Mostrar mensagens com a etiqueta QG/CCFAG. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta QG/CCFAG. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26075: In Memoriam (515): Marco Paulo (1945-2024): "Nosso cabo, não, meu Alferes, sou o Marco Paulo" (.... nome artístico de João Simão da Silva, nascido em Mourão, ex-1º cabo escriturário, QG/CCFAG, Amura, Bissau, 1967/69)


Foto do artista quando jovem.
Fonte: Página oficial do Facebook
de MarcoPaulo,
com a devida vénia.

1. Morreu hoje, aos 79 anos, o popular cançonetista (e apresentador de televisão) Marco Paulo (1945-2024), depois de um longa e corajosa  luta contra o cancro. 

Não é habitual pronunciarmo-nos aqui sobre a atualidade noticiosa, seja social, desportiva, política, etc.  Somos um simples blogue de antigos combatentes da Guiné. Morrem todos os dias poetas, escritores, artistas, músicos, cientistas, investigadores, médicos, enfermeiros, políticos, gestores, empresários, militares, desportistas, etc., gente de maior ou menor talento, mais conhecida ou menos conhecida, etc.. Mas todos,  eles, portugueses, homens e mulheres, merecedores de um simples ou mais elaborado RIP (Requiescant in Pace). 

o somos um jornal noticioso, e a dar notícias necrológicas temos que nos cingir aos amigos e camaradas da Guiné que animam (ou animaram em tempos) este blogue.


(...) "É com profunda tristeza que a família informa o falecimento de Marco Paulo, que partiu pacificamente, hoje, dia 24 na companhia dos seus entes queridos. Aos 79 anos terminou a sua batalha contra o cancro, em paz e rodeado de todos os cuidados e o amor da família, amigos e fãs.

"Hoje, despedimo-nos do homem lutador, sorridente e generoso, que ao longo de 58 anos marcou gerações e milhares de pessoas, tornando-se um nome incontornável da música portuguesa.

"A sua voz inconfundível e o seu talento permanecerão para sempre na memória daqueles que o acompanharam ao longo dos anos.

"Teremos saudades!" (...)

Associamo-nos às manifestações de dor pela perda deste homem que foi, além disso, nosso camarada.

2. A comunicação social, por estes dias, encarregar-se-á de fazer-lhe as homenagens que lhe são devidas, e ajudar a fazer o luto pela sua perda.  Nada, por outro lado,  como a morte para obtermos consensos nacionais sobre figuras de referência...

 A nós cabe-nos lembrar aqui o ex-1º cabo escriturário João Simão da Silva, nosso camarada, alentejano de Mourão, de origem humilde, que começou a trabalhar a cedo, aos 14 anos (como muitos de nós), que imitava o espanhol Joselito, que tinha uma voz fabulosa, que queria viver só para (e de) a música... e que fez, como militar,  uma comissão de serviço na Guiné, no CG/CCFAG, na Amura, Bissau, em 1967/69. Como simples 1º cabo escriturário (especialidade tirada em Leiria em 1967) na "secção de justiça", ou seja, na "guerra do ar condicionado" (como diziam, com algum despeito, os gajos do mato...).

Alguns camaradas nossos conheceram-no, embora superficialmente. Bissau era uma pequena cidade. Um cidadezinha colonial,  traçada a guerra e esquadro... E não havia muitos cabos escriturários na Guiné (um por companha). Ele era de rendição individual, presumimosque tenha embarcado em meados de 1967 para o CTIG e regressado em meados de 1969.. 

A voz e o seu talento (e, seguramente, alguma cunha) safaram-no de ir para o mato , "matar ou morrer"... Mas ele tinha medo que a Guiné cortasse, de vez, a sua já promissora carreira artística... 

Nenhum artista português, como ele, vendeu tantos discos, mais de 5 milhões... No bom tempo da indústria discográfica. Mas isso não é o que interessa aqui, agora.  Tinha (ou tem) uma página (oficial) no Facebook. Mas já agora refira-se que Marco Paulo era nome artístico, sugerido ou imposto pelo seu produtor, Mário Martins (Valemtim de Carvalho) e do seu letrista, Eduardo Damas (1922-2005). 

O Marco Paulo tem no nosso blogue nove referências. Vamos reproduzir alguns excertos (limitando-nos à sua passagem pela Guiné, ou por Bissau, se é que alguma vez saiu de Bissau).

Recorde-se que ele em 1966 ele  já era conhecido do público pela sua participação em festivais, incluindo o festival da RTP da  Canção de 1967 (e depois 1969). E em Bissau deu alguns espetáculos para militares, cantava em festas de aniversários dos seus camaradas e terá também trabalhado nalgumas casas de diversão noturna, do "Nazareno" ao "Chez Toi". 

E quando vinha de férias á metrópole,  o seu produtor, Mário Martins, da Valentim de Carvalho,  punha-o a gravar um disco. Daí o facto de ele nunca ter sido esquecido do público e ser reconhecido em Bissau já como figura pública, já como Marco Paulo. Só o Hugo Guerra o não reconheceu... Mas tropa era tropa, naquele tempo...

Lendo posteriormente comentários de camaradas nossos, vemos que ele também era conhecido em Bissau como o "Paulinho da Amura".

Em entrevista ao "Expresso" (20 de setembro de 2019) contou, sobre o seu tempo de tropa e de Guiné:

(i) esteve na tropa em Beja, Leiria e Estremoz: "tive muito más notas na recruta, sempre fui mau aluno, distraía-me tanto a cantar, já na tropa era a mesma coisa, estava na tropa e distraía-me muito, estava sempre a cantar";

(ii) quanto à experiência na Guiné, "não foi traumatizante para mim, porque nunca cheguei a estar no mato, fiquei sempre na cidade"; esteva na Amura, "no escritório a tratar de papéis"; "cantava nos aniversários dos meus camaradas, de qualquer festa, convidavam-me"; era reconhecido como figura pública: "já tinha discos, já passava na rádio, já era o Marco Paulo, já não era o João Simão”.

Pelos apontamentos biográficos que lemos,aqui e acolá,  podemos reter mais o seguinte:

(iii) aos 14 anos entrou para o rancho folclórico de Alenquer onde esteve dois anos como cantor até ir viver para o Barreiro (julgamos que o pai era das finanças, andou por vários sítios);

(iv) já no Barreiro, em 1963, começou a ter aulas de canto com Corina Freire;

(v) foi que foi descoberto pela fadista  Cidália Meireles (o seu programa de televisão  "Tu Cá, Tu Lá" comnheceu um grande sucesso);

(vi) em julho de 1966, no Festival da Canção da Figueira da Foz,  ficou em 3º lugar,  com "Vida, Alma e coração";

(vii) o produtor (Valentim de Carvalho)  convidou-o para gravar um disco;

(viii) em 1966, saiu o seu primeiro EP com os temas "Não Sei", "Estive Enamorado", "O Mal às Vezes é Um Bem" e "Vê" (não terão tido grande sucesso comercial, mas deve tê-los cantado em Bissau);
 
(ix) em 1967 participou  no Festival RTP da Canção (canção "Sou Tão Feliz" de António Sousa Freitas e Nóbrega e Sousa);

(x) Faz uma "tournée" na  Madeira cantar com Madalena Iglésias, e a partir daí torna-se  profissional...


