segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Este ensaio de Frédéric Mauro tem com aliciante a interpelação que ele faz se houve ou não um paradoxo colonial português. À revelia do que propunha Lenine, Portugal possuiu um império marítimo sem revolução industrial, teve nas mãos a economia de vastos territórios para além das suas possibilidades teóricas, mas não foi um imperialismo como último estádio do capitalismo, por uma razão que escapou a Lenine e aos seus seguidores. O império marítimo português era baseado na política de transporte, da intermediação. Trazia-se pimenta, madeiras exóticas, canela e outras especiarias, em Lisboa fazia-se a troca, comprava-se o que era apreciado no Oriente, nas feitorias africanas, no litoral brasileiro. Quando mudou o modelo capitalista no século XIX, praticamente inexistente o que fora o Império do Oriente, com o Brasil independente, o país lançou-se no terceiro império. A vocação marítima vinha de longe, houve negócios medievais com Inglaterra e os portugueses estavam mais perto da terra nova que os bretões. A marinha chama o comércio, não havendo indústria agarraram-se com ambas as mãos a fixação possível de populações depois da Conferência de Berlim, já não havia comércio negreiro, apostou-se nas potencialidades do cacau, do café, das madeiras, numa primeira fase, na cedência de mão-de-obra para as minas de África do Sul, desenvolvimento das pescas, novas explorações de ouro e diamantes. A lógica descolonizadora deixou perplexa o Estado Novo, enquanto ficava isolado nas relações internacionais, dependente dos interesses de África Austral, havia investimento estrangeiro do mundo ocidental que alimentou a ilusão de que o império estava para durar, esqueceu-se a outra dimensão humana que foi a saturação da guerra sem nenhuma solução política à vista.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Tomou iniciativa de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço. Abriu esta série de recensões Banha de Andrade, a sua intervenção intitula-se Ao fechar a última página da colonização portuguesa. Segue-se Frédéric Mauro, então professor da Universidade de Paris, reputado especialista da temática dos Descobrimentos portugueses. Acicata-nos com uma interrogação: haverá um paradoxo colonial português? E contraria o pensamento leninista, deste modo: 

“Lenine escreveu o imperialismo como último estádio do capitalismo. Ora, a história de Portugal parece insurgir-se contra essa ideia feita. Portugal, país pequeno e fraco, possuiu o maior império marítimo do seu tempo. País sem revolução industrial, teve nas mãos a economia de vastos territórios. Mas antes de explicar este paradoxo, recorde-se que houve, pelo menos, dois impérios coloniais portugueses como houve dois impérios coloniais europeus.”

É usual falar-se do primeiro império colonial ligado à expansão do capitalismo comercial, um império que durou do Renascimento à Revolução Francesa, os seus protagonistas foram Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França.

 As colónias espanholas foram sobretudo colónias de povoamento; os portugueses criaram feitorias comerciais no Oriente e colónias de povoamento no Ocidente, tal como os franceses e ingleses. Este primeiro império colonial conheceu duas fases. A primeira, ligado ao impulso comercial e capitalista do fim da Idade Média e do Renascimento, ergue-se sobre as ruínas do império veneziano; com a viagem de Vasco da Gama desviou-se a pimenta indiana das rotas pérsicas para a fazer passar por Lisboa; os espanhóis extraem do subsolo americano os metais preciosos; holandeses e depois os ingleses substituem-se no tráfego do Oriente; no século XVII portugueses e holandeses voltam-se para o Brasil a fim de compensar as perdas sofridas no Oriente; ingleses, franceses e holandeses prosseguem a sua empresa de colonização da América do Norte. Pode-se perguntar se o império português passou por duas fases de colonização ou se não houve diferentes ciclos da economia marítima portuguesa: o império e o ciclo das especiarias, baseado na exploração da Ásia, o império e o ciclo do açúcar do século XVII e da costa brasileira, o império e o ciclo do ouro ligado à colonização do interior do continente americano e à exploração do ouro e dos diamantes na capitania de Minas, depois em Goiás e Mato Grosso – este duplo ciclo brasileiro consolida a presença portuguesa na América.

O segundo império colonial europeu liga-se ao alargamento do que se convencionou chamar o capitalismo industrial que cresceu e se desenvolveu conhecendo as flutuações a curto e longo prazo de todo o sistema capitalista. A expansão europeia que fez nascer o segundo império europeu está ligada à Grande Depressão dos anos 1873-1895 e suscitou a criação de novos territórios coloniais. Os preços dos produtos industriais caíam na Europa, havia que os vender noutros continentes, e daí as emigrações e expatriamentos para povoar o continente americano, a África, a Austrália e a Nova Zelândia. Tudo isso suscitou rivalidades coloniais e estabeleceu-se o entendimento na Conferência de Berlim e organizar a expansão territorial, não a juntado às discórdias que existiam no continente europeu.

