sábado, 23 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23455: (Ex)citações (411): Cuidado com o "fogo amigo", cuidado com o dilagrama, cuidado com a granada defensiva... (António J. Pereira da Costa / Luís Graça)

1. Comentários 
ao poste P23450 (*):

(i) António J. Pereira da Costa 

As granadas de mão defensivas era de difusão / utilização restrita. Eram perigosas, como se recordam, pois semeavam estilhaços ao fim 4-5 segundos depois de lançadas. Os dilagramas que as usavam tinham também uma utilização restrita, muito cuidadosa e o número de homens que os carregavam era pequeno, talvez um em cada Gr Comb,  em média. 

Em todas as minhas guerras usei uma Granada Defensiva e como armadilha e não lançada. As incendiárias eram úteis nos golpes-de-mão e as ofensivas eram uma pequena carga explosiva que se usava também em golpes-de-mão...

22 de julho de 2022 às 16:30

(ii) Tabanca Grande Luís Graça:

Concordo inteiramente contigo, Tó Zé: o primeiro morto (ou um dos primeiros mortos) da 1ª Companhia de Comandos Africanos, que estava em formação em Fá Mandinga, setor de Bambadinca, no 1.º semestre de 1970, foi um furriel, cortado ao meio ao pisar uma mina A/P... Levava o cinturão carregado de granadas defensivas... que rebentaram por simpatia.

Vi o seu corpo na nossa capela (que funcionava como casa mortuária)... Nunca levei uma granada defensiva para o mato... Alguns dos nossos, da CCAÇ 12, primeiros feridos foram provocados por falha na utilização do diligrama, num golpe de mão... Não fui atingido por milagre..."Branqueámos" o acidente para salvar a pele ao alferes... (que, por capricho, quis ser ele a levar o dilagrama)... Histórias tristes...

22 de julho de 2022 às 22:23

(iii) António J. Pereira da  Costa:

(...) Quer se queira, quer se não queira, o recurso a certas armas de apoio - morteiros 60, LGF 8.9 e dilagramas - deveria ser feito com muito cuidado e, num contacto próximo com o In não tinham aplicação imediata.  

Atenção aos dilagramas que batiam nas árvores e... caíam mais perto. Além disso, a precipitação do lançamento deu lugar a desastres. Por mim descartei o LGFog 8,9 por ser pesado, incómodo e, em emboscadas sofridas ou montadas, de utilização problemática. Contudo, em ataques "ao arame" podia revelar-se útil. Já o lança-rockts 37 mm tinha utilidade e, se bem usado, era muito eficaz. Mas este não está nas estatísticas. (...)

23 de julho de 2022 às 10:12

(iv) Tabanca Grande Luís Graça;

Ver o meu conto:

21  de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19705: A galeria dos meus heróis (28): Alfa Baldé, apontador de dilagrama, morto por "fogo amigo"... (Luís Graça)

(...) E de repente, o capim. O capim alto. O sangue. O capim pisado e empapado de sangue. Pobre Alfa, morto por um dilagrama dos nossos. Alguém branqueou a tua morte no relatório da operação. Alguém salvou a honra da companhia. Alguém safou o teu/meu comandante de uma porrada do Spínola. Um dilagrama rebentou no ar, na tua cara, nas nossas caras. Um dilagrama dos nossos. O teu dilagrama, empunhado pelo nosso "alfero"...

Não, não sei o que lhe deu, ao "alfero", para à última hora ter decidido tirar-te o dilagrama e ter-te confiado o prisioneiro, que estava à guarda do Mamadu Camará. (...)


(v) Tabanca Grande Luís Graça:

Um verdadeiro "boomerang", o dilagrama, nas matas cerradas da Guiné... Deve haver para aí muitas outras histórias de mortos e feridos graves devido ao "fogo amigo" do dilagrama... E não só: eu apanhei com o "cone de fogo" de um LGFog 8,9 (!), na resposta a uma emboscada... Podia ter lerpado, se estivesse ainda mais perto do raio da bazuca. (...) (**)

Guiné 61/74 - P23454: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
Conheci a Lagoa, o Vale das Furnas e o Parque Terra Nostra na semana que precedeu o Natal de 1967, foi paixão à primeira vista, não há visita a esta ilha mágica sem peregrinação a este recanto de inumeráveis belezas. Ofereceram-se depois o livro "Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas", obra dos irmãos Joseph e Henry Bullar, edição antiga, de 1949, ardeu numa tempestade de fogo na Guiné, em março de 1969, tenho dado voltas para o reencontrar, consta que vai ser reeditado finalmente. Oferecido por João Hickling Anglin, tinha bonita dedicatória, um relato amorável de um irmão que acompanha outro muito doente, que ali vinha restaurar forças e salvar os pulmões, uma bonita coletânea de observações sobre aquela gente que vivia exclusivamente da terra e que para eles tinham uma estranha alegria de viver, até nas suas manifestações de fé e no langor das suas danças. Venho aqui com uma imensa alegria, banhar-me nestas águas férreas, calcorrear o parque, deambular entre as fumarolas e mastigar um cozido de louvar a Deus.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5