(i) Hugo Guerra (ex-alf mil, hoje cor DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(...) Dezembro 1968 . Tinha vindo a Bissau ao hospital fazer uma desintoxicação de Gandembel.

Com mais dois camaradas descíamos a Avenida  [da República],que vinha do Palácio do Governo em direcção à baixa, mais concretamente aos Correios. 

Eis senão quando, qual emboscada do IN, aparece a Polícia Militar, que no cumprimento da sua espinhosa missão me ataca com todas as armas de que dispunha e me passa um raspanete por eu ter mais botões desabotoados do que os permitidos no RDM. Logo a mim que me considerava um dos poucos da tropa-macaca que tinha experiência in loco do famoso corredor de Guileje...

Fiquei urso, mas os rapazes até tinham razão e lá abotoámos os botões. Chegados aos Correios, no meio da barafunda total,  estava um esganiçado e aperaltado 1º cabo, com a camisa desabotoada até ao umbigo.

Depois do que me acontecera pouco antes, aquela situação caía como sopa no mel... Afiando as garras, tivemos este diálogo:

 –  Ó nosso cabo, ouça lá!

  – Ó nosso cabo não, meu Alferes, sou o Marco Paulo... (Desconhecia em absoluto quem era semelhante personalidade.)

  – Marco Paulo,  uma merda, ou abotoa esses botões todos ou temos chatice!  – respondi eu.

Claro que o obriguei a estar em sentido até acabar o castigo e comecei a aperceber-me duns sorrisos à socapa dos camaradas que estavam por ali….

Satisfeito com a minha façanha do dia, viemos para fora e só então fiquei a saber que tive muita sorte por ele não ter dito nada…..senão ainda levava uma porrada e era enviado pra Gandembel, aliás para onde regressei passados 2 ou 3 dias depois.

Ao longo dos anos ainda sorrio quando me lembro desta estória …de Natal. (...)


(ii)  José Diniz Carneiro de Souza e Faro, ex-fur mil art, 7.º Pel Art
 (Cameconde, Piche, Pelundo e Binar, 1968/70),

(...) "Era um local simpático [o 'Chez Toi', mais tarde 'Gato Preto'], com bailarinas recrutadas nas 'boites' de Lisboa. Um dos fadistas era o Marco Paulo, já com muito sucesso. Uma das bailarinas era a Luísa,  uma mocinha atraente que encontrei em Lisboa,  na 'Cova da Onça' (Av da Liberdade). 

De facto no início de 1970 (março a  a junho) existia o 'Chez Toi' onde eu e os meus camaradas da BAC 1 nos juntávamos para umas bebidas, era o tempo de partida para a Metrópole (17 de junho no Carvalho Araújo).

 Nessa altura,  creio, foi quando mudou de nome e o gerente era um locutor da Emissora Nacional que esteve na Índia (Goa),  de nome Oliveira Duarte (?), ex-sargento." (...)

 
(iii) Ribeiro Agostinho, ex-soldado radiotelefonista / condutor auto e escriturário da CCS/QG/CTIG, 1968/70)


(...) " Certo dia fui convidado por um amigo da tropa, de Aveiro, de nome Alfaro, que nunca mais vi, a não ser numa reportagem na TV há vários anos, para o substituir no Restaurante 'O Nazareno', frequentado pela elite de Bissau e onde actuavam o Marco Paulo, o Conjunto das Forças Armadas, o Fernando Milho, entre outros. O programa acontecia ao sábado à noite sempre com este elenco.

Aceitei o convite e o Alfaro foi-me apresentar aos donos do 'Nazareno'. Ali fiz muitas noites de sábado, tendo como companhia alguns amigos leceiros
 [. de Leça da Palmeira...],  que me iam ajudar a passar o tempo. 

Depois do fecho, íamos todos a cantar, pelas trevas das ruas de Bissau, nada do reportório do Marco Paulo mas do Fernando Milho (fadista lisboeta), de quem nunca mais ouvi falar:

"Bairro Alto com seus amores tão dedicado
Quis um dia dar nas vistas
E saiu com os trovadores mais o fado
P'ra fazer suas conquistas." (...)


 (iv) No poste  P19080, de 7 de outubro de 2018, reproduzimos alguns excertos  de uma entrevista dada do cantor Parco Paulo,  ao Correio da Manhã, em 9 de Junho de 2007:


(....)" – Fez tropa na Guiné durante dois anos. Do que se recorda?

– Recordo-me de ter pedido a todos os santos para não ir, acima de tudo porque eu sabia que se fosse para a Guiné possivelmente quando regressasse já não podia dar seguimento à minha carreira. 

A minha sorte foi que o meu produtor, Mário Martins, fazia sempre questão que eu viesse de férias. Durante esse período eu gravava, e quando voltava para a Guiné a editora lançava o disco. Por isso nunca caí no esquecimento.

Chegou a sentir medo?

– Quando cheguei à Guiné não foi fácil. Pensei: “Olha, vou para o mato. Levo lá um tiro na cabeça e pronto!”... 

Só que fui para o quartel da Amura, para a secção de Justiça, como escriturário. Ouvia os bombardeamentos, mas não deu propriamente para sentir medo. Depois, como a rádio lá passava muitos discos meus, eu era aproveitado para abrilhantar as festas militares.

– Compreendeu, à época, as motivações daquela guerra?

– Eu não estava por dentro dos assuntos da política. Disseram-me que Guiné era Portugal e eu acreditei. Hoje, olhando para trás, vejo que foram dois anos perdidos. (...)


(v) Também nas Selecções do Reader's Digest - Portugal - Revista, pode ler-se uma entrevista (não sabemos a data precisa)  com o Marco Paulo (MP),  conduzida pelo grande jornalista e escritor Luís Osório (LO), a propósito dos 35 anos de carreira e dos 3 milhões de discos até então vendidos. Eis alguns excertos relativos ao tempo em que o Marco Paulo (MP) esteve na Guiné:

(...) " LO: Voltando um pouco atrás. Onde cumpriu o serviço militar?

MP: Na Guiné. Quando fui para a guerra, já tinha gravado dois ou três discos, discos sem grandes sucesso mas que passavam na rádio e que já vendiam alguma coisa. 

Ao regressar da guerra, não fazia ideia do que seria a minha vida no futuro, não era líquido que o meu futuro passasse pelas cantigas.

LO: Recorda o dia em que partiu para a guerra?

MP: Muito bem. No fundo, não sabia para onde ia. Foram dias muito inquietantes, mas por sorte acabei por ir parar a Bissau. Os meus pais choraram quando se despediram de mim, choraram tanto como eu. 

