido pelas belas imagens o livro Tojos e Rosmaninhos, uma poesia sem graça nenhuma e um desenho de primeira categoria que, havia vontade de fazer o Vale do Cabril quase nos termos em que Alfredo Keil, que vinha acompanhado do cenógrafo Luigi Magnini, andarilhou, os seus desenhos são de facto soberbos, mostram a rudeza daqueles rochedos declivosos que mergulham no Zêzere, é um passei como poucos. Paciência, fica para a próxima, até houve o cuidado em trazer calçado apropriado para a caminhada. Aqui se deixa a menção a este livro, hoje é uma preciosidade para bibliófilos, e algumas imagens sugestivas de quem andou desde Ferreira do Zêzere e Dornes até ao Cabril.

Imagem de uma festa local
Mais festa, desta vez em Pedrógão Pequeno. Olho para a varanda daquela casa e recordo com muita saudade uma varanda quase igual que o senhor Carlos Paulino, carpinteiro e residente na Ribeira de S. Pedro, Figueiró dos Vinhos, executou para uma casa que tive em Casal dos Matos, Pedrógão Grande
Num determinado ponto no bairro do Cabril, onde vivi, avistava-se a ligação da Ribeira de Alge ao Zêzere, a pouca distância da barragem do Cabril, tendo no alto destas penedias o chamado Penedo do Granada, diz a tradição que cantado por Camões
Vim despedir-me do Moinho das Freiras em Pedrógão Pequeno. É um belo recante onde se avista o Zêzere sinuoso que vai a caminho de Constância e aqui entra no Tejo. É um território que tem conhecido incêndios uns atrás dos outros, mas a natureza reocupa-se mais cedo do que a gente pensa, deixa à mostra os fraguedos e as encostas enchem-se de flores silvestres para nos recordar que a primavera é multicolorida e odorosa
Pormenor do altar-mor da igreja matriz de Figueiró dos Vinhos, tendo no centro a pintura O Batismo de Cristo, de José Malhoa
Mudei de concelho, faço uma nova visita de médico a Figueiró dos Vinhos, a praia fluvial de Ana de Aviz ainda está adormecida. A pretexto de tomar um café ainda voltei à igreja matriz, mais um desses templos que vêm do século XIII e conheceram sucessivas reconstruções, entre 1898 e 1904 houve obras de remodelação sobre a direção do arquiteto Ernesto Reynaud, parece que mexeu em tudo menos no pórtico renascentista. As Fragas de S. Simão são verdadeiramente um contraponto, estou agora no miradouro a contemplar as imponentes fragas, a vista pode descer até à praia fluvial ou ao mesmo nível lá do alto, ver na correnteza a aldeia de xisto de Casal de S. Simão. Inaugurou-se há pouco um passadiço que nos leva até à praia fluvial, sempre entre estas fragas e penedos. Ficará para uma próxima viagem a ida ao Casal de S. Simão.
Aqui, gravitamos entre a rudeza agreste e uma paisagem agrícola que se impões no vale. Ao longo do percurso encontramos áreas naturais, com vegetação muito próxima daquela que seria a vegetação climácica, há resquícios de Laurissilva, formação vegetal que em tempos ocupou parte de Portugal continental. Desce-se à procura da praia fluvial, o percurso encanta, há aqui pormenores que devem fascinar pintores amadores de tendência impressionista, naturalista, romântica.
No cimo da ponte que nos vai ligar à praia fluvial, tendo tido a sorte de um potente raio de luz que se rasgou de um céu cinzento, aqui temos as águas da Ribeira de Alge que vêm da praia fluvial e no verão lá mesmo no fundo é possível encontrar campistas a gozar as delícias desta natureza.
Aqui é a praia fluvial, ainda ninguém se quer banhar nesta água gelada, as comportas estão abertas, lá vai esta água em cachão, barulhenta, em festa, deixam-na a correr em total liberdade. E aqui me despeço do pinhal do interior, também tenho muitas saudades de Tomar e estou bem curioso em ver a limpeza ao exterior da Charola que vem do século XII.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 10 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25827: Os nossos seres, saberes e lazeres (640): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (165): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 4 (Mário Beja Santos)