Mário Beja Santos

Chegou a hora de arrumar algumas recordações desta inolvidável visita. Percorri alguns dos lugares que me são mais queridos em Ponta Delgada, de jardins a museus; de autocarro andei pela zona da Bretanha e fui até aos Mosteiros, um itinerário que vai da costa sul à costa norte; palmilhei a Lagoa, aí encontrei um monumento aos antigos combatentes, registei os mortos na Guiné; houve viagem meteórica na região da Povoação, tinha saudades do Faial da Terra, já percorri em toda a sua extensão a Lagoa das Furnas, o dia de hoje é todo ele para o Vale das Furnas (ou será Vale Formoso das Furnas?), estou cheio de ansiedade por fazer o primeiro passeio pelo Parque Terra Nostra, estou num território onde não há praias mas há plátanos, cedros, metrosideros, inúmeras camélias, as mais delicadas variações cromáticas, já me foi dado fruir paisagens a perder de vista e de se perder a vista nela, agora é tudo uma concentração dos rugidos vulcânicos e de floresta exótica, expressiva do mundo inteiro. Ao gizar o programa desta visita tão breve ainda pensei peregrinar pelas três principais lagoas, começando pelas Sete Cidades e acabando no Fogo. Mas rendi-me, seria uma insensatez passarinhar e fingir que ver, estou feliz com a decisão, de assentar arraiais nas Furnas, sei que é um dos lugares mais conhecidos, estimado pela grandiosidade do conjunto, há aquele esplendor do que é avistado no Salto do Cavalo ou no Pico do Ferro, mas já estou como li no guia turístico, “as Furnas não são um lugar para se dizer o que é, mas para ser ver como é”.
Estamos, pois, no fundo da cratera de um vulcão, quem se perde nesta imagem, ainda por cima não marcada por todos aqueles vapores das fumarolas que tanto impressionam o turista, até pode não atender que lá ao fundo na costa arribaram os povoadores, foram desbastando toda aquela massa florestal, bem impressionados com estes rugidos infernais como seguramente tomariam como um aviso de Deus. Aqui há águas termais, toda esta serrania penhascosa em derredor, sente-se o quente e o húmido, é a Corrente do Golfo que marca toda a ilha, toda a região arquipelágica. Não se imagina vendo esta imagem que a escassos metros a terra treme e ruge, as lamas revolteiam-se, e ali ficamos especados a inalar vapores enxofrados.
É um espetáculo incansável, deu-me para pensar que os tais povoadores e os donatários julgaram ver até um dia chegar uma explicação científica, as Furnas estão hoje no concelho da Povoação, e o povoamento iniciou-se exatamente naquela costa entre a Povoação e Fila Franca do Campo, um cronista, de nome Gaspar Frutuoso, deixou-nos o registo desses tempos primordiais. Eu pasmo-me sempre com todo este caleidoscópio que S. Miguel oferece, as distinções marcantes entre o que se vê no Nordeste, na Fajã de Baixo ou na Fajã de Cima, na Ribeira Grande ou na Ribeira Quente, nos Fenais da Luz ou nas Sete Cidades ou na Lagoa do Fogo ou em Água Retorta, parece que o bom Deus aqui engendrou um puzzle de altos e baixos, do cachoar oceânico, daquelas reentrâncias que parecem destinadas à pura meditação. Feita esta cogitação para os meus botões, parto para o Parque Terra Nostra, atenção é a primeira visita.
É um dos mais belos parques ao cimo da Terra, espraia-se por 12 hectares, tem mais de 2 séculos de vida. Tudo começou em 1775 quando o Cônsul dos Estados Unidos em S. Miguel, Thomas Hickling, aqui mandou construir a sua residência de verão, havia então 2 hectares. Em meados do século XIX iniciou-se o engrandecimento do parque, criaram-se jardins de água, plantaram-se alamedas e canteiros, vieram especialistas que procederam à construção do atual canal serpentiforme, deram ordenamento a grutas e avenidas e caminhos e chegaram plantas de vários continentes. O empresário Vasco Bensaúde adquiriu como complemento do Hotel Terra Nostra.
Estão aqui reunidos exemplares das principais plantas endémicas da ilha de S. Miguel, no jardim da flora endémica e nativa dos Açores. Prepare-se o visitante para o passeio paradisíaco neste jardim que tem tanto de exótico como de botânico, é uma sensação única andar a mirar a coleção de fetos, as vireyas, originárias da Malásia, daqui são provenientes os rododendros, saltamos para as azálias, na altura deste passeio estavam exuberantes em branco, vermelho e amarelo, vale a pena determo-nos a ver estas encostas que parecem cobertas de musgo, o que não falta aqui são araucárias, é indispensável ir até à coleção de camélias, temos aqui 800 exemplares de diferentes espécies e cultivares de camélias.
Monumento dedicado ao Marquês da Praia e de Monforte
Uma bela alameda, puxando um pouco pela imaginação até se pode pensar que estamos numa atmosfera asiáticas, o viajante sente-se consolado, sabe que chegar, contemplar e partir é uma história interminável, há sempre uma infinitude de ver e rever, logo aquelas calçadas onde estão em permanente diálogo o branco e o preto, as altitudes dos picos, o chá, o ananás e as hortências, os miradouros, as pastagens, os portos, as lombas e as canadas, ter o privilégio de ver passar os romeiros, estar sentado e ter tempo para que as cores da paisagem se matizem com as nuvens navegantes. E aqui neste Vale das Furnas há um cozido sem igual, até o estômago está em festa.
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Notas do editor

Poste anterior de 16 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23434: Os nossos seres, saberes e lazeres (512): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23449: Os nossos seres, saberes e lazeres (513): Retomadas as festividades à Senhora de Antime, em Fafe (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

Guiné 61/74 - P23453: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XXXIV: António Eugénio da Silva Sampaio, alf inf (Bragança, 1893 - França, CEP, 1918)



António Eugénio da Silva Sampaio (1893-1918)



Nome: António Eugénio da Silva Sampaio

Posto Alferes de Infantaria

Naturalidade: Bragança

Data de nascimento: 24 de Janeiro de 1893

Incorporação: 1916 na Escola de Guerra (nº 512 do Corpo de Alunos)

Unidade: Depósito de Infantaria, Regimento de Infantaria n.º 30

Condecorações

TO da morte em combate: França (CEP)

Data de Embarque: 8 de Janeiro de 1918

Data da morte: 9 de Abril de 1918

Sepultura: França, Cemitério de Richebourg l`Avoué

Circunstâncias da morte: Na batalha de 9 de Abril foi ferido gravemente e feito prisioneiro tendo sido, mais tarde, encontrado o seu cadáver no campo de batalha.