Aliás, lembro-me de ter chorado duas vezes na minha vida: nessa ocasião e quando me deram a notícia de que tinha um cancro. Não é nada fácil alguém me ver chorar, nada fácil mesmo.

LO: O estatuto de cantor beneficiou-o de alguma forma durante a Guerra Colonial?

MP: De forma nenhuma. Por sorte, não estive nos sítios onde se vivia a guerra, limitei-me a estar numa zona mais resguardada. Fui obrigado a ir. Estava numa secção de escritório a fazer cartas, para mim foram quase umas férias. 

Só me apercebia de que existia guerra quando me convidavam para ir cantar a algum hospital ou à Força Aérea; no sítio onde estava não percebia nada. Deu-me muito prazer cantar na Guiné, os meus camaradas pediam-me e eu nunca recusava. (...)


(vi) Também no blogue do Luís de Matos  (ex-fur mil, da CCAÇ 1590, "Os Gazelas", Mansoa, Bissorã e Olossato, 1966/68; autor do livro Diário da Guiné: 1966/68)http://luisdematos.blogspot.com/2007/7/, já removido ou descontinuado)  há uma referência ao Marco Paulo, aquando da chegada a Bissau, a 11 de agosto de 1966


(...) "Findo este trabalho, o capitão deu folga a todo o pessoal para conhecer a cidade. Logo na primeira noite, juntei-me a um pequeno grupo para irmos dar uma volta, para conhecermos um pouco da noite guineense. 

"O furriel miliciano Charneca, que é natural de Beja, ou arredores, não sei bem, pertence à CCS do meu batalhão, o BCAÇ 1894, disse-me que há um nosso camarada, já 'velho',  o que equivale a dizer que não é 'periquito', que está no rádio do Quartel-General com o Marco Paulo, um artista da rádio e da TV e também alentejano, de Mourão. 

"Vamos lá ter com eles, para nos mostrarem como é isto. Ou pelo menos, aquele meu amigo vai connosco. Estava uma noite escura como breu. Não me recordo de mais nada. O que sei é que me vi dentro dum táxi, com o Charneca e o tal amigo do QG, por um trilho, em que o capim era bem mais alto que o nosso transporte e fomos parar a uma vivenda onde havia música. Muita música cabo verdiana e dança, frangos no churrasco, cerveja e whisky. 

"Não conseguia deixar de pensar que me podiam cortar a cabeça com uma catana. É que a gente ouvia contar cada estória!. Mas ao mesmo tempo, tinha uma certa confiança no tal camarada mais velho. Se ele estava ali e continuava vivo, é porque o local e as pessoas eram de confiança. Há-de ser o que Deus quiser. Coração ao largo, pensei cá prós meus botões" (...)_

(Seleção, revisão / fixação de texto, parênteses retos: LG)
_________

Nota de L.G:

Último poste da série > 19 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26059: In Memoriam (514): José Luiz Gomes Soares Fonseca (1949 - †2024), ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366 / BCAB 3846 (Susana e Varela, 1971/73)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24080: A nossa guerra em números (23): Relatório da 2ª Repartição/CCFAG, relativo ao período de 1jan73 a 15out74: "maior agressividade e potencial revelado pelo IN, e menor capacidade ofensiva das NT"








Fonte: Relatório da 2ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 1jan73 a 15out74, citado por CECA  - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 493-499.


1. Com esta série "A nossa guerra em números" (*), não temos nenhuma pretensão, explícita ou implícita, de defender esta ou aquela tese sobre a guerra colonial / guerra do ultramar, em particular no TO da Guiné... O nosso propósito é meramente informativo e didático: cada um dos nossos leitores fará a sua leitura dos números apresentados, a crítica das suas fontes, as eventuais conclusões a tirar, etc...

A análise dos números e a sua interpretação devem ser feitas com cautelas e até reservas. É preciso  ter sempre em conta variáveis como o contexto (por exemplo, político-militar), a qualidade dos dados, a sua fonte, a idoneidade das fontes, quem os recolhe e trata, o fim a que se destinam, etc. Todos nós podemos mentir com números na mão: políticos, economistas, jornalistas, gente da publicidade e do marketing, etc., "usam e abusam" dos números... Para vender produtos e ideias, por exemplo. E depois é ter preciso fazer a distinção entre dados, informação e conhecimento. 

Os dados que temos hoje para apresentar são de fonte portuguesa, oficiosa, a antiga 2ª Rep do QG/CCFAG (Quartel General / Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné). E reportam-se à situação político-militar do ano de 1973 e dos primeiros quatro meses de 1974. Trata-se de uma síntese da atividade do PAIGC neste período final da guerra:

(i) ações de iniciativa do IN;
(ii) ações de reação do IN às NT;
(iii) minas e outros engenhos explosivos implantados pelo IN e neutralizados pelas NT;
(iv) baixas causadas pelo PAIGC às NT e à população (mortos, feridos, capturados, retidos);
(v) baixas sofridas pelo PAIGC (mortos, feridos, capturados, apresentados).

Os comentários dos nossos nossos leitores serão bem vindos.


CECA (2015) - Anexo n° 4 _ Relatório da 2ª Repartição/CCFAG 

relativo ao período de 1jan73 a 150ut74 [Excertos, 1]


O ano de 1973, juntamente com os primeiros meses de 1974 até ao 25 de Abril, constituem um período de nítido agravamento da situação militar, económica e político-subversiva no território da Guiné

Este estado de coisas reflectia a agudização do problema colonial português,  especialmente no plano internacional. Os movimentos emancipalistas, em particular o PAIGC, recebiam apoios ou ajudas de toda a ordem, cada vez mais generalizados, com destaque para os que eram canalizados através da ONU e OUA. [2]

Deste modo tomava-se muito real o isolamento do Governo português, cuja política de intransigência prosseguida apontava para um previsível esgotamento dos recursos do país a mais ou menos curto prazo.

[...] No seguimento da decisão tomada na 20ª Sessão do Conselho de Ministros da OUA, para que fosse empreendido, durante o ano de 1973, um golpe político-militar decisivo, sobre a Guiné, operou-se durante o mês de Maio um muito significativo agravamento da situaç,ão no TO. 

Assim, e em ordem à sua redução, o lN desencadeou poderosas e prolongadas acções de fogo sobre as guarnições fronteiriças de Guidaje, Guileje e Gadamael Porto, as quais conjugou com acções de isolamento terrestre e aéreo (início de emprego de mísseis "SA-7", que limitaram o emprego da Força Aérea), que efectivamente conseguiu, durante alguns dias em Guidaje. 

Quanto a Guileje obrigou as NT ao seu abandono. Na primeira metade de junho, manteve-se o agravamento verificado durante o mês anterior notando-se na última quinzena tendência para o desanuviamento da situação em Guidaje e Gadamael Porto, situação que tudo indicava ser temporária e somente resultante da época das chuvas em curso. 