 Neste concerto capitalista, imperial e colonial, Portugal teve um lugar à parte. Participou na partilha de África, socorreu-se de expedições, engrenou na ocupação dos territórios, houve um relativo consenso em Portugal quanto à legitimidade e às obrigações de promover um quadro civilizacional, explorar as riquezas e fomentar o desenvolvimento naquilo que se convencionou chamar o terceiro império.

É neste quadro que Frédéric Mauro procura uma explicação para o paradoxo. Enquanto a reconstrução europeia a seguir à guerra dos Cem Anos não encarou grandes empresas ultramarinas, os portugueses foram movidos pelo génio marítimo, não faltou um sentido de cruzada; o chamado império do açúcar foi um feliz acaso, apareceu ligado ao desenvolvimento de uma nova necessidade do consumidor, trouxe reforço à vocação agrícola, marítima e comercial dos portugueses; e no ciclo do ouro e diamantes a balança comercial portuguesa com o estrangeiro tornou-se superavitária porque a do Brasil com Portugal era favorável ao Brasil. Foi graças ao seu défice com o Brasil que Portugal estava em excedente com o resto do mundo. Foi o ouro brasileiro que provocou a lenta alta de preços do século XVII e, curiosamente, beneficiou da pré-revolução e da revolução industriais em Inglaterra, país que desempenhava um papel privilegiado no comércio português desde o fim da Idade Média. 

A potência industrial inglesa irá tornar-se uma desvantagem para Portugal. A independência do Brasil consagrou e encorajou o esforço inglês para liberalizar o comércio brasileiro. E o resultado foi uma crise dramática da economia portuguesa, contribuiu para a revolução de 1820.

Até ao princípio do século XIX, o poderio português residiu no seu papel económico de intermediário, entre a produção do capitalismo comercial e o mundo tropical. Quando este papel se extinguiu, o país entrou numa via decadente, a alternativa encontrada foram os territórios africanos. Portugal aceitou desempenhar de novo o papel de intermediário, foi entreposto das manufaturas inglesas, francesas, alemãs, belgas ou holandesas para Angola e Moçambique. Finda a Segunda Guerra Mundial, deu-se uma convergência entre as grandes potências ocidentais e os países orbitados por Moscovo: os comunistas viam a descolonização como um meio de substituir a sua influência à da Europa Ocidental; os EUA aspiravam ao domínio económico e político do mundo, procuravam e conseguiram substituir a Grã-Bretanha como tutor e fornecedor de produtos manufaturados, de equipamentos e de capitais.

Nas Nações Unidas soprava o vento da descolonização. E Frédéric Mauro procura concluir este itinerário de análise:

“O paradoxo Portugal decifra-se em que conservou mais tempo as suas colónias, resistiu por mais tempo ao anticolonialismo. As razões deste paradoxo prendem-se à vontade de um governo ditatorial que montara uma estratégia hábil: neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial, ingresso na NATO e apoiante da Guerra Fria, propagandista de uma política não-racial, recorrendo à valorização dos territórios, implantando colonos brancos nas regiões mais temperadas, trocando o nome das colónias por províncias ultramarinas e reclamando que nestas etnias diferentes viviam em entendimento perfeito e onde a exploração e a dominação não existiam, mas sim a colaboração e a cooperação. Enquanto muitos países europeus estavam alicerçados na sua vocação continental, Portugal foi essencialmente movido pela sua vocação marítima. 

Mas há outros fatores, há sempre que realçar o papel de Portugal como país de trânsito, de intermediário entre o mundo industrial e as suas próprias colónias. O império português estava integrado num sistema que se servia dele e do qual ele próprio beneficiava. Mas há outra explicação que tem a ver com o processo interno do próprio Portugal. O atraso industrial de Portugal, mantendo a preponderância dos interesses agrários e comerciais, ajudou a manter o salazarismo. O apoio da África do Sul, a existência de um “bloco branco” na região mais temperada de África fizeram o resto".

Frédéric Mauro não quis fazer mais especulações sobre o pós-colonização. Iremos adiante fazer uma breve resenha sobre a colonização portuguesa no sudeste africano, entre 1505 e 1900, pela mão de Eric Axelson, e falaremos mais adiante daquele que terá sido o historiador de língua inglesa que melhor conheceu o império português, Charles Ralph Boxer.


Frédéric Mauro
Página do livro "De Angola à Contra Costa" desenhos da autoria de Roberto Ivens
A atual cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, na época do Ciclo do Ouro - Vila Rica e era o centro económico da mineração no Brasil colonial

(continua)

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Notas do editor:

Vd. poste de 6 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26355: Notas de leitura (1761): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

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