António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 10 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23064: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XXXIII: Manuel Augusto Farinha da Silva, ten inf (Lisboa, 1892 - França, CEP,1918)

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23452: In Memoriam (441): João Moura, ex-Fur Mil Mec Auto da CCS/BCAV 2922 (Piche, 1970/72) (Hélder Sousa)

IN MEMORIAM

João Moura, ex-Fur Mil Mec Auto
CCS/BCAV 2922 (Piche, 1970/72)


Em mensagem de 21 de Julho de 2022, o nosso camarada Hélder Sousa, (ex-Fur Mil TRMS, TSF - Piche e Bissau, 1970/72), dá-nos conta do falecimento de João Moura, ex-Fur Mil Mec Auto da CCS/BCAV 2922:

Caros amigos:

Estive no velório do Veríssimo Ferreira onde, para além de mim próprio, apresentei e deixei registadas as condolências em nome do Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Já vi que a filha Cristina publicou umas fotos na página do Facebook, acompanhando um pequeno texto.

Entretanto, nesta manhã, quando abri o computador para ver como estava o trânsito para me deslocar a Loures, deparei com mais uma notícia de falecimento de camarada nosso. Tratou-se da informação de "há sete minutos" dizendo ser a esposa de João Moura, BIa Capote Moura,  que tinha falecido "nesta noite", de 20 para 21, portanto.

O João Moura foi o Furriel Mecânico da CCS do BCAV 2922 de Piche, 70/72. Homem de São Martinho do Porto, que propagandeava com gosto e orgulho, bom homem, bom camarada, amigo, pessoa esclarecida.

Lembro que esteve num almoço em Monte Real, em 2014, de que envio duas fotos em que está junto ao Francisco Palma.

Isto está a ficar complicado!
Hélder Sousa´

PS - Tinha página no Facebook.
IX Encontro da Tabanca Grande > Monte Real, 14 de Junho de 2014 > Francisco Palma e João Moura, ambos do BCAV 2922

Aos familiares, camaradas e amigos do João Moura, apresentamos as nossas mais sentidas condolências.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23445: In Memoriam (440): Veríssimo Luz Ferreira (1942-2022), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1422/BCAÇ 1858 (Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67)

Guiné 61/74 - P23451: Nota de leitura (1467): "A Minha Vida Militar", por José Costa; edição de autor, 2016 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Encontrei esta edição de autor na Biblioteca da Liga dos Combatentes, e dou novamente comigo a pensar na imensidão de testemunhos que andam por aí dispersos, obras que seguramente são distribuídas nos convívios e nunca passam por livrarias. Tendo-me outorgado a esta missão de referenciar ou repertoriar tudo quanto se tem escrito sobre a Guiné, com destaque para memórias e peças literárias em que os autores são antigos combatentes, volto a apelar a quem possui obras como esta do José dos Santos Costa que tenha a gentileza de me contatar por mail, é a única possibilidade de eu poder ler e fazer a necessária recensão pois estou seguro que um dia virá em que os historiadores e os investigadores da Guiné baterão inapelavelmente à nossa porta, o nosso blogue já é o mais importante acervo fotográfico sobre a guerra, tudo devíamos fazer para corrigirmos o maior número de referências a livros, ensaios e artigos publicados, assim cumpriremos o que há de mais gratificante no dever de memória.

Um abraço do
Mário



Um furriel mecânico em Binar… com muitos mais anos de tropa, que atribulações!

Beja Santos

Trata-se de uma edição de autor, 2016, José António dos Santos Costa, furriel miliciano mecânico auto em Binar, na CCAÇ 17, em rendição individual, tem muito que contar. Este tomarense que aos vinte anos residia no Alto do Piolhinho vai à inspeção, é apurado para todo o serviço militar, a sua profissão era mecânico de automóveis, o Exército aproveitou-lhe as competências e habilidades, marchou para Binar, para uma companhia essencialmente constituída por Balantas. Vem o 25 de Abril, muitíssimo doente, consegue transporte, lá pensava-se que sofria de paludismo, o médico que o vê já em Portugal diagnostica-lhe tuberculose pulmonar. Ele vai contar minuciosamente um pesadelo burocrático que demorará anos até se fazer elementar justiça. É tenaz, não quer só reconhecimento da doença adquirida em serviço, contra ventos e marés vai procurar os arquivos para saber por onde param os militares da CCAÇ 17, tornou-se no dinamizador dos convívios. Uma escrita simples, linear, um testemunho de quem recusa abdicar dos seus direitos e de fomentar a camaradagem daqueles antigos combatentes da Guiné. Dá-nos o elementar da progressão, a recruta, especialidade, torna-se mecânico auto rodas, frequenta Sacavém, onde acaba o estágio e é colocado na Companhia Divisória de Manutenção de Material, no Entroncamento, já estamos em 1972, em junho sabe que foi nomeado para a Guiné, em rendição individual. Escreve que lhe deram uma pasta muito pesada em Binar: viaturas e os seus complementos, ferramentas, oficina auto, combustíveis, grupos de geradores e motobombas. Atribuíram-lhe um morteiro 81 na defesa do aquartelamento, faz-se sempre acompanhar de G3. Mas o mais importante, e que ele exalta, é o mosquiteiro, a melhor coisa que teve enquanto esteve na Guiné. Há quem lhe pergunte se é da família do general Santos Costa, ele fica a saber que havia um general poderoso, e quem procura fidelização com o dito também pergunta como é que ele veio parar à Guiné…

Ele é responsável por que a coluna semanal entre Binar e Bula, e no sentido inverso, corra na perfeição, não podem faltar comida, bebidas, correio, combustíveis, para isso as viaturas precisam de andar. Tudo parecia correr bem, até que no início de novembro de 1972 o PAIGC monta uma emboscada, morrem civis e militares, autêntica chacina, a partir de então não faltou uma Panhard à frente da coluna. Há flagelações à volta de Binar, aqui parece tudo calmo, até que no dia 10 de maio de 1973 veio uma flagelação, não faltaram granadas incendiárias, ardeu a arrecadação com armas, munições e muito material inflamável. E o fogo alastrou-se à oficina auto, tudo desapareceu: ferramentas, lubrificantes, combustíveis, garrafas de oxigénio e acetileno. Sobraram dois alicates que o José Costa trouxe para Tomar, e ainda hoje fazem parte do seu quadro de ferramentas.