A partir de fins de ag073 começou a ser referenciada uma concentração anormal de meios na faixa além-fronteira do saliente N/NE do território, a qual, no final do ano, evidenciando as intenções do lN, passou a constituir uma real ameaça sobre as guarnições de Buruntuma, Canquelifá e Copá, em especial esta última, de menor efectivo (2 Gr Comb), isolada e excêntrica.

Neste contexto, as forças do PAIGC não só revelaram uma notável capacidade de manobra e confirmaram o extraordinário potencial de combate que lhes era atribuído, como alteraram profundamente o seu conceito de manobra no TO, passando da actuação dispersa em superficie para a concentração maciça de meios sobre objectivos definidos, normalmente distantes uns dos outros, com o propósito de hipotecar as reservas das NT no local oposto onde pretendia exercer o esforço.

Destas realidades, logo no início de 1974 com o avanço da nova época das chuvas, resultou novo agravamento da situação criada com o empolamento da guerrilha desde abril do ano anterior.

Assim, a partir de jan74, o PAIGC passava verdadeiramente à ofensiva, a qual se caracterizou pela definição de duas áreas de incidência de esforço, diametralmente opostas, uma no extremo NE do TO onde desenvolvia a Op "Abel Djasse" e a outra a Sul, no Cubucaré, para o que inclusivamente tinha constituído um novo órgão coordenador das operações de guerrilha nesta zona: o Comando Sul. 

As acções foram desencadeadas, numa e noutra das áreas referidas, com base em novas unidades das FARP, e com largo emprego de artilharia e armas pesadas, nomeadamente mort 120 mm e fog 122 mm.

Além destes meios os mísseis SA-7 "Strela" eram frequentemente utilizados, o que limitava grandemente o apoio da Força Aérea às guarnições terrestres e, a 31mar74, apareciam as primeiras viaturas blindadas em Bedanda (Cubucaré) o que confirmava o grande aumento de potencial, assim como a crescente capacidade táctica e, sobretudo, logística do PAIGC. 

Nas restantes áreas do TO aumentava igualmente de modo significativo a actividade de guerrilha dispersa em superfície, com relevo para o emprego de engenhos explosivos e acções de terrorismo urbano que alastravam até à própria capital - Bissau.

Como mero exemplo citam-se as 17 flagelações com armas pesadas a outros tantos aquartelamemtos ou  povoações, num único dia (20lan74 - Data da morte de A. Cabral), o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau (26fev) que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG (22fev) onde parte do edifício principal foi destruída.

No Sul a ofensiva aí realizada permitia ao PAIGC o controlo efectivo de uma área de razoável superfície em que inseria o "corredor" de Guilejepercorrido frequentemente por viaturas das FARP, e que confinava com outra vasta área abandonada pelas NT desde 1969 - o Boé.

Em abr74, dado o esgotamento das reservas do Cmd-Chefe, previa-se que o relançamento da ofensiva no saliente NE, orientada para Sul, tomaria iminente o abandono de Canquelifá e o consequente isolamento de Buruntuma.

Admitia-se ser intenção do PAIGC unir a bolsa assim conquistada com a Região do Boé, por sua vez ligada à zona onde se localizava o "corredor" de Guileje, mais a Sul, concretizando deste modo uma ocupação territorial efectiva que carecia para reforçar a imagem do Estado da Guiné-Bissau parcialmente ocupado pelas Forças Armadas Portuguesas.

Nas áreas de incidência de esforço referido a situação era de tal modo grave para a maioria das guarnições das NT, cujos sistemas de defesa não dispunham de obras de fortificação que pudessem resistir com eficácia às novas armas pesadas do PAIGC, que o Cmd-Chefe alertara do facto o EMGFA, a 20abr74, por uma nota que concluía nos seguintes termos:

"O facto de ter sido confirmada parte das notícias atrás mencionadas pela utilização de viaturas blindadas no ataque a Bedanda, confere certa verosimilhança às restantes notícias que referem a existência de novas armas antiaéreas ou outras, pelo que aquela utilização e o conjunto das circunstâncias descritas na presente nota, nomeadamente a análise das fotografias juntas, são motivo de grande preocupação para este Cmd-Chefe, cumprindo-lhe assinalar as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das FA da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das guarnições militares que porventura sejam atacadas, quer quanto às limitações de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos".

Análise da actividade de guerrilha

A partir de 1964, após a criação das FARP, a curva da variação anual de actividade de guerrilha apresentava, todos os anos certa semelhança: crescia durante toda a época seca, apresentando um ponto alto em jan/fev, após o que decrescia para, em abr/mai, subir de novo até ao começo das chuvas, altura em que alcançava o máximo anual; a partir do começo das chuvas a actividade da guerrilha começava a decrescer regularmente, atingindo no final das chuvaso seu mínimo anual.

A actividade de guerrilha do PAIGC, em 1973, processou-se de acordo com os padrões normais dos anos anteriores, tendo apresentado no entanto a seguinte particularidade: o ponto alto verificado no final da época seca (em mai73) correspondeu a cerca do dobro das acções registadas em 1972, na mesma altura, e o decréscimo observado durante a época das chuvas foi mais acentuado e prolongou-se para além da época seca, até nov73.

No entanto a partir do final de dez73, a actividade de guerrilha aumentou muito acentuadamente, tendo sido em todos os meses do primeiro trimestre de 1974 mais elevada que nos meses homólogos do ano anterior.

Deste modo ao empolamento da actividade de guerrilha em 1973, sucedia outro tanto em 1974. O habitual ponto alto que se previa para abr/mai74, e tudo fazia admitir mais violento que o de 73, só foi sustido pela ocorrência do Movimento de 25Abr.

Pelos quadros anteriores   [vd. acima ] verificava-se que,  quantitativamente, no ano de 1973, se registou um total de 1.514 acções de guerrilha, correspondente a um aumento de cerca de 11% em relação às 1.359 acções verificadas no ano anterior. 

Daquele total, 1.033 acções foram de iniciativa do PAIGC (760 em 1972) e 481 acções de reacção (599 em 1972). Assim, o ano de 1973 foi caracterizado não só por um aumento global de acções, mas especialmente por uma subida pronunciada do número de acções de iniciativa do PAIGC (mais 35%), a par de um decréscimo da actividade de reacção.

Esta tendência - aumento da actividade de iniciativa - acentuou-se mais nos primeiros 4 meses de 1974 (+ 50%), período em que se registaram 415 acções de iniciativa, total significativamente superior às 276 acções realizadas pelo PAIGC em igual período de 1973.

Tais números eram o resultado da cada vez maior agressividade e potencial revelado pelas FARP, assim como a diminuição da actividade de reacção era sintoma claro de uma menor capacidade ofensiva das NT.

Acresce que a actividade de iniciativa do PAIGC, no conjunto do TO, tendo aumentado cerca de 35% em relação a 1972, provocava às NF mais do dobro dos mortos (185/84) registados naquele ano. 

