Diário da CART 1742
Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969
Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.
Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.
Fevereiro 69
Dia 7 - sexta-feira:
Fui mais uma vez ver o Adão ao hospital, e ele disse-me que ia ser transferido para Portugal.
E tudo continuou normalmente até ao dia 14, sexta-feira, em que fui chamado à secretaria, e me disseram que a minha companhia tinha mandado uma mensagem para me apresentar, pois pensavam que eu já tinha sido operado, e que continuava cá desenfiado. Então, levei as guias que me deram na secretaria para ir ao hospital para as assinarem, mas como já era tarde, mandaram-me voltar na segunda-feira dia 17.
Nesse dia lá compareci, e o médico consultou-me, e disse que me queria voltar a ver na sexta-feira dia 21, e que depois decidia.
Dia 18 - terça-feira:
É dia de carnaval em Portugal, mas aqui o carnaval é outro.
De manhã encontrei cá nos Adidos o 1.º Sargento da minha companhia, que me entregou o ordenado do mês anterior, e eu contei-lhe como estava a minha situação, sobre a qual ele se mostrou compreensivo.
Dia 22 - sábado:
Faz 19 meses que deixámos Portugal a caminho desta terra.
Ainda continua cá o sargento Bonito, e pagou-me o corrente mês, e assim continuou tudo normal até ao dia 27.
Dia 28 - sexta-feira:
Mais um fim do mês.
De manhã fui ao hospital, mas ainda não fiquei internado, e marcaram-me nova consulta para segunda-feira do próximo mês.
Março 69
Dia 3 - segunda-feira:
De manhã fui á consulta no hospital, e o médico que me consultava já não tinha forma de resolver o meu caso, e foi chamar o chefe da cirurgia. Estiveram a ver se havia vaga para os próximos dias, mas não conseguiram, e deram-me alta por 30 dias, com a possibilidade de poder ir à companhia.
De tarde fui à secção de transportes, e deram-me uma requisição para o avião Dakota. Assim, fui de seguida assinar a mesma ao quartel-general onde me marcaram passagem para o dia 5, quarta-feira.
Dia 4 - terça-feira:
Andei a tratar das guias de marcha.
Dia 5 - quarta-feira:
Às 7h fui ter com o delegado do batalhão de Nova Lamego, e disse-me que o avião tinha ido fazer um voo a Cabo Verde e, que a viagem ficava cancelada. Fui então ao Q.G. marcar nova passagem para o dia 7.
Dia 6 - quinta-feira:
Entre outras coisas, levantei as guias de marcha para amanhã fazer a viagem.
Dia 7 - sexta-feira:
Fui novamente ter com o delegado do respectivo batalhão para me levar ao aeroporto, mas disse-me que tinham cancelado novamente a viagem para Nova Lamego. Então fui novamente fazer a apresentação à secretaria, por não ter ido de viagem.
Até ao dia 20 não consegui viagem alguma.
Dia 21 - sexta-feira:
Às 8h fui avisado para levantar as guias, visto que amanhã a lancha da marinha vai a Bambadinca, e todos os que estão aguardar viagem para aquela região vão poder fazê-la. Assim o esperamos.
Dia 22 - sábado:
Fazemos 20 meses de missão.
Às 7h30 entrei na porta de armas, na viatura que nos levou ao cais, e depois foi um dia de juízo para embarcarmos, só partimos às 9h na dita L D M, e chegámos a Bambadinca às 16h, e aí pernoitámos.
Dia 23 - domingo:
Eu e um colega do batalhão de Nova Lamego, às 8h conseguimos transporte para Bafatá numa viatura que veio buscar gelo, onde chegamos às 9h30. Como não havia transporte para Nova Lamego, tivemos que nos apresentar à secretaria do esquadrão e assim pernoitamos cá
Dia 24 - segunda-feira:
De manhã saímos para ver se conseguíamos transporte, e encontrámos uma coluna de viaturas civis que iam a Bambadinca buscar material para a engenharia de Nova Lamego. Então os tropas que iam a fazer a escolta mandaram-nos esperar por eles. Por volta das onze horas fomos ao esquadrão levantar as guias, e às 12h30 eles chegaram, e assim partimos para Nova Lamego onde chegamos às 16h, de seguida fiz a apresentação no batalhão e cá pernoitei.
Dia 25 - terça-feira:
Ao meio-dia estava a almoçar no refeitório, quando o sargento de dia me entregou as guias de marcha, e disse-me para estar às 14h no aeroporto para seguir de avioneta para Buruntuma.
Às 14h lá iniciei a viagem com o piloto Honório. Passados 30 minutos aterrámos em Piche, retomando a viagem em poucos minutos, viagem essa que terminou em Buruntuma às 15h.
Após cumprimentar os colegas fui à secretaria fazer a apresentação, e, como o meu camarada Oliveira estava a comer juntamente com os mecânicos, também acabei por comer com eles.
