quarta-feira, 20 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23447: Historiografia da presença portuguesa em África (326): Aviação na Guiné (1925-1946) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Trata-se de uma despretensiosa resenha de elementos encontrados sobre o primeiro período da aviação na Guiné, incluiu-se a intervenção da aviação comercial, a presença da Pan American Airways e os seus Clippers que amaravam em Bolama, ainda me falta encontrar imagens da Pan Am em Bolama, já as vi, não sei aonde. Estes hidroaviões amaravam onde é hoje o Oceanário, os viajantes vinham da Portela de Sacavém até ao Tejo e daqui partiam para a América mas passando por África. São meras recordações sobre um transporte aéreo que só se tornou regular na Guiné muito mais tarde. Mesmo na década de 1950, quando os voos se tornaram mais regulares, os viajantes saíam de Lisboa em direção a Dacar, havia transbordo para Ziguinchor, o resto era feito de automóvel.

Um abraço do
Mário



Aviação na Guiné (1925-1946)

Mário Beja Santos

Ia a caminho da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, e meditando sobre matérias ainda não pesquisadas relacionadas com os meios de transporte na antiga colónia, deu-me para pesquisar os passos pioneiros da aviação. Encontrei uma comunicação alusiva às comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné que me ajudou à cronologia dos acontecimentos, e de seguida uma carta das ilustrações referentes às viagens que ocorreram neste período.

Tudo começa em 1925, Pinheiro Corrêa, Sérgio da Silva e Manuel António ligam Lisboa a Bolama com um avião Breguet XIV, motor Renault 300 CV, viagem de 31 horas e 31 minutos. Foi o evento do ano. Houve festa rija, discussões e discórdias quanto banquete dedicado a estes pioneiros da aviação. Quando estava a preparar o livro Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, encontrei aspetos trágico-cómicos. A viagem ficou ilustrada, como se pode ver.

Tenente Sérgio da Silva, Capitão Pinheiro Corrêa e 1.º Sargento Manuel António, antes da segunda partida, na Amadora
Recorte de "O século", com a notícia que O Presidente da República recebeu os aviadores, antes da partida
Chegada dos aviadores a Bolama, no dia 2 de abril onde aterraram no Campo de Aviação Sacadura Cabral
O Governador da Guiné, Tenente-Coronel Velez Caroço, na receção
Monumento em Farim dedicado aos pilotos portugueses
Em 1927, três italianos ligaram Bolama a Pernambuco. Nesse mesmo ano, Sarmento de Beires e outros realizaram a primeira travessia aérea noturna do Atlântico Sul em hidroavião Dornier, motores Lorraine 450 CV, fazem Lisboa-Bolama, confirmam os métodos portugueses de navegação aérea. Na etapa Bubaque-Ilha de Fernando de Noronha foram percorridos 2595 quilómetros em 18 horas e 11 minutos.

E assim se chegou a 1928, teria lugar a primeira viagem Lisboa-Guiné-S. Tomé-Angola-Moçambique num percurso total de mais de 15 mil quilómetros. Escreveu-se no DN que “o jovem capitão Celestino Pais Ramos partir da Amadora no seu Vicker, cumpria a primeira etapa da sua viagem, a primeira por avião feita às colónias portuguesas da Guiné, São Tomé, Angola e Moçambique” E mais se escrevia no DN: "Os valorosos aviadores iniciam hoje às primeiras horas da manhã a segunda parte do raid", e passava a relatar as aventuras de Pais Ramos (piloto e comandante), Oliveira Viegas (piloto), João Esteves (tenente navegador) e Manuel António (sargento mecânico). O mesmo matutino dava conta de dissabores, como se escreveu: "Resolvido o pequeno incidente originado pela falta do óleo necessário aos aviões que devido ao mau tempo não foi desembarcado em Bolama, os valorosos aviadores vão recomeçar hoje às primeiras horas do dia o raid a Moçambique, iniciando a segunda parte da sua viagem."

O grupo levaria 51 dias a cumprir esta expedição, fazendo escala em mais de 30 localidades e acumulando 101 horas de voo. Na etapa que começariam a 14 de setembro, fariam a viagem de Bolama a Kayess, "num percurso de 570 quilómetros, que devem ser cobertos em 3 horas e 49 minutos de voo", especificava o DN.

1931 é o ano marcado pela chegada a Bolama da Esquadra Balbo, italianos, vêm em aviões H. S. 55, dois motores Fiat 500 CV. O percurso percorrido compreendia Orbetello-Cartagena-Kenitra-Villa Cisneros-Bolama-Natal-Baía-Rio de Janeiro, num total de 10 400 quilómetros. Bolama tinha sido escolhida para dar o salto sobre o Atlântico Sul. Eram 14 aviões. É na descolagem de Bolama, no início de janeiro, que se dá um acidente aéreo e morreram 6 aviadores, o governo italiano mandou erigir um monumento em sua memória, exatamente em Bolama, era para mostrar aos vindouros que tinham sido os italianos quem tinha atravessado o Atlântico Sul em formação de aviões.

Vão seguir-se outras viagens até 1941, caso da viagem Lisboa-Guiné-Angola-Lisboa, feita por portugueses. A enigmática Elly Beinhorn fez vários voos sobre a Guiné em avião Klem, motor Argus, deu como pretexto comissões científicas… Nunca se apurou se vinha pela ciência ou em missão de espionagem. Nesse mesmo ano de 1931, o alemão Christiansen, levando a bordo o almirante Gago Coutinho e mais 11 homens de tripulação fez ligação Lisboa-Bolama-Natal com o hidroavião gigante Dornier X, equipado com 12 motores Curtiss de 600 CV, foi uma viagem cheia de acidentes.

No período de 1935/36, tenho como comandante Cifka Duarte realizou-se o cruzeiro aéreo às colónias: Lisboa-Guiné-Angola-Moçambique, em aviões Vickers-Jupiter 420 CV.

Em 1939, Sérgio Silva, quando nomeado Diretor dos Serviços Aeronáuticos da Guiné, utilizou a via aérea para ir tomar posse do seu cargo. Partiu de Lisboa a 9 de abril, chegou a Bolama a 12 do mesmo mês.

A história da aviação comercial na Guiné conta-se em duas penadas. Houve várias companhias francesas e inglesas que pensaram aproveitar Bolama como ponto de escala em futuras linhas aéreas para ligação de Dacar e Bathurst com as possessões inglesas e francesas de África, nada se concretizou. Só a Pan American Airways utilizou Bolama quando, no inverno, os seus hidroaviões Clipper eram forçados a abandonar a rota dos Açores para as suas regulares ligações aéreas América-Europa, com escala terminal em Lisboa. O primeiro Clipper amarou em Bolama em 6 de fevereiro de 1941 e o último em 24 de novembro de 1945. No ano seguinte, a Pan American passou a utilizar aviões de rodas e as paragens da Guiné Portuguesa foram esquecidas.

Pouco depois da meia-noite do 17 de dezembro de 1930, doze hidroaviões Savoia-Marchetti "S-55-A" descolaram da Baía de Orbetello, na Toscana, a norte de Roma e frente à ilha de Elba
Memorial aos italianos vítimas do desastre aéreo em Bolama
Clipper da Pan American junto da Torre de Belém
Selos comemorativos da primeira viagem da Pan American Airways a Bolama
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23428: Historiografia da presença portuguesa em África (325): A circunscrição de Geba, em 1914, relatório de Vasco Calvet de Magalhães (2) (Mário Beja Santos)

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