Neste particular o agravamento de 50% verificado nos primeiros meses de 1974, originava um total de mortos sofridos pelas NF até ao final de abr74 (81 M) quase idêntico ao nº registado durante todo o ano de 1973 (84 M). 

Este facto tomava evidente que as acções de guerrilha, além de mais numerosas, tinham uma característica, que os números não podiam traduzir com fidelidade a qual era a cada vez maior violência das mesmas, sendo certo que os valores estatísticos dos quadros apresentados não faziam distinção entre pequenas e grandes acções ou operações de guerrilha.

Em resumo, pode concluir-se o seguinte:

  • Avaliada pelo quantitativo de acções,  a actividade de guerrilha da iniciativa do PAIGC em 1973, aumentou cerca de 35% em relação ao ano anterior. Por sua vez em 1974, no final de Abril, aquele quantitativo era 50% superior ao total registado nos primeiros 4 meses de 1973.
  • A acção do PAIGC vinha sendo caracterizada por um aumento significativo das acções de fogo, em detrimento das acções de terrorismo (raptos e roubos), orientando-se este, cada vez mais, para acções de terrorismo selectivo e sabotagens. Era notória a evolução no sentido do abandono progressivo da actividade de guerrilha dispersa em superfície, em proveito das acções maciças contra objectivos definidos, obrigando a grandes balanceamentos demeios, por vezes, envolvendo elementos de todo o TO.
  • Estas características eram indicadores seguros do aumento de agressividade das FARP e da sua maior capacidade ofensiva, potencial e eficiência.
  • Em reforço da conclusão precedente menciona-se o aparecimento de novas armas durante o período considerado (míssil "Strela" e viaturas blindadas) e um maior emprego de outras (mort 120 mm, fog 122 mm, canh 85 mm, canh 130 mm e minas especiais).
  • Finalmente, a situação militar revelou nítido agravamento a partir de dez73, em especial nas Zonas Sul e Leste.

Dispositivo geral do PAIGC e objectivos

Ao longo de toda a fronteira e nos países limítrofes, o PAIGC dispunha de Bases com estruturas e Comandos próprios, perfeitamente integrados na sua organização militar e que, em conjunto com os "corredores" de infiltração e áreas fulcrais no interior do TO, constituíam a malha do seu dispositivo.

Algumas das Bases ao longo da fronteira tinham simultaneamente carácter operacional e logístico, constituindo pontos de apoio à entrada de grupos armados e de colunas de reabastecimento. Assim:

  • Na Zona Oeste, dispunha fundamentalmente das Bases de M'Pack, Campada, Sikoum, Cumbamory e Hermacono, sedeadas na faixa fronteiriça da Rep Senegal, a partir das quais actuava contra as guarnições de S.Domingos, Ingoré, Guidaje, Farim e Cuntima e infiltrando-se pelos "corredores" da Sambuiá e Lamel irradiava para o interior do TO, respectivamente em direcção às áreas fulcrais de:

- Tiligi, Naga-Biambe e Caboiana-Churo, donde ameaçava directamente o "Chão" Manjaco e as povoações  e Aquartelamentos  ao longo do eixo Có - Bula - Binar - Biambe - Bissorã;

- Bricama, Morés e Sara, donde ameaçava as povoações e aquartelamentso ao longo do eixo Mansoa - Mansabá - Farim, a península de Nhacra e, indirectamente a ilha de Bissau;

  • Na Zona Leste, para pressionamento do "Chão" Fula, dispunha:

- Na Rep Senegal, das Bases de Fakina, Sambolecunda, Sare Lali, Suco/Payongon e Lenguel/Serenafe, ameaçando os regulados da fronteira N, em direcção a Bafatá/Nova Lamego. [... ]

___________

Notas da CECA (2015):

[1] Extractos  do relatório, pp I, 11 a 18.

[2] A Guiné-Bissau tinha sido admitida como membro daquela Organização, após a proclamação unilateral da independência.

[Revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste: LG ]

__________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24065: A nossa guerra em números (22): De um total de 1570 minas e outros engenhos explosivos implantados pelo PAIGC (de 1972 a 20 de abril de 1974), mais de três quartos foram neutralizadas pelas NT, com destaque para as minas A/P

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22426: Tabanca Grande (523): O cap art Otelo Saraiva de Carvalho, com quem trabalhei na Rep ACAP, QG/CCFAF, em 1971, ao tempo do major inf Ramalho Eanes e do ten cor inf Mário Lemos Pires (Ernestino Caniço)... Em sua memória,.é reserado o lugar nº 846, à sombra do nosso poilão


Foto 1 > Guiné > Bissau > Amura > QG / CC FAG > Rep ACAP (Assuntos Civis e Acção Piscológica) > 1971 > Uma foto histórica: o  Major Ramalho Eanes (Diretor da Secção de Radiodifusão e Imprensa). à ponta esquerda; o ten cor Lemos Pires (chefe da repartição), na ponta direita;  o alf m,il Ernestino Caniço está ao centro, na segunda fila.



Foto 1A > Guiné > Bissau > Amura > QG / CC FAG > Rep ACAP (Assuntos Civis e Acção Piscológica) > 1971 > Uma foto histórica: o  Major Ramalho Eanes, de óculos de sol  (Diretor da Secção de Radiodifusão e Imprensa). à ponta esquerda; o ten cor Lemos Pires (chefe da repartição), na ponta direita;  o alf mil Ernestino Caniço está ao centro, na segunda fila.



Foto 1B > Guiné > Bissau > Amura > QG / CC FAG > Rep ACAP (Assuntos Civis e Acção Piscológica) > 1971 > Uma foto histórica:   na segunda fila, o  então capitão de artilharia Otelo Saraiva de Carvalho, na ponta esquerda, na segunda fila; ao centro, o terceiro a contar da direita deve ser o então já ten cor Luz Almeida (, será comandante da Polícia Militar em 1973).


Foto 2 > Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > QG/CCFAG > 1971 > Rep ACAP (Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica)  > Departamento de Fotocine > Ao centro, o Cap Art Otelo Saraiva de Carvalho e à sua esquerda o Alf Mil Cav Ernestino Caniço, seu colaborador.


Fotos (e legendas): © Ernestino Caniço (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
-

1. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil Cav, Comandante do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, Fev 1970/DEZ 1971, hoje médico, e que aos  77 anos teima em continuar ao serviço dos outros de acordo com o seu juramento hipocrático; vive em Tomar, estando reformado do SNS):


Date: sexta, 30/07/2021 à(s) 17:59
Subject: Otelo

Amigo Luís Graça:

Perante o teu convite para umas referências à Rep ACAP, a propósito do Coronel Otelo Saraiva de Carvalho, pela sua empatia, munificência e humanismo, vou espichar algumas linhas, tentando que, após meio século, não seja atraiçoado pela memória.