A partir de agora vou passar a dormir no abrigo 8.
Dia 26 - quarta-feira:
De manhã fui à enfermaria fazer o curativo e, expor o meu caso da consulta externa.
Até ao dia 31 segunda-feira, tudo normal.
ABRIL 69
Dia 6 - domingo, Páscoa em Portugal:
Mesmo assim, eu, o Oliveira, e os mecânicos arranjámos 6 frangos, e foram assados no forno com batatas, e apesar de já não haver cerveja há alguns dias, o alferes Cruz arranjou algumas na messe deles, e claro também almoçou connosco, tal como o furriel mecânico Neves.
A restante semana tudo normal, excepto a alimentação, já que vai faltando quase tudo, inclusivamente o pão.
Dia 13 - domingo:
Fui avisado que amanhã vai uma coluna a Piche, e eu vou com eles, para regressar a Bissau e tratar do meu problema de saúde.
Dia 14 - segunda-feira:
Às 7h30 deixei Buruntuma definitivamente, e partimos em direcção a Piche onde chegámos às 10h30. Uma vez aí, encontrei alguns amigos da minha terra, e para bebermos algumas cervejas fomos ao comércio civil, pois na cantina também estavam esgotadas, tal como em Buruntuma. Também vai comigo para Bissau à consulta externa o cabo cozinheiro Saraiva e o Ribeiro, o furriel Pinto vai tratar de outros assuntos. Foi o Pinto que tratou da entrega das guias na secretaria.
À noite pernoitámos cá em Piche.
Dia 16 - quarta-feira:
Às 8h30 partimos numa coluna para Nova Lamego tendo cá chegado às 9h45. A seguir fui com o furriel fazer compras para mandar à companhia, e depois fomos entregar as guias na secretaria, e à noite cá pernoitámos.
Dia 17 - quinta-feira:
Ainda continuámos cá em Nova Lamego, com a passagem do dia sossegado.
Dia 18 - sexta-feira:
Às 9h45 fomos ao aeroporto aguardar que chegasse o avião Dakota, e ver se havia vaga para nos levar. Foi nos ditos que sim, e então fomos levantar as guias e às 10h45 partimos em direcção a Farim, onde aterrou por 10 minutos, e depois, seguimos para Bissau onde chegámos às 12h10. A seguir apanhamos boleia para os Adidos, onde entregámos as guias na secretaria, e assim passou mais um dia.
Dia 19 - sábado:
Como é fim de semana não dá para tratar de nada, mas deu para dar um passeio por Bissau, tal como no domingo.
Dia 21 - segunda-feira:
De manhã fui ao hospital a uma consulta, e mandaram-me voltar na sexta-feira a fim de ser operado.
Dia 22 - terça-feira:
Completo 21 meses de missão. De resto tudo normal, tal como os dias 23 e 24.
Dia 25 - sexta-feira:
De manhã fui ao hospital e disseram-me para baixar já amanhã até ao meio-dia. De tarde entreguei nos Adidos o boletim da consulta, e da baixa para assinar, mas como o capitão da companhia estava ausente, não foi possível.
Dia 26 - sábado:
Às 10h o capitão assinou os documentos necessários e às 11h30 dei entrada no hospital, fiquei no pavilhão A, cama 31.
Dia 28 - segunda-feira:
Pedi ao médico para não demorarem a operar, em virtude de estar a aproximar-se o dia de regressar a Portugal.
Dia 29 - terça-feira:
À noite avisaram-me para amanhã não tomar o pequeno-almoço, com a finalidade de ser operado.
Dia 30 - quarta-feira:
Às 9h45 levaram-me para a sala de operações e fui anestesiado, e acordei cheio de dores.
Foi uma tarde e noite difíceis.
Maio 69
Dia 1 - quinta-feira:
Um dia difícil com dores, tal como na sexta-feira, pois no sábado já comecei a resistir com mais facilidade.
Dia 4 - domingo:
Além das dores, fiquei triste com a notícia da morte por acidente de viatura de João Fernandes Caridade, um camarada da companhia.
Dia 5, 6 e 7:
Tenho vindo a melhorar aos poucos.
Dia 8 - quinta-feira:
De manhã tiraram-me os pontos na sala de tratamentos, e logo senti um grande alívio.
Dia 9 - sexta-feira:
Ao fazer o curativo o enfermeiro disse-me que o golpe tinha aberto, e chamou o médico, este disse-me que foi por eu me ter posto de pé, mas já nada havia a fazer.
Dia 12 - segunda-feira:
O médico disse que me ia propor alta, e que ficava em consulta externa a fazer o penso diário até que ficasse bom.