sábado, 27 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25782: Os nossos seres, saberes e lazeres (638): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (163): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se afiança que Figueiró dos Vinhos oferece muito mais do que uma impressionante exposição de pintores naturalistas no Centro de Artes, em que a pintura de José Malhoa recebe o natural destaque, pois ele aqui viveu e morreu. Figueiró é uma vila mimosa, muito florida, não só cercada pela natureza, sente-se à vista desarmada que tem uma singular oferta a quem a visita, praia fluvial, percursos pedestres, trilhos, quanto ao seu património edificado o concelho tem os seus valores na igreja matriz, no Convento de Nossa Senhora do Carmos e também nas ferrarias na Foz do Alge, elas foram fundamentais nas lutas liberais. Digamos que foi visita de médico, partiu-se para Casal dos Matos, onde houve residência secundária que era uma ternura, não havia quem ali chegasse que não se desdobrasse em louvores. E seguiu-se para Pedrógão Grande, aqui se tem dormida, na manhã seguinte ir-se-á bater à porta de Pedrógão Pequeno.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (163):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior – 2


O ponto de partida da visita a Figueiró dos Vinhos foi a visita a O Casulo, a casa que José Malhoa transformou para sua habitação e ateliê, seguiu-se a Casa das Artes e Museu, está dia chuviscoso e tenho uma certa ânsia de me pôr ao caminho, de Figueiró a Outeiro do Nodeirinho, daqui até Figueira, e depois contemplar, com profunda mágoa, a ruína de uma casa que ajudei a remodelar e de que guardo as mais gratas memórias. Mas que o leitor saiba que Figueiró dos Vinhos tem muito para oferecer, andei com as minhas filhas na praia fluvial Ana de Aviz, hei de despedir-me desta romagem de saudade nas Fragas de S. Simão, há percursos pedestres aliciantes, pormenores de património edificado que vale a pena visitar, é o caso da igreja matriz, de uma outra estaria em ruínas no século XIV, com profundas alterações ao longo dos séculos, tem bela azulejaria, os capitéis são renascentistas, dispõe de boa pintura do século XVI e no altar-mor está uma pintura de José Malhoa intitulada O Batismo de Cristo, de 1904. E posso afiançar que os arredores oferecem panoramas aliciantes e pormenores históricos curiosos como a Antiga Ferraria da Foz do Alge, situada na Ribeira de Alge, viveu duas épocas distintas: a que terminou no tempo do Marquês de Pombal e a segunda, iniciada no reinado de D. Maria I, que se estendeu até final das lutas liberais.
Antiga Ferraria da Foz do Alge
Ninguém esqueceu o pavoroso incêndio que assolou povoações de Pedrógão Grande em 2017, morte e destruição. A casa de agricultores que começara a reconstruir no princípio do século, reconstrução em fases, primeiro o telhado, dois quartos, um salão, cozinha e casa de banho, restaurou-se a adega, consertaram-se as pipas e as telhas, lajeou-se todo o pátio, como os invernos são verdadeiramente álgidos, pôs-se uma salamandra na cozinha, o carpinteiro caprichou a fazer o varandim; na segunda fase alterou-se profundamente a chamada casa dos cereais, a casa da mula, a charrete e a carpintaria mereceram restauro, aqui se conviveu e havia força anímica para aqui se passarem as férias e as estadias breves de fim de semana. Houve depois a troca por uma casa em Tomar, continuou-se a fazer visitas e a ver com agrado, que os novos donos, professores de Educação Física, introduziam acrescentos e eu via crescer um rododendro de folhas brancas, os kiwis, as oliveiras. Por razões de pudor, não mostro o escombro, a vegetação viceja entre as ruínas, o dono atual terá regressado ao seu país, não terá recursos para voltar a pôr de pé este recanto encantador. Aqui se viu tudo especado e amargurado. Partiu-se para Pedrógão Grande, aí se dormirá e amesendará.