Como já tinha referido,  fiz parte da Rep ACAP, no QG/CCFAG, na Fortaleza da Amura -Bissau no ano de 1971. À data era chefe da repartição o Major Lemos Pires (posteriormente promovido a Tenente Coronel).

Faziam parte, com funções de relevo, o Major Ramalho Eanes, o Major Luz Almeida, o Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, o Alferes Arlindo Carvalho e o 1º Cabo João Paulo Dinis.

O Major Ramalho Eanes era o Diretor da Secção de Radiodifusão e Imprensa do Comando-Chefe. Com ele partilhei a responsabilidade da biblioteca, além de outros contactos nas nossas funções.

Na manobra psicológica em curso no T.O.  o Capitão Otelo era Relações Públicas por mim coadjuvado e dentro da missão da Rep ACAP, com enfoque nos contactos internacionais, acompanhando figuras proeminentes, nomeadamente jornalistas, atores, senadores, etc., instalando-os e preparando programas, que o Tenente Coronel Lemos Pires apresentava ao General Spínola.

O louvor que me foi atribuído pelo Agrupamento de Bissau, foi redigido pelo Capitão Otelo por indicação do Tenente Coronel Lemos Pires.

Para a entrada na ACAP (após a desativação do meu pelotão Daimler) tinha-me sido destinado a Secção de Assuntos Civis. À minha chegada e pelos contactos anteriores, entendeu o Major Lemos Pires que eu tinha perfil para a Ação Psicológica, pelo que me colocou na Secção de Operações Psicológicas, dirigida pelo Major Luz Almeida

Competia-me então (entre outros) dar apoio logístico ao General Spínola, Governador e Comandante Chefe,  nas suas intervenções nas populações, bem como a feitura de ofícios para as entidades civis e militares por determinação do chefe da repartição. 

Numa outra área intervinha na sensibilização das populações, nomeadamente através de
obras e estruturas efetuadas pelas nossas tropas. A gestão e fruição destas informações estavam a cargo do Alf mil Arlindo Carvalho, de acordo com as normas emanadas superiormente e com a supervisão do Major Ramalho Eanes.

O 1º Cabo João Paulo Diniz animava a rádio das Forças Armadas na Guiné-Bissau, sendo locutor no Pifas (Programa de Informação para as Forças Armadas).

Espero ter correspondido ao solicitado.

Um abraço, Ernestino Caniço

Médico – Chefe Serviço MGF
Gestor Serviços Saúde – Ordem Médicos
Pós Graduação em Direito da Medicina – Faculdade Direito Universidade de Coimbra

2. Comentário do editor L.G.:

Dois camaradas, o José Belo e o Ernestino Caniço, já aqui fizeram o elogio fúnebre do cor art Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021), que fez duas comissões de serviço em Angola e a última na Guiné (1970/73). (*)

Independentemente do seu lugar na nossa História, ele aqui é tratado como qualquer outro "camarada da Guiné", desde que tenha referências no nosso blogue. E o Otelo tem quase duas dezenas

O Ernerstino Caniço, que trabalhou com o Otelo, em 1971, já tinha feito questão de "o ver aqui sentado, à sombra do poilão da Tabanca Grande, embora infelizmente a título póstumo."

E aqui vai o nº que lhe coube, à sombra do nosso poilão, o lugar nº 846 (**). Obrigado ao Ermestino Caniço pela sua resposta à nossa sugestão para escrever alguns linhas sobre a ACAP e o Otelo, bem como pelas preciosas fotos que partilhou connosco.

No seu "site", "Poeta Todos os Dias", outro camarada que  trabalhou com o Otelo (e com o Eanes), o Silvério Dias, o 1º srgt ref, radialista do PIFAS, escreveu os seguintes versinhos sobre o Otelo, na passada quarta-feira, 28 de julho:

O Otelo faleceu

Segundo li no jornal
não haverá luto nacional
para o mentor da Revolução.
Dele ficará, pois, "enfermo".

Este, será, um termo
que indico como senão.
Mas já consta da História,
à margem da reles escória.

O povo não o esqueceu.
À despedida, acorreu.

____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


25 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22404: In Memoriam (400): O Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021) que eu conheci... Ou "As armas e as mãos - Carta ao Otelo amigo" (José Belo, cap inf ref, Lapónia, Suécia)

25 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22402: In Memoriam (399): Coronel Otelo Saraiva de Carvalho (1936 - 2021), autor do Plano de Operações do 25 de Abril de 1974 e que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1970 e 1973

(**) Último poste da série > 22 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22394: Tabanca Grande (522): Ildeberto Medeiros ex-1º cabo condutor auto, CCAÇ 2753, "Os Barões" (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim/K3 e Mansabá, 1970/72): açoriano de Ginetes, Ponta Delgada, a viver em New Bedford, senta-se no lugar nº 845, à sombra do nosso fraterno e sagrado poilão

domingo, 13 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20235: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (2): 2ª edição, revista e aumentada, Letra A



Guiné > Bissau > Amura ou Fortaleza de São José da Amura ou simplesmente Fortaleza da Amura > Construção iniciada em finais do séc. XVII, arrasada em 1707 e reconstruída em 1753, restaurada em meados do séc. XIX (1858-1860), bem como um século depois, a partir da década de 1970, sob orientação do arquiteto Luís Benavente.


Foi quartel-General durante a guerra colonial. É hoje panteãio nacional da República da Guiné-BissaU. Foto nº 17/199 do álbum Guiné, disponível na página do Facebook, do João Martins. qui estava instalado o QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné], com as suas 4 Rep[artições]. Nas proximidades ficava a 5ª Rep, o Café Bento, o maior "mentidero" de Bissau, onde se ganhavam ou perdiam todas as batalhas.



Foto: © João José Alves Martins (2012)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: 
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. São cerca de meio milhar de "entradas":

(i) abreviaturas, siglas, acrónimos e termos técnico-militares usadas pelas NT (Nossas Tropas) / Forças Armadas Portuguesas:

(ii) abreviaturas, siglas e acrónimos e termos técnico-miliatres usadas pelo IN (inimigo) (guerrilha / PAIGC):

(iii) topónimos da Guiné, vocábulos e expressões etnográficas e/ou em crioulo e línguas gentílicas

(iv) vocábulos e expressões da gíria ou calão tanto do IN como das NT...

Acrescentamos também algumas figuras populares, do "Caco Baldé" ao "Manel Djoquim", do "alfero Cabral" ao "Tigre de Missirá", do Pepito ao "Metro e oito"...

É um pequeno património linguístico que já não nos pertence... Alguns destes vocábulos, do calão ao crioulo,  já estão grafado pelos dicionaristas: por exemplo, bianda, bideira, blufo, bolanha, morança ... Outros poderão vir a sê-lo, se não caírem em desuso.. Muitos morrerão na "vala comum do esquecimento", nomeadamente expressões usadas na caserna: pira, periquito, checa, partir punho, partir catota ... 