Dia 13 - terça-feira:
Foi-me dada alta da parte de tarde, então entregaram-me a roupa e as guias e passei para a enfermaria dos Adidos que também pertence ao hospital, se bem que continuo a ir ao hospital fazer o penso diariamente.
Foi o que aconteceu até ao dia 29, quinta-feira.
Dia 30 - sexta feira:
De manhã vi um desfile de militares chegados de Portugal, e fui fazer o penso ao hospital, à tarde fui até ao cais ver o NIASSA que os trouxe, e nos vai levar de regresso à nossa terra.
JUNHO 69 Dia 3 - terça-feira:
Chegou o 1.º sargento Bonito para tratar do assunto do embarque, e disse-me que a companhia chega depois de amanhã, ele fica instalado no quartel dos 600 em Sta. Luzia.
Dia 4 - quarta-feira:
De manhã fui ao hospital, e disse ao médico que ia embarcar no dia 6, e ele divertiu-se comigo, dizendo que não me dava alta e por isso eu ficava, mas lá ma passou, e deu-me uma carta para eu apresentar na enfermaria do barco para me fazerem o curativo.
Dia 5 - quinta-feira:
Fui à secretaria levantar as guias para passar para a minha companhia, visto que ela chega às 20h.
Ao meio da tarde fui para o cais à espera do meu pessoal, mas quando chegaram já eram 22h30, e com a demora do desembarque chegámos aos Adidos à meia-noite e meia.
Dia 6 - sexta-feira:
Desde que chegámos, das 0h30 até às 6h30 estive com o meu colega Oliveira e o sargento Ribeiro a receber o fardamento, as armas e o restante material para entregar.
Depois fui feliz da vida dizer adeus a Bissau.
Às 16h regressei aos Adidos, e às 17h partimos para o local onde embarcámos, neste grande barco NIASSA, que à meia-noite deu a partida para a viagem tão desejada.
Niassa
Dia 7 - sábado:
Às 14h30 o barco fez uma curva e começaram os rumores que o barco voltava para Bissau, a fim de levar um furriel que estava em perigo de vida.
Dia 8 - domingo:
Às 6h acordei e ouvi o barulho de um helicóptero, então levantei-me e fui para o convés, ver o que se estava a passar. Então vi que o barco estava parado e o helicóptero fazia todas as tentativas para pegar no doente, mas não conseguia. Então, desceram uma baleeira e foram levar o doente a uma pequena ilha que se via à distância, e só lá o helicóptero consegui resgatar o doente, tudo isto se passou na região de Cabo Verde.
Às 7h30 o barco reiniciou a viagem.
Dia 9 - segunda-feira:
Continua tudo razoavelmente bem, embora com um pouco de enjoo, mas a ansiedade de chegar a Lisboa nada nos incomoda.
Dia 10 - terça-feira:
Tudo bem, embora tenha tocado o alarme de perigo para formarmos com o devido equipamento de salva-vidas mas nada passou de um simulacro.
Dia 11 - quarta-feira:
Quando tomávamos o pequeno-almoço deu para ver terra à distância, quando nos foi dito que eram as Canárias.
Às 13h voltou a tocar o alarme, e lá formámos de novo com os respectivos coletes salva-vidas, mas nada aconteceu de mal.
Dia 12 - quinta-feira:
Tudo continua bem.
À noite houve mais uma sessão de cinema como é habitual todas as noites, só que esta tem um significado especial, pois acreditámos que seja a última passada aqui no barco.
Dia 13 - sexta-feira:
O dia mais alegre da vida até hoje.
Logo de manhã tirámos as malas do porão para o convés, às dez horas já começámos a ver terras e não deu para ver mais cedo por estar nevoeiro.
Às 11h chegámos ao cais de Alcântara, e às 12h30 desembarcámos dando assim largas aos abraços dos familiares que nos esperavam, e que assim faziam esquecer todo o sofrimento passado ao longo de quase dois anos.
Às 16h despedimo-nos desses familiares, e partimos de combóio para Penafiel, onde chegámos sábado dia 14 pela madrugada. Logo a seguir fizemos espólio da roupa que trazíamos vestida e a mochila com o restante, vestimos a roupa civil, dando um abraço de amizade aos camaradas, com o desejo de nos voltarmos a encontrar um dia.
Assim dei por terminada a minha missão obrigatória chamada de soberania, na dita Guiné, dando graças a Deus por me trazer de volta aos braços da minha família, e a esta terra querida do lugar do Cotorinho, Campeã, Vila Real.
Mário dos Anjos Teixeira Alves.
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Nota do editor
Vd. postes da série de:
24 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13434: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (1): Período entre Agosto de 1967 e Janeiro de 1968 (Abel Santos)
26 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13437: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (2): Período entre Fevereiro e Julho de 1968 (Abel Santos)
e
28 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13441: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (3): Período entre Agosto de 1968 e Janeiro de 1969 (Abel Santos)