Estou agora na igreja matriz de Pedrógão Grande, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, a construção primitiva data do período da Reconquista (séc. XII), mas o essencial do que vemos no seu interior é marcado pelo período manuelino e pelo barroco. Confesso que sinto uma forte atração por esta abóbada polinervada sobre o altar-mor, obviamente sujeita a restauros, tem uma sinalética curiosa, bem gostaria de identificar ao pormenor o que estou a ver.
É uma das lajes funerárias proeminentes que guarda o transepto, trata-se da sepultura perpétua de Pedro Carvalho Andrada Leitão e seu herdeiros, ele faleceu a 26 de junho de 1640, não chegou a ver a Restauração.
É um belo monumento nacional, impossível não gostar deste púlpito lavrado, adossado à coluna.
A entrada principal prima pela severidade, anoitecia, o que oferece a oportunidade a quem capta imagens de gerar um contraste entre a profusão de dourados do altar-mor e o que de austero capta a vista em profundidade.
Este monumento nacional prima por ter este corpo em andares, uma inusitada torre cimeira, há a vantagem do desafogo com que pomos os olhos, assombrados pela singularidade da construção e pela qualidade da intervenção a que tenho sido sujeito, é um tempo inigualável.
Vista que vai do pelourinho à torre sineira
Pedrógão Grande, tal como Figueiró e outros locais do Pinhal Interior, goza do privilégio de ter dentro da vila múltiplos sinais da natureza, vadiando por azinhagas e caminhos deu para encontrar estas duas orquídeas selvagens, no entanto eram as grandes manchas de amarelo de flores silvestres que pronunciavam o vigor primaveril.
Procurou-se o Centro de Interpretação, é mesmo uma curiosidade, fizeram-se obras num casarão que se arruinou, consolidaram-se paredes esventradas, fez-se no interior um património remoçado, tem sala de exposições e auditório, publicações e produtos artesanais, aqui colhem-se informações, pena não haver um folheto que elucide o visitante de que Pedrógão tem as suas pérolas a oferecer: a igreja matriz, a igreja da Misericórdia, alguns museus, ruínas romanas, nos arredores, em Troviscais, um museu multimodal com objetos da I República, da Maçonaria, do povo ratinho que por aqui passava a caminho ou vindos do Alentejo, deixou marcas que um colecionador põe à disposição do público, são imprevistas e muito impressíveis as recordações que todos estes objetos nos deixam, imagens de grande valor etnológico e etnográfico, marcas do culto artístico e de valioso património acolhido neste ponto do Pinhal Interior.
A neblina começa a tomar conta da barragem do Cabril, deste imponente parapeito vê-se o caminhar do Zêzere que se irá encontrar com o Tejo ali em Constância, aqui nos detemos na esperança de um bom pitéu regional, a barragem faz fronteira com a freguesia de Pedrógão Pequeno, concelho da Sertã, onde também se viveu e se vai recordar.

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25764: Os nossos seres, saberes e lazeres (637): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (162): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 1 (Mário Beja Santos)

sábado, 24 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22400: Os nossos seres, saberes e lazeres (461): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
Recebe-se um aviso do Google que há para ali um excesso de imagens, é uma sobrecarga que gera lentidão no funcionamento do computador. Para não cometer barbaridades no esvaziamento desse paquiderme de imagens, põe-se tudo no ecrã e descobre-se, com uma ponta de amargura, que se andou por ali e aqui mais próximo a desfrutar em interiores e exteriores, e que não se deu conta do recado, tornar essas imagens conviventes, a palavra é estafada mas sintetiza a motivação que as levou a tirar e guardar: partilhá-las, foram coisas de que se gostou, podem interessar a A, B ou C, dar ideias para uma visita ou itinerância. Por pura cabulice, deixei cristalizar estas imagens até chegar a advertência de que delas tenho de me desfazer, pois não será de qualquer modo, reparto-as em sede própria, se me deram satisfação a registar pode muito bem acontecer que venham a ser bem acolhidas e até dêem ideias para que de outras câmaras haja outros envios para o nosso extremoso blogue.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (8)

Mário Beja Santos

Parte-se para um evento, leva-se a devida carga de curiosidade, casos há em que previamente se estuda o que se vai ver, é regular a vontade de partilhar o que se olhou e viu, aquilo que ganhou sentido e merece alguma cogitação. Será porventura o caso destas imagens em que houve, digo-o sinceramente, a determinação de as pôr em ordem e mostrá-las aqui, o diabo tece-as, entrepõem-se outros misteres, perde-se o rumo ao que se guarda na câmara, e acontece o dia em que se abre no ecrã do computador este caleidoscópio, sente-se inicialmente um amargo de boca, ora, mais vale a emenda do que o soneto, toca de cerzir ajuntamos de imagens, há evidentemente uma lógica, e de algo que se passou de Castanheira de Pera para Figueiró dos Vinhos e daqui para Tomar se dá conta do que surpreendeu e que cada um, dentro do possível, desfrute ou ganhe apetência para ir ao encontro do que estas imagens fazem sonhar.

A Casa da Criança em Castanheira de Pera, torrão natal de Bissaya Barreto, médico filantropo que criou todo este projeto – são 25 casas da criança, todas elas com muita proximidade – e responsável por uma visita que é quase obrigatória em Coimbra – o Portugal dos Pequeninos. O médico fez muito pelas crianças e a vivacidade destes azulejos falam por si. Acontece que viera a Castanheira de Pera com alguns amigos que pretendiam conhecer o que fora o mundo têxtil da região, bem desapontados daqui saíram, o que podia ter sido um valioso património industrial vai caindo aos bocados. Era inevitável irmos ao centro histórico da vila, viu-se o jardim, que guarda pergaminhos, mostrei uma magnólia como não conheço outra igual, e todos à uma foram espreitar os azulejos, houve elogio unânime. E bem merecido, digo entre parênteses. Passou-se por outro programa e as imagens ficaram. Só que…


Painel de azulejos na Casa da Criança de Castanheira de Pera. As Casas da Criança são coloridas, com muitos mosaicos, com linhas redondas, envolvidas em espaços verdes e induzem um ambiente de vivacidade e alegria.

Mais tarde, havendo notícia de uma exposição do belo edifício do Museu e Centro de Artes de Figueiró dos Vinhos, para ali se foi num princípio de tarde, era irresistível tirar imagem da Casa da Criança, com toda a sua garridice, posso supor que nenhuma criança hesita em ali entrar. Quanto à exposição, Figueiró dos Vinhos tem alguns trunfos a dar sobre aquilo que se chama a escola naturalista, um dos sumo-sacerdotes desta corrente artística viveu ali a escassos metros, numa moradia chamada O Casulo, felizmente bem cuidada, era a casa de José Malhoa que adorava o sol de Figueiró, que interpelava velhinhas na rua, pintou até mesmo no dia em que partiu para as estrelinhas, adorava a região. Aqui também viveu Simões de Almeida, o sénior e o sobrinho, é possível contemplar belas esculturas de ambos, mas há exposições em que aparecem outros naturalistas como Silva Porto ou Henrique Pinto. Por ali se cirandou vendo obras algumas delas de grande envergadura, houve ideia de fazer delas registo, novas andanças da roda do destino, esqueceu-se que estava na câmara, mais vale tarde do que nunca, fica feito o convite para vir a Figueiró e visitar este Centro de Artes, mesmo O Casulo, e no altar-mor da Igreja há um batismo de Cristo assinado por José Malhoa. E aproveito para lembrar que em Figueiró ajudei a organizar um convívio da CCAÇ 2402, a pedido do saudoso Raul Albino, a autarquia foi recetiva ao meu pedido, recebeu toda a comitiva no Salão Nobre e cedeu as viaturas a seguir ao almoço para um belo passeio em todo o concelho. E fica a sugestão para outros encontros de unidades militares, comer satisfatoriamente e abraçar camaradas para sempre é uma dádiva irrecusável, mas se houver um bom passeio, ainda melhor, mais fica para a recordação.

Casa da Criança de Figueiró dos Vinhos
Museu Centro de Artes de Figueiró dos Vinhos, imagem de uma exposição
Há uns anos, a minha extremosa neta pediu-me para a levar a um aquaparque, mas não queria visita de médico. Encontrei a solução ali para os lados de Minde, perto das grutas de Mira d’Aire, alugam-se umas casas de madeira e o aquaparque é estonteante. Coube-me em exclusivo o ofício de andar a escorregar na água por toda aquela tubagem, com queda na piscina, a neta a insistir que queria mais, cheguei ao fim da tarde que não podia com uma gata pelo rabo, mas vê-la tão contente, aqueles olhos azuis a relampejar de alegria, fez-me esquecer a canseira. Ora, perguntará quem tem a paciência de seguir estas linhas, o que tem a ver esta conversa com a última imagem que se apresenta, o Castelo de Almourol? Na minha cabeça tem, viu-se de terra firme o castelo Templário no dia em que se chegou para a jornada de banhos aquáticos em circuito fechado, e no regresso visitou-se a Casa-Museu de Roque Gameiro, esse insigne aguarelista que assina o que o leitor está a ver, e, vamos lá, é de uma rara beleza.


Ficaria mal comigo mesmo se não vos dissesse que estas imagens, de uma exposição que já vos falei, não fossem aqui exibidas. É sempre a exultação da pedra, em pequeno a minha mãe levou-me à Avenida da Liberdade, estavam a refazer a calçada portuguesa com aqueles desenhos rendilhados do basalto embrechado no calcário, o que me impressionava era o trabalhador a sopesar a pedra, a ver se estava conforme, a martelá-la a jeito, afagando o conjunto de vez em quando, como se estivesse num ateliê com um pincel a observar a tela, e a intervir aqui e ali. Daí a importância que atribuo a esta imagem, e depois aquela seteira onde pudemos mirar o que é viver em paz, sem os calafrios de uma investida muçulmana, e por fim mais uma imagem da pedra nessa obra soberba que é o Aqueduto de Pegões, a água levada para o interior do Convento de Cristo, para mim são três imagens impressivas, a preto e branco, e tenho enormes saudades da minha infância, em que tudo era a preto e branco, e até recordo os fotógrafos à la minuta, de que guardo recordações de passeios pelas feiras ou jardins.

Imagem fotográfica extraída da exposição Os Sítios da Pedra, Complexo Cultural da Levada, Tomar, outubro/dezembro de 2020
Imagem fotográfica extraída da exposição Os Sítios da Pedra, Complexo Cultural da Levada, Tomar, outubro/dezembro de 2020
Imagem fotográfica extraída da exposição Os Sítios da Pedra, Complexo Cultural da Levada, Tomar, outubro/dezembro de 2020

E vamos continuar com mais itinerâncias, agora vamos passar para um jardim muito especial, na rua da Escola Politécnica, o Jardim Botânico. Imagine-se, fora uma tarde de surpresas, e ficara tudo cristalizado na câmara, que desperdício para quem aprecia património vegetal.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22380: Os nossos seres, saberes e lazeres (460): A pedra, a fábrica, o rio, a presença da História e da Arte em Tomar (Mário Beja Santos)