Enfim, são mais de quinze anos a blogar, o que dá, pelo menos  sete comissões no TO da Guiné...

Pequeno dicionário, de A a Z, em construção, com o contributo de todos os amigos e camaradas da Guiné (*) que se sentam aqui à sombra do nosso poilão, e que até têm um livro de estilo (**)... 

Mas falta-nos "a gíria e o calão" de outras armas como as da Marinha, por exemplo ... Infelizmente temos poucos marinheiros e fuzileiros na Tabanca Grande.

Quanto ao resto (e nomeadamente ao uso de um "calão" mais grosseiro, ou mais obsceno...), é bom lembrar que o nosso blogue não é politicamente correto, justamente porque é plural, é um rio com muitos afluentes, é filho de muiats mães e pais... Aos nossos/as amigos/as e camaradas mais "sensíveis", incluindo os/as nossos/as  amigos/as guineenses, pedimos desculpa de "qualquer coisinha"... 

Desnecessário é lembrar que o nosso blogue rejeita todos os ismos: colonialismo, racismo, sexismo, moralismo... , etc. Não somos um blogue de causas, só queremos parti(lha)r memórias (e afetos)... LG


Pequeno Dicionário da Tabanca Grande,  de  A a Z: 

[Em construção, desde 2007]


1º Cabo Aux Enf – 1º cabo auxiliar de enfermagem

2TEN FZE RN - 2º Tenente Fuzileiro Especial da Reserva Naval (Marinha)

5ª Rep - (i) Café Bento, o ‘mentidero’ de Bissau, que ficava junto ao Forte da Amura onde estava instalado o 
QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné], com as suas 4 Rep[artições]

A/C - Anticarro, mina

A/D - Autodefesa (tabanca em)

A/P - Antipessoal. mina

AB - Alfa Bravo ou alfabravo, abraço (alfabeto fonético internacional, usado pelos nossos Op Trms)

Abibe - Novato na BA 5 (Monte Real) (FAP)

Abo - Você, tu (crioulo)

ACAP - Assuntos Civis e Acção Psicológica (REP / ACAP) 

AD - Acção para o Desenvolvimento - ONGD guineense que teve a marca histórica da liderança do Pepito (1949-2014)

ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas (, fundada depois do 25 de Abril)

Aero - Aerograma, carta, bate-estrada, corta-capim

Afilhado - Militar que tinha uma madrinha de guerra

Água de Lisboa – Vinho (da intendência) (gíria)

Água do Geba (Beber a) - Apaixonar-se pela Guiné

AGUltramar - Agência Geral do Ultramar

Agr - Agrupamento

AICC Área de Intervenção do Comando-Chefe

AKA - Kalash, Espingarda Automática Kalashnikov (AK) Cal. 7,62 mm (PAIGC)

AL II - Alouette II, helicóptero, de origem francesa (FAP)

AL III - Helicóptero Alouette III, de origem francesa (FAP)

Alf - Alferes

Alf Mil - Alferes Miliciano

Alf Mil Med - Alferes miliciano médico

Alfa Bravo / Alfabravo - Abraço


Alfaiate - Crocodilo (gíria)

Alfero - Alferes (crioulo)


Alfero Cabral - Jorge Cabral, alf mil  art, cmdt Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71),autor da série "Estórias cabralianas"

AM - Academia Militar (sucedeu, em 1959, à Escola do Exército, remontando a sua origem apo séc. XVII)


Amura - Velha fortaleza militar colonial, em Bissau; sede do QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]; hoje Panteão Nacional da Guiné-Bissau




AN/PCR-10. 
Imagem: Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné
AN/GRC-9 - Rádio, equipamento de transmissões (NT)

AN/PRC-10 AVF - Rádio emissor-receptor (MT)

Animistas - Povos ribeirinhos(balantas, manjacos, papéis e outros) que praticam o culto dos irãs

Anti-Aérea ZPU-4 - Anti-aérea  quádrupla, de 14,5 mm (PAIGC)[Também tinham peças AA de 37 mm e, depois, o Strela, em 1973]


Anti-G - Fato que ajudar a suportar os Gês (FAP)

AOE - Associação de Operações Especiais

Ap - Apontador

APAR - Apoio aéreo (FAP)

Ap Arm Pes Inf - Apontador de Armas Pesadas de Infantaria (morteiro, canhão s/r, metralhadora 12.7...)

Ap Dil - Apontador de Dilagrama

Ap LGFog - Apontador de Lança-granadas foguete

Ap Met - Apontador de Metralhadora

Ap Mort - Apontador de morteiro

Apanhado - (i) Diz-se do combatente afectado pela guerra e pelo clima; (ii) cacimbado (em Angola)

APsic - Acção Psicológica

Aqt - Aquartelamento
 
Arre-macho - Tropa de infantaria, tropa-macaca (termo depreciativo, usado pelas tropas especiais)

Art Artilharia

Arv - Arvorado, Soldado



Anúncio da ASCO (1956). 
Fonte: Blogue Luís Graça
 & Camaradas da Guiné


ASCO - Acrónimo da Aly Souleiman & Ca - Casa comercial, de origem sírio-libanesa, com sede em Bissau e filiais no interior, incluindo Gadamael.
Asp Of Mil - Aspirante a Oficial Miliciano

At Art - Atirador de Artilharia

At Cav - Atirador de Cavalaria

At Inf - Atirador de Infantaria

Atacadores da PM -  Esparguete (gíria) (Ex: Atacadores com PM com estilhaços)

ATAP - Missão resultante de um pedido de fogo imediato, com a saída da parelha de alerta; ataque em alerta (FAP)

ATIP - Missão de apoio de fogo, pré-planeada; ataque independente (FAP)

ATIR - Ataque e reconhecimento (FAP)


(Continua)
____________

Notas do editor:




30 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2389: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (6): Racal (José Martins)

29 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2388: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (5): Periquito (Joaquim Almeida)

26 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1887: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (3)... (Zé Teixeira)

domingo, 7 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19080: (De)Caras (119): Marco Paulo, um dos nossos camaradas, hoje famosos, que passaram pelo CTIG... Era o 1º cabo escriturário João Simão da Silva, e foi colocado no QG/CCFAG, na Fortaleza da Amura


Guiné > Bissau > Junho de 1969 > Fortaleza da Amura >   QG/CCFAG (Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné) > O Virgílio Teixeira, numa das vezes que foi ao QG / CCFAG, na fortaleza da Amura,  em data que já não pode precisar (c. 1967/68), encontrou no Bar de Oficiais o cantor Marco Paulo ("era 1.º cabo, e o responsável pelo Bar").


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Houve camaradas nossos, que passaram pelo TO da Guiné, e que depois se tornaram famosos, nas suas atividades profissionais: políticos, artistas, desportistas, médicos, jornalistas, etc. Famosos, quer dizer, conhecidos do grande público... 

