Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano: "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...
Foto: © Luis Graça (2010). Direitos reservados
1. O
Amadu Djaló, nosso camarada, falhou o encontro em Monte Real. Ou melhor, foi a saúde dele que não o permitiu. O seu
irmão Virgínio Briote inscreveu-o no encontro, e estava preparado para o trazer e levar, de carro. Como no ano passado.
Tínhamos pedido ao Joaquim Mexia Alves para reservar uma salinha, para a cerimónia de apresentação do livro dele aos amigos e camaradas da Guiné, reunidos sob o poilão da Tabanca Grande (Um poilão frondoso, generoso, e cada vez mais majestoso, aonde se acolhe também o Amadu, futa-fula, velho combatente, nascido em Bafatá, na freguesia de N. Sra da Graça, no dia 10 de Novembro de 1940, incorporado no exército português em 1962 e passado à disponibilidade em 1974)...
Mas, aos 70 anos, a saúde prega partidas, aos velhos combatentes. Só Deus sabe, dirá o Amadu, mas a verdade é que a vida lhe está a fugir. E o seu sonho ainda é ir morrer à sua terra. Os amigos (e muito em particular o nosso camarada Virgínio Briote) tudo têm feito para o ajudar a viver, com dignidade, esperança e acesso a cuidados de saúde. Um momento alto,
este ano, em 15 de Abril último, foi o lançamento do seu livro de memórias, "Guineense, Comando, Português" (1ª edição, Lisboa, Março de 2010).
O Virgínio Briote deu conhecimento, pessoalmente, ao Amadu, das inúmeras manifestações de carinho e de apreço que lhe fizeram em Monte Real. O Amadu ficou comovido até às lágrimas e agradece a todos os amigos e camaradas da Tabanca Grande.
Entretanto, no próximo dia 10 de Novembro, queremos celebrar juntos o 70º aniversário do Amadu (se for essa a sua vontade e se a saúde lho permitir). Era bonito fazermos-lhe uma festinha, e transmitir-lhe o nosso carinho, amizade e camaradagem. E, quem sabe, festejar com ele a 2ª edição do seu livro (**).
Espero que haja voluntários, na nossa Tabanca Grande, para uma comissão
ad-hoc, a constituir rapidamente, para esse efeito ... Pode ser
um jantar de homenagem, aqui na área da Grande Lisboa,
sem pompa nem circunstância, mas
com muitos amigos e camaradas da Guiné, generosos e afectuosos. Nessa altura espero bem que a 1ª edição do livro esteja mais que esgotada (já se terão vendido mais de 700 exemplares).
Até lá, o Amadu promete que o coraçãozinho dele se vai portar bem. Para aqueles que ainda não compraram nem leram o seu livro (**), nem conhecem pessoalmente o Amadu, aqui fica mais um pequeno excerto, revelador da sabedoria deste homem dividido entre duas pátrias (ou melhor, que é capaz de dividir, pela Guiné e por Portugal, o seu sangue, a sua vida, a sua identidade, a sua história de vida)... Sei que o título do livro é comercial (uma concessão ao marketing do editor), mas também sei que o Amadu, sendo genuinamente um africano e muçulmano, também nos toca pela sua surpreendente portugalidade, que nada tem de demagogia, assimilação forçada ou circunstancialismo.
2. Excerto de Amadu Bailo Djaló:
Guineense, Comando, Português: 1º Volume: Comandos Africanos 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010. pp. 15-16 (Com a devida vénia ao autor e ao editor): (*)
(...) Nós, Povo da Guiné, antes da guerra, mal conhecíamos o Povo Português. Nunca nos juntávamos nas festas com os europeus, durante a presença portuguesa. Só quando se iniciou o conflito, começámos a ver os militares das companhias e dos batalhões, que nos acompanhavam como irmãos e como amigos. Festejávamos juntos, repartíamos o pão na mesma mesa, juntávamo-nos, em todas as ocasiões, boas e más.
Este povo pacífico, que agora vinha de Portugal e convivia connosco nos momentos de guerra, ficou a conhecer-nos melhor, trocávamos conhecimentos de vida diferentes, tratávamo-nos como irmãos.
Antes só os comerciantes e os funcionários do Estado vinham com as famílias para a Guiné. Nós éramos servidores, eles patrões e chefes. E a convivência entre nós, nesses anos, não era muita!
Os jovens da minha etnia [, futa-fula,], na então Guiné Francesa [, República da Guiné-Conacri, desde 2 de Outubro de 1958,] andavam todos em escolas europeias. Na Guiné Portuguesa, as portas das escolas só se abriram para nós, muçulmanos, com a vinda dos padres italianos.
Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos.
Depois que a guerra teve início começaram a desembarcar companhias e batalhões de militares vindos de Lisboa. Passámos a ter amigos europeus, quase todos militares simpáticos, tanto oficiais como sargentos e praças. Poucos eram os que não tinham amigos. Antes de ser incorporado, o meu único amigo branco era um oficial do Exércirto, o tenente Carrasquinha, em finais de 1961 [,que pertencia ao BCAÇ 238]. Ia a minha casa, foi o meu primeiro amigo. Depois a tropa continuou a desembarcar e fui tendo mais amigos. Convivíamos em festas, comíamos e bebíamos, cantávamos juntos e ficavam também a conhecer o Povo pacífico da Guiné.
Todos os europeus que regressaram deixaram lá pelo menos um amigo que pensa neles., E todos os que regressaram trouxeram consigo um amigo ou mais amigos, no fundo do coração, que ainda hoje pensa neles.
O Povo da Guiné também é diferente dos outros povos da África. Desde o início da guerra foram muito raros os casos em que o PAIGC matou civis brancos.
A guerra destrói um lado e constrói outro. Mas a destruição é sempre maior. Por isso é melhor evitá-la, o máximo que pudermos. Mas, se não fosse a guerra, nós também nunca viríamos a conhecer este Povo Pacífico, que é o português, e que nunca deixámos de recordar.
Vivemos com estas recordações e vamos morrer com elas.
Até agora, se Portugal for invadido, nós vamos defendê-lo com tudo o que estiver ao nosso alcance. Se a Guiné for invadida, faremos o mesmo. Eu acho que devemos estar cada vez mais unidos e mais fortes, Guiné e Portugal. (...)
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Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste desta série > 3 de Junho de 2010 >
Guiné 63/74 - P6634: (Ex)citações (65): Meu pai, meu herói (Sofia Carvalho, filha do nosso camarada J. Casimiro Carvalho, Ex-Fur Mil Op Esp., CCAV 8350, Piratas de Guileje, 1972/74)
(**) A 1ª edição (750 exemplares) está praticamente esgostada. No nosso V Encontro Nacional, venderam-se cerca de 35. Os últimos exemplares pdoem ser procurados na Associação de Comandos (que foi o editor) ou nas Livrarias Bulhos (Preço: 25 € ).
Seria, entretanto, ter-se no dia em que o Amadu fizer 70 anos (em 14/11/2010) um 2ª edição, corrigida, melhorada e até aumentada (Sei que o Virgínio Briote tem uma surpresa...).
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