Conta muitas histórias, releva a exigência de um aspirante e de um alferes que queriam à viva força ter acesso pessoal a viaturas, acabaram por estampar dois Unimog, o que deu origem a um processo disciplinar. Recorda os camaradas que morreram, acidentes não faltaram. E chegou o 25 de Abril à Guiné, seguiram-se confraternizações com os guerrilheiros. A sua saúde ia piorando, já não reagia à medicação com soro. Sente-se debilitado e só, mete-se numa viatura e vai a Bissau, pede encarecidamente ao major que o deixe partir. Deplora que tenham desaparecido as centenas de cartas que trocou com a namorada, logo sua mulher quando regressou.

Aterra em Lisboa a 15 de agosto de 1974, é-lhe diagnosticada a tuberculose, dá entrada no Hospital Militar no Largo da Boa Hora, onde se tratam as doenças infecto-contagiosas. Fazem-lhe menção de que existe legislação referente às doenças contraídas durante a comissão militar. Faz requerimento ao Chefe de Estado-Maior do Exército, quer ser considerado como um militar evacuado, pretende que a doença seja considerada em serviço, não obtém resposta, continua a fazer tratamento no hospital. Não conformado, consegue, depois de muitos trabalhos, obter as moradas de dois oficiais que conhecera em Binar e Bula, são suas testemunhas, ninguém sabe por anda a documentação da CCAÇ 17. Pede ajuda à Associação dos Deficientes das Forças Armadas. Em maio de 1977 é dado como clinicamente curado e rotulado de “incapaz de todo o serviço e apto para todo o trabalho”. Volta a baixar ao Hospital Militar, nova junta médica, é-lhe dada uma pequena incapacidade. A 17 de julho de 1977 passou à disponibilidade, cumprira cinco anos e trezentos e cinquenta e quatro dias de vida militar.

Atira-se a uma nova tarefa, quer saber por onde pára a malta do seu tempo, bate à porta do Arquivo-Geral do Exército, surgem pistas, recorre à ajuda do filho, então na PT, para ir encontrando a gente da CCAÇ 17. O primeiro convívio realiza-se em Tomar, em 2003, em 2015 terá lugar em Fátima o oitavo convívio. E desabafa: “Há meia dúzia de anos ninguém sabia de ninguém. Hoje todos temos os contatos uns dos outros. Tenho pena que sejamos cada vez menos, uns já faleceram, outros com o avançar da idade não podem ou não querem sair de casa, outros se calhar devido à crise financeira. No primeiro almoço que realizei em Tomar, em 2003, juntámo-nos quarenta dos cinquenta militares então localizados. Hoje, juntamos em média vinte militares e os seus familiares. Costumamos dizer que somos uma família numerosa. Durante alguns anos ainda mantive contato com quatro militares guineenses em Lisboa, o Paulo da Arrecadação, que veio a falecer na Guiné, o Luís Fafe que emigrou para o Reino Unido, o Mengo também já faleceu e o Yala deixou de atender o telemóvel”.

Para tornar a sua história na vida militar o mais credível possível, anexa imensa documentação, desde a cédula do recenseamento militar, às notas, guias de marcha, documentação enviada para vários quarteis, e até a cópia da folha feita em agosto de 1974 com nomes e moradas dos últimos militares da CCAÇ 17. É obra.


O que resta de um memorial aos militares da CCAÇ 17, em Binar, imagem retirada do nosso blogue.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23440: Nota de leitura (1466): "O colonialismo português - novos rumos da historiografia dos PALOP"; Edições Húmus, 2013 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23450: A nossa guerra em números (18): o consumo de munições e granadas pelo exército

A granada defensiva M26A1
m/63 (
Luís Dias, 2010) (**)
 

1. Quantos milhares de toneladas de munições,  granadas, minas, bombas e outros engenhos mortíferos consumiu a guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial (1961/74) ? (*)

Ninguém saberá responder a essa pergunta, nem do nosso lado nem muito menos do lado do IN de outrora...  

Quando muito,  há dados  parciais das NT, para alguns anos e teatros de operações (nomeadamente, Moçambique, 1970, 1971 e 1972), no que respeita ao número e tipo de munições e granadas consumidas por (e/ou fornecidas a) o exército.

Lá teremos que recorrer, mais uma vez, a um estudioso como o ten cor na reserva, Pedro Marquês de Sousa, doutorado em história pela FCSH / Universidade NOVA de Lisboa (2014), autor do livro "Os números da Guerra de África"(Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 381 pp.).  Escreve o Pedro Marquês de Sousa (op. cit., pág. 300): 

" O fornecimento de munições às tropas era um dos grandes desafios para a logística militar, pelo elevado peso e volume deste tipo de cargas, cujo transporte exigia ainda medidas especiais de segurança." 

Sabe-se, por outro lado, que "os depósitos de armazenamento em cada uma das frentes tinham de manter os níveis adequados em face do consumo elevado (sic) pelas unidades de combate".  Só em Moçambique, por exemplo, existiam oito complexos logísticos (Lourenço Marques, Beira, Tete.Vila Cabral, Mocuba, Nampula, Porto Amélia e Mueda), cada um deles devendo ter um "stock" crítico de material de guerra (munições, granadas e minas) (Op cit., pág. 302).

