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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26394: Humor de caserna (97): O anedotário da Spinolândia (XV): O comandante do destacamento de Cabedu... a quem Spínola perguntou pelo plano de defesa (Rui A. Ferreira, 1943-2022)



1. Mais uma história (daquelas "rocambolescas da guerra"...) contada pelo nosso saudoso camarada Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022), ten cor inf ref, que fez duas comissões no CTIG, a última como cmdt da CCAÇ 18 (Aldeia Formosa, jan 71 / set 72): além de ter sido um grande operacional, foi também um talentoso escritor, tendo-nos deixado três livros de memórias; natural de Angola (antiga Sá da Bandeira, hoje Lubango), viveu parte da sua vida em Viseu, cidade que muito amava, onde tinha muitos amigos  (como o protagonista desta história) e onde faleceu.


O comandante do destacamento de Cabedu... a quem Spínola perguntou pelo plano de defesa (*)

por Rui A. Ferreira (1943-2022)



O meu amigo Manuel Cerdeira (**), atualmente coronel reformado da administração militar, cumpriu uma comissão na Guiné, como alferes miliciano atirador de infantaria.

Tendo saído do barco que o transportou até Bissau, diretamente para uma lancha da marinha, que o foi depositar, a si e ao seu grupo de combate, no aquartelamento de Cabedu, cuja guarnição era então composta por dois pelotões de atiradores e, sendo que, como era o mais antigo, passou nestes termos a ser o comandante militar de Cabedu.

Passados uns tempos, recebeu a visita do próprio general Spínola, que a certa altura lhe perguntou:

− Então, e o plano de defesa ?

Ao que o bom do Cerdeira respondeu:

− Não sei o que é isso.

− Então, quando são atacados o que é que fazem ?

− Fazemos fogo.

− Para onde ?

− Para onde pensamos que eles estão.

− Então, e não veio cá ninguém ajudá-lo a fazer um plano de defesa ?

− Não, senhor, o meu general foi o único até agora.

Spínola voltou para o helicóptero, foi à sede do batalhão (***), fez subir para o mesmo o comandante e foi largá-lo em Cabedu  e deixou-lhe TPC (trabalho de casa):

− Daqui a 15 dias volto cá a buscá-lo,quando o plano de defesa estiver pronto.

Para concluir a história, foi o comandante punido com uns quantos dias de prisão e devolvido à metrópole.


Fonte: Excerto de Rui Alexandrino Ferreira - "Quebo: nos confins da Guiné". Coimbra: Palimage, 2014, pág. 348.

( Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, título: LG)


_______________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 15 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26391: Humor de caserna (96): "O mê Zé disse isso ?!"... O epílogo engraçado da história do impaludado (Alberto Branquinho)

Vd. poste de 4 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26348: Humor de caserna (91): O anedotário da Spinolândia (XIV): "Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!"... (Mário Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gandembel e Ganturé, 1967/69)


Cor SAM ref Manuel C. A. G. Cerdeira 
(1946-2023)

(**) Trata-se do cor SAM Manuel Carlos de Almeida Guerra Cerdeira, natural de Viseu (1946- 2023)(Curso de Saída da AM: 1974); foi alf mil at inf, OE, tendo cumprido uma comissão de serviço no CTIG, em Cabedu,  no subsetor de Catió (1969/70), comandando dois Gr Com da CART 2476  (Catió e Cabedu, 1969/70), setor S3 (Catió, BART 2865).

Ingressou depois  na Academia Militar em outubro de 1970 (Patrono do Curso: “Major Neutel Simões de Abreu”), concluindo a parte curricular do Curso de Administração Militar (AdMil) em 1973, sendo, após frequência do tirocínio na Escola Prática de Administração Militar (EPAM/Lisboa - 1973/1974), promovido a alferes.

Elemento da primeira hora do MFA, integrou o grupo de oficiais que assumiu o comando da Escola Prática de Administração Militar (EPAM/Lisboa) na madrugada de 25Abril74 bem como o grupo de comando que  garantiu a  ocupação e a defesa dos Estúdios da RTP no Lumiar, no âmbito na “Operação Fim de Regime”.

Fez depois a sua normal carreira militar: tenente (1974), capitão (1977), major (1986), tenente-coronel (1994) e coronel (1996). Destaque para uma Comissão de Serviço na Bósnia e Herzegovina, integrado no Destacamento de Apoio de Serviços (DAS) da Força Nacional Destacada “FND-IFOR/BÓSNIA” (1996).

(***) Catió, sector S3, englobando 3 subsetores, Catió, Cufar e Bedanda, e posteriormente (em out69) mais 3, Cacine, Gadamael e Guileje. Nesta altura, a responsabilidade do setor S3 era do BART 2865 (fev 69 / dez 70), que teve dois comandantes: TCor Art Mário Belo de Carvalho e TCor Art António José de Melo Machado.

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Spínola, enquanto governador e comandante-chefe no CTIG, foi e continua ser uma figura "polémica", objeto de amores e ódios patológicos, com admiradores e detratores...O mesmo se passa com Amílcar Cabral (1924-1973) cujo centenário de nascimento, de resto, terá sido mais "comemorado" em Portugal do que nas terras que ele quis "libertar" (Guiné-Bissau e Cabo Verde)... Estranho paradoxo, não ?!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Há quem diga que as "vítimas" do Spínola, a nível de oficiais superiores, comandantes de batalhões, eram "preferencialmente" das armas de infantaria e artilharia... Nunca eram militares de cavalaria... nem antigos alunos do Colégio Militar !...

Não há estatísticas, é apenas a evidência anedótica... A questão que se pode pôr: era Spínola imparcial na aplicação da disciplina e da justiça em relação aos seus subordinados ? Acusavam-no, alguns daqueles que trabalharam com ele ou próximo dele, que, a par das muitas virtudes (carisma, liderança, coragem física e moral, determinaçãio, capacidade de trabalho, etc.), também tinha muitos defeitos (narcisismo, vaidade, ambição pessoal, demagogia, favoritismo...).

Ficou célebre, na nossa cultura de caserna, a expressão "pôr um par de patins"...

Já na Guiné se contava um dos ditos preferidos do general: "Um oficial de cavalaria é bom até prova em contrário. Um oficial de infantaria ou artilharia é mau até poder provar o contrário"....

Anónimo disse...

O "Onze" do Combis também levou um par de patins do Spínola. Quando Bissau foi atacada ou flagelada... O Paulo Santiago acha que era de cavalaria... Exceção que confirma a regra ? LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sim, confirmei com o Paulo Santiado... O que dizer que toda a regra tem exceção ("Todo o oficial de cavalaria é bom até prova em contrário; todo o oficial de infantaria ou artilharia é mau até prova em contrário")...

Um dos primeiros comandantes do Combis (Comando de Agrupamento de Bissau, jan 69 /set 74) terá levado com um "par de patins" por parte do Spínola, aquando do ataque ou flagelação do PAIGC a Bissau, que deixou o com-chefe em polvorosa...Por azar o comandante era de cavalaria, o célebre "Coronel Onze" (alcunha pouco abonatória para a sua honra...), o Cor Cav Fernando Rodrigues de Sousa Costa!...

Era o terror dos militares em Bissau, pior que a PM!...Contavam-se muitas histórias dele. Uma das duas vítimas foi o cap inf Vasco Lourenço, teve ir que ao barbeiro duas vezes a cortar a melena...

Uma história já aqui contada pelo nosso saudoso Fernando Magro (ex-cap mil art, BENG 447, Brá, 1970/72).