É o caso, por exemplo, do cantor Marco Paulo, que foi 1.º cabo escriturário, e que esteve colocado no QG/CCFAG (Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné), na fortaleza da Amura... Não sabemos a sua unidade, nem exatamente em que período lá esteve: talvez entre 1966 e 1968, cerca de 18 meses; e talvez em rendição individual.

Vários camaradas já referiram aqui o seu nome: 

O Hugo Guerra (ex-alf mil, hoje Coronel DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 50, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), encontrou o Marco Paulo, que ele não conhecia,  nos correios de Bissau, na época natalícia de  dezembro de 1968. Tiveram um pequeno "desaguisado" por causa dos botões da camisa (*)...

Por sua vez, o Virgílio Teixeira (ex-al mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, set 1967 / ago 1969) escreveu que, nas suas  visitas a Bissau,  foi várias vezes ao QG, na fortaleza da Amura , e que "numa delas encontrei no Bar de Oficiais o cantor Marco Paulo, que já o conhecia do Porto, morava perto de mim, e já começava a ser conhecido". 

E acrescenta: "ele era 1.º cabo, e o responsável pelo Bar, servia no balcão ele ou outros em serviço. (...) Depois acabou por dar espectáculos em alguns lugares da Guiné, mas eu nunca vi nem assisti a nenhum". (**)

O Virgílio Teixeira esclarece, em comentário (**), que "o Marco Paulo, já depois de chegarmos da Guiné, morava por aí perto de mim, ao lado da casa de uma irmã minha, e só por isso o via raramente, quando visitava a minha irmã [no Porto]".

Também num blogue do Luís de Matos (ex-fur mil, da CCAÇ 1590 / BCAÇ 189, Os Gazelas, 1966/68), havia uma referência ao Marco Paulo: ele chegou a Bissau, a 11 de agosto de 1966 e foi dar uma volta à noite com vários camaradas, alentejanos.   O blogue já não está mais disponível na Net (o link era: http://luisdematos.blog.com/2007/7/) mas aqui vai um excerto (*)

(...) O furriel miliciano Charneca, que é natural de Beja, ou arredores, não sei bem, pertence à CCS do meu batalhão, o [BCAÇ]  1894, disse-me que há um nosso camarada, já 'velho', o que equivale a dizer que não é 'periquito', que está no rádio do Quartel-General com o Marco Paulo, um artista da rádio e da TV e também alentejano, de Mourão. Vamos lá ter com eles, para nos mostrarem como é isto. Ou pelo menos, aquele meu amigo vai connosco. Estava uma noite escura como breu. Não me recordo de mais nada. O que sei é que me vi dentro dum táxi, com o Charneca e o tal amigo do QG, por um trilho, em que o capim era bem mais alto que o nosso transporte e fomos parar a uma vivenda onde havia música. Muita música cabo-verdiana e dança, frangos no churrasco, cerveja e whisky. (...)


2. Em tempos publicamos dois extractos de entrevista com o Marco Paulo (, nome artistico de João Simão da Silva, nascido em Mourão,  na margem esquerda do Guadiana, Alentejo, em 21 de janeiro de 1945).  

Uma das entrevista era do  Correio da Manhã, de 9 de junho de 2007:

(...) –Fez tropa na Guiné durante dois anos. Do que se recorda?

– Recordo-me de ter pedido a todos os santos para não ir, acima de tudo porque eu sabia que se fosse para a Guiné possivelmente quando regressasse já não podia dar seguimento à minha carreira. A minha sorte foi que o meu produtor, Mário Martins [, da Valentim de Carvalho], fazia sempre questão que eu viesse de férias. Durante esse período eu gravava, e quando voltava para a Guiné a editora lançava o disco. Por isso nunca caí no esquecimento.

– Chegou a sentir medo?

– Quando cheguei à Guiné não foi fácil. Pensei: “Olha, vou para o mato. Levo lá um tiro na cabeça e pronto!” Só que fui para o quartel da Amura, para a secção de Justiça, como escriturário. Ouvia os bombardeamentos, mas não deu propriamente para sentir medo. Depois, como a rádio lá passava muitos discos meus, eu era aproveitado para abrilhantar as festas militares.

– Compreendeu, à época, as motivações daquela guerra?

– Eu não estava por dentro dos assuntos da política. Disseram-me que Guiné era Portugal e eu acreditei. Hoje, olhando para trás, vejo que foram dois anos perdidos.


Outra das entrevistas, com o Marco Paulo, "a propósito dos 35 anos de carreira e dos 3 milhões de discos vendidos". conduzida pelo jornalista e escritor Luís Osório, e publicada nas Selecções do Reader's Digest - Portugal - Revista, em nembro de 2011, pode ler-se:

(...) Luís Osório [LO] - Sei que está a comemorar mais um ano de carreira..

Marco Paulo [MP] - E são já 35 anos a cantar, imagine só. Tanto tempo que quase parece, bem, quase parece que a pessoa que sou hoje nada tem a ver com a pessoa que fui... Passei muitas dificuldades no início, não foram apenas rosas.

LO - Que tipo de dificuldades?

MP - No início tive de cumprir 18 meses de serviço militar obrigatório, depois tive também de viver com o que diziam e faziam os meus críticos. Durante muitos anos o meu nome esteve vetado na televisão. Fui muitas vezes mal tratado. (...)

(...) LO: Voltando um pouco atrás. Onde cumpriu o serviço militar? 


MP: Na Guiné. Quando fui para a guerra, já tinha gravado dois ou três discos, discos sem grande sucesso mas que passavam na rádio e que já vendiam alguma coisa. Ao regressar da guerra, não fazia ideia do que seria a minha vida no futuro, não era líquido que o meu futuro passasse pelas cantigas.

LO: Recorda o dia em que partiu para a guerra?

MP: Muito bem. No fundo, não sabia para onde ia. Foram dias muito inquietantes, mas por sorte acabei por ir parar a Bissau. Os meus pais choraram quando se despediram de mim, choraram tanto como eu. Aliás, lembro-me de ter chorado duas vezes na minha vida: nessa ocasião e quando me deram a notícia de que tinha um cancro. Não é nada fácil alguém me ver chorar, nada fácil mesmo.

LO: O estatuto de cantor beneficiou-o de alguma forma durante a Guerra Colonial?

MP: De forma nenhuma. Por sorte, não estive nos sítios onde se vivia a guerra, limitei-me a estar numa zona mais resguardada. Fui obrigado a ir. Estava numa secção de escritório a fazer cartas, para mim foram quase umas férias. Só me apercebia de que existia guerra quando me convidavam para ir cantar a algum hospital ou à Força Aérea; no sítio onde estava não percebia nada. Deu-me muito prazer cantar na Guiné, os meus camaradas pediam-me e eu nunca recusava. (...)

Infelizmente, não dispomos de nenhuma foto do nosso camarada Marco Paulo, do tempo da Guiné.  Nem conhecemos o "sítio oficial" do popular cantor (***).
____________