Ignora-se, por exemplo, quantos complexos logísticos deste tipo (ou depósitos de munições) existiam no TO da Guiné e onde estavam localizados... Pelo menos, deveria haver um ou mais em Bissau...

2. Ficamos com uma ideia aproximada dos consumos médios de munições e granadas, também por via dos  fornecimentos. 

Veja-se, por exemplo, para o caso de Moçambique, e para o ano de 1972, um resumo das quantidades das principais munições e granadas fornecidas, em milhares de unidades (por arredondamento por excesso ou defeito) (Adaptado por nós, op cit, pág.301):
  • Munições 7,62 mm > 2152,3
  • Granadas de mão defensivas > 4,2 
  • Granadas de mão ofensivas > 41,8
  • Granadas de morteiro 60 mm > 6,3
  • Granada de morteiro 81 mm > 5,7
  • Minas A/P (antipessoais) > 43,2 
No entanto, o consumo em operações era muito superior a estas quantidades (Vd. Quadro 1)_




Com base nestes números (Moçambique, em 1970 e 1971), o autor faz (indevidamente, quanto a nós, já que a média estatística pode ser altamente enganadora) uma estimativa do consumo médio anual de munições e granadas de uma "companhia operacional do Exército" (tipo "companhia de caçadores") (Op cit., pág. 302):

  • Munições 7,62 mm > 34000
  • Granadas de mão > 260
  • Granadas de morteiro > 200
  • Granadas foguete bazuca 8,9 > 30
Embora o autor ressalve que estes "valores médios" (sic)  "variavam naturalmente conforme a zona e a (...)  condição"  da unidade ou subunidade operacional  (companhia de intervenção, companhia de quadrícula, etc.), achamos que são valores que tanto podem pecar  por excesso como por defeito...  Não nos parece, todavia,  que se possam extrapolar, facilmente  para um teatro de operações na Guiné, com as suas especificidades... 


3. O consumo de munições podia variar conforme o tipo de acção  do IN e a sua duração, o treino, a disciplina de fogo das NT,  o armamento, a missão, etc.

Por exemplo, numa emboscada de vinte minutos, no mato, numa picada ou numa estrada, uma companhia ou destacamento (em geral, três grupos de combate), 60/70 (e nunca 90) G3 podiam despejar no máximo 4 carregadores de 20 cartuchos cada uma, o que daria uma média de 4800/5600 cartuchos...  

Depois havia, por cada grupo de combate (estou a pensar numa companhia de intervenção como a minha, a "africana" CCAÇ 12),  mais as seguintes armas com os respetivos apontadores e municiadores (estes também equipados, em geral, com a G3, enquanto o apontador levava uma pistola Walther 9mm):

  • 3 apontadores de dilagrama (um por secção de 9 ou 10 elementos);
  • 1 apontador + 1 municiadores de metr lig HK 21 (de fita);
  • 1 apontador + 1  municiador de LGFog 8,9;
  • 1 apontador + 1 municiador de LGFog 3,7;
  • 1 apontador + 1 municiador de morteiro 60...

Em resumo, três Grupos de Combate (mesmo completos) nunca queriam dizer 80 ou 90 espingardas automáticas G3, uma arma poderosa e fiável, melhor que a AK47, na opinião do antigo sargento 'comando', com 4 comissões, na Guiné e em Angola, o nosso querido amigo e camarada, Mário Dias (***), e que tinha com uma cadência  (teórica) de 600/650 tiros por minuto (****).

Por sua vesz, e desde que não encravasse, a HK 21 (melhor só a MG42, mas muito mais pesada, c. 12 kg.) podia despejar  centenas de munições 7,62 mm na resposta a uma emboscada... Mas em geral a malta tinha que saber  gerir as munições, para poder chegar ao quartel com segurança...

Já na resposta aos ataques ao quartel, destacamento ou tabanca em autodefesa, de uma hora, cada G3 podia facilmente consumir 8 ou mais carregadores, de 20 munições cada... Milícias e civis em autodefesa tinham muito menos disciplina de fogo do que os miliatres... 

Por outro lado, nas flagelações à distância (com morteiro 82 e 120, canhão s/r,  foguetões 122 mm), era disparatado fazer tiro com a G3 (cujo alcance prático era de 300 metros)... Mas a verdade é que não havia cão nem gato (sem ofensa para nenhum camarada...)  que não aproveitasse para fazer o gosto ao dedo, entrincheirado nos abrigos ou valas...

No mato, nos golpes de mão ou ataques das NT a objetivos IN (acampamentos, bases, etc.), a história era outra, e a disciplina de fogo era fundamental.

E depois havia a instrução e o treino na carreira de tiro... Não me lembro de alguma vez ter sido feito tiro na carreira de tiro de Bambadinca, depois de nós termos vindo do Centro de Instrução Militar de Contuboel em 18 de julho de 1969... Nem me lembro, no meu tempo,  de haver restrições ao consumo de munições 7,62 mm... Tal como não me lembro quantas munições 7.62 mm levava (e quanto pesava) o respetivo cunhete de madeira... Pode ser que algum dos nossos quarteleiros se lembre... (e tenha fotos que nos possa facultar).

Pedro Marquês de Sousa cita, nas páginas 302/303 do seu livro, a Op Nó Górdio, que decorreu no Norte de Moçambique,  de 1 de julho e 6 de agosto de 1970, que terá envolvido mais de 8 mil militares, e uma complexa logística. Aponta para os seguintes consumos nessa operação:
  • Géneros alimentícios >  590 toneladas;
  • Rações de combate > 260 toneladas / 130 mil rações;
  • Gasolina > 340 mil litros;
  • Gasóleo > 460 mil litros;
  • Munições > 158 toneladas.

4. Sabe-se que uma companhia (160 homens, em média) precisava de cerca de 880 toneladas de abastecimentos ao fim de uma comissão de 22 meses (40 em média por mês), incluindo 15,4 toneladas de munições (0,7 t por mês), o que em termos relativos representava apenas 1,75% do total (*****).


 Enfim, ainda falando de consumos de munições, granadas, minas, etc., não temos números relativamente à artilharia no CTIG (no final da guerra, havia mais de uma centena de obuses 10,5e 14  e peças de artilharia 11,4, espelhados pelo território), nem relativamente à FAP e à Marinha...  

Pode ser que alguma camarada destas armas satisfaça a nossa curiosidade (que é meramente intelectual, ao fim destes anos todos)...

Falaremos, entretanto,  de alguns consumos parcelares  da FAP (bombas, cartuchos, foguetes, napalm...) num próximo poste desta série.

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(...) É muito vulgar e frequente tecerem-se comentários depreciativos à espingarda G3, quando comparada à AK47. Em minha opinião, nada mais errado. Analisemos, à luz das características de cada uma e da sua utilização prática, os prós e contras verificados durante a guerra em que estivemos empenhados em África:

Comprimento: G3 - 1020mm |  AK47 - 870mm;

Peso com o carregador municiado: G3 - 5,010Kg |  AK 47 – 4,8Kg;

Capacidade dos carregadores: G3 – 20 cartuchos | AK47 – 30 cartuchos;

Alcance máximo: G3 – 4.000m |  AK47 – 1.000m;

Alcance eficaz (distância em que pode pôr um homem fora de combate se for atingido):
G3 – 1.700m |  AK47 – 600m;

Alcance prático: G3 – 400m |  AK 47 – 400m

(...) Se, por um lado, temos mais tiros para dar sem mudar o carregador, por outro lado esse mesmo facto leva-nos facilmente, por uma questão psicológica, a desperdiçar munições. E todos sabemos como o desperdício de munições era vulgar da nossa parte apesar de os carregadores da G3 serem de 20 cartuchos.

O usual era, infelizmente, “despejar à balda” sem saber para onde nem contra que alvo. Sem pretender criticar a maneira de actuar de cada um perante situações concretas, eu, durante todas as acções de combate em que participei ao longo de 4 comissões, o máximo que gastei foi um carregador e meio (cerca de 30 cartuchos). Por tal facto, em minha opinião, a dotação e capacidade dos carregadores da G3 é mais que suficiente, além de que os próprios carregadores são mais maneirinhos e fáceis de transportar que os compridos e curvos carregadores da AK47. (...)

(****) Vd. poste de 23 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5690: Armamento (2): Pistolas, Pistolas-Metralhadoras, Espingardas, Espingardas Automáticas e Metralhadoras Ligeiras (Luís Dias)

(*****) Vd. poste de 11 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22707: A nossa guerra em números (4): Cada militar necessitava em média, por mês, de 240 kg de abastecimentos (no essencial, víveres e artigos de cantina, mais de 70%)... O consumo "per capita" mensal de outros artigos era o seguinte: 50 kg de combustíveis; 4,4 kg de munições; 3,1 kg de medicamentos; 1,6 kg de correio... E, miséria das misérias, tínhamos direito a... 520 gramas de víveres frescos por dia!

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23449: Os nossos seres, saberes e lazeres (513): Retomadas as festividades à Senhora de Antime, em Fafe (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 18 de Julho de 2022, com a notícia das festividades à Sanhora de Antime, retomadas após o intervalo de dois anos por causa do Covid-19:

Bom dia caro camarada,
Para o nosso blogue aqui vai acontecimento de há longos anos importante em Fafe.

Um grande abraço,
Manuel Castro
(Tabanqueiro n.º 793)


A SENHORA DE ANTIME

A cada segundo domingo de Julho, em Fafe celebra-se o culto a Nossa Senhora de Antime, festa secular que, desconhecendo-se embora o seu início, sabe-se que já existia em 1736, isto é, há cerca de 300 anos.
Já por volta de 1860 Camilo Castelo Branco em “Memórias do Cárcere” descrevia: “A Senhora de Antime é de pedra e pesa com a charola vinte e quatro arrobas. Os mais possantes moços pegam ao banzo do andor…”

A tradição mantém-se tendo-se transformado na maior manifestação de fé deste concelho e uma das maiores do Minho. Dado a pandemia nos dois anos anteriores esteve suspensa sendo retomada este ano.

Assim, às dez horas saiu em procissão da Igreja Matriz de Fafe a charola da Senhora das Dores, aos ombros dos Bombeiros Voluntários de Fafe, acompanhados pelos grupos de escuteiros do concelho, em direcção à ponte de S. José, fronteira das freguesias de Fafe e Antime, onde se encontrará com a procissão que acompanha a charola da Senhora da Misericórdia, levada por dez valentões e uma multidão de fiéis.
Seguem daí rumo à Igreja Matriz, num percurso de mais de três quilómetros, ladeado de fiéis e de curiosos que à passagem aplaudem as Senhoras e após paragem em frente à Câmara Municipal para a recepção das autoridades municipais e largada de pombos, seguem para o seu termo na Igreja Nova de São José.
À tarde, pelas dezoito horas, dar~se-á o regresso da Senhora da Misericórdia à sua residência, Igreja de Antime.

Esta é uma festa religiosa que, como quase todas, tem a sua parte profana cujo início antecede a religiosa. Também ela de grande fama e muito concorrida.

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23434: Os nossos seres, saberes e lazeres (512): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23448: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Brasil, Rio de Janeiro, 1989, 2015, 2020



Brasil, Rio de Janeiro > 2020 > No alto do Pão de Açúcar, com a Praia Vermelha, na Urca, e a praia de Copacabana, ao fundo.


Brasil, Rio de Janeiro> 2020 > Uma favela, tirada do alto do navio de cruzeiros, à distância, no cais de Mauá.
 
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Vinicius de Moraes e Helo Pinheiro... A Garota de Ipanema é a canção brasileira mais conhecida em todo o mundo, de tal icónica que tornou Ipanema, a belíssima praia carioca,  um dos maiores cartões   do Rio de Janeiro e de todo o Brasil. A música composta, em 1962, por Tom Jobim, génio da bossa nova, em parceria com o poeta Vinícius de Moraes, faz também parte do nosso imaginário lusófono. Foi o próprio Vinícius de Moraes quem,  três anos mais tarde, revelou o segredo bem guardado: a musa de inspiração, a "garota de Ipanema", era Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto Pinheiro, ou simplesmente Helô Pinheiro, uma adolescente de 17 anos em 1962.

Foto´(Vinícius de Moraes e Helo Pinheiro): Créditos: Divulgação. Fonte: Letras > Quem é a Garota de Ipanema (com a devida vénia...)



António Graça de Abreu, foto à esquerda: (i) docente universitário reformado, escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); (ii) natural do Porto, vive em Cascais; (iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 310 referências no blogue; (vi) texto e fotos (sem legendas) enviados em 15/7/2022 ]


Rio de Janeiro, Brasil, 1989, 2015, 2020


por António Graça de Abreu (*)


O Rio de Janeiro é a natureza feita cidade (Stefan Zweig)


Gosto do Rio de Janeiro. Três vezes cirandando pela grande cidade, como diria Zweig, recortada pelo esplendor da natureza.

Em 1989, meio à aventura, um mês no Brasil, de lugar em lugar num velho Wokswagen Golf, e a minha tia Hermínia, irmã do meu pai, com muitos anos de terra brasileira, a amedrontar-me “ai, o menino, ai o menino.” E não houve ladrão para assustar e atacar, por Niterói, Cabo Frio, Búzios, Petrópolis, Nova Friburgo. Depois Paraty e Angra dos Reis. Desbravar o grande Brasil e ser feliz em lugares de encantamentos breves, em hotéizinhos de passagem na berma da estrada.

De volta ao Rio de Janeiro, em 2015, ao encontro reconfortante da família, primos do meu sangue, com uma conferência pelo meio na Universidade de São Paulo. Outra vez, mergulhar sozinho na cidade e nas ondas límpidas de Copacabana. Sem ladrão, nem assalto, o meu pobre aspecto de meio ventrudo septuagenário, careca e feio, quase assustando o homem da favela sobranceira que desce para o mar procurando angariar sustento na praia, e que devia pensar que o ladrão era eu.

2020, outra vez o Rio de Janeiro. Desta vez, cheguei majestosamente de barco, entrando ao alvorecer pela baía de Guanabara, pintada pela brisa da manhã a azul escuro e prateado. Foram dois dias para me aconchegar na cidade, subida ao Pão do Açúcar, compras em Copacabana, ida ao Maracanã onde joga o Flamengo e o Fluminense, mais uma caminhada curta pelo centro do Rio com breve visita à estranha Catedral e a descoberta, junto ao navio, no cais de Mauá, do original Museu do Amanhã, do arquitecto espanhol Santiago Calatrava, o mesmo da nossa Gare do Oriente.

Tempo de praia, molhar o corpo no sal de Copacabana. Porque o mar estava agitado, com ondas altas, procurei um recanto mais sossegado, a praia Vermelha, na Urca. Meus olhos deram de chofre em umas tantas moças pouquíssimo ataviadas de roupa, usando fio dental da cabeça aos pés, beldades perfeitas, descendentes dessas índias tamoio de antanho à mistura com sangue quente português, ninfetas do mar e da terra, companheiras e amigas, superiores aos homens, todas netinhas da "leda e formosa" garota de Ipanema, das travessuras de Vinicius de Moraes e Tom Jobim.

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela, menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar.

Moça do corpo dourado
Do Sol de Ipanema
O seu balançado
É mais que um poema
É a coisa mais linda
Que eu já vi passar.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 28 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23390: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Teruel, Aragão, Espanha, 2017

Guiné 61/74 - P23447: Historiografia da presença portuguesa em África (326): Aviação na Guiné (1925-1946) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Trata-se de uma despretensiosa resenha de elementos encontrados sobre o primeiro período da aviação na Guiné, incluiu-se a intervenção da aviação comercial, a presença da Pan American Airways e os seus Clippers que amaravam em Bolama, ainda me falta encontrar imagens da Pan Am em Bolama, já as vi, não sei aonde. Estes hidroaviões amaravam onde é hoje o Oceanário, os viajantes vinham da Portela de Sacavém até ao Tejo e daqui partiam para a América mas passando por África. São meras recordações sobre um transporte aéreo que só se tornou regular na Guiné muito mais tarde. Mesmo na década de 1950, quando os voos se tornaram mais regulares, os viajantes saíam de Lisboa em direção a Dacar, havia transbordo para Ziguinchor, o resto era feito de automóvel.

Um abraço do
Mário



Aviação na Guiné (1925-1946)

Mário Beja Santos

Ia a caminho da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, e meditando sobre matérias ainda não pesquisadas relacionadas com os meios de transporte na antiga colónia, deu-me para pesquisar os passos pioneiros da aviação. Encontrei uma comunicação alusiva às comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné que me ajudou à cronologia dos acontecimentos, e de seguida uma carta das ilustrações referentes às viagens que ocorreram neste período.

Tudo começa em 1925, Pinheiro Corrêa, Sérgio da Silva e Manuel António ligam Lisboa a Bolama com um avião Breguet XIV, motor Renault 300 CV, viagem de 31 horas e 31 minutos. Foi o evento do ano. Houve festa rija, discussões e discórdias quanto banquete dedicado a estes pioneiros da aviação. Quando estava a preparar o livro Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, encontrei aspetos trágico-cómicos. A viagem ficou ilustrada, como se pode ver.

Tenente Sérgio da Silva, Capitão Pinheiro Corrêa e 1.º Sargento Manuel António, antes da segunda partida, na Amadora
Recorte de "O século", com a notícia que O Presidente da República recebeu os aviadores, antes da partida
Chegada dos aviadores a Bolama, no dia 2 de abril onde aterraram no Campo de Aviação Sacadura Cabral
O Governador da Guiné, Tenente-Coronel Velez Caroço, na receção
Monumento em Farim dedicado aos pilotos portugueses
Em 1927, três italianos ligaram Bolama a Pernambuco. Nesse mesmo ano, Sarmento de Beires e outros realizaram a primeira travessia aérea noturna do Atlântico Sul em hidroavião Dornier, motores Lorraine 450 CV, fazem Lisboa-Bolama, confirmam os métodos portugueses de navegação aérea. Na etapa Bubaque-Ilha de Fernando de Noronha foram percorridos 2595 quilómetros em 18 horas e 11 minutos.

E assim se chegou a 1928, teria lugar a primeira viagem Lisboa-Guiné-S. Tomé-Angola-Moçambique num percurso total de mais de 15 mil quilómetros. Escreveu-se no DN que “o jovem capitão Celestino Pais Ramos partir da Amadora no seu Vicker, cumpria a primeira etapa da sua viagem, a primeira por avião feita às colónias portuguesas da Guiné, São Tomé, Angola e Moçambique” E mais se escrevia no DN: "Os valorosos aviadores iniciam hoje às primeiras horas da manhã a segunda parte do raid", e passava a relatar as aventuras de Pais Ramos (piloto e comandante), Oliveira Viegas (piloto), João Esteves (tenente navegador) e Manuel António (sargento mecânico). O mesmo matutino dava conta de dissabores, como se escreveu: "Resolvido o pequeno incidente originado pela falta do óleo necessário aos aviões que devido ao mau tempo não foi desembarcado em Bolama, os valorosos aviadores vão recomeçar hoje às primeiras horas do dia o raid a Moçambique, iniciando a segunda parte da sua viagem."

O grupo levaria 51 dias a cumprir esta expedição, fazendo escala em mais de 30 localidades e acumulando 101 horas de voo. Na etapa que começariam a 14 de setembro, fariam a viagem de Bolama a Kayess, "num percurso de 570 quilómetros, que devem ser cobertos em 3 horas e 49 minutos de voo", especificava o DN.

1931 é o ano marcado pela chegada a Bolama da Esquadra Balbo, italianos, vêm em aviões H. S. 55, dois motores Fiat 500 CV. O percurso percorrido compreendia Orbetello-Cartagena-Kenitra-Villa Cisneros-Bolama-Natal-Baía-Rio de Janeiro, num total de 10 400 quilómetros. Bolama tinha sido escolhida para dar o salto sobre o Atlântico Sul. Eram 14 aviões. É na descolagem de Bolama, no início de janeiro, que se dá um acidente aéreo e morreram 6 aviadores, o governo italiano mandou erigir um monumento em sua memória, exatamente em Bolama, era para mostrar aos vindouros que tinham sido os italianos quem tinha atravessado o Atlântico Sul em formação de aviões.

Vão seguir-se outras viagens até 1941, caso da viagem Lisboa-Guiné-Angola-Lisboa, feita por portugueses. A enigmática Elly Beinhorn fez vários voos sobre a Guiné em avião Klem, motor Argus, deu como pretexto comissões científicas… Nunca se apurou se vinha pela ciência ou em missão de espionagem. Nesse mesmo ano de 1931, o alemão Christiansen, levando a bordo o almirante Gago Coutinho e mais 11 homens de tripulação fez ligação Lisboa-Bolama-Natal com o hidroavião gigante Dornier X, equipado com 12 motores Curtiss de 600 CV, foi uma viagem cheia de acidentes.

No período de 1935/36, tenho como comandante Cifka Duarte realizou-se o cruzeiro aéreo às colónias: Lisboa-Guiné-Angola-Moçambique, em aviões Vickers-Jupiter 420 CV.

Em 1939, Sérgio Silva, quando nomeado Diretor dos Serviços Aeronáuticos da Guiné, utilizou a via aérea para ir tomar posse do seu cargo. Partiu de Lisboa a 9 de abril, chegou a Bolama a 12 do mesmo mês.

A história da aviação comercial na Guiné conta-se em duas penadas. Houve várias companhias francesas e inglesas que pensaram aproveitar Bolama como ponto de escala em futuras linhas aéreas para ligação de Dacar e Bathurst com as possessões inglesas e francesas de África, nada se concretizou. Só a Pan American Airways utilizou Bolama quando, no inverno, os seus hidroaviões Clipper eram forçados a abandonar a rota dos Açores para as suas regulares ligações aéreas América-Europa, com escala terminal em Lisboa. O primeiro Clipper amarou em Bolama em 6 de fevereiro de 1941 e o último em 24 de novembro de 1945. No ano seguinte, a Pan American passou a utilizar aviões de rodas e as paragens da Guiné Portuguesa foram esquecidas.

Pouco depois da meia-noite do 17 de dezembro de 1930, doze hidroaviões Savoia-Marchetti "S-55-A" descolaram da Baía de Orbetello, na Toscana, a norte de Roma e frente à ilha de Elba
Memorial aos italianos vítimas do desastre aéreo em Bolama
Clipper da Pan American junto da Torre de Belém
Selos comemorativos da primeira viagem da Pan American Airways a Bolama
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23428: Historiografia da presença portuguesa em África (325): A circunscrição de Geba, em 1914, relatório de Vasco Calvet de Magalhães (2) (Mário Beja Santos)