sábado, 17 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22380: Os nossos seres, saberes e lazeres (460): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (7): A pedra, a fábrica, o rio, a presença da História e da Arte em Tomar (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
Andei meses a aboborar sobre o significado desta exposição intitulada "Os Sinais da Pedra". Quem a organizou teve a suave inspiração de pôr muitas forças e elementos num diálogo circular: o património do Complexo Cultural da Levada, ele próprio, é força-motriz na história da cidade de Tomar, começou no século XII, declinou no fim do século XX para se tornar testemunho de um passado singularmente glorioso, oferecendo-se agora como espaço multiusos, onde cabem perfeitamente mercados, exposições, conferências, teatro. Tudo se abre para o Nabão ou para a Vila Velha. E foi um verdadeiro sucesso pôr tanta pedra a circular, homenageando canteiros, artífices e escultores, espalhando toda esta pedra em espaço museológico, aqui se fez eletricidade, moagens, como no passado aqui terão funcionado lagares que deram os seus réditos quer à Ordem do Templo quer à Ordem de Cristo. Exposição inesquecível.
Com alegria aqui a registo

Um abraço do
Mário


A pedra, a fábrica, o rio, a presença da História e da Arte em Tomar

Mário Beja Santos

De um texto emanado do turismo tomarense:
“Sob a designação de Levada de Tomar, identificamos um conjunto edificado com um relevante horizonte cronológico, desde o período medieval, passando pela época moderna, até à época contemporânea.
A sua origem remonta aos finais do século XII e, com uma sucessão complexa de contextos espaciais e tecnológicos, a sua atividade de carácter industrial manteve-se até finais do século XX (e, numa das unidades oficinais daquele conjunto, manteve-se até ao início do século XXI).
O conjunto edificado é contiguo ao rio Nabão. A localização geográfica e o enquadramento urbanístico do sítio, intrínsecos à razão de ser e à funcionalidade técnica, produtiva e económica dos equipamentos ali sucessivamente implantados ou adaptados ao longo dos séculos, confere-lhe uma especial qualidade paisagística, em pleno centro histórico da cidade, onde melhor se dá a ler a permanente interação do homem com o meio, assim como a evolução da ocupação do espaço e das formas de habitar o território.
Com uma disposição integrada em relação ao rio Nabão e à estrutura do açude e da levada (a norte e a poente), destacam-se os edifícios de antigos moinhos e lagares (que eram alimentados pela energia potencial da água, através de rodas hidráulicas verticais ou de rodas horizontais), duas antigas fábricas de moagem (testemunhando o uso quer da energia hidráulica, quer da energia elétrica) e uma central elétrica.
A Levada de Tomar está a ser objeto, desde 2011, de uma empreitada promovida pela Câmara Municipal de Tomar, para execução do projeto de requalificação e reabilitação arquitetónica, com base na decisão de criação de uma entidade museológica, designada por Museu da Levada de Tomar. O Projeto do Museu da Levada destina-se à planificação de ações integradas de salvaguarda e proteção de património cultural através da programação de uma entidade museal que faça parte de um processo de desenvolvimento científico, cultural, educativo e social do território de Tomar e de dinamização da economia e do turismo local”
.
O que desperta a atenção do visitante é ver os séculos de História estampados numa construção que se confunde com momentos fulcrais da vida de Tomar: o aproveitamento nas águas do Nabão para desenvolver a economia, logo no advento da presença templária, temos uma sequência que nos permite chegar à alvorada da eletricidade e ao complexo instituído pela família Mendes Godinho que aqui tinha uma das sedes do seu império. A envolvente é extraordinária, tem a Ponte Velha, bem perto a Várzea Pequena e o Mouchão, a permanente correnteza do Nabão, há visibilidade para a Casa dos Cubos e para os Estaus, são lembranças do Infante D. Henrique e de outro administrador, D. Manuel I; e frente ao Complexo da Levada a presença da Vila Velha, a sua vanguarda, a sua rua mercantil, a Corredoura.
Percorre-se todo este património edificado e não é difícil entender como aqui se concebem eventos que podem ser mercados do livro, conferências, exposições da mais variada índole. Até ao final do ano de 2020 aqui aconteceu uma exposição ousada que pôs em diálogo todo este espaço que fala dos Templários e da era industrial com trabalhos de pedra, lavrada, artística, cantaria feita com esmero e sentimento, peças espalhadas pelo interior e exterior, fotografias a dialogar com máquinas silenciosas, do tempo da primeira eletricidade e das moagens. Quem organizou deve ter dimensionado os riscos de pôr tanta pedra a circular num espaço de diferentes séculos. O diálogo produzido foi um rotundo sucesso. É com imenso prazer que aqui se mostra deslumbramentos a pedra e quem a trabalha para finalidades mil.
Como não ficar impressionado com estes colossos mudos aqui implantados para gerar riqueza industrial, bem perto havia uma fábrica de fiação, mais longe as fábricas de papel, era a Tomar industrial a competir com a Tomar agrícola, empregando muita gente, não foi por acaso que na I República houve na cidade um congresso sindical, para aqui convergiram representantes da classe operária e a Levada era um expoente de progresso, da dinâmica da cidade com o seu castelo e convento lá no alto, já a deslumbrar os turistas da época.
Com a pedra se faz arte, ainda há dias via e ouvia um investigador em Foz Coa a comentar aqueles traços do homem pré-histórico que se servia da pedra a deixar sinais de que era sensível ao que o cercava, esculpia para a posteridade as manifestações do belo. Há aqui pedra artística, pode ficar no interior ou fazer-nos especar no piso de tijoleira, são trabalhos de pedra que alguém pensou ali deixar, detemo-nos muito ou pouco tempo, podemos dar largas à imaginação e ver esta passarada a voar, não há nada de extraordinário pois temos corvos marinhos poisados nas árvores do Nabão, nada temos contra esta passarada que muito bem pode ter acontecido por aqui ter passado, isto é território com muitos séculos de História.
A pedra, o artífice, a fotografia, o ambiente reciclado. E tudo acaba por bater certo, estes sinais da pedra cabem numa palavra: construção, construção para habitar, para calcorrear, para nos impressionar pela beleza que ela provoca, seja património edificado, seja escultura, seja o artista que com o cinzel se prepara para a deixar presente em nossas vidas e nas vidas seguintes.
Por tudo isto somado, demorei tempo a ruminar o significado desta exposição, e como gosto da explicação encontrada, é com o maior dos regozijos que partilho convosco imagens tão convidativas que falam do Nabão e dos sinais da pedra e nas manifestações artísticas que delas emanam. Espero não vos dececionar.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22358: Os nossos seres, saberes e lazeres (459): A doação de José-Augusto França à